INTRODUÇÃO
O envelhecimento é um processo que envolve declínio na função fisiológica, aumentando a prevalência de síndromes geriátricas, como por exemplo a sarcopenia, o que compromete a qualidade de vida e a funcionalidade dos idosos (1).
A sarcopenia é uma síndrome caracterizada pela perda progressiva e generalizada de massa e força muscular, com resultados adversos como incapacidade física, quedas, fraturas, deterioração da qualidade de vida e aumento do risco de mortalidade (2). A etiologia e os mecanismos subjacentes a esta síndrome são complexas e multifatoriais (3). A sarcopenia primária é uma consequência do processo de envelhecimento (como por exemplo função neurológica reduzida, alteração da distribuição das fibras musculares) enquanto que a sarcopenia secundária está presente quando uma ou mais causas são evidentes, tais como a inatividade (repouso na cama, estilos de vida sedentários), doenças crónicas (falhas em múltiplos órgãos, doenças inflamatórias ou endócrinas) ou se desenvolver como resultado de desnutrição ou má absorção, como o défice proteico (2, 3). É de salientar que as próprias características fisiológicas do envelhecimento, como a perda de massa magra e da função músculo-esquelética, a diminuição das capacidades cognitivas, o declínio significativo na regulação do apetite (denominado “anorexia do envelhecimento), o status socioeconómico (nomeadamente a insegurança alimentar) podem contribuir para o deterioração do estado nutricional e consequentemente para o desenvolvimento da sarcopenia (4, 5). Mais concretamente, pode-se dizer que a desnutrição é considerado um fator preditor para o início da sarcopenia (6).
Neste sentido, o fornecimento de uma nutrição adequada é um dos pilares cruciais para a prevenção e tratamento desta síndrome. A evidência científica sugere que a proteína desempenha um papel central na preservação da massa magra e prevenção da sarcopenia nos idosos (7). O metabolismo proteico no indivíduo idoso é caracterizado por um declínio da resposta anabólica face às proteínas ingeridas. A ingestão inadequada de proteínas (abaixo da recomendada de 1-1,2 g/kg/ dia) (8) irá interferir com o sinal anabólico muscular, comprometendo a manutenção da massa muscular e, consequentemente, a função muscular e o desempenho físico. De acordo com as recomendações da PROT-AGE, elevar a dose diária recomendada e a qualidade da proteína (9, 10) (aminoácidos essenciais, especificamente a leucina), e ter em consideração o timing da ingestão pode ter um impacto positivo na estimulação da síntese muscular em idosos (11). Por outro lado, a suplementação oral de aminoácidos como a leucina (considerada o aminoácido mais potente para estimular a síntese de proteína muscular (12)), pode ser ponderada quando a ingestão da proteína dietética não atinge os valores recomendados (7). Existe uma grande variedade de suplementos orais proteicos, principalmente à base de fontes de soja ou leite de vaca (13). Os suplementos com proteína do soro do leite são considerados como uma das melhores fontes de suplementação de origem proteica, pelo seu alto teor em leucina, fácil e rápida digestibilidade e disponibilidade em aminoácidos (7, 14).
Paralelamente, foi recentemente provado que a insuficiência ou a deficiência de vitamina D (ou seja, 25-hidroxivitamina D <50 nmol/L ou <20 ng/ml (15)) está positivamente correlacionado com o risco de desenvolvimento de várias condições patológicas como a sarcopenia, as doenças cardiovasculares, a obesidade e o cancro (16). Por outro lado, os idosos apresentam maior prevalência de baixos níveis de vitamina D como consequência da baixa ingestão alimentar e da redução da irradiação ultravioleta da pele. O efeito da presente vitamina tem sido amplamente investigado, sugerindo que desempenha um papel importante na estimulação da proliferação e diferenciação das fibras musculares esqueléticas, mantendo e melhorando a força muscular e o desempenho físico (17, 18). O aumento da ingestão desta vitamina estimula a expressão genética e aumenta a síntese de proteína do musculo esquelético, facilitando a função neuromuscular, o que induz benefícios na força e no equilíbrio nos indivíduos desta faixa etária (8, 19). A literatura tem demonstrado cada vez mais resultados promissores da suplementação conjunta de proteína do soro do leite enriquecido em leucina com a Vitamina D no aumento da massa muscular e na melhoria dos parâmetros funcionais nos idosos sarcopenicos (20, 21). Para além disso, foi comprovado que a prática de atividade física, especialmente treinos com exercícios de resistência podem sensibilizar os músculos a estímulos anabólicos e deste modo exercer um impacto positivo sobre a massa e força musculares e o desempenho físico (8).
