INTRODUÇÃO
A alimentação com leite humano (LH) do recém-nascido (RN) é reconhecidamente a melhor forma de o alimentar, promovendo assim o seu melhor crescimento e desenvolvimento (1). A organização mundial da Saúde (OMS), recomenda o aleitamento materno exclusivo (AME), até aos 6 meses de idade, e depois o AM complementado com outros alimentos, até aos 2 anos de idade (1-3). As vantagens são múltiplas e documentadas, tanto no período neonatal, como na infância e futura vida adulta (1). A promoção do AME é assim um fator crucial de saúde pública e a sua implementação no período pós-natal imediato de primordial importância. É assim, também em Portugal, uma prioridade da Direção-Geral da Saúde (DGS) na sua global promoção de saúde pública (4, 5).
Apesar de todas as recomendações Nacionais (4, 5) e Internacionais (6) a prevalência do AME em Portugal mantém-se a níveis inferiores ao pretendido e com decréscimo acentuado nos primeiros meses de vida. A última publicação do Registo do Aleitamento Humano da DGS (RAM), de 2014 (7), refere AME de 92% dos RN à alta da maternidade e uma posterior quebra para 68% às 5-6 semanas de vida. De acordo com o Relatório de Resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade física, de 2017, 46% das crianças foram amamentadas exclusivamente com leite humano durante um período inferior a 4 meses (8). A literatura demonstra dados semelhantes, apontando diversos fatores responsáveis pelo abandono precoce do AME (7-13).
OBJETIVOS
O nosso objetivo foi o de determinar a prevalência local do AME dos RN saudáveis à alta da maternidade, assim como a sua manutenção ao segundo mês de vida.
METODOLOGIA
Realizámos um estudo transversal, de RN nascidos de Abril a Novembro de 2019 num hospital terciário e urbano do Norte do País. Analisámos uma amostra de RN saudáveis de termo, não gemelares, com percurso perinatal sem intercorrências ou necessidades terapêuticas, observadas posteriormente, ao segundo mês de idade, na Consulta de Recém-nascidos (CRN). Estas CRNs ocorrem durante os vários dias da semana e o agendamento das crianças é aleatório e composto pela totalidade de RN com alta da maternidade. A amostra deste estudo é composta por RN seguidos em consulta pelo mesmo médico. Recolhemos dados clínicos dos respetivos processos do internamento e da consulta. Além do tipo de aleitamento realizado, registámos a idade materna, a idade gestacional, tipo de parto, género e peso do RN e se ocorreu abandono do AME. O conceito de AME foi definido como uma alimentação exclusiva de leite humano, sendo aceitável os suplementos vitamínicos, minerais ou tratamentos farmacológicos.
A análise estatística foi realizada através do programa SPSS® (IBM, USA) v.26. As variáveis contínuas foram caracterizadas pela média (± desvio padrão) e as variáveis categóricas pelas frequências absoluta e relativa. A comparação de variáveis contínuas foi realizada através do Teste t independente e as categóricas através do Teste qui- quadrado. A análise emparelhada entre a data da alta e o segundo mês de vida foi realizada através do Teste McNemar. O valor p inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Foi obtido autorização da Comissão de Ética do hospital.
RESULTADOS
Dos 159 RN avaliados, 87 (55%) eram do género feminino, idade gestacional média de 39 semanas (DP± 1,2) e peso médio de 3173 g (DP±1460 g) ao nascimento. A idade média materna era de 31,8 anos (DP± 5,9). O parto foi eutócico em 82 (51,6%) dos casos, por ventosa em 44 (27,6%) e cesariana nos restantes 33 (20,8%).
À alta da maternidade, o AME ocorreu em 128 (80,5%) dos casos, sendo destes, 71 (55,5%) nascidos por parto eutócico, 36 (28,1%)por ventosa e 21 (16,4%) por cesariana (p= 0,019).
A prevalência do AME diminuiu desde a alta da maternidade de 80,5% para 59,7% (p<0,001) no segundo mês de vida. Não se verificaram, no entanto, diferenças significativas na comparação do modo de parto e a prevalência do AME no segundo mês de vida (Tabela 1).
Na consulta, o peso médio das crianças era de 4351g (DP ±738 g; 2920- 6300) não tendo ocorrido um ganho ponderal médio significativamente diferente para os diferentes tipos de parto ou tipo de aleitamento (p=0,954), ganho médio 1269g nos RN sob AME versus 1307 g nos RN sob AM não exclusivo.
O motivo referido para o abandono do AME foi por decisão parental em 9 dos 34 casos, sendo os restantes por indicação de profissionais de saúde por hipogalactea materna e má evolução ponderal. De salientar que num dos casos, um aleitamento misto (leite humano com fórmula infantil) realizado na maternidade, passou a AME posteriormente à alta hospitalar.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Analisando a prevalência do AME de 80,5% à alta da maternidade, constatámos um nível inferior ao preconizado por entidades de Saúde Nacionais e Internacionais, embora comparáveis aos dados nacionais publicados. Dos fatores comparados, a idade materna, a idade gestacional, o peso ao nascimento e o género do lactente, não demonstraram diferenças estatisticamente significativas do AME à alta, sendo, no entanto, significativa essa diferença na comparação do modo de parto, ocorrendo menos nos nascimentos por cesariana. Este dado poderá ter importância no estabelecimento privilegiado, neste grupo, de uma estratégia de orientação antecipatória da amamentação, especialmente na cesariana programada, assim como um apoio e orientação adicional às mães que amamentam, durante o primeiro dia pós parto e após a alta da maternidade (14-16).
Como esta amostra é composta por RN saudáveis, poderemos postular que a melhoria destes índices de AME seriam dependentes de melhorias assistenciais multifatoriais da nossa instituição, nomeadamente nas áreas Obstétrica e Neonatal. Propomos, assim, a evolução assistencial preconizada e estabelecida na Iniciativa Hospital Amigo dos Bebés (17- 20). Para que um hospital sejam nomeado Hospital Amigo dos Bebés terá que cumprir as dez medidas preconizadas nessa Iniciativa sendo assim expectável uma melhoria dos índices neonatais de AME da nossa instituição (19).
Esta melhoria da prevalência de AME também será esperada nas primeiras semanas de vida em consequência da implementação desta iniciativa assim como em resposta a um possível programa domiciliar, personalizado, de apoio ao aleitamento materno a ser direcionado especificamente à primeira semana pós-parto, pois ocorreu como demonstrado uma quebra de 26% após a alta da maternidade.
CONCLUSÕES
Este estudo de RN saudáveis demonstrou a diminuição da prevalência do AME entre a alta da maternidade e a avaliação ao segundo mês de vida. Salienta-se que a abordagem institucional não pode ser a mesma para todos os grupos, havendo dificuldades acrescidas em alguns, nomeadamente nos nascidos de forma distócica.
O sucesso do AME passará pela implementação de cuidados clínicos de acordo com o preconizado pela Iniciativa Hospital amigo dos Bebés assim como na possível instituição de um programa de apoio domiciliar durante a primeira semana após a alta da maternidade. A formação continua e envolvimento de todos os profissionais de saúde são a essência do programa.