INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde recomenda a amamentação até os dois anos de idade da criança, sendo exclusiva até os seis meses (1). A partir dos seis meses de idade, o leite humano já não supre sozinho todas as necessidades nutricionais do bebé, tornando necessária a introdução dos outros alimentos, conhecidos como alimentos de transição (2). Nesta fase, os pais, familiares e cuidadores da criança devem priorizar a oferta de alimentos saudáveis, preparados em condições seguras e adaptados às necessidades e estadios de desenvolvimento (3).
Com o avançar da idade da criança, as recomendações nutricionais e as texturas dos alimentos também vão evoluindo. No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a consistência da alimentação complementar deve ser espessa, na forma de papas ou purés, para estimular o desenvolvimento da mastigação. A sua evolução deve ser gradual e, a partir dos 8 meses de idade a criança já pode receber os alimentos preparados para a família, desde que sem temperos nem picantes, com pouco sal e oferecidos amassados, desfiados, triturados ou picados em pequenos pedaços (2). Deve-se ressaltar que as papas feitas com alimentos do tipo arroz, macarrão, carne e hortícolas, são comumente conhecidas como papa salgada, mas esta nomenclatura é apenas para a diferenciação das papas feitas com frutas, não devendo ter o sabor salgado. Para uma melhor definição, o Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria propõe que esta papa seja chamada de papa principal (4). Em relação às frutas, estas deverão ser oferecidas na forma de puré, ou raspadas com a colher e, assim como a consistência da papa principal, devendo-se evoluir sua consistência gradualmente, até que aos 9 meses sejam oferecias em pequenos pedaços (5).
A adequação da viscosidade e da textura dos alimentos oferecidos é de grande importância, por estarem relacionados à sua densidade energética. Os alimentos mais líquidos, como sumos de frutas e sopas, comprometem a oferta adequada de nutrientes, devido à menor densidade nutricional e à pequena capacidade gástrica das crianças nesta idade (5). É importante ressaltar que nesta fase, a oferta adequada de nutrientes é fundamental para garantir o desenvolvimento saudável da criança (4, 6).
A respeito da composição das papas principais, elas devem conter um alimento dos seguintes grupos: cereais e tubérculos; verduras e legumes; carnes, miúdos e ovos; e leguminosas (feijão, soja, lentilha, grão de bico). As papas devem ser preparadas seguindo as normas higiénicas, sem adição de sal e condimentos industrializados, podendo utilizar temperos naturais como: salsa, cebolinha, orégano e alho (2). A preparação das papas é simples, mas requer disponibilidade dos alimentos necessários e tempo de cozinhá-los. Tal demanda, aliada à mudança da rotina da família, e a incerteza sobre o que é melhor oferecer para a criança, muitas vezes faz com que os pais e cuidadores da criança optem, equivocadamente, por produtos industrializados, como as papas prontas. Um estudo realizado no Brasil com 1.185 crianças de 13 a 35 meses de idade apontou que dentre os produtos ultraprocessados mais consumidos por elas, os alimentos infantis eram o de maior percentagem (7).
Atualmente, a indústria de alimentos oferece diversos sabores de papas salgadas e de frutas. No entanto, os consumidores, no caso os pais, não são orientados sobre a real capacidade destes alimentos suprirem as necessidades nutricionais e sensoriais dos bebés.
Com base nas informações supracitadas, o presente estudo teve como objetivo comparar os valores nutricionais e as características organolépticas, com exceção para o sabor, de papas industrializadas e papas naturais no Brasil.
METODOLOGIA
Para a realização do presente estudo foram selecionadas as duas principais marcas comerciais de alimentos infantis conhecidos como “papas ou papinhas”, comercializadas no Brasil. Utilizou-se tanto papas salgadas como papas doces para a análise e comparações nutricional e visual.
A lista de ingredientes dos produtos foi analisada para que se pudesse reproduzir as mesmas preparações, com alimentos in natura, e as informações nutricionais contidas nos rótulos foram tabuladas para posterior comparação com as informações nutricionais das papinhas naturais.
A preparação das papas naturais foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2018 no laboratório de Nutrição e Gastronomia da Universidade de Franca. Após o desenvolvimento das papas naturais, as mesmas foram fotografadas para que se pudesse estabelecer a comparação visual com as respetivas papas industrializadas.