O presente artigo de revisão tem como objetivo sistematizar a evidência científica sobre os efeitos da suplementação com proteína do soro do leite enriquecido em leucina e da vitamina D nos idosos com sarcopenia, assim como a sua eficácia na recuperação muscular dos mesmos, de forma a complementar e suportar a literatura existente acerca deste tema.
METODOLOGIA
A pesquisa do artigo foi realizada com base em diferentes recursos eletrónicos, nomeadamente Pubmed, Scopus e Web of Sience. Foram selecionadas palavras-chave como “elderly” ou “aged”, “sarcopenia”, “dietary supplements”, “leucine” e “vitamin D”.
Os critérios de inclusão focaram-se em artigos publicados nos últimos 5 anos (2015-2020 inclusive), estudos do tipo ensaio clínico e ensaios clínicos randomizados (seguindo os critérios da check-list PRISMA (22)), realizados em idosos com idade superior a 65 anos, artigos relacionados com o tema em causa e publicações na língua portuguesa e inglesa. No que diz respeito aos critérios de exclusão, foram excluídos estudos realizados em animais, publicações anteriores ao ano de 2015 e que estão não relacionados com a temática em estudo (Figura 1). A pesquisa foi realizada entre agosto e setembro de 2020.
RESULTADOS
Na primeira pesquisa foram selecionados 92 artigos. Após a aplicação dos vários filtros (anos de publicação, tipo de estudo, idade, língua e estudos realizados em humanos), obtiveram-se 25 artigos. Seguidamente excluíram-se os duplicados, selecionando-se 10 artigos. Após a leitura do título e abstract, obtiveram-se 7 a após a leitura integral selecionaram-se no final 6 estudos que se encontram apresentados na Tabela 1.
ANÁLISE CRÍTICA
Rondanelli et al.(23) estudaram o efeito da suplementação com 22 g de proteína do soro de leite, 10,9 aminoácidos essenciais incluindo 4 g de leucina e 2,5 mg/100 IU de vitamina D no aumento da massa isenta de gordura, força muscular e na melhoria da função física, qualidade de vida e risco de desnutrição em idosos sarcopenicos. Os participantes cooperaram em programas de atividade física e suplementação durante 12 semanas. Foi examinado a composição corporal com
ECR: Ensaio clínico randomizado
MMA: Massa muscular apendicular
SPPB: Short Physical Performance Battery
TCM: Triglicéridos de cadeia média
TCL: Triglicéridos de cadeia longa
DEXA (dual energy x-ray absorptiometry), força de preensão palmar com dinamómetro, avaliação do estado nutricional pelo Mini-Nutritional Assessment (MNA), função física e qualidade de vida antes e após 12 semanas de intervenção. Os resultados demonstraram efeitos benéficos desta suplementação nos idosos sarcopenicos em comparação com o grupo placebo, com ganho de 1,7 kg na massa isenta de gordura e melhorias significativas na força de preensão palmar e na massa muscular esquelética relativa. Além disso, 68% dos indivíduos sarcopenicos tornaram-se não sarcopenicos. Ambos os grupos seguiram um programa de atividade física personalizado, mas os resultados positivos foram apenas observados no grupo que recebeu suplementação, isto indicando que a atividade física é importante, no entanto não suficiente para alcançar uma resposta significativa. Por outro lado, o presente estudo observou ainda uma atenuação do estado inflamatório nestes doentes, conforme analisado pela queda significativa na concentração da proteína C-reativa (PCR) e aumento de marcadores anabólicos como a GH (growth hormone) e a IGF-I (Insulin-like growth factor I), assim como a redução do índice de desnutrição avaliado pelo MNA. Nesta perspetiva, um ECR recente realizado por Liberman K. et al (20), concluíram que 13 semanas de suplementação nutricional com 800 IU de Vitamina D e 20 g de proteína do soro do leite enriquecida com 4 g de leucina também influenciaram o perfil inflamatório em idosos sarcopenicos, marcadas pela atenuação significativa da citocina pró-inflamatória IL-6 no grupo que recebeu suplementação quando comparados ao grupo controlo. Num outro estudo, Verreijen S. et al. (24) relataram que o suplemento enriquecido com 21 g de proteína do soro do leite, 2,8 g de leucina e 800 IU de vitamina D quando comparados com um produto isocalórico preservou a massa muscular apendicular em idosos obesos. Porém não encontraram nenhum efeito benéfico desta suplementação na força e função musculares, uma vez que não houve diferenças significativas entre os dois grupos de intervenção.
