INTRODUÇÃO
A entrada no ensino superior é um período transicional muito importante para os jovens adultos pela aquisição de uma maior independência nas escolhas alimentares, provocando um constante desafio na realização de opções alimentares mais saudáveis (1). Sendo um local de permanência regular para esta faixa etária, as instituições de ensino superior devem assumir um papel ativo, na construção de um ambiente promotor de saúde. Este objetivo faz parte das propostas patentes no relatório de 2019 do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) e é uma das medidas da Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS) nomeadamente, “Promover a alimentação saudável nas instituições de ensino superior” (2).
Uma das formas de promover um ambiente promotor de saúde nestas instituições é através do encorajamento e promoção de opções alimentares mais saudáveis. As Máquinas de Venda Automática de Alimentos e Bebidas (MVAAB) são responsáveis por uma grande parte da oferta alimentar existente (3-7). Vários estudos determinam que estes equipamentos são responsáveis pelo acesso a géneros alimentícios (GA) com elevada densidade energética, ricos em açúcar, gordura, sal e pobres em fibras, nas universidades, escolas, hospitais e noutros locais de trabalho (3-7). As MVAAB têm aumentado a sua prevalência e acessibilidade nos locais anteriormente referidos e têm ampliado a sua influência na energia diária ingerida pela população, o que corrobora a ideia de ser cada vez mais importante controlar o acesso e monitorizar o valor nutricional dos produtos disponibilizados por estes equipamentos (8).
Em Portugal, a oferta alimentar das MVAAB apenas é regulada nos estabelecimentos do ensino básico e secundário e nas instituições do Serviço Nacional de Saúde (SNS) (9-12). Na ausência de recomendações dirigidas ao ensino superior, faz sentido que se adotem as do SNS (Despacho 7516-A/2016), não só por serem mais recentes, mas especialmente por se dirigirem à população em geral e não apenas a uma faixa etária específica, o que também já foi indicado por outros autores (9, 13).
OBJETIVOS
Este estudo centra-se na caracterização da oferta de alimentos e bebidas existentes nas diferentes MVAAB distribuídas pelos inúmeros espaços da Universidade do Porto (UP) e na sua comparação com o definido no Despacho n.º 7516-A/2016 da Direção Geral da Saúde (9). Como objetivos específicos definiram-se a caracterização dos GA disponíveis nas MVAAB das faculdades e centros de estudo da UP, tanto globalmente como por faculdades da área de saúde versus de outras áreas, e a avaliação da quantidade de açúcar padrão e açúcar máximo disponibilizados pelas máquinas de bebidas quentes.
METODOLOGIA
Desenho do Estudo e Amostra
O estudo realizado é do tipo transversal, observacional e descritivo. A recolha de dados foi realizada na UP, durante o 2.º semestre do ano letivo de 2018/2019. Face à inexistência de dados sobre o número total de MVAAB disponíveis em toda a UP, a amostra engloba todas aquelas que foi possível identificar aquando das visitas às 14 faculdades e aos 2 cafés E-Learning, perfazendo 123. Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da UP (parecer n.º 64/CEUP/2019).
Recolha de Dados
A recolha baseou-se na avaliação de MVAAB, nas diferentes instalações da UP. Todos os equipamentos encontrados foram analisados uma vez, através do preenchimento de um formulário de observação. As visitas foram aleatórias, tendo sido realizadas em diversos dias da semana, ao início da manhã ou da tarde, sempre que possível, após reposição de GA pelos fornecedores.
O formulário foi desenvolvido com base noutro elaborado em trabalho anterior (14) tendo sofrido algumas modificações na classificação e divisão dos géneros alimentícios por grupos, indo ao encontro da legislação aplicável às MVAAB no SNS, presente no Despacho n.º 7516-A/2016 (9, 14). A primeira parte, foi dedicada à caracterização do equipamento: instituição a que pertence; localização na instituição (corredores principais, corredores de sala de aula, entre outros); tipo de máquina (bebidas quentes, bebidas frias, alimentos e bebidas); empresa fornecedora responsável pela sua reposição; número total de fileiras para exposição existentes e número de fileiras ocupadas com GA. A segunda parte do formulário foi dedicada à listagem de todos os GA presentes nas máquinas no momento da observação. Nesta etapa, os GA eram identificados pela categoria e marca a que pertenciam e pelo número de fileiras que estavam a ocupar.
Após a recolha de dados, os GA foram agrupados de acordo com os GA proibidos e permitidos determinados pelo Despacho n.º 7516- A/2016 (9) e pelos GA que não constam nesta legislação (Tabela 1). Relativamente ao doseamento do açúcar das máquinas de bebidas quentes, selecionou-se aleatoriamente uma máquina de cada um dos 6 fornecedores para analisar a quantidade disponibilizada pelos equipamentos, optou-se por retirar duas amostras (uma ao açúcar padrão e outra ao açúcar máximo). O açúcar recolhido foi posteriormente pesado numa balança Silver Crest® IAN302490.
*Permitidos: Água sem gás, iogurte líquido, sumos e néctares, leite simples, bolachas simples, sandes simples, fruta fresca, chocolate menor ou igual a 50 g, iogurte sólido;
** Proibidos: Refrigerantes, leite achocolatado, batatas fritas, snacks, pão com recheio doce, produtos de pastelaria, outras bolachas, salgados e folhados, produtos de charcutaria, outras sandes, chocolate maior 50 g, guloseimas, sobremesas, refeições rápidas;
*** Não consta na legislação: Água com gás, bebidas energéticas, lanches, barras de cereais, pastilhas elásticas, croissant salgados, outros alimentos.
CE1 e CE2-: Cafés E-learning
F1 a F14: Faculdades
F9/F14: Áreas comuns das Faculdades 9 e 14
n: número de espaços ocupados pelo género alimentício; %= (número de fileiras ocupadas pelo género alimentício/número total de fileiras ocupadas na instituição) * 100
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada no software estatístico IBM® SPSS® versão 25.0 para Windows® e no programa Excel®. A análise descritiva consistiu no cálculo de frequências absolutas e relativas. Por forma a comparar instituições da área de saúde e outras áreas, as faculdades foram divididas de acordo com a classificação da Direção-Geral do Ensino Superior (15). Testou-se a normalidade e o teste de Mann- Whitney foi aplicado para comparar variáveis com distribuição não normal (com nível de significância de 95%).
RESULTADOS
Foram avaliadas 123 MVAAB, sendo que 61 eram de bebidas quentes (49,6%), 6 de bebidas frias (4,9%) e 56 mistas de alimentos e bebidas(45,5%).
No total das 62 máquinas de alimentos e bebidas e de bebidas frias identificadas, existiam 2688 fileiras totais disponíveis para a colocação de GA, mas apenas 2432 (90,5%) se encontravam ocupadas. Os resultados apresentados referem-se à proporção relativa ao total de fileiras ocupadas.
Nas MVAAB da UP, no total foram encontrados 934 GA que estão no grupo de permitidos (38,4%), 1192 GA no grupo dos proibidos (49,0%) e 306 GA que não constam na legislação (12,6%). A proporção de GA permitidos variou entre 59,4% na Faculdade 4 e 34,1% na Faculdade 7. Por sua vez, os GA proibidos variaram entre 56,3% na Faculdade 5 e 15,6% na Faculdade 4 (Tabela 1).
Relativamente à comparação entre faculdades de saúde (53,3%) versus outras áreas (46,7%), não se verificaram diferenças com significado estatístico entre a proporção de GA permitidos e proibidos (Tabela 2). Os grupos de GA que estavam presentes em maior número nas MVAAB da UP eram: os refrigerantes (16,7%); as águas sem gás (16,3%); os produtos de pastelaria (10,9%); os chocolates com tamanho igual ou inferior a 50 g (10,7%); as outras bolachas (10,0%) e os sumos e néctares (5,8%). Nenhuma MVAAB apresentava leite simples (exceto nas máquinas de bebidas quentes), nem chocolates com tamanho superior a 50g, sendo que apenas o Café E-learning 2 apresentava fruta fresca e apenas a Faculdade 10 tinha disponível sobremesas. Relativamente à quantidade de açúcar padrão e máximo adicionado nas máquinas de bebidas quentes, verificou-se que nenhum
*Teste de Mann-Whitney
a Faculdade 1, Faculdade 4, Faculdade 5, Faculdade 9, Faculdade 11, Faculdade 12, Faculdade14
b Faculdade 2, Faculdade 3, Faculdade 6, Faculdade 7, Faculdade 8, Faculdade 10, Faculdade 13
distribuidor cumpria com o valor máximo de 5 g de açúcar padrão estabelecido na legislação (Tabela 3).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este estudo, permitiu verificar que 49% dos GA presentes, nas MVAAB da UP avaliadas (com uma variação de 15,6% a 56,3% entre as diferentes instituições) foram considerados como proibidos, de acordo com a legislação designada ao SNS (9), indicando, assim, serem uma fonte de produtos desadequados e causadores de um ambiente obesogénico.
