INTRODUÇÃO
As embalagens usadas na indústria alimentar têm como funcionalidades conter o alimento, protegê-lo de agentes de deterioração, tais como a luz, o calor, a humidade, os gases, e os microrganismos e consequentemente aumentar o seu tempo de vida de prateleira. Além disso, as embalagens visam informar o consumidor, através da rotulagem alimentar, bem como atraí-lo através de diversas estratégias de marketing usadas na própria embalagem (1-4).
Embora os polímeros derivados do petróleo, tais como o plástico, tenham sido amplamente usados com essa finalidade, a crescente preocupação com a sua natureza não biodegradável, e acumulativa nos ecossistemas, desencadeou a investigação e o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis, incluindo o uso de polissacarídeos e proteínas (2, 5-11). Estas biomoléculas, comummente extraídas de alimentos, como frutas e produtos hortícolas, quando submetidas a diversos processos tecnológicos, fornecem embalagens comestíveis com propriedades físico mecânicas adequadas, bem como características sensoriais e nutricionais otimizadas (5, 6).
As embalagens comestíveis podem ser aplicadas aos alimentos na forma de revestimentos e filmes. Considera-se um revestimento comestível quando a solução que dá origem ao filme edível é aplicada diretamente no produto (12). Este procedimento pode ocorrer através da imersão do género alimentício (GA) na solução, ou através da aplicação da mesma sob a forma de spray ou com auxílio de um pincel (brushing). Após a deposição da solução na superfície do alimento, esta é submetida ao processo de secagem, de modo a formar uma película fina (3, 5, 8, 9, 13-15).
Um filme comestível é uma solução, que é igualmente sujeita ao processo de secagem, sendo posteriormente utlizada e aplicada como um material autónomo e isolado ao GA, no alimento (3, 5, 8, 12, 14). De forma a ser considerada um filme comestível, a sua espessura deve ser inferior a 254 µm (9, 13, 15).
Desta forma, o presente artigo de revisão pretende explorar mais sobre a aplicabilidade das embalagens comestíveis, o tipo de matérias-primas mais recomendáveis para a conservação de diferentes tipos de alimentos, bem como as implicações que podem ter na segurança alimentar. É ainda relevante, considerar os aspetos sensoriais, nutricionais destas embalagens e assegurar a sua sustentabilidade e aceitabilidade, por parte dos consumidores e da indústria alimentar.
METODOLOGIA
Esta revisão teve por base a pesquisa de artigos científicos nas bases de dados “Science Direct”, “PubMed” e “Google Scholar”, usando os descritores “edible”, “food”, “packaging”, “film” e “coating”. O limite temporal para a pesquisa dos artigos científicos foi de 6 anos, isto é, artigos publicados desde novembro de 2015 a março de 2021, resultando em um total de 1407 artigos, obtidos através da combinação dos descritores. Com base na análise do título e resumo, foram excluídos os artigos repetidos, bem como artigos que tinham uma abordagem mais específica em determinadas áreas de estudo, que não se consideravam tão relevantes para a elaboração desta revisão. Após a leitura e análise integral dos 86 artigos selecionados a priori, utilizaram-se 56 artigos para a elaboração do presente artigo de revisão.
Contexto Histórico
Filmes e revestimentos comestíveis têm sido usados há séculos para a conservação de alimentos, nomeadamente para evitar a perda de humidade e para criar uma superfície mais brilhante dos géneros alimentícios. Tais práticas foram aceites e realizadas, muito antes de se compreender a ciência que as sustenta, e continuam a ser uma opção viável para a preservação da qualidade e da segurança dos alimentos, nos dias de hoje (16, 17).
No século XII, frutas cítricas do sul da China eram preservadas e enviadas para o norte do país, em caixas, em que se colocava cera derretida sobre o alimento, e este era enviado em caravanas, que percorriam longas distâncias. Embora a sua qualidade não fosse aceitável na sociedade moderna, o método era bastante eficaz para a época e foi usado durante séculos por falta de outros processos mais eficientes. Na Europa, o processo era conhecido como “larding” - armazenamento de várias frutas em cera ou gordura para consumo posterior (16).
