INTRODUÇÃO
A nutrição no desporto tem vindo a ganhar um grande destaque entre os clubes e federações como fator preponderante para melhorar e otimizar a performance em campo, permitindo alcançar as necessidades energéticas e nutricionais, manter uma boa composição corporal, melhorar e acelerar a recuperação e condição física, e minimizar o risco de lesão e doença (1 - 3). O futebol é um dos desportos mais conhecidos e com maior relevância em todo mundo. Requer um grande gasto energético, tanto nos treinos como nas competições, pois envolve diferentes intensidades de movimentos (curtos ou rápidos) e a utilização do metabolismo anaeróbico e aeróbico (4).
A Dieta Mediterrânica (DM) é apontada como uma das mais saudáveis, equilibrada, variada e capaz de suprir todas as necessidades de macronutrientes e micronutrientes necessários para um bom crescimento e desenvolvimento. Teve origem nos países que circundam o Mar Mediterrânico, sendo descrita, pela primeira vez, na década de 60 por Ansel Keys (5, 6). Caracteriza-se pelo grande consumo de produtos de origem vegetal, frescos, pouco processados e locais, tendo em conta a sazonalidade (7). Desde os anos 80 e até aos dias de hoje, a DM foi alvo de críticas positivas o que a levou a ser classificada como “Património Imaterial da Humanidade” pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) em 2010 (8). Para avaliar os hábitos alimentares de crianças e adolescentes tendo em conta este padrão, foi desenvolvido o Mediterranean Diet Quality Index for Children and Adolescents (índice KIDMED®) (9).
O papel dos pais, família, treinadores e educadores é fundamental na aprendizagem do “saber comer”, uma vez que, as crianças não estão dotadas a priori de conhecimentos para escolher os alimentos em função do seu benefício e valor nutricional (10). Assim, variáveis como o acesso a alimentos menos saudáveis, viver em zonas rurais ou urbanas, a instrução dos pais, a literacia alimentar e as suas práticas alimentares rotineiras vão influenciar diretamente o padrão alimentar das crianças. Lembrando que, estas aprendem através da observação dos adultos, vivenciando as suas escolhas, preparação e confeção dos alimentos (10, 11).
Assim sendo, uma avaliação da prevalência de excesso de peso e obesidade em clubes de formação e o estudo da associação entre as variáveis de interesse acima referidas nestas populações em específico, torna-se fundamental para a criação de novas abordagens e métodos de atuação e prevenção. Melhorar as práticas alimentares e qualidade de vida de crianças e adolescentes é um dos principais objetivos da saúde pública, tornando-os, não só melhores atletas através da otimização do seu desempenho e melhoria do rendimento desportivo, como, em última estância, futuros adultos mais saudáveis.
OBJETIVOS
Caracterizar o perfil antropométrico e a prevalência do excesso de peso e obesidade, bem como avaliar a adesão à Dieta Mediterrânica de jovens atletas da formação do Vitória Sport Clube (VSC).
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo descritivo transversal, com a participação de 33 jovens atletas do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 10 e os 12 anos, pertencentes aos escalões Benjamins B (10 anos), Benjamins A (11 anos) e Infantis (12 anos) da formação do VSC. A recolha de dados foi realizada no decorrer da época 2019/2020. Previamente à recolha de dados foi solicitada a autorização à Direção do VSC, bem como o consentimento informado para a participação neste estudo, aos encarregados de educação ou representantes legais de todos os atletas. O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Politécnico de Coimbra (CEPC). A cada atleta, aquando da avaliação, foram explicados os objetivos e procedimentos deste trabalho, bem como aos encarregados de educação no momento da resposta aos questionários. Os procedimentos utilizados respeitaram as normas internacionais da Declaração de Helsínquia (1975).
Os hábitos alimentares dos atletas foram avaliados através da adesão à DM, usando o índice KIDMED®. Para isso, foi entregue um questionário validado e padronizado a cada participante, desenvolvido por Sierra- Majem et al (11). Este é constituído por 16 questões (“sim/não”) de frequência alimentar. Cada questão tinha um score associado, respostas “sim” em questões com conotação negativa foram cotadas com -1 e com conotação positiva +1. O score final é calculado através da soma dos valores atribuídos a cada questão, variando entre -4 e 12. Este valor classificava a adesão à DM em três níveis: nivel 1 - alta adesão (>8); nivel 2 - adesão intermédia (4-7); nível 3 - baixa adesão (<3). Foi ainda aplicado um questionário para aferir alguns dados sociodemográficos, elaborado pela investigadora para determinar o grau de escolaridade completa do agregado familiar e a zona de residência.