Este estudo é consistente com vários outros nacionais e internacionais, que indicam o contributo das MVAAB para este ambiente, em locais de trabalho, serviços de saúde e universidades (4, 7, 16- 21). Nomeadamente, um estudo no Instituto Politécnico de Viseu (IPV) que concluiu que os seus equipamentos ofereciam alimentos nutricionalmente desequilibrados, ricos em hidratos de carbono, gordura, sal e pobres em fibras (21). Apesar de não ter sido feita uma análise à composição nutricional dos produtos existentes nas MVAAB da UP, é possível verificar, através dos alimentos encontrados em maior quantidade (produtos de pastelaria, chocolates, outras bolachas), que são também de elevada densidade energética, estando em conformidade com um outro estudo de maior abrangência geográfica a nível nacional (22). Um estudo realizado em serviços públicos, à semelhança do observado na UP, refere como GA mais presentes nas MVAAB: as bebidas açucaradas, os refrigerantes, a água, os chocolates, as bolachas, os doces e bolos (7). Na Universidade do Minho, em 2009, a análise à oferta alimentar das suas MVAAB concluiu que a maioria dos GA disponíveis (64%) eram considerados como não desejáveis (exemplos: bolos, chocolates, refrigerantes, entre outros) tal como o encontrado na UP (4).
Yumeng Shi et al indica que as bebidas açucaradas (bebidas com adição de açúcar e sem valor nutricional como: refrigerantes, bebidas energéticas, entre outros) ocupavam mais de um terço (33%), nas MVAAB numa universidade na Austrália (23). Na UP, estas bebidas açucaradas ocupavam cerca de 23% das MVAAB, o que indica uma menor quantidade destas bebidas, não deixando, ainda assim, de ser uma preocupação, especialmente, pela água sem gás apenas ocupar 16,4% dos espaços ocupados e os refrigerantes ocuparem o primeiro lugar, como GA mais presente no total de MVAAB observadas. Este facto, gera preocupação e motiva a necessidade da alteração urgente dos produtos disponibilizados.
De igual importância, para além dos refrigerantes e dos sumos e néctares, são as bebidas energéticas. Apesar de não estarem incluídas na legislação atual, estas bebidas apresentam vários malefícios quando ingeridas por jovens adultos, como podem estar associadas a um maior stress, diminuição da qualidade do sono e baixo desempenho escolar tanto pelo seu teor em cafeína que apresentam bem como, pelo seu elevado teor em açúcar (24, 25).
Tal como as bebidas energéticas, muitos outros GA que não se enquadravam em nenhum dos grupos referidos pela legislação foram encontrados nas MVAAB da UP, perfazendo 12,6% do total de
GA disponibilizados. Estes dados apontam para a necessidade de reformular a legislação com o objetivo de ser mais clara e abranger mais GA como os croissants, lanches, snacks de fruta desidratada, pastilhas elásticas, entre outros.
Relativamente às máquinas de bebidas quentes encontradas, nenhuma apresentava composição nutricional e/ou listagem de ingredientes. No entanto, podemos supor que algumas destas bebidas, como por exemplo, o chocolate quente tem, na sua composição, açúcar. A legislação apenas refere o açúcar máximo que cada máquina pode adicionar a este tipo de bebidas, correspondendo a 5 g. Analisando as distribuidoras da UP, nenhuma cumpre com estas orientações, sendo que duas delas apresentam mesmo valores que quase triplicam o recomendado (14 g).
Através desta análise, compreende-se a necessidade de verificar e controlar a oferta alimentar, nas MVAAB da UP, para a programação de possíveis alterações de melhoria, tanto como no estabelecimento de políticas, que podem incentivar os estudantes e funcionários a adotar melhores escolhas alimentares.
No entanto, é relevante salientar que alterar a oferta alimentar é um passo importante, contudo, é também necessária a existência de uma mudança nas atitudes e comportamentos alimentares dos indivíduos (7). Uma limitação deste estudo está relacionada com o facto de não ser possível assegurar que se recolheram todos os dados disponíveis, dada a inexistência de um registo de todas as MVAAB existentes na UP. Foram ainda encontradas outras limitações: dificuldades na procura de MVAAB em instituições devido à ocorrência de obras em alguns edifícios; a inexistência de uma separação clara entre os edifícios de diferentes instituições; a presença de rótulos não visíveis ou até a sua inexistência, bem como a falta de acesso às fichas técnicas dos produtos por parte dos fornecedores, dificultando a categorização dos GA.
Apesar das limitações referidas, este estudo permitiu conhecer a adequação da disponibilidade de um grande número de MVAAB da UP. Outro ponto forte prende-se com o facto de ter sido possível identificar as MVAAB como um fator obesogénico a ter em consideração em eventuais estratégias de intervenção na UP, ilustrando a importância do planeamento da oferta alimentar neste contexto.
CONCLUSÕES
Os refrigerantes e os produtos de pastelaria estão entre os GA mais disponíveis nas MVAAB da UP. Tendo por base a legislação em vigor no SNS, concluiu-se que na UP 49% das fileiras ocupadas das MVAAB continham GA proibidos e nenhuma distribuidora cumpriu com a quantidade máxima de açúcar definida para as máquinas de bebidas quentes.
Perante os dados obtidos, parece evidente a necessidade de reformular a oferta alimentar nas MVAAB da UP, no sentido de melhorar a qualidade dos GA disponibilizados e promover escolhas alimentares mais adequadas.