INTRODUÇÃO
O consumo excessivo de sal é um problema de saúde pública reconhecido a nível mundial, sendo um fator de risco para vários problemas de saúde como o cancro no estômago, a hipertensão e as doenças cardiovasculares (1 - 3). Aliás, reconhece-se que 47% dos casos de doenças cardiovasculares em todo o Mundo sejam causados por hipertensão, associada frequentemente ao consumo excessivo de sal (4). De modo a controlar este grave problema de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a quantidade de sal a ser consumida diariamente, incluindo tanto o sal presente naturalmente nos alimentos como o de adição, não deve ultrapassar 5 g/dia (2000 mg/dia de sódio) nos adultos e 3 g/dia (1200 mg/dia de sódio) nas crianças com idades entre 2 e 15 anos (5, 6).
A alimentação saudável é importante para o correto desenvolvimento e crescimento do organismo, assim como para o desenvolvimento do paladar por alimentos saudáveis, devendo ser iniciada desde idade precoce, de modo a evitar o aparecimento de hipertensão e doenças cardiovasculares, que poderão acompanhar os indivíduos durante toda a sua vida se não forem prevenidas (7 - 9). Durante grande parte da sua vida, a população faz refeições fora de casa, recorrendo principalmente a cantinas e restaurantes, não tendo controlo sobre o sal usado na confeção (10, 11). Lin e Frazão verificaram que as refeições confecionadas fora de casa tendem a ter maior teor de gordura e sódio e menor quantidade de cálcio e fibras (10). Num estudo realizado por Barbosa et al. foi avaliado o teor de sódio presente em sopas e pratos principais servidos em sete cantinas universitárias portuguesas e concluíram que o teor de sódio dos componentes alimentares estava acima do recomendado: os pratos principais continham uma média de 671,4 ± 374,5 mg de sódio/porção, sendo que os pratos de peixe e vegetarianos tinham maior teor de sódio comparativamente aos pratos de carne, e as sopas continham em média 398,0 ± 153,8 mg de sódio/porção (12). Aliás, Gonçalves et al. verificaram, num estudo anterior, que o principal responsável pela quantidade de sódio presente nas sopas era o uso de sal de adição (acima de 90% do sódio total), apresentando valores elevados, principalmente em infantários e lares de idosos (13).
Este trabalho pretende realizar uma revisão sistemática sobre estudos de intervenção para a redução de sal em cantinas públicas ou privadas, nomeadamente analisar quais as metodologias utilizadas.
METODOLOGIA
Os métodos do presente trabalho de revisão foram escritos tendo em consideração as recomendações internacionais (14).
A pesquisa destes artigos foi feita nas plataformas PubMed e Web of Knowledge, entre 23 e 28 de setembro de 2020. Esta foi feita por uma das autoras, tendo em consideração termos e palavras-chave relacionadas com cantinas ou empresas de restauração e intervenção para diminuição do uso de sal. Os termos pesquisados em ambas as plataformas foram ((“salt” OR “sodium” OR “sodium chloride”) AND (“canteen” OR “cafeteria” OR “catering”) AND (“randomized controlled trial” OR “trial” OR “intervention”)).
Foram considerados os seguintes critérios de elegibilidade: 1) estudos realizados em cantinas públicas ou privadas ou cafetarias; 2) estudos de intervenção; 3) estudos em que é avaliado o teor de sal antes e após a intervenção; 4) estudos escritos em português ou inglês.
Foi realizada a seguinte extração de dados, com consenso entre duas autoras: o apelido do primeiro autor, o ano de publicação, o país, a população em estudo, o local onde foram realizados os estudos, o período de intervenção, a intervenção, o método de avaliação e os resultados.