Mais tarde, no século XV, um filme comestível, Yuba, extraído através da fervura da bebida de soja foi usado no Japão para manter a qualidade dos alimentos e melhorar a sua aparência (16, 18).
Inovação, Mercado Português e Mundial
Nas últimas duas décadas ocorreu um aumento substancial da literacia científica na área das embalagens comestíveis e da sua aplicação na indústria alimentar, como consequência do aumento do conhecimento sobre a ciência dos materiais e da tecnologia subjacente ao desenvolvimento de filmes e revestimentos comestíveis. Simultaneamente, associam-se a estes fatores o crescente interesse pela temática da sustentabilidade e o aumento da exigência dos consumidores, que procuram ativamente por alimentos com uma melhor qualidade e com um tempo de vida de prateleira superior, bem como alternativas mais ecológicas e biodegradáveis, em detrimento às embalagens convencionais, nomeadamente as embalagens de plástico (3, 5, 6, 10, 19 20 22).
Segundo Transparency Market Research, a procura por embalagens comestíveis pode aumentar 6,9% anualmente até 2024, e pode tornar-se num mercado com o valor de aproximadamente 2 biliões de euros anuais (23).
Atualmente, a nível global destacam-se empresas, entidades e centros de investigação que apostam no desenvolvimento destas embalagens. Em Portugal, é possível destacar alguns projetos com maior relevância no âmbito das embalagens biodegradáveis e comestíveis.
Destaca-se um dos projetos desenvolvido pela spinoff com ligação à Universidade do Minho, designada por Improveat, que desenvolveu soluções para alguns dos desafios da indústria alimentar, associados à perecibilidade dos alimentos (13).
Desenvolveram produtos como o BioCheeseCoat, que consiste em um revestimento comestível que prolonga o tempo de vida de prateleira de queijos em 50%, inibe a contaminação por microorganismos patogénicos e previne a perda de água (14, 24); O BioNutriCoat foi desenvolvido com a finalidade de aumentar as propriedades nutricionais dos alimentos, nomeadamente de queijos, produtos de panificação e produtos cárneos, através da adição de vitaminas, antioxidantes, pré e probióticos (24); Por último, notabiliza-se ainda o BioFruitCoat, revestimento para hortofrutícolas, que aumenta o tempo de prateleira destes alimentos e previne a oxidação e degradação enzimática (13, 24, 25).
No âmbito do projeto MultiBiorefinery, uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra, desenvolveu filmes de N-carboxibutilquitosano com celulose, plastificantes (silicone ou glicerol) e antioxidante extraído do pinheiro (Pinus pinaster). Gaspar et al. utilizaram resíduos do sector agroalimentar e da pesca, particularmente a quitosana, para a elaboração do filme biodegradável (11).
Além da utilidade que a quitosana apresenta para as indústria das embalagens alimentares ecológicas, é relevante realçar que se trata de um polissacarídeo de grande importância devido à sua elevada disponibilidade na natureza (11, 26). Estima-se que o mercado global de quitina e quitosana poderá atingir 3,45 biliões de euros em 2021 e apresentar uma Taxa de Crescimento Anual Composta (CAGR) de 15,4% (26).
A nível internacional, tome-se por exemplo a start-up NOTPLA, um projeto de Skipping Rocks Lab, cujo produto Ooho consiste em uma bolha comestível que encapsula água potável. Trata-se de uma membrana feita a partir de extrato de alga, e tem como finalidade eliminar as garrafas de plástico. Caso o invólucro não seja consumido, a membrana é biodegradável, decompondo-se em 4 a 6 semanas (18, 23, 27).
A empresa norte-americana Loliware, utilizou o alginato e o ágar, provenientes de algas, para a elaboração de palhinhas comestíveis, que atuam como o plástico durante 24 horas, depois de molhadas (18, 23). De realçar ainda a empresa Evoware, fundada na Indonésia, que produziu uma embalagem comestível à base de algas marinhas para um invólucro de hambúrguer e atualmente está a investir na produção de pequenas embalagens para temperos e café (18, 23).
Matérias-Primas Usadas
O desempenho das embalagens comestíveis depende dos materiais utilizados e de suas principais características, no que se refere às principais propriedades de revestimentos e filmes. Os materiais devem ser selecionados tendo em consideração o tipo de alimento a embalar, e as respetivas condições de armazenamento (15).
Os materiais usados para produzir embalagens comestíveis são geralmente polissacarídeos, proteínas e ceras que são capazes de formar um revestimento ou filme contínuo (6, 12, 23, 24, 28 - 30). A sua categorização depende do seu método de produção e origem. Estes incluem: materiais extraídos de fontes naturais (por exemplo, marinhas, agrícolas e animais), classificados como proteínas, polissacarídeos, ceras e lípidos; materiais produzidos por microrganismos, como polissacarídeos e alguns compostos ativos (Figura 1) (28, 31).
Existem ainda, os aditivos de filme, que correspondem a materiais diferentes dos formadores de filme, tais como as biomoléculas, que são incorporados nas matrizes, com o intuito de melhorar e controlar as propriedades menos interessantes de alguns materiais. Exemplos destes são os plastificantes, emulsificantes, agentes antimicrobianos (ex.: óleos essenciais extraídos de plantas), e antioxidantes (5, 6, 10, 20, 28, 30, 32 - 34).
Exemplos de polissacarídeos usados na concretização de embalagens comestíveis são: a celulose e os seus derivados, obtidos a partir de plantas ou microorganismos, e a pectina e a galactomanana extraída de plantas (2, 6, 8 - 10, 15, 28, 29, 32, 35). Outros exemplos são o alginato e carragenina, provenientes de algas e produzidos por microorganismos (5, 7-9). Como polissacarídeo de fonte animal, destacam-se a quitina e a quitosana, esta última resulta da desacetilação da quitina, provenientes de insetos e crustáceos. De notar que, a maioria dos polissacarídeos são solúveis em água e os filmes destas biomoléculas, exibem boas propriedades mecânicas e constituem uma barreira contra gases e lípidos, mas oferecem pouca resistência à migração de água. Semelhante a outros filmes hidrofílicos, a humidade afeta as suas propriedades funcionais (5, 6, 36, 37, 9, 11, 15, 28, 30, 32, 34, 35).
Os filmes à base de proteínas constituem excelentes barreiras contra o transporte de O2, CO2, aromas e lípidos, no entanto apresentam uma elevada permeabilidade ao vapor de água. A barreira e as propriedades mecânicas dos filmes de proteína são comprometidas pela humidade devido à sua natureza hidrofílica. Exemplos de proteínas usadas são o glúten de trigo, proteína de milho - Zein e proteína de soja isolada (4, 6, 8 - 10, 28, 30, 32, 38). No caso de proteínas de origem animal temos o colagénio, vastamente utilizado na produção do invólucro de salsichas, e a gelatina, obtida através da hidrólise do colagénio (5, 8, 39). Além disso, as proteínas do leite podem ser usadas para a elaboração de filmes edíveis, tais como a caseína e a proteína do soro do leite (6, 8-10, 28, 30, 32, 34, 38).
No que concerne à utilização de materiais lipídicos, estes têm sido
amplamente utilizados como revestimentos protetores contra a transferência de humidade e para adicionar brilho. Contrariamente às outras macromoléculas, os compostos lipídicos não têm um grande número de unidades de repetição conectadas por ligações covalentes para formar uma estrutura molecular, apresentando alguma fragilidade, não formando estruturas coesivas e autossustentáveis. Existem desvantagens de empregar lípidos em materiais de embalagem comestíveis, tais como o sabor e textura de cera, a superfície oleosa e a potencial rancificação. Neste âmbito, é possível destacar as ceras, a resina e ésteres do glicerol, como moléculas usadas na produção de filmes e revestimentos comestíveis (6, 10, 28, 32, 34).
Aspeto Tecnológico - Efeitos nos Alimentos
As condições químicas, ambientais e o stress, ao qual o alimento está sujeito ao longo da cadeia alimentar, podem influenciar o desempenho da barreira dos filmes e revestimentos comestíveis (24).