A avaliação antropométrica foi realizada em vários dias, minutos antes de cada treino, sempre pela mesma pessoa, neste caso pela investigadora. Relativamente aos dados antropométricos, os atletas foram todos avaliados nas mesmas condições (apenas de calções e descalços), três vezes consecutivas para se obter um valor mais exato e um menor erro, segundo a Orientação n.º 017/2013 da Direção-Geral da Saúde em Portugal (12). Para além disso, a avaliação antropométrica foi executada segundo os procedimentos padronizados pelo The Internacional Society for the Advancement of Kinanthropometry (ISAK) relativos à avaliação antropométrica, garantindo a uniformização das medições efetuadas (13). Para a pesagem foi utilizada a balança do modelo TANITA BC-601®. Era pedido a cada atleta que se colocasse em cima da balança com os pés afastados à largura dos ombros em posição antropométrica. Para a medição da estatura foi utilizado o estadiómetro do modelo Seca 217®, era pedido ao atleta que se colocasse em posição antropométrica, com os pés juntos e a cabeça posicionada segundo o plano de Frankfurt. Para a medição do perímetro da cintura (PC) foi utilizada a fita métrica não extensível da marca CESCORF®. A partir desta, foi possível obter-se o quociente entre o PC e a estatura (Waist-to-height ratio - WHtR). Esta classificação de percentis foi desenvolvida por Sardinha et al e permite avaliar o risco de desenvolvimento de doenças metabólicas relacionadas com a adiposidade abdominal. Tem um único ponto de corte para risco aumentado (≥0,5), para crianças acima dos 5 anos e adolescentes (14). Para a classificação do estado nutricional foi utilizado como critério de referência as curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o percentil e z-score (15). Primeiro foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) através da fórmula de Quetelet: IMC = peso/ (altura) 2 (16).
A análise estatística foi efetuada no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 23.0 para o Windows. Neste trabalho foi aplicada a Estatística Descritiva (Medidas de Tendência Central e de Dispersão, bem como Medidas de Frequências Absolutas e Relativas).
Perfil Antropométrico
Os dados antropométricos revelaram um peso médio de 35,26 kg (4,916), uma estatura média de 1,42 m (0,062), um IMC médio de 17,50 kg/m2 (1,737) e um PC médio de 62,58 cm (4,085). O valor médio do ratio wHtR, foi de 0,44 (0,025) e apenas 1 participante se encontrava acima de 0,5 (Tabela 1). Verificou-se que em todas as faixas etárias, a maioria se apresentava entre os percentis 25 e 49, verificando-se um aumento deste com a idade (Tabela 2). De acordo com a interpretação dos pontos de corte dos z-scores e percentil do IMC para a idade, nenhum dos atletas apresentava magreza. Dos 63,6% que se encontravam normoponderais, 11 pertenciam ao escalão Benjamim A, 7 ao escalão Benjamim B e 3 ao escalão Infantil. Quanto aos 33,3% que apresentavam excesso de peso, 2 pertenciam ao escalão Benjamim A, 5 ao escalão Benjamim B e 4 ao escalão Infantil. Apenas 3,0% da amostra apresentava obesidade, correspondendo a 1 atleta do escalão Infantil. Totalizando-se, assim, 36,3% da amostra com um z-score ≥ 1 (percentil ≥ 85). E 3,0% da amostra com um z-score ≥ 2 (percentil ≥97). Verificou-se que o valor maior do IMC médio foi de 18,46 kg/m2 (2,481) encontrado no escalão Infantil.
Hábitos Alimentares e Caracterização da Adesão à Dieta Mediterrânica
Foi possível destacar, positivamente, o consumo de uma peça de fruta ou sumo de fruta por dia, a utilização do azeite, a toma do pequeno- almoço e a baixa frequência de restaurantes de fast-food. Negativamente, de destacar a diminuição do consumo de uma segunda peça de fruta e hortícolas por dia e o baixo consumo de frutos oleaginosos (69,7%). Relativamente aos diferentes escalões, verificou-se que os Benjamins B consomem mais hortícolas, tanto uma vez por dia (92,3%) como mais do que uma vez por dia (76,9%), mais leguminosas (92,3%), frutos oleaginosos (38,5%) e leite (100%). Negativamente destacam-se por consumirem mais produtos de pastelaria (15,4%). Quanto aos Benjamim A são os que consomem mais fruta uma vez por dia (83,3%) e o os que menos consomem hortícolas (58,3%), peixe (75%), cereais e derivados (75%), leite (83,5%) e iogurtes e/ou queijo (66,7%). No que concerne ao escalão Infantil, são os que menos consomem fruta duas vezes por dia e
hortícolas (ambas 75%), leguminosas (75%) e frutos oleaginosos (12,5%), mas são os que mais consomem peixe (87,5%), iogurtes e/ou queijo (87,5%) (Tabela 3 e 4). Quanto à adesão à DM, não foi encontrado nenhum participante com baixa adesão, e a grande maioria (84,8%) apresentavam adesão alta. O score de adesão médio foi de 9,42 (1,838). O score de adesão mais elevado foi encontrado no escalão Benjamim B, 9,69 (1,932).