RESULTADOS
A pesquisa nas plataformas permitiu obter setenta resultados. Adicionalmente, foram acrescentados dois estudos incluídos nas referências bibliográficas dos artigos encontrados. Após a remoção dos duplicados (n=21), recorreu-se a uma primeira fase de leitura dos títulos e devidos resumos, excluindo dez artigos, por serem artigos focados em animais, plantas e produtos alimentares. Após esta etapa de triagem, fez-se a leitura na íntegra dos trinta e nove artigos selecionados e concluiu-se que apenas sete estudos se adequavam aos critérios de elegibilidade. Foram excluídos trinta e dois artigos, pelos motivos: estudos observacionais (n=10), estudos onde não houve intervenção para redução de sal (n=14), estudos que são protocolos (n=2), estudos não realizados em cantinas (n=4), estudos que não visaram a redução de sal (n=1) e estudos que se focaram em comentar outros estudos realizados (n=1).
A Tabela 1 contém o resumo das características dos sete artigos incluídos ordenados por ano de publicação. Os estudos foram realizados em diferentes países, sendo que três decorreram no continente americano, quatro na Europa, não tido sido incluído nenhum estudo realizado em Portugal. O período de intervenção dos estudos incluídos variou entre duas semanas e dezoito meses. Todos os estudos envolveram consumidores de ambos os sexos pertencentes a diferentes faixas etárias.
Estratégias para Redução do Sal em Cantinas
Nos estudos analisados, foram utilizadas diferentes estratégias para atingir o objetivo de redução do sal, sendo possível considerar o seu agrupamento em três domínios.
Alteração de ementas e do ambiente alimentar
No estudo de Geaney et al., as ementas foram alteradas de modo a diminuir o consumo de sal, havendo a substituição dos produtos processados e ricos em sal por produtos frescos e com pouco teor de sal, nesta intervenção os participantes do grupo de intervenção mostraram, em média, menor consumo de sal em comparação com o grupo controlo, 5,6 g/dia de sal vs. 6,7 g/dia de sal, respetivamente, p<0,046 (15). No estudo de Janssen et al., utilizaram produtos processados com redução de sal pela indústria, totalizando uma redução de 29% a 61% do sal dos alimentos disponíveis na cantina. Avaliaram a quantidade de sódio excretada na urina de 24 horas dos consumidores do grupo de intervenção e esta foi significativamente inferior à do grupo de controlo (119 mEq/dia vs. 165 mEq/dia, p<0,05). (16). No estudo de Cohen et al., houve a implementação de uma nova ementa, elaborada por um cozinheiro profissional, contendo menor teor de açúcar, gorduras e sal. Após a intervenção verificou-se nas escolas de intervenção, o sódio das refeições era menor do que nas escolas do grupo controlo (927mg vs. 1211 mg, p<0,0001) (17). Estas estratégias provaram ser eficazes, visto que nos três estudos, os resultados obtidos após a implementação da intervenção para a redução de sal foram significativos. O estudo de Brooks et al. foi o único que teve como objeto de estudo as máquinas de venda automática, cafetarias e quiosques, pretendendo reduzir a quantidade de produtos alimentares embalados com teores de sal superior a 200 mg por porção nestes locais, o que mostrou ter sucesso, havendo uma diminuição da quantidade destas refeições nos locais de venda (18). No estudo de Reynoso-Marreros et al., o sal adicionado às refeições foi padronizado, no momento da confeção culinária, com uma redução de 20% e foram removidos os saleiros de mesa. Verificou-se que o sal de adição na confeção de refeições diminuiu, embora os resultados não tenham sido significativos, observou-se uma diminuição significativa da pressão arterial dos consumidores, sem haver variação do desperdício alimentar e dos testes hedónicos (19).
Intervenções nos consumidores
A intervenção realizada por Geaney et al., nos consumidores foi a apresentação de informação sobre a redução do sal e alimentação saudável, que demonstrou ser eficaz na diminuição do consumo de sal, os participantes do grupo de intervenção avaliados pelo questionário recordatório das 24h anteriores apresentaram, em média, uma diminuição significativa do consumo de sal. Embora esta estratégia tenha sido combinada com a alteração das ementas e remoção dos saleiros de mesa (15). Na intervenção descrita por Brooks et al., forneceram aos participantes materiais educacionais para identificar opções saudáveis com baixo teor de sódio e aumentar a conscientização do consumidor sobre os efeitos na saúde, no entanto os autores não avaliaram o impacto da intervenção na redução do consumo de sal pelos participantes (18). Na intervenção descrita por Beer-Borst et al. realizaram workshops, enviaram emails e links para jogos ou filmes e trabalhos práticos sobre a importância da redução
de sal, consequências deste para a saúde e recomendações sobre alimentação saudável, verificou-se uma tendência de diminuição do consumo de sal no fim da intervenção no grupo de intervenção, uma vez que a quantidade média de sal consumido diariamente diminuiu de 8,7 g para 8,1 g (6,9% em 12 meses), no entanto, sem significado estatístico (p=0,192) (20). Dorresteijn et al., usaram cartazes a informar que a sopa continha menos 30% de sal e contribuía para uma pressão arterial saudável, não se verificou alteração no comportamento de compra do consumidor nos períodos baseline, intervenção e após o período de intervenção (21).
Intervenção nos manipuladores de alimentos
As intervenções nos manipuladores de alimentos, foram combinadas com outras estratégias já descritas. Beer-Borst et al., realizaram formações com recurso a um programa de coaching que incluiu apresentações e workshops para conscientizar os cozinheiros sobre os riscos para a saúde do consumo de sal e implementarem uma alimentação equilibrada e saborosa com teor de sal controlado. A quantidade média de sal ingerido pelos consumidores diariamente não diminuiu de forma significativa (20). Cohen et al. descreveram uma intervenção nas escolas, onde foi dada formação aos cozinheiros e implementaram novas ementas elaboradas por um chef profissional. A intervenção teve resultados significativos, verificou-se que o teor de sódio das refeições das escolas do grupo de intervenção, em média, era menor do que nas escolas do grupo controlo (17).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente trabalho de revisão sumariza as estratégias e os resultados de sete estudos relevantes com intervenções para a diminuição do uso e consumo de sal em cantinas públicas ou privadas e cafetarias. No estudo de Dorresteijn et al., a intervenção realizou-se durante duas semanas, sendo que os investigadores consideraram que o curto período de intervenção foi uma limitação do estudo e que as intervenções para a redução de sal em estudos clínicos deverão ser superiores a quatro semanas (21 - 24). Reynoso-Marreros et al. afirmam no seu estudo que este período ajuda significativamente a melhorar a pressão arterial (19).
Relativamente aos participantes no estudo de Geaney et al., verifica-se que estes não têm outras opções alimentares nem restaurantes por perto para se deslocarem, acabando por realizar as suas refeições nas cantinas dos hospitais (15). O objetivo desta intervenção foi fornecer opções de alimentos nutritivas para os funcionários, com foco particular na redução da ingestão de sal. Os pedidos de compra de produtos com alto teor de sal (misturas de molhos, cubos de caldo) e carnes processadas (bacon, carne enlatada) foram substituídos por opções com baixo teor de sal (peru, frango e peixe). Ervas aromáticas frescas, especiarias e alho foram introduzidos para desenvolver um sabor adicional e removeram o sal em todos os processos de confeção. Os participantes do grupo de intervenção avaliados pelo questionário das 24h anteriores apresentaram, em média, uma diminuição significativa do consumo de sal. Os investigadores indicam ser importante, no futuro, a realização de testes de urina de 24h durante vários dias, incluindo períodos de férias e/ou folgas, de modo a aferir se os participantes realizam refeições saudáveis fora das cantinas dos hospitais (15).
Com uma maior formação, os cozinheiros e manipuladores de alimentos das cantinas serão capazes de fornecer refeições mais saudáveis e saborosas, podendo melhorar os hábitos alimentares dos consumidores e, consequentemente, a sua saúde (17). Segundo Gonçalves et al., que desenvolveram um estudo envolvendo manipuladores de alimentos de uma empresa de restauração, em Portugal e verificaram que estes se preocupam em fornecer refeições saudáveis, tendo conhecimento que o sal em excesso é prejudicial para a saúde e qual o limite máximo diário de consumo definido pela OMS (25). Uma das limitações apontadas para a adoção da redução do sal nas refeições confecionadas é a satisfação e a opinião do consumidor (26), realçando a importância de intervenções que envolvam o aumento da sensibilização e literacia do consumidor para a redução do sal.