Tal como supracitado, vários compostos ativos com propriedades distintas, podem ser adicionados à matriz dos revestimentos ou filmes comestíveis (24). Por exemplo, corantes adicionados aos materiais comestíveis podem melhorar a aparência de alguns géneros alimentícios durante o armazenamento. Verificou-se que filmes comestíveis feitos com goma xantana, lactato de cálcio e α-tocoferol intensificaram a cor laranja das cenouras e diminuíram a descoloração durante 3 semanas, aquando do período de armazenamento (40).
Em relação ao valor nutricional dos alimentos, a utilização do revestimento de goma xantana anteriormente descrito, permitiu manter o conteúdo de β-caroteno e aumentou o teor de vitamina E e de cálcio nas cenouras, durante o armazenamento (40).
A aplicação de revestimentos de quitosana em morangos e framboesas demonstrou aumentar a vida de prateleira e o valor nutricional, em condições de temperatura de 2ºC e humidade relativa de 88%, durante 3 semanas, bem como em temperaturas negativas de −23 ºC até 6 meses, devido à capacidade de inibição do crescimento fúngico deste polissacarídeo (41). Além disso, a evidência sugere que a quitosana apresenta caraterísticas bactericidas e apresenta-se como um excelente revestimento para frutas e hortícolas (37, 41-45).
Existem produtos frágeis que podem melhorar suas propriedades mecânicas através do uso de revestimentos comestíveis (25, 44). Exemplos destes são o uso de revestimento de quitosana aplicado em morangos para diminuir os danos mecânicos durante o armazenamento, processamento e transporte da fruta (44).
No entanto, as embalagens comestíveis à base de hidratos de carbono e proteínas têm menos resistência à tensão, devido à sua elevada densidade energética coesiva, o que leva a que a sua elasticidade seja menor. Esta característica pode ser usada para fornecer uma camada externa protetora tipo “casca dura” para alguns produtos. Os plastificantes que podem ser usados nesses filmes incluem sorbitol, xilitol, manitol e glicerol (40, 44, 46).
Os revestimentos comestíveis também podem aumentar o sabor e a aparência do produto, por exemplo, as ceras são usadas para adicionar uma aparência brilhante em limões, laranjas e maçãs (40, 44, 46).
Como exemplo da aplicação de embalagens comestíveis em alimentos lácteos, Miguel Ângelo Cerqueira, cofundador da start-up Improveat, verificou que o revestimento de galactomanana juntamente associado a uma temperatura de armazenamento de 4°C, demonstrou aumentar o tempo de prateleira do queijo e diminuir a transferência de gases, pelo que pode constituir uma alternativa promissora aos revestimentos existentes à base de petróleo que são usados na proteção de superfícies de queijo (47).
A aplicação de revestimentos comestíveis pode ser considerada uma potencial abordagem para preservar a qualidade de pescado, que se apresenta como um alimento extremamente perecível (36, 43, 48). O revestimento de alginato enriquecido com 6-gingerol, composto químico com propriedades antioxidantes e antimicrobianas, demons- trou diminuir a oxidação lipídica, a degradação de proteínas e a quebra de nucleotídeos, que estavam associados à deterioração do pescado durante o armazenamento, desta forma foi possível aumentar o tempo de prateleira do goraz (Pagrosomus major) até 20 dias à temperatura de 4 ± 1ºC (48).
Relativamente a produtos cárneos, Cardoso et al. verificaram que os revestimentos mono e bicamada de gelatina-quitosana prolongaram a vida útil da carne bovina de 6 para 10 dias, durante o armazenamento no retalho alimentar, sujeita a exposição de luz, uma vez que retardaram a oxidação lipídica e o crescimento de bactérias psicrófilas, fungos e leveduras (49).
É ainda, importante reforçar que como os materiais de embalagem são seguros para consumo humano, a transmissão das moléculas de embalagem para os alimentos não se traduz em qualquer problema de saúde (50).
