INTRODUÇÃO
A esperança média de vida dos portugueses tem vindo a aumentar nas últimas décadas, bem como a mortalidade prematura por causas relacionadas com os estilos de vida, no qual se inclui a alimentação (1). A relação entre a alimentação e a saúde é amplamente reconhecida pela comunidade científica e pelo público em geral (2). O Padrão Alimentar Mediterrânico é descrito como um modelo de alimentação saudável e sustentável a adotar, pelas implicações positivas em termos de saúde, estando claramente associado à redução do risco de doenças crónicas (doenças cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de cancro, obesidade), à gestão do peso, e ao aumento da longevidade, mas também pela consciência ambiental, de proximidade à terra e à tradição que o mesmo propõe (2-7). Por outro lado, o consumo de alimentos processados, produtos açucarados, ricos em sal, gordura, gordura saturada e energia, característicos das sociedades de consumo atuais, associa-se ao desenvolvimento de doenças crónicas. A prevalência destas doenças continua a aumentar, apesar de todo o conhecimento que se tem vindo a construir (2, 8, 9). As preocupações com alimentação e nutrição fazem parte da realidade dos dias de hoje, existindo uma cada vez maior atenção por parte do público em relação às características nutricionais dos alimentos que escolhem e consomem. Num estudo da Nielsen de 2016, os portugueses demonstraram, uma preocupação com a saúde superior à da média europeia na escolha de produtos alimentares (10).
Atualmente, existe uma grande variedade de produtos alimentares disponíveis, que procuram responder às atuais preocupações dos consumidores, não apenas em termos de saúde, mas cada vez mais, também, de sustentabilidade. A abordagem alimentar do consumidor está focada em mais proteína, menos sal, menos gordura, menos açúcar, menor teor de gordura saturada, menos colesterol, mais fibra, mais vitaminas e antioxidantes. A resposta da indústria alimentar traduz-se em produtos que evidenciam estas características específicas (11).
São exemplo disso iogurtes com teor elevado de proteína, zero açúcar adicionado, 0% de gordura, batatas fritas com redução de gordura, cereais de pequeno almoço com maior teor de fibra, sumos com maior teor de vitaminas e antioxidantes, fiambre sem sal, entre outros.
No entanto a evidência científica recente demonstra que são os padrões alimentares e não a ingestão de nutrientes específicos isoladamente que influenciam a saúde (12, 13).
A abordagem focada nos nutrientes é reducionista e dificulta a compreensão do consumidor sobre a melhor forma de avaliar a sua ingestão alimentar (14, 15). No entanto, esta continua a ser a prática que prevalece em todos os contextos, quer na indústria alimentar, na restauração, na publicidade, e nos locais de venda.
Este facto está patente nas práticas que evidenciamos: é comum vermos o valor nutricional associado às receitas, às ementas escolares, às ementas da restauração comercial, entre outras.
Tomando como exemplo a Figura 1, a informação apresentada evidencia que o produto em causa fornece 52% das necessidades diárias de proteína, 16% de hidratos de carbono, 36% de lípidos, 37% de sal e 25% da energia, dando foco aos nutrientes e à energia consumida, ao mesmo tempo que torna difícil a identificação de quais os alimentos a consumir nas restantes refeições para cumprir as recomendações. Ao responder a 52% das necessidades em proteínas fica claro que faltam 48%, no entanto fica por saber a quantas gramas de proteína correspondem esta percentagem e a que quantidade de alimentos se refere. Este é apenas um exemplo, cuja interpretação é válida e transversal para qualquer alimento em que seja apenas e só, apresentada a quantidade e/ou contribuição percentual dos nutrientes em relação às necessidades diárias.
Acresce que o foco nos nutrientes desvaloriza o tipo de alimentos envolvidos, que no exemplo em concreto é bastante significativo. Não importa apenas saber a quantidade de hidratos de carbono, mas o tipo, uma vez que este fator condiciona o seu metabolismo, absorção e efeitos no organismo (16-18).
Por outro lado, o foco nos nutrientes leva a uma confusão muito frequente entre alimentos e nutrientes, comum entre os consumidores e entre os operadores do setor que disponibilizam esta informação ao público.
Referenciar “proteína” como ingrediente de prato é uma prática frequente, da qual são exemplo as imagens que apresentamos - Figura 2.