Questões Sociodemográficas
Em relação à constituição do agregado familiar, a maioria apresentava 4 pessoas na sua constituição [pai, mãe e irmão (a)]. Para o grau de escolaridade, foi tido em conta o mais elevado dentro do mesmo agregado familiar. Os participantes que tinham pais com o ensino superior apresentavam um IMC médio inferior, 16,98 kg/m2 (1,569) e um score de adesão superior, 10,30 (1,567) (Tabela 5).
Discussão dos Resultados
A maioria dos atletas avaliados é normoponderal, e 36,3% apresenta excesso de peso e obesidade, o que está de acordo com outros estudos (17). Dados mais recentes do relatório Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), relativos a Portugal, referem que o Norte apresenta cerca de 31,1% de excesso de peso e obesidade infantil, aproximando-se aos valores obtidos neste estudo, cujas crianças são todas residentes no Norte do país (18). Relativamente ao PC, verificou-se um aumento deste com a idade, dados estes corroborados no estudo desenvolvido por Sardinha et al (14). Quanto à adesão à DM, de acordo com o índice KIDMED®, 84,8% da amostra revelou uma adesão alta, assemelhando-se a outros estudos realizados em faixas etárias semelhantes (19). Analisando o consumo de alimentos específicos típicos da DM, destacamos o consumo de pelo menos uma peça de fruta ser elevado, atingindo os 100%, bem como o consumo de hortícolas, rondando os 88%. Em ambos os casos, quando se questionou o segundo consumo de uma peça de fruta e hortícolas por dia, estas percentagens baixaram significativamente, mais de 20 pontos percentuais. No nosso estudo, cerca de 88% referiu consumir leguminosas mais do que 1 vez por semana, este resultado está bastante acima do encontrado nos estudos analisados (7, 20). Relativamente ao consumo de frutos oleaginosos a grande maioria da população em estudo não os consumia com regularidade, o que se encontra de acordo com os estudos analisados (7, 21). Seguindo a mesma tendência, quem obteve mais consumo foram os mais novos com pais com formação superior. Foi ainda possível constatar a existência de uma diferença tendencialmente significativa para uma diminuição da sua ingestão com o aumento da idade. No que diz respeito ao consumo de iogurtes e/ou queijo, cerca de 75,8% referiu fazê-lo. Quanto ao consumo de doces ou guloseimas e à frequência de restaurantes de fast-food, todos responderam que não têm por hábito frequentá-los, foram encontrados valores semelhantes num estudo realizado numa academia de futebol (22). Por fim, alguns estudos encontraram uma associação positiva entre o grau de escolaridade superior dos pais com a adesão alta à DM, tanto nas crianças como nos adolescentes (23). O presente estudo parece seguir esta tendência, possivelmente por existirem mais conhecimentos sobre saúde, alimentação e estilos de vida, no entanto, são necessários mais estudos neste sentido. Por fim, outras referências apontam a zona de residência (rural ou urbana) como um determinante do nível de adesão à DM, em que a zona urbana apresentava uma maior adesão à DM (7, 22). A grande limitação deste trabalho reside no facto da amostra apresentar um tamanho reduzido, forçado pela baixa adesão na resposta aos questionários, possivelmente pela obrigatoriedade imposta destes serem enviado em formato digital. Assim, era expectável que o número de participantes fosse superior. No entanto, são levantadas algumas hipóteses para futuros estudos neste âmbito.
CONCLUSÕES
Os principais contributos destacados neste trabalho devem ser compreendidos adequadamente enquadrados nas limitações inerentes ao tamanho reduzido da amostra. Ainda assim, num panorama exploratório, é de destacar a importância do diagnóstico destas situações, impondo-se a continuidade do estudo dos padrões alimentares das crianças e jovens, permitindo em última instância a reflexão sobre os hábitos de vida da população portuguesa, essencial à promoção de boas práticas em todos os contextos de vida. É de salientar uma tendência para o regresso a uma alimentação marcada pela influência dos padrões mediterrânicos, surgindo algumas causas que podem estar na génese desta inversão: o aumento da literacia alimentar dos pais, consciencialização da importância da nutrição e alimentação para a saúde, introdução de alimentos do passado nos hábitos alimentares dos mais novos. Isto é fundamental para a diminuição da tendência nacional e mundial do o crescimento de fenómenos como a obesidade infantil e diabetes tipo II. Destaca-se a importância major da inclusão de nutricionistas nas equipas multidisciplinares destes clubes, no sentido de intervirem nutricionalmente, monitorizarem o crescimento e a evolução nos escalões de formação, para assim termos jovens atletas mais saudáveis e podermos contribuir para uma melhor performance destes.