A Aceitabilidade dos Filmes e Revestimentos Comestíveis
A aceitação de filmes comestíveis pelo consumidor depende de fatores tais como propriedades funcionais, a aparência da embalagem, propriedades organoléticas, marketing alimentar, preço, entre outros fatores. É importante salientar que as películas e embalagens comestíveis não devem afetar as propriedades nutricionais e organoléti- cas dos alimentos embalados nestas condições. Devem aparentar ser transparentes e sem odor e sabor. No entanto podem auxiliar a realçar o sabor, cor e aspeto do alimento (50 - 52).
A falta de conhecimento e o receio em consumir este tipo de embalagens pode reduzir a sua aceitação. Desta forma, é necessário desenvolver estratégias de marketing, programas de sensibilização, reduzir os preços dos alimentos condicionados com estas embalagens, publicitar e apresentar ofertas atrativas, de modo a promover o consumo destes alimentos (50).
É relevante conhecer o perfil do consumidor, uma vez que filmes edíveis, extraídos de subprodutos de origem animal, podem não ser aceites por vegetarianos e por indivíduos de determinadas religiões (50).
De notar que, os filmes e revestimentos comestíveis podem conter algum alergénio, que pode desencadear uma resposta alérgica a consumidores suscetíveis, pelo que alguns indivíduos podem não aceitar este tipo de embalagens. É essencial que as autoridades reguladoras enfatizem a necessidade de os produtores rotularem estas embalagens e informar os consumidores sobre a presença de alergénios e de ingredientes de origem animal (8, 51).
Embora haja uma maior consciência por parte de alguns consumidores sobre o tema da sustentabilidade, a maior parte destes têm um maior interesse em propriedades que lhes proporcionam benefício, e os benefícios ambientais e industriais dos produtos muitas vezes constituem prioridades secundárias (50, 52).
Adicionalmente, o custo é um fator determinante para a aceitação de filmes comestíveis, que atualmente têm um custo muito superior aos filmes de plástico derivados do petróleo. Porém, como a produção de filmes comestíveis está em fase de desenvolvimento, e menos quantidades são produzidas, o alto custo dos filmes comestíveis não pode ser tomado como um ponto negativo no momento. O custo total da embalagem deve ser inferior a 10% do custo do produto. Análises de custo-benefício adequadas devem ser realizadas para justificar a adaptação de filmes edíveis (52, 53).
Sustentabilidade de Filmes e Revestimentos Comestíveis
Os polímeros derivados de petróleo têm dominado as indústrias de embalagens, constituindo 37% do mercado total de materiais de embalagem para alimentos (2, 54). Anualmente, mais de 8 milhões de toneladas de resíduos de plástico entram no oceano, e estima-se que as embalagens plásticas representam a maior porção deste conteúdo (55). Tratam-se de substâncias não comestíveis e nocivas, que estão a ser consumidas pela vida marinha, e consequentemente, por humanos, embora indiretamente, através da cadeia alimentar, na forma de microplásticos. Alguns investigadores apontam para o facto de os plásticos conterem substâncias carcinogénicas, nomeadamente bisfenol A (BPA) e poli(cloreto de vinilo) (PVC) (56).
A embalagem comestível é feita de ingredientes consumíveis para humanos, que pode ser consumida juntamente com a comida e bebida, pelo que o problema de descarte de resíduos é praticamente inexistente. Tal como anteriormente referido, ainda que acabe por não ser consumido, degrada-se mais rápido comparativamente a materiais sintéticos (56).
Outro ponto positivo, é o facto de muitos filmes e revestimentos utilizarem subprodutos, como por exemplo, o colagénio, que existe principalmente em peles de animais, músculos, ossos e tecidos conjuntivos (4, 38). Outro exemplo, é a utilização de quitina, presente no exoesqueleto de crustáceos, insetos e em outros materiais biológicos (ex.: Paredes fúngicas) (3, 11).