Resultados similares foram encontrados num estudo realizado por Bauer et al., (21) no qual incluíram 380 idosos sarcopenicos com limitações leves a moderadas na função física (Short Physical Perfomance Battery entre 4-9) e com baixo índice de massa muscular esquelética. Os participantes que receberam durante 13 semanas um suplemento nutricional com 20 g de proteína do soro do leite enriquecido com 4 g de leucina e 800 IU de vitamina D tiveram um maior incremento de massa muscular apendicular e melhorias na função das extremidades inferiores quando comparados ao grupo controlo. No entanto, não se notaram diferenças significativas na força de preensão palmar e no Short Physical Perfomance Battery (SPPB) em ambos os grupos.
Além disso, Verlaan S., et al (25) observaram que, em idosos com sarcopenia, uma concentração de 25(OH)D ≥50 nmol/L e uma ingestão proteica ≥1,0 g/kg/dia contribuíram para um maior ganho na massa muscular apendicular, índice de massa muscular esquelética e massa muscular apendicular relativa. É relatado também que a vitamina D pode agir sinergicamente com a leucina e a insulina para uma estimulação anabólica da síntese proteica.
Adicionalmente, Abe S., et al (26) investigaram o efeito da administração de triglicéridos de cadeia média (TCM) juntamente com um suplemento enriquecido em 1,2 g de leucina e 800 IU de colecalciferol durante 3 meses em idosos fragilizados, e concluíram que esta suplementação melhorou substancialmente a força e a função musculares. Contudo, não conseguiram concluir o efeito do mesmo quanto ao aumento da massa muscular.
Os seis artigos avaliaram o efeito da suplementação referida na ingestão alimentar dos idosos estudados, que tiveram resultados diversificados. Também foi avaliada a composição corporal num dos estudos através da DEXA (dual energy x-ray absorptiometry), uma referência amplamente utilizada para avaliar a massa muscular e outros compartimentos. Também se recorreu à força de preensão palmar, através da medição quantitativa em quilogramas com recurso a um dinamómetro que permitiu avaliar a força e função muscular (23). Num outro estudo também se avaliou o desempenho físico através do SPPB (Short Physical Perfomance Battery), que integra parâmetros como o equilíbrio, a velocidade de marcha, a força e a resistência musculares (21). Todos estes instrumentos de avaliação são essenciais para um diagnóstico criterioso da sarcopenia.
Dos artigos analisados, o timing da introdução da suplementação não pareceu ter um efeito distintivo quando ingerido em conjunto com as refeições ou separadamente (como por exemplo antes do pequeno- almoço, almoço ou jantar), uma vez que em todos os grupos houve ou melhorias na massa muscular ou na força muscular.
Algumas limitações dos estudos analisados consistem na ausência de medição das concentrações séricas de 25-hidroxivitamina D na maioria dos artigos, uma vez que este é um bom indicador do status de vitamina D nos indivíduos em causa. Por outro lado, nenhum estudo avaliou o efeito da suplementação com vitamina D separadamente da suplementação com proteína do soro do leite enriquecido em leucina nestes doentes. Futuros estudos devem ter em conta esta limitação e também intervir na medição tanto da massa muscular como na avaliação dos parâmetros funcionais para que os resultados sejam mais uniformes e esclarecedores
CONCLUSÕES
A presente revisão evidencia que quantidades aproximadas de proteína do soro do leite - 20 g e aminoácidos essenciais que contêm leucina - 4 g, juntamente com 800IU de vitamina D mostraram resultados promissores na estimulação da síntese proteica e também na preservação muscular dos idosos. Foram relatados também efeitos favoráveis na força e função muscular, assim como na atenuação de parâmetros inflamatórios dos indivíduos em causa. Para além disso, esta suplementação pode ser potenciada por programas de atividade física, idealmente treinos de resistência individualizados e personalizados consoantes as circunstâncias de cada indivíduo durante um período de 13 semanas. Estes dados suportam a evidência científica atual no que respeita ao impacto fisiológico da suplementação nesta população, constituindo como um pilar para futuras investigações.
Com base na literatura analisada, conclui-se que é crucialmente importante uma identificação precoce da sarcopenia, uma vez que quanto mais cedo forem instituídas as intervenções terapêuticas, melhores resultados clínicos serão obtidos. A suplementação e o exercício físico são estratégias que podem ser promissoras para atenuar o desenvolvimento da sarcopenia nos idosos, contribuindo para uma maior independência e vitalidade dos mesmos. A investigação nesta área é fundamental para servir de base ao desenvolvimento de políticas de envelhecimento ativo e saudável.