INTRODUÇÃO
As doenças crónicas não transmissíveis (DCNT) são a principal causa de morte a nível europeu e, em particular, em Portugal (1, 2). Na origem destas doenças encontram-se diversos fatores de risco modificáveis, dos quais se destacam os hábitos alimentares inadequados, a hipertensão arterial e o Índice de Massa Corporal (IMC) elevado (1, 3-5). Torna-se, por isso, fundamental a promoção de hábitos alimentares saudáveis para a prevenção do desenvolvimento de doenças e promoção da qualidade de vida (6).
As condições de vida e de trabalho, concretamente o ambiente de trabalho, são consideradas básicas para a saúde do indivíduo. Assim, o ambiente de trabalho torna-se num local de eleição para a promoção de estilos de vida saudáveis (2, 7). Neste sentido, a avaliação de conhecimentos e práticas alimentares deverá ser uma preocupação por parte dos responsáveis pelos locais de trabalho. Resultados da investigação demonstram, de forma clara, que colaboradores com obesidade apresentam uma maior prevalência de absentismo que os demais (8, 9).
Em Portugal, aproximadamente 78% da população economicamente
ativa, com mais de 15 anos, trabalha, sendo que a maior parte se encontra com um contrato de trabalho a tempo integral (10), o que significa que passa grande parte do seu dia no posto de trabalho. Abre-se, assim, uma janela de oportunidades para o desenvolvimento e implementação de ações de saúde pública num local privilegiado, tendo como desafio a grande diversidade a nível socioeconómico, de estado geral de saúde e, também, cultural (9).
O local de trabalho é já reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma importante área de ação para a promoção de comportamentos alimentares saudáveis, contribuindo para a prevenção de DCNT na população ativa, surgindo a possibilidade de os transpor para a vida familiar (9, 11). Neste local, existem diversas estratégias possíveis para influenciar os comportamentos de saúde, nomeadamente a nível da alimentação. Por um lado, capacitando os colaboradores com conhecimentos sobre como praticar uma alimentação saudável e, por outro, modificando os ambientes alimentares e potenciando a mobilização desses conhecimentos (12, 13).
OBJETIVOS
Avaliar as fontes de informação e temáticas que suscitam maior interesse sobre alimentação/nutrição, a perceção do estado de saúde e os conhecimentos sobre alimentação dos colaboradores de uma autarquia.
METODOLOGIA
Neste estudo foi utilizada uma amostra de conveniência, sendo convidados a participar 306 colaboradores de uma câmara municipal, tendo participado 126 (taxa de resposta de 41,2%). Após exclusão de oito questionários por preenchimento incompleto, foram considerados para análise os dados de 118 colaboradores. A recolha de dados foi realizada em julho de 2019.
Foi construído um questionário de aplicação direta que englobava questões sociodemográficas (sexo, idade, habilitações literárias) e sobre o estado de saúde (autoperceção do estado de saúde, peso, altura). Incluíram-se, também, questões relativas à procura de informação sobre alimentação/nutrição e o interesse por diferentes áreas da alimentação/nutrição.
Para avaliar os conhecimentos sobre alimentação e nutrição, recorreu-se à versão curta de um questionário adaptado e validado para estudantes portugueses do ensino superior (14). Nesta versão, igualmente validada, exclui-se a Secção III da versão longa pela falta de consistência interna e de validade dos itens que poderia pôr em causa a validade e a consistência interna global da versão reduzida. As questões relativas à avaliação dos conhecimentos sobre alimentação estão divididas em 3 secções, tendo sido atribuída uma pontuação a cada secção: a secção I é relativa a recomendações dietéticas; a secção II refere-se à fonte alimentar de nutrientes e a secção IV aborda a relação dieta-doença. No final, por decisão dos autores, foi calculada a pontuação conjunta das 3 secções. Para a comparação do nível de conhecimentos entre os aspetos avaliados pelas diferentes secções, os resultados foram convertidos em percentagem de respostas corretas. Previamente à recolha de informação, foi realizado um teste piloto numa amostra de cinco pessoas de diferentes níveis socioeconómicos e académicos. Este teste permitiu testar as perguntas e a compreensão do questionário, resultando em reformulações. O protocolo obteve parecer favorável da Comissão de Ética da Universidade do Porto e neste trabalho foram considerados os princípios presentes na Declaração de Helsínquia, tendo sido garantida a proteção e confidencialidade de todas as informações recolhidas.
O tratamento estatístico foi realizado no programa IBM® SPSS® versão 25.0 para Windows®. A estatística descritiva consistiu no cálculo de frequências absolutas (n) e relativas (%), de medianas e de percentis (P25; P75). A normalidade das variáveis cardinais foi estudada pelos coeficientes de simetria e de achatamento. O grau de associação entre pares de variáveis foi medido pelo coeficiente de correlação de Spearman (R). O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar ordens médias de pares de amostras independentes e o teste de Friedman para comparar ordens médias de 3 amostras emparelhadas; quando o teste de Friedman indicou diferenças significativas, foram realizados testes post-hoc (Wilcoxon), com correção de Bonferroni. O teste t-Student foi utilizado para comparar as médias de pares de amostras independentes. Rejeitou-se a hipótese nula quando p < 0,05.
RESULTADOS
A amostra deste estudo é constituída por 118 colaboradores da autarquia, sendo a maioria do sexo feminino (55,9%). A mediana das idades dos que indicaram esta informação (n = 112) é de 48 anos (P25 = 42; P75 = 54).
No que diz respeito à autoperceção do seu estado de saúde, nove participantes consideram-se pouco saudáveis (7,6%), 18 consideram-se nem saudáveis nem doentes (15,3%), 79 relatam ser saudáveis (66,9%) e 12 participantes consideram-se muito saudáveis (10,2%). Há diferenças entre o nível de conhecimentos das 3 secções (p < 0,001). Os testes post-hoc mostraram menor nível de conhecimentos sobre a relação dieta-doença (mediana = 44,4%; P25 = 27,8; P75 = 61,1) do que sobre recomendações dietéticas (mediana = 83,3%; P25 = 66,7; P75 = 83,3; p < 0,001) e do que sobre fonte alimentar de nutrientes (mediana = 73,5%; P25 = 55,9; P75 = 82,4; p < 0,001).
Na Tabela 1 compara-se o nível de conhecimentos (total e nas diferentes secções) entre mulheres e homens. As mulheres apresentaram maior nível de conhecimentos, quer em termos de pontuação total (p = 0,001), quer nas secções relativa à fonte alimentar de nutrientes (p = 0,001) e relativa à relação dieta-doença (p = 0,030).
Para além disso, o nível na pontuação total foi tanto maior quanto menor a idade (R = -0,205; p = 0,030) e o IMC (R = -0,188; p = 0,049) e quanto maiores as habilitações literárias (R = 0,506; p < 0,001) e a autoperceção do estado de saúde (R = 0,123).
Na Tabela 2, estão descritas as frequências das temáticas que suscitam maior interesse na área da alimentação/nutrição, sendo que se destacam a culinária saudável (72,9%), a alimentação mediterrânica (30,5%) e a leitura de rótulos alimentares (24,6%). No que diz respeito à pesquisa por informação sobre alimentação/ nutrição, 80 participantes (67,8%) relataram ter o hábito de o fazer. Na Tabela 3, estão descritas as frequências das fontes de informação onde realizam essa pesquisa.
Os participantes que realizam pesquisa sobre alimentação/nutrição apresentaram um maior nível de conhecimentos comparativamente com quem não pesquisa (mediana = 67,2% vs. 57,8%; p = 0,004), apresentando também diferenças estatisticamente significativas para a secção relativa a fontes alimentares de nutrientes (mediana = 76,5% vs. 61,8%; p = 0,006) e para a secção sobre a relação dieta-doença (mediana = 50,0% vs. 36,1%; p = 0,017).
Na Tabela 4, compara-se o nível de conhecimentos (total e nas diferentes secções) entre quem refere ou não utilizar cada uma das fontes de informação sobre alimentação/nutrição mais frequentes. Relativamente à fonte de informação mais usada, a Internet, os participantes que a usam não diferem significativamente dos restantes em termos de conhecimentos. Os participantes que referiram obter informação nesta área através de um médico apresentaram diferenças estatisticamente significativas na secção que aborda a relação dieta- doença (p = 0,032). Para além disso, os participantes que referiram obter informação através de um nutricionista apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação às recomendações dietéticas (p = 0,035).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No presente estudo, os indivíduos do sexo feminino, os que têm menor idade e os que têm um IMC mais baixo apresentaram, no geral, um nível de conhecimentos superior, relativamente à alimentação. A literatura evidencia também a associação negativa entre um maior nível de conhecimentos e obesidade, considerando que, eventualmente, os conhecimentos sobre alimentação saudável poderão conduzir a melhores escolhas alimentares e, consequentemente, a uma redução na prevalência de obesidade (15, 16).
Relativamente à pesquisa por informação sobre alimentação/nutrição, a grande maioria usa a Internet, tal como verificado em outros estudos (17, 18), seguido da consulta com o médico e familiares, colegas e/ou amigos. De facto, a Internet é uma plataforma importante para a partilha de informação sobre saúde e nutrição por instituições de saúde pública. Contudo, também é possível encontrar-se diversos sítios eletrónicos e fóruns sobre saúde e nutrição cujo conteúdo nem sempre é fidedigno ou certificado por especialistas (19-21). Apesar de a principal fonte de informação ser a Internet, foi possível observar que os sítios eletrónicos de Organizações Governamentais e sítios eletrónicos de Associações Profissionais e Sociedades Científicas apresentam pouca adesão, com cerca de 7% cada. Estes dados podem indicar que a maioria da pesquisa realizada pelos colaboradores na Internet é feita em sítios eletrónicos, fóruns ou redes sociais, onde a qualidade e a confiabilidade da informação em saúde prestada variam substancialmente, tal como é possível observar em estudos internacionais (22-24) e nacionais (25). Todavia, um estudo sobre este tema relatou que a Internet apenas serve como complemento de informação nestas áreas e não como substituto de outras fontes, como profissionais de saúde, familiares ou colegas (26). Outro estudo revelou que dois em cada cinco portugueses afirmam que essa informação os levou a fazer sugestões ou a colocar questões ao profissional de saúde (27).
No que diz respeito à relação entre o nível de conhecimentos e a pesquisa na Internet, verificaram-se níveis superiores de conhecimentos, o que vai ao encontro do que foi observado num estudo realizado também em Portugal (28), podendo ser explicada pelo facto de a Internet permitir um acesso fácil e a baixo custo à informação. No entanto, a
* A soma das percentagens é superior a 100, pois os inquiridos podiam referir mais do que uma hipótese de escolha.
* A soma das percentagens é superior a 100, pois os inquiridos podiam referir mais do que uma hipótese de escolha.
discrepância entre níveis de conhecimentos não é significativa (Pesquisa na Internet: Sim = 67,2%; Não = 66,4%) por ter origens muito distintas e, em função das características de quem a acede, poderá haver maior ou menor capacidade de seleção de informação fidedigna e veiculada por instituições e profissionais de saúde certificados (28). Sendo assim, é fundamental que seja realizada uma avaliação e um escrutínio relativamente aos conteúdos disseminados na Internet, definindo-se critérios para a sua avaliação e promovendo um maior destaque a sítios eletrónicos de associações e instituições de saúde pública (19).
A pesquisa por informação na consulta com o médico foi a segunda fonte de informação mais frequente. Os colaboradores que referiram obter informação nesta fonte apresentaram maiores conhecimentos na secção relativa à relação dieta-doença. Na verdade, os profissionais de saúde têm conhecimentos sobre saúde e sobre a causa das doenças, para além da compreensão relativamente aos comportamentos alimentares e as suas implicações para a saúde, justificando, assim maiores conhecimentos sobre alimentação (18).