A Tabela 1 apresenta os tipos de papas industrializadas, bem como os ingredientes que constam nos rótulos dos produtos, e a Tabela 2 apresenta os ingredientes utilizados para a produção das papas naturais. Importante mencionar que foram realizadas modificações necessárias para adequar as papas naturais às recomendações do Ministério da Saúde para a alimentação de crianças menores de 2 anos. Vale ressaltar que todos os processos de preparo das papas foram desenvolvidos pelos pesquisadores e autores do trabalho, seguindo as recomendações da Portaria CVS 5, de 09 de abril de 2013 (8).
Quanto à composição nutricional, os valores dos nutrientes disponíveis nos rótulos das papas industrializadas foram comparados com os valores estimados das papas naturais nutricionais. Para esta estimativa foi utilizada a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos - TACO (9). A diferença estatística entre as médias dos valores nutricionais foi calculada pelo Teste t não emparelhado, considerando a independência das amostras. Adotou-se o nível de significância de 5%.
Para a análise da textura das papas, optou-se pela avaliação da viscosidade, caracterizada pela resistência de um fluido ao escoamento. Para isso as amostras em temperatura ambiente foram despejadas em superfície lisa para avaliação do espalhamento (10). O custo das papas naturais foi calculado e considerou-se a impossibilidade de comprar frações de alguns alimentos, o que resultou em um valor total de compra. Para tal, utilizou-se o valor médio referente a três supermercados da cidade.
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta os alimentos utilizados nas papas industrializadas e naturais e a Tabela 2 mostra os valores nutricionais das mesmas. Percebeu-se que os valores nutricionais das papas naturais e industrializadas foram diferentes, apesar da ausência de significância estatística (Tabela 2).
Vale mencionar que a média do custo das papas industrializadas foi de 6,93 reais, enquanto que a média de custo para a elaboração da mesma quantidade de papa natural foi de 1,89 reais.
A Figura 1 mostra a comparação visual entre as papas industrializadas e naturais, tanto de frutas como de refeições principais, na qual se pode observar a maior fluidez das papas industrializadas.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Pode-se notar uma variação nutricional importante, especialmente nos valores energético e de glicídios das papas naturais e industrializadas, apesar de terem sido usados os mesmos ingredientes principais. Acredita-se que as diferenças possam estar relacionadas com o fato da indústria adicionar ingredientes como: açúcar, farinha de arroz, amido, leite em pó, sumo de maçã, além de outros elementos fundamentais para a manutenção das características físico-químicas das preparações.
Costa e Mendonça (2014) desaconselham que os pais optem por papinhas industrializadas com aditivos químicos (11). Um estudo que comparou papinhas industrializadas convencionais e orgânicas comercializadas no Brasil constatou que as convencionais apresentaram uma lista de ingredientes muito maior, devido à presença de conservantes químicos (12).
Autores também alertam para o excesso de hidratos de carbono destes produtos, que muitas vezes são espessados com o auxílio da adição de amidos e farinhas, além da própria adição de açúcar na papa de fruta, que contraria a recomendação do Ministério da Saúde (2). Em se tratando de preparações que muitas vezes já possuem outras fontes de hidratos de carbono, a adição desses espessantes poderia desequilibrar a composição nutricional do alimento (11). Outros pesquisadores, que também analisaram a composição destas preparações também constataram o excesso de açúcares, bem como de sódio (13).
Sabe-se que o excesso de açúcar e sódio pode desencadear doenças crónicas não degenerativas no futuro ainda que a exposição ocorra nos primeiros 1000 dias de vida, período caracterizado por uma taxa de crescimento extremamente rápida e fortemente influenciado pelo ambiente (14).
Ainda sobre o sódio, único micronutriente presente nas informações nutricionais das papas industrializadas e, por isso, avaliado na presente pesquisa, pode-se observar que as papas naturais apresentaram quantidades bastante inferiores, quando comparadas às industrializadas. O estudo de Rauber e colaboradores (2018) constatou, assim como já vem sendo mostrado ao longo dos anos, que o processamento dos alimentos está diretamente relacionado ao aumento da ingestão de sódio (15). Vale mencionar que a papa industrializada 3 apresentava em sua composição um tipo de sal com reduzido teor de sódio, mas ainda assim, seu teor de sódio permaneceu bastante elevado. No Brasil o sal com reduzido teor de sódio é aquele que apresenta na sua composição uma substituição parcial do cloreto de sódio por outros sais, como o cloreto de potássio (16). Pesquisadores que avaliaram o impacto da redução de sódio em alimentos, não constataram grandes diferenças no consumo médio total de sódio por jovens, evidenciando uma preocupação com o alto consumo deste micronutriente já no início da vida (17).
