INTRODUÇÃO
Antes da conceção e durante a gravidez está recomendada a utilização de suplementos de micronutrimentos específicos isolados ou até mesmo de suplementos alimentares com vários micronutrimentos para complementar o aporte nutricional (1, 2).
Uma das deficiências nutricionais melhor estudada na gravidez é a da vitamina B9. A deficiência de folato (forma natural desta vitamina) pode causar defeitos no tubo neural do feto (3 - 6), sendo a espinha bífida e a anencefalia os mais comuns (3), e poderá estar associada a anemia megaloblástica na gestante (7). Segundo o Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco todas as mulheres que desejam engravidar devem iniciar a suplementação em ácido fólico (forma sintética desta vitamina), pelo menos dois meses antes da data de interrupção do método contracetivo e durante as doze primeiras semanas de gestação, numa dose diária de 400 µg. As grávidas com filho anterior com defeito do tubo neural ou com história familiar desta situação devem tomar diariamente uma dose superior (5 mg) (2).
A deficiência em ferro é a principal causa de anemia nas gestantes, contribuindo em 20% para a mortalidade materna e neonatal e baixo peso à nascença (8). Caso não haja contraindicações, a grávida deve iniciar a sua suplementação (30 a 60 mg/dia) a partir das catorze semanas de gestação (2).
Um estudo a nível nacional revelou uma elevada percentagem (83%) de deficiência de iodo nas grávidas. Esta deficiência foi mais acentuada (superior a 97%) nos Açores (9). Este mineral é fundamental para a síntese de hormonas tiroideias e a sua deficiência na gravidez pode conduzir a aborto espontâneo, parto prematuro e pode originar problemas no crescimento do feto e efeitos adversos no desenvolvimento neurológico como o cretinismo (10). As mulheres em pré-conceção, grávidas ou a amamentar em exclusivo devem receber um suplemento diário na forma de iodeto de potássio (150 a 200 μg), exceto as mulheres com patologia da tiroide, visto que pode estar contraindicado, devendo a decisão ser individualizada (2).
Resultados provenientes do estudo Geração XXI, coorte longitudinal que reuniu mais de 8000 crianças desde a sua gestação, reportam que 36,1% das grávidas, no terceiro trimestre, usou suplemento de magnésio (16). Este mineral é um cofator em mais de 300 enzimas do organismo (3). A sua deficiência tem sido associada a nascimentos prematuros, aumento da ocorrência de cãibras nas pernas, obstipação (17), maior risco de aborto espontâneo, atraso no crescimento fetal e desenvolvimento de diabetes gestacional e diabetes mellitus tipo 2 (3). O reduzido número de estudos nacionais, a inexistência de dados a nível regional e o interesse de tomar conhecimento sobre a aplicação do Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco na ilha do Faial, motivaram a realização deste estudo.
OBJETIVOS
A realização deste trabalho teve como objetivo analisar o perfil de suplementação antes e durante a gravidez de mulheres do Faial.
METODOLOGIA
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da Unidade de Saúde da Ilha do Faial, pelo parecer número 4.2018, a 3 de maio de 2018. Todos os participantes deram o seu consentimento informado por escrito e foi-lhes atribuído individualmente um código para assegurar a confidencialidade dos dados.
A amostra deste estudo é composta por grávidas que completaram a sua gestação entre maio de 2018 e junho de 2019 e teve como período de recrutamento uma idade gestacional inferior a doze semanas de mulheres com idade igual ou superior a dezoito anos, sem comorbilidades, residentes na ilha do Faial e que estavam inscritas na Unidade de Saúde dessa Ilha. As mulheres com história de abortos espontâneos, morte fetal, partos prematuros (inferior a trinta e duas semanas de gestação), que tivessem sido submetidas a cirurgia bariátrica e/ou com qualquer condição que condicionasse a participação livre e informada no estudo foram excluídas.
Um total de 48 grávidas foram convidadas a participar no estudo, 6 (12,5%) das quais recusaram. Foram posteriormente excluídos os dados de 8 participantes: 3 sofreram de aborto espontâneo, 1 com parto prematuro (inferior a trinta e duas semanas de gestação), 2 com diagnóstico de diabetes gestacional e 2 desistiram do estudo, pelo que foram analisados os dados de 34 mulheres.
Foi aplicado um questionário, no final do terceiro trimestre de gestação, sobre informações sociodemográficas (idade com que engravidou, escolaridade, freguesia de residência, estado civil, situação profissional e rendimentos económicos) e quanto à toma de suplementação (tipo de suplemento, quando iniciou, quando terminou e quem recomendou). A categorização da educação foi feita por primeiro ciclo, segundo ciclo, terceiro ciclo, secundário e superior.
A análise estatística foi realizada no programa IBM SPSS®, versão 25.0 para Windows® e consistiu no cálculo de frequências absolutas (n) e relativas (%).
RESULTADOS
A idade média das participantes foi de 31 anos (dp = 4), 64,7% estava casada ou a viver em união de facto, 50% apresentava o ensino superior, a maioria (91,2%) estava empregada e 79,4% considerou os seus rendimentos económicos suficientes para os seus gastos (Tabela 1). Verificou-se que nenhuma participante recorreu à reprodução assistida e 76,5% tiveram gravidezes planeadas.
Na Tabela 2 apresentam-se dados sobre o uso de suplementação, início da sua toma, término da sua ingestão e quem recomendou a suplementação de ácido fólico, iodo e ferro.
Todas as grávidas tomavam suplementos neste período, sendo o mínimo de consumo 1 suplemento e no máximo 4 suplementos. No total foram reportadas 5 variedades de suplementos: ácido fólico, iodo, ferro, magnésio e multivitamínico.
Todas as gestantes tomaram ácido fólico, mas menos de 30% iniciou a sua toma antes da conceção e 85,3% ainda tomava este suplemento no último trimestre. Foi o médico de família (70,6%) o profissional de saúde que mais frequentemente recomendou a suplementação desta vitamina. No presente estudo apenas 12,1% das grávidas tomou suplemento de iodo antes e durante toda a gravidez. Apenas uma grávida não tomou este suplemento e mais de metade da amostra só iniciou esta suplementação no primeiro trimestre. A maioria da amostra (97,0%) ainda tomava este suplemento no terceiro trimestre e o médico de família (63,6%) foi o profissional de saúde que aconselhou a toma deste suplemento em mais casos.
Metade da amostra tomou suplementação de ferro na gestação, sendo que 58,8% iniciou a sua toma no segundo trimestre e todas continuaram a tomar no terceiro trimestre. O médico de família e o médico obstetra foram os profissionais de saúde que mais recomendaram este suplemento, correspondendo a 41,2% e 29,4%, respetivamente.
A maioria da amostra (91,2%) não realizou suplementação de magnésio e as que tomaram na maioria iniciaram no último trimestre. À semelhança do magnésio, a toma de multivitamínico foi mencionada apenas por 8,8% da amostra. Metade destas iniciou a sua toma no primeiro trimestre e todas continuaram a tomar no terceiro trimestre. O médico obstetra (75,0%) foi quem mais recomendou estes dois últimos suplementