INTRODUÇÃO
A pré-obesidade e obesidade continuam a ser um problema de saúde pública a nível mundial e um fator de risco para o desenvolvimento de outras patologias, nomeadamente diabetes, doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro, doenças respiratórias e distúrbios psicossociais (1-3). Em Portugal, e de acordo com o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física 2015-2016, mais de metade da população sofre de pré-obesidade ou obesidade, com prevalências de 34,8% e 22,3%, respetivamente (4).
As causas são várias e, por norma, incluem uma interação de diferentes fatores: desequilíbrio entre o consumo alimentar e o gasto energético, sedentarismo e outros fatores ambientais, genéticos, sociais e ambientais (5, 6).
É sabido que uma redução da ingestão energética associada ao aumento da prática de exercício físico conduzem à diminuição ponderal, sendo por isso a estratégia mais utilizada para inverter o aumento de peso (3), o que acarreta mudanças nas rotinas do doente. Todavia, verifica-se comumente uma forte resistência à mudança (7, 8) que consequentemente irá comprometer a adesão ao tratamento, sendo esta uma das dificuldades fortemente apontada quer por profissionais de saúde quer por doentes (9, 10).
A adesão à terapêutica é ainda condicionada por fatores emocionais (os alimentos são frequentemente associados a emoções positivas ou negativas) (6), má gestão de tempo, crenças, falta de disciplina e motivação, frequentemente por inexistência de resultados imediatos (9). Embora fosse espectável que o indivíduo fizesse escolhas corretas para resultados positivos a longo prazo, parece que a satisfação imediata prevalece mesmo havendo consciência que isso acarreta efeitos nefastos para a saúde (11, 12). Outra dificuldade na perda de peso é a escolha alimentar inadequada, que para além de ser muitas vezes automática e não racional, acresce o facto da oferta de alimentos e bebidas não saudáveis estarem mais disponíveis e a um preço inferior, sendo menos dispendioso optar por alimentos com elevado teor de açúcar e gordura (12-15). É, por isso, importante não só promover uma redução do valor energético ingerido, mas sobretudo estimular uma mudança do estilo de vida (16). Esta alteração, com adoção de hábitos saudáveis, está associada à redução do peso, da massa gorda, da circunferência da cintura e à melhoria do perfil lipídico, glicídico e da pressão arterial (16).
Contudo, para que a mudança de comportamentos ocorra a todos os níveis é fundamental que haja uma intervenção terapêutica multidisciplinar que permita ainda aos doentes identificarem fatores motivadores para a perda ponderal e os capacite para escolher uns alimentos em detrimento de outros, aumentando o autocontrolo na escolha alimentar (5, 13, 16).
A utilização de técnicas de coaching e estratégias de nudging parece estar associada à adoção e à manutenção de um estilo de vida saudável (10, 11, 16-18), contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida, redução da mortalidade e morbilidade e, consequentemente, diminuição dos custos em saúde (3, 5, 7, 19-24). Contudo, a aplicação de técnicas e estratégias que envolvem mudanças de comportamento deve ter por base teorias baseadas em evidência científica (5, 8), e aplicadas por pessoal técnico e treinado para o efeito, como psicólogos e/ou nutricionistas com formação em coaching aplicado às Ciências da Nutrição (1, 5, 16, 25, 26).
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada na base de dados eletrónica PubMed entre dezembro de 2019 e agosto de 2020, utilizando os termos “coaching overweight”, “nutritional coaching”, “nudging food choice” e “nudging overweight”. A fim de complementar a pesquisa foram ainda pesquisados os mesmos termos em língua inglesa e portuguesa nas bases de dados SciELO e ScienceDirect. Da pesquisa inicial resultaram 1673 artigos. Foram incluídos artigos publicados entre 2007 e 2020, na língua inglesa, espanhola e portuguesa, realizados em crianças e adultos e excluídos estudos realizados com atletas e/ou enfoque na nutrição desportiva. Os artigos foram selecionados numa primeira fase através da leitura do título, resumo e leitura integral, respetivamente, tendo sido incluídos na análise integral 143 artigos. Desta análise, foram excluídos 109 artigos. Foram ainda incluídos 3 artigos, perfazendo um total de 37, que não seguiram a metodologia supracitada uma vez que foram pesquisados diretamente na fonte, respetivamente Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (1 artigo) e Ordem dos Nutricionistas (2 artigos).
Coaching
De acordo com a International Coach Federation, o coaching é definido como a “relação profissional permanente que ajuda a obter resultados extraordinários na vida das pessoas, na profissão, nas empresas ou nos negócios” (10), sendo o coach e o coachee elementos preponderantes dessa relação, em que o coach é o profissional treinado para desenvolver o processo de coaching, enquanto que o coachee é o indivíduo sujeito a esse processo (3, 9, 10, 23, 25, 26). Assim, o coaching é um método centrado no coachee, capacitando-o para a resolução de problemas, sem se focar diretamente nesse mesmo problema e sem que o coach lhe dê respostas, isto é, o coachee com orientação do coach procura as suas próprias soluções (3, 5, 9, 23, 25, 26).
O objetivo do coaching é, então, conduzir o coachee do seu estado atual (por exemplo, excesso de peso) para um estado desejado (perda ponderal) (9,20,26), funcionando como um facilitador da mudança com o foco em alcançar metas e, capacitando o indivíduo para alcançar o objetivo traçado (1, 3, 9, 18, 23, 25). A definição dos objetivos e metas é feita pelo coachee sob a orientação do coach, com vista a envolver o coachee no processo de mudança, promovendo o comprometimento, a autorresponsabilização e, consequentemente, a aquisição de disciplina, foco e motivação (3, 9, 16, 20, 25, 27).
Com base na construção de uma relação de confiança, escuta ativa e técnicas de comunicação, o coach aplica princípios psicológicos e estratégias já estudados, como o modelo transteórico da mudança (3, 19, 25), para despertar a motivação interior, delinear estratégias e habilidades para que ocorra a mudança, sem que esta seja forçada (10, 16, 20).
As técnicas de coaching são também utilizadas para que haja uma correta gestão do fracasso (10, 19), quando este ocorre, e superação de crenças limitadoras (ideias/pensamentos que impedem o coachee de alcançar o objetivo) (27).
Nudging
O termo nudge foi definido por Thaler e Sunstein como “qualquer aspeto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de forma previsível, sem proibir quaisquer opções ou alterar significativamente os seus incentivos económicos” (12). Nudge é então uma alteração no próprio ambiente onde as pessoas tomam as suas decisões com o objetivo de as direcionar para uma escolha, neste caso mais saudável, sem proibir ou eliminar outras opções (menos saudáveis), preservando sempre a liberdade de escolha do indivíduo (11, 28-30). À sua aplicação dá-se o nome de Nudging (13, 29).
Um nudge não conota uma escolha como sendo certa ou errada. Na verdade estes são praticamente impercetíveis pelo consumidor, que apenas é direcionado para uma alternativa melhor sem imposições ou proibições, sendo exemplos de nudge a disposição de fruta ao nível dos olhos ou a colocação de mais opções saudáveis nas máquinas de venda automática de alimentos em detrimento das opções com elevado teor de gordura e/ou açúcar (13, 30).
Outra característica do nudging é o baixo custo e a facilidade de implementação, o que faz dela uma estratégia interessante e cada vez mais utilizada por profissionais de saúde, nomeadamente nutricionistas e psicólogos, restaurantes, supermercados e governos de alguns países, como o Reino Unido, os Estados Unidos da América e o Brasil (11, 12, 17, 24, 28, 30, 31).
Aplicação de Estratégias de Coaching e Nudging na Prevenção e Tratamento do Excesso de Peso
Para que um processo de perda de peso tenha sucesso e mantenha os resultados é necessário adotar um estilo de vida mais saudável, com recurso a novas rotinas (3, 9). É fundamental haver organização do dia a dia e definição de prioridades, sendo o coaching uma estratégia auxiliar para o efeito (3), uma vez que os coaches utilizam os facilitadores para a mudança com vista a ajudar a pessoa que quer prevenir ou tratar o excesso de peso, a superar as ideias limitadoras, dando-lhe ferramentas para controlar o peso a longo prazo, complementando assim o trabalho realizado pelo nutricionista (1, 16).
Segundo Stelter, para além da falta de organização, a ausência de autocontrolo é outro obstáculo para a perda de peso (6). O autor refere que coaching na perda de peso trabalha a autorreflexão por parte do doente, promovendo um maior controlo sobre as suas escolhas, preparando-o para uma mudança de comportamento, sendo ele o responsável pela mudança e não o profissional (3, 6, 8, 25). Todavia, para que esta mudança de comportamento e alterações de hábitos ocorra é fundamental que sejam delineados objetivos em consulta, que contribuem ainda para que o doente mantenha o foco, motivação e faça a automonitorização (9, 18, 25). Vários estudos indicam que o coaching aumenta a capacidade de definição de objetivos com vista a melhorar a alimentação, sendo por isso um aliado na consulta de nutrição (3, 8, 18, 25). Para alcançar os objetivos, são delineadas em consulta estratégias para os alcançar, dotando o coachee de ferramentas que o permitem não só emagrecer, mas também manter a perda de peso, libertando-o de crenças limitadoras para a adoção de um estilo de vida saudável e potenciando os comportamentos positivos (9, 25, 27).