De acordo com os relatórios da Food and Agriculture Organization (FAO), 14% dos alimentos produzidos globalmente são desperdiçados durante a fase de produção pós-colheita, consequência da redução da vida útil e do amadurecimento das frutas antes do seu consumo. Estas frutas podem ser convertidas em produtos economicamente importantes, como materiais para embalagem comestíveis, que podem desempenhar um papel decisivo na melhoria da vida útil dos alimentos (57). Por exemplo, são utilizadas polpas de frutas para extrair biomoléculas, nomeadamente a pectina e a celulose (5, 11, 58). Desta forma, há um maior aproveitamento destes ingredientes, e consequentemente, uma redução do desperdício alimentar, que constitui um problema ético, socioeconómico e ambiental (6, 8, 59).
Embalagens Comestíveis e Segurança Alimentar
De acordo com o Regulamento da UE (EC) N.º 1935/2004, todos os materiais e artigos em contato com alimentos não devem colocar em risco a saúde humana, alterar a composição dos alimentos de uma forma inaceitável, e alterar o sabor, odor ou textura dos alimentos (60). De acordo com este regulamento, os materiais serão autorizados para o embalamento de alimentos, somente, se nenhum risco à saúde humana for evidenciado. No entanto, a avaliação de segurança sobre a inclusão de nanomateriais em embalagens de alimentos e seus efeitos toxicológicos não são mencionados claramente no presente regulamento (60).
Além disso, cada país pode ter uma lista diferente de materiais aprovados adequados para a produção de filmes comestíveis. Portanto, os fabricantes de alimentos que exportam os seus produtos para outros países devem considerar as regulamentações de diferentes países e o filme deve ser formado com os materiais listados na lista de materiais alimentares aprovados (8, 50).
A Food and Drug Administration (FDA), estabeleceu o conceito de Generally Recommended As Safe (GRAS), para classificar a segurança de substâncias, pelo que o termo abrange materiais utilizados para a elaboração de embalagens comestíveis, desde que respeitam as normas de boas práticas de higiene e segurança alimentar e a evidência cientifica sugere a sua segurança para a sua inclusão em filmes e revestimentos edíveis (8, 12, 16, 18, 28, 54, 61). De salientar ainda, que este reconhecimento não garante total segurança do produto, principalmente para consumidores com alergias ou sensibilidades alimentares, tais como intolerância à lactose e doença celíaca (8, 16, 28).
Desafios da Comercialização de Embalagens Comestíveis
Quando comparados a plásticos sintéticos, os filmes edíveis apresentam desvantagens, no âmbito da resistência mecânica, pois não apresentam elevada elasticidade, além disso têm uma baixa resistência a gases e líquidos, e um custo elevado (50).
É necessário que os filmes e embalagens comestíveis cumpram alguns requisitos, como excelentes qualidades sensoriais, devem constituir uma barreira protetora para os géneros alimentícios, ter uma elevada resistência mecânica, elevada estabilidade microbiana, isenta de agentes patogénicos, tóxicos e toxinas, seguro para a saúde, não poluentes e de baixo custo. A produção de filmes comestíveis ocorre maioritariamente em laboratórios, pelo que, há algumas limitações a serem ultrapassadas para o sucesso comercial de filmes e revestimentos comestíveis (15, 50).
ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
Atendendo ao objetivo previamente definido, foi possível distinguir os conceitos de filme e revestimento comestível, caracterizar o impacto ambiental e tecnológico das embalagens comestíveis, a aplicabilidade dos filmes e revestimentos, e o tipo de matérias-primas utilizadas, atendendo aos diferentes tipos e grupos de alimento a embalar. Além disso, foi possível explorar as possíveis implicações na segurança alimentar, bem como a aceitabilidade por parte dos consumidores e da indústria alimentar.
As vantagens exclusivas e a versatilidade dos materiais de embalagens comestíveis são concebidas para criar embalagens sustentáveis e inovadoras para reduzir o desperdício alimentar, através da utilização de subprodutos, e melhorar a estabilidade, qualidade, segurança, e conveniência dos produtos embalados, diminuindo consequentemente as perdas de alimento ao longo da cadeia alimentar.
No entanto, a maioria das aplicações destes materiais tem sido conduzida maioritariamente à escala laboratorial, pelo que é necessário realizar mais pesquisas de forma a transferir e aplicar as informações recolhidas a nível laboratorial para a escala comercial, e intensificar a sua produção e reconhecimento pela indústria alimentar.