Para acrescer a esta confusão, a informação nutricional não é clara e objetiva nos rótulos dos produtos alimentares, persistindo a análise
[1]
individual por nutriente e/ou valor energético, assim como a partilhada em receitas, livros de cozinha e saúde, ou revistas de diversos âmbitos e ainda em ementas (19).
Desde 1977 que Portugal dispõe de um instrumento de educação alimentar simples, fácil de utilizar e entender, que agrupa os alimentos em função do seu valor nutricional - roda dos alimentos. Este instrumento revisto em 2003 indica-nos o número de porções de cada um dos grupos alimentares, a ingerir diariamente (20). Apesar da generalidade dos indivíduos conhecerem os instrumentos de educação alimentar, a relação prática das porções com os pesos e quantidades dos alimentos é desconhecida (21, 22). Acresce que este instrumento de educação alimentar reflete o Padrão Alimentar Mediterrânico reconhecido como saudável e sustentável. Inclusivamente, foi recentemente atualizado, com o objetivo de introduzir e/ou reforçar alguns conceitos importantes no contexto da alimentação mediterrânica, tais como a importância dos frutos oleaginosos, a sazonalidade, o consumo de cereais integrais, entre outros (23). No entanto, não existe nenhuma ferramenta user friendly para aferir o grau de conformidade com este guia.
Neste sentido os autores propõem uma abordagem disruptiva de aplicação das recomendações alimentares veiculadas pela Roda dos Alimentos, de forma a permitir uma melhor compreensão daquilo que deve ser a alimentação, transferindo o foco das recomendações nutricionais para as recomendações alimentares.
OBJETIVOS
Desenvolvimento de infografia representativa das recomendações das porções alimentares da Roda dos Alimentos e sua potencial aplicação em diferentes contextos das áreas de atuação do nutricionista.
METODOLOGIA
Tomando por base as porções da roda dos alimentos (20) e os seus intervalos, os autores propõem a criação de um valor de referência médio para os adultos, a exemplo do que é feito com as recomendações nutricionais (2000 Kcal).
Desta forma foram consideradas para um adulto médio as seguintes recomendações alimentares apresentadas na Tabela 1, assumindo-se sempre valores inteiros para as porções médias para um adulto.
A satisfação das necessidades nutricionais - Tabela 2 - pode ser assegurada através de combinações diferentes de alimentos, tendo por base estes intervalos de porções para os diferentes grupos alimentares.
RESULTADOS
Com base nos valores médios referidos na Tabela 1, foi desenvolvida uma infografia representativa das recomendações das porções, considerando o valor máximo (Figura 3).
Aplicabilidade em contexto de prática profissional
Tomando como referência a infografia proposta, apresentam-se várias possibilidades de aplicação desta abordagem em diferentes contextos. O primeiro exemplo é referente a uma ficha técnica, igualmente aplicável a receitas em livros, websites ou programas de televisão, entre outros (Figura 4).
Mais do que a informação nutricional que consta na ficha técnica, a infografia com as porções, demonstra de forma mais clara a relação das quantidades de alimentos propostos para a refeição com as recomendações alimentares, evidenciando-se nesta refeição o fornecimento quase integral das porções relativas ao grupo da carne, pescado e ovos.
A associação da infografia a imagens das receitas e/ou pratos confecionados (Figura 5), assim como a representação desta informação na ementa para o consumidor (Figura 6), evidencia a relação das quantidades servidas/ingeridas com a satisfação das recomendações alimentares, permitindo ainda melhorar a perceção da correspondência de uma porção para os vários tipos de alimentos.
A utilização desta infografia em contexto de registo para planos alimentares (Figuras 7, 8 e 9), permitiria não apenas o anteriormente referido, como também a melhor compreensão de como as diferentes refeições e produtos alimentares podem ser conjugados de forma a possibilitar a satisfação das recomendações alimentares, assim como uma melhor perceção dos excessos e carências em relação a grupos ou alimentos. Por outro lado, pode ainda aumentar a consciencialização relativamente ao consumo de produtos alimentares que não se enquadram em nenhum dos grupos, como snacks salgados, doces e sobremesas, que devem constituir exceções e não a regra.