Outra diferença nutricional importante que foi observada na presente pesquisa se refere ao teor proteico das preparações industrializadas e naturais. As papas industrializadas possuíam menores quantidades de proteína quando comparadas às naturais, resultado semelhante ao que foi mostrado por Cezaro, Pinheiro e Benedetti em 2016 (18). Sabe-se que a deficiência de proteína pode prejudicar o crescimento da criança, especialmente por se tratar de um nutriente construtor necessário para a síntese muscular, de anticorpos e enzimas, dentre outras inúmeras substâncias do nosso organismo (19). No entanto, a literatura também aponta os efeitos deletérios de um consumo exagerado, podendo levar ao ganho de peso excessivo e a problemas ósseos, enfatizando a necessidade de uma ingestão adequada em qualidade e quantidade (20, 21).
Pesquisadores ainda reforçam que a alimentação complementar caseira é superior não só no aspecto nutricional, mas também por promover aproximação com a alimentação familiar, conservando os hábitos culturais das pessoas (18). No entanto, para que sejam alcançadas as necessidades nutricionais do bebé e para que seja segura do ponto de vista microbiológico, as papas caseiras devem ser preparadas de acordo com as recomendações descritas no Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos e com as orientações dos profissionais nutricionista e médico (2).
Com relação às características organolépticas, excetuando o sabor pelo fato de não ter sido avaliado no estudo, pode-se observar a diferença da consistência e viscosidade das papas caseiras quando comparadas às industrializadas. Segundo Monte e Giuliane (2004) sopas, comidas ralas e alimentos liquidificados devem ser evitados na alimentação complementar, pois podem não fornecer o aporte calórico e nutricional suficiente para as necessidades da criança (22). Outros autores reforçam que a evolução da consistência das papas infantis é de grande importância para o desenvolvimento correto da mastigação da criança. A fase da alimentação complementar, é aquela na qual a criança irá desenvolver suas preferências alimentares, sendo assim uma má mastigação está diretamente ligada a seleção inadequada dos alimentos pela criança, o que pode levar a um consumo desequilibrado de nutrientes (23).
Notou-se também uma maior diversidade de cores nas papas naturais, tornando a refeição mais atrativa para a criança. Tendo em vista que uma alimentação rica em cores diversas poderá ser sinónimo de um consumo diversificado de vitaminas e minerais, pode-se supor que as papas naturais apresentem quantidades superiores de vitaminas e minerais, ou ao menos de compostos bioativos (24).
Ao analisar o custo, ficou evidente a discrepância entre os valores médios das papas industrializadas e das papas naturais, uma vez que as industrializadas custaram quase 3 vezes mais. Segundo dados do IBGE, em 2018, com exceção para o Distrito Federal, a renda per capita mensal dos brasileiros para os demais estados não ultrapassava dois salários mínimos, variando entre 605 e 1898 reais (25). Desta forma, priorizar as papas naturais pode auxiliar tanto no aporte nutricional e desenvolvimento do processo de mastigação, como em uma economia financeira para os indivíduos.
É importante destacar que o pequeno número de amostras das papas pode ser considerado uma limitação do presente estudo, que pode ter impactado na ausência de significância estatística nas comparações nutricionais. Além disso, não foi possível comparar os valores de outros micronutrientes, além do sódio, pela ausência de informação nos rótulos das papas industrializadas. Por este motivo, novas investigações devem ser realizadas com a finalidade de corroborar os achados preliminares do presente estudo.
CONCLUSÕES
O presente estudo permitiu concluir que as papas industrializadas possuem maior quantidade de sódio e reduzido teor de proteína, comparadas às preparações naturais. As quantidades de hidratos de carbono e lípidos variaram bastante, especialmente pela adição de amidos, açúcar e farinhas nas papas industrializadas.
Sobre a textura, algumas papas industrializadas não parecem estar de acordo com as recomendações para estímulo da mastigação. Com relação à apresentação, as papas naturais permitem identificar melhor o alimento que está sendo servido, mas ainda assim, podem ter uma aparência negativa quando os alimentos são todos misturados. Acredita-se que a separação dos alimentos possa favorecer uma boa apresentação da papinha natural. Além disso, do ponto de vista financeiro, as papas industrializadas podem custar 3 a 4 vezes mais do que as naturais.
De modo geral as papas naturais se mostraram mais vantajosas e, desde que preparadas de forma a atender às necessidades nutricionais e à segurança microbiológica, devem ser priorizadas.