Estes estudos avaliaram o impacto da redução de sal em diferentes domínios, como no consumo, através da excreção urinária de 24h, pela análise da composição das refeições servidas através de tabelas de composição nutricional e rótulos dos alimentos e do questionário recordatório das 24h anteriores (15, 16, 20), na oferta, através da análise das refeições/ementas e análise dos alimentos pré-embalados (17, 18), na venda das refeições (21), no desperdício alimentar (17, 19) e na saúde, com a medição da pressão arterial (19). Em relação às avaliações da ingestão de sódio através da urina de 24h, no estudo de Janssen et al. verificou-se que, apesar de consumirem refeições com menor teor de sal na cantina, os participantes do grupo de intervenção não sentiram a necessidade de compensar o sal não consumido. Os autores reduziram entre 29% e 61% o sal dos alimentos disponibilizados na cantina através da aquisição de alternativas de alimentos processados com menor teor de sódio (dezanove produtos alimentares reformulados como pão, queijo, sopa, saladas e carne, sendo consideradas aquisição de produtos embalados com baixo sal ou ingredientes processados com menor teor em sal para os confecionar) (16).
Reynoso-Marreros et al. e Dorresteijn et al. indicaram nos seus estudos que é possível reduzir gradualmente o sal a ser adicionado na confeção de refeições e consumido sem afetar a aceitabilidade destas. Dorresteijn et al. estimaram a quantidade de sal adicionado nas duas sopas servidas nos hospitais e reduziram cerca de 30% na sopa creme, informaram os consumidores da redução através de cartazes e o comportamento de compra do consumidor não se alterou. Reynoso-Marreros et al. procederam a uma redução de 20% do sal adicionado aos alimentos durante a confeção com base em estudos anteriores que indicaram que essa redução não era percecionada pelos consumidores e não afetava a palatabilidade dos alimentos. Antes da intervenção, os cozinheiros foram treinados para pesar o sal adicionado aos alimentos durante a confeção num período de quatro semanas, posteriormente elaboraram uma lista detalhada das receitas com a quantidade de sal habitualmente adicionada e reduziram 20% no período de intervenção. O sal foi colocado em saquinhos para garantir um processo adequado sem adicionar quantidade extra (19, 21). Relativamente à saúde, Reynoso- Marreros et al. demonstraram que houve alterações significativas e positivas das pressões sistólica e diastólica, o que indica que a implementação de intervenções para a redução do uso de sal pode ter um impacto positivo na pressão arterial (19). A quantidade preferida de sal nos alimentos depende da quantidade de sal habitualmente consumido e essa quantidade preferida pode ser reduzida após uma diminuição gradual da ingestão de sal (26), resultando em um aumento na intensidade de sal percebida e na diminuição do gosto por alimentos com teor elevado de sal (27-29).
Futuramente será importante realizar estudos de intervenção que incluam outros locais, como infantários e em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas, e ainda ter em consideração outras doenças crónicas que os participantes possam ter, como diabetes mellitus e hipercolesterolemia (19).
CONCLUSÕES
Com a realização desta revisão sistemática é possível concluir que, apesar de existirem estudos de intervenção para redução do uso de sal na confeção de refeições em cantinas, estes são insuficientes. Existem diferentes estratégias que podem ser adotadas, que podem ser agrupadas em três áreas principais de intervenção: alteração de ementas/ambiente alimentar, consumidores e manipuladores de alimentos. As intervenções podem ser realizadas numa só área ou em mais do que uma área, devendo ser adaptadas ao contexto específico. As intervenções com alteração das ementas com foco na redução de sal apresentaram resultados positivos na diminuição do consumo de sal e quando as reduções são graduais parece não existir impacto negativo na aceitabilidade dos alimentos pelo consumidor. No futuro, o ideal é voltar a repetir estes estudos, em diferentes ambientes, com um maior período de intervenção e com medidas de adesão objetivas de modo a obter resultados mais fiáveis, sugerindo que metodologias conferem um maior impacto na redução do sal.