ANÁLISE CRÍTICA
A alimentação é muito mais do que a soma dos nutrientes contidos nos alimentos ingeridos. O prazer à mesa decorrente quer do convívio social, quer das sensações que os alimentos nos proporcionam é parte fundamental do ato de comer (25). Além destas questões,
o tipo, o volume, o aspeto, o aroma ou a textura daquilo que é consumido tem efeitos fisiológicos diferentes, condicionando a satisfação, a saciedade e a forma como os nutrientes são processados e absorvidos (26, 27).
Assim, a abordagem alimentar deve ser baseada no tipo de alimentos e não apenas condicionada pelo teor de nutrientes, até porque, a seleção adequada dos alimentos permite, por um lado a ingestão de maior quantidade de alimentos (ou uma maior margem em relação às quantidades consumidas) e, por outro, garante o aporte em nutrientes (salvo em situações e condições de saúde específicas).
A partir do valor médio de referência de 2000 Kcal, enquanto valor
energético a atingir diariamente, foram considerados intervalos das porções dos diferentes grupos de alimentos, uma vez que as necessidades em nutrientes podem ser satisfeitas por combinações diferentes dos vários grupos, garantindo uma maior diversidade na ingestão alimentar, quer em termos qualitativos, quer quantitativamente. Por uma questão de simplicidade visual, a infografia apresenta sempre o valor máximo de porções. No entanto, a adoção desta abordagem, pode ser operacionalizada, considerando diferentes representações, de acordo com o grupo etário a que se destina.
A abordagem alimentar permite ainda olhar para o alimento de forma integral, possibilitando uma maior ligação com os alimentos, potenciando a reflexão sobre a sua proveniência, o seu cultivo ou o recurso a produções de proximidade, reduzindo o impacto dos transportes no meio ambiente e contribuindo para a solidez económico-financeira dos mercados nacionais/locais (11, 13).
A complexidade da informação atualmente disponível, e a falta de harmonização na forma como esta é apresentada entre os diferentes produtos/marcas, são referidas pelos consumidores como dificuldades à compreensão da mesma. O baixo índice de literacia da população portuguesa é apresentado por diversos autores como uma dificuldade adicional (28). Acresce que esta informação é centrada nos nutrientes, sendo cada vez mais frequentes, os exemplos de confusão entre nutrientes e alimentos, a sua utilização errónea como sinónimos e ainda os primeiros apresentados em substituição dos segundos. Esta confusão, afasta-nos da ligação natural que devemos ter com os alimentos, a sua origem, modo de produção, formas de confeção, entre outros aspetos que têm impacto nas questões da sustentabilidade, além das ligadas às tradições e à cultura alimentar.
Acresce ainda que esta disrupção pode induzir o consumidor de que é lícito ou desejável substituir os alimentos por substitutos alimentares, fontes de nutrientes (11, 13).
A abordagem proposta apresenta algumas limitações relacionadas com o instrumento em que se suporta - a Roda dos Alimentos, uma vez que esta não contempla, nos seus grupos, os frutos oleaginosos, alimentos que devem fazer parte de uma alimentação equilibrada. Mesmo, Roda da Alimentação Mediterrânica, apesar de os referenciar, não define a respetiva porção, ficando inerente a ligação desta à sua versão anterior. Este facto constitui uma oportunidade para a consolidação destes dois guias alimentares, integrando as recomendações num só documento, assim como a inclusão das porções para os frutos oleaginosos.
Os diversos exemplos apresentados, revelam a forma como esta ferramenta pode ser aplicada e consistir num auxiliar eficaz para o nutricionista em todos os contextos de atuação profissional (nutrição clínica, alimentação coletiva e restauração, nutrição comunitária e saúde pública), permitindo, de forma facilmente compreensível, transmitir a informação aos diversos interlocutores.
CONCLUSÕES
Mais importante do que somar nutrientes, há que evidenciar os alimentos ingeridos e como eles se completam na proporção relativa às recomendações alimentares.
A disponibilização desta informação nas ementas, menus, receitas, entre outros, assim como nos rótulos dos produtos alimentares permitiria facilitar a consciencialização da quantidade consumida em relação às porções diárias, assim como melhorar a perceção do que é uma porção para os vários tipos de alimentos, e de como o conjunto das diferentes refeições e produtos alimentares permitem atingir as recomendações alimentares e nutricionais.