São vários os estudos que têm demostrado que o coaching pode ser benéfico como suporte no processo de perda de peso (1, 8, 9), contribuindo para uma mudança comportamental com resultados positivos na redução do sobrepeso a curto e longo prazo (5, 9, 32). Esta teoria é ainda suportada pelo Nutrition Care Process, revisto pela American Dietetic Association em 2008, que visa identificar o problema e estabelecer prioridades, metas e estratégias de ação e monitorização na prestação de serviços em nutrição (25).
Sendo o coaching uma ferramenta útil para usar em contexto de consulta de nutrição, o nudging parece ser eficaz fora dela, nomeadamente em cantinas e supermercados, mostrando resultados positivos para a diminuição da prevalência de excesso de peso (15, 30, 33).
A aplicação de estratégias de nudging parece aumentar, em média, 15,3% as escolhas alimentares saudáveis que tendem a permanecer no tempo, sendo uma estratégia promissora para a prevenção e redução do excesso de peso a longo prazo (31).
Um estudo de Lopes MB, desenvolvido em cantinas escolares, observou que após a implementação de nudges o consumo de fruta e vegetais aumentou 18% e 23%, respetivamente e que, tendo em conta o grupo de controle, se verificou um aumento de 83,9% do consumo de fruta e diminuição de 30,2% do consumo de sobremesas doces (30). Um outro estudo de Marques et al, publicado em 2020, mostrou que após a intervenção de nudging num bufete, onde o próprio cliente se servia, o consumo de salada aumentou comparativamente com o grupo de controlo (13).
Há diversos exemplos e tipos de nudges estudados na população adulta com idade igual ou superior a 18 anos, em ambos os géneros e em diversos ambientes como cantinas universitárias, refeitórios hospitalares, bufetes, laboratórios e supermercados (11, 13, 14, 24, 28, 29). Os que provam ser eficazes na diminuição da ingesta alimentar ou aumento do consumo de alimentos saudáveis e redução dos alimentos menos saudáveis passam por reduzir o tamanho das porções e embalagens; colocar o valor energético das refeições num menu de restaurante e/ou o tempo necessário, por exemplo de caminhadas, para promover o gasto energético dessa refeição; colocar semáforos nutricionais nos rótulos dos produtos alimentares; expôr frases motivacionais no ambiente onde ocorre a refeição, como bar, refeitório ou cantina; alterar a ordem como os alimentos são apresentados e disponibilizados, colocando os alimentos mais saudáveis num local mais prático e acessível (12, 34).
Vários estudos têm demonstrado que a aplicação de nudges é promissora para a promoção de uma alimentação saudável, sugerindo que estes promovem o aumento de consumo de alimentos saudáveis em detrimento dos menos saudáveis, sendo uma ferramenta útil para a prevenção da pré-obesidade e obesidade e manutenção do peso perdido a longo prazo (12-15, 24, 28, 29, 35).
ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
As estratégias de coaching e nudging não são um tema recente, embora nos últimos anos tenham sido mais debatidos e, consequentemente, ganho destaque da sua aplicabilidade às Ciências da Nutrição.
A falta de motivação e foco são dificuldades, muitas vezes assinaladas por profissionais e doentes, comprometendo a adesão à terapêutica e, consequentemente, a adesão às consultas de nutrição. Através do coaching é possível delinear estratégias que trabalhem essa falta de motivação e determinação da pessoa com excesso de peso (9). Por sua vez, estratégias de nudging auxiliam na escolha alimentar mais correta, sendo este outro desafio apontado pela pessoa que quer perder peso. Assim, um nutricionista através do coaching com definição de objetivos, construção de uma relação de confiança, escuta ativa, técnicas de comunicação e uma correta gestão do fracasso e do nugding com a redução do tamanho das porções, colocação de semáforos nutricionais nos produtos e exposição de frases motivacionais pode dispor de estratégias que o auxilem no tratamento do excesso de peso, uma vez que há uma associação positiva na interligação destas estratégias. Contudo estudos experimentais são necessários para avaliar a eficácia de ambas no processo de perda de peso.
A aplicação destas estratégias deve não só ser sustentada pela evidência científica, mas também executada por profissionais treinados, como psicólogos e/ou nutricionistas com formação em coaching aplicado às Ciências da Nutrição, ressaltando a importância de equipas multidisciplinares para uma eficaz gestão do peso.
De salientar que é competência de um nutricionista, e citando o Regulamento n.º 55/2019, “dominar e aplicar as metodologias de promoção de adesão ao aconselhamento alimentar e à terapêutica nutricional” e “promover a adesão à terapêutica nutricional, ajustando a prescrição sempre que necessário” (36), devendo para isso, e de acordo com o Código Deontológico da Ordem dos Nutricionistas, “utilizar os instrumentos científicos e técnicos adequados ao rigor exigido na prática da profissão, desenvolvendo uma prática informada e conduzida pela evidência científica” (37), para o qual este trabalho pretende contribuir.