A consulta com o nutricionista ou dietista também surge como fon- te de informação, mas só em quinto lugar com uma percentagem de cerca de 19%. Os colaboradores que referiram obter informação através de um nutricionista apresentaram maiores conhecimentos so- bre recomendações dietéticas. Estes resultados poderão dever-se ao facto de que, numa consulta de nutrição, há espaço para a educação alimentar e informação nutricional, já que é a base para uma melhoria do estado nutricional e de bem-estar geral do indivíduo. Na literatura científica, encontram-se resultados similares a estes (29).
Para além disso, é importante referir que nem todos os indivíduos que apresentam um nível de conhecimentos alimentares elevado praticam, obrigatoriamente, hábitos saudáveis, já que pode existir discrepância entre conhecimentos, intenções e comportamentos. Esta ideia vai ao encontro ao descrito na literatura: as intervenções que consideram fatores psicológicos, como a motivação para a mudança de hábitos e fatores ambientais irão promover, mais eficazmente, hábitos saudáveis (30-32). Os resultados do presente estudo evidenciam que o nível de conhecimentos sobre alimentação desta população ativa não é elevado (mediana = 65,5%), principalmente na relação dieta-doença, justificando a necessidade de implementar intervenções a nível da promoção da literacia alimentar/nutricional, valorizando a vertente da educação alimentar e intervindo ao nível do ambiente alimentar no local de trabalho, que deverá estar alinhado com as recomendações nacionais propostas em 2019 pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (4, 32). Tal como todos os estudos, também este apresenta limitações. Tratando-se de um estudo exploratório, optou-se por proceder à recolha da informação do peso e da estatura por autorreportação dos inquiridos. Apesar de poder comprometer a precisão dos dados, considera-se que terá tido pouca influência nos resultados, devido à correlação muito forte entre os IMC calculados com base em valores de peso e altura autorreportados e medidos (33, 34). Sendo assim, considerou-se que, para os objetivos pretendidos, as vantagens suplantam os inconvenientes. O autorreporte do peso e da estatura e posterior cálculo do IMC também podem resultar numa imagem distorcida da realidade, uma vez que, relativamente ao peso, as mulheres têm tendência a sobrevalorizar valores baixos e a subvalorizar valores elevados enquanto os homens valorizam um peso corporal acima do real. A altura é habitualmente sobrestimada (35-38).
Outras limitações podem ser atribuídas à não obrigatoriedade de preenchimento do questionário, o que poderia levar à desistência dos inquiridos, uma vez que assumiriam esta atividade como mais uma tarefa, provavelmente não compreendendo as vantagens que este estudo poderia reverter para os próprios. Ainda, potenciais participantes mais saudáveis podem estar mais sensibilizados para colaborar, resultando num viés de participação. Apesar destas limitações, este estudo tem como pontos fortes o facto de poucos trabalhos sobre esta temática terem sido desenvolvidos em Portugal, contrastando com a relevância internacional deste tema, assim como o facto de contribuir para o diagnóstico da situação dos colaboradores de uma autarquia, servindo de ponto de partida para uma intervenção baseada na realidade constatada.
CONCLUSÕES
Neste estudo concluiu-se que o nível de conhecimentos se revelou superior no sexo feminino, em indivíduos com menos idade, nos que possuem mais habilitações literárias e nos que se percecionam como mais saudáveis. Além disso, um maior nível de conhecimentos está, também, associado a um IMC mais baixo. Foi possível observar que existe um menor nível de conhecimentos no que concerne à relação dieta-doença. No que diz respeito à pesquisa por informação sobre alimentação/nutrição, esta é feita principalmente na Internet e/ou através de um médico. Apesar de a Internet ser a fonte preferencial de informação, os participantes que a utilizam não diferiam dos restantes em termos de conhecimentos. Por outro lado, os que referiram obter informação através de um nutricionista apresentaram níveis superiores de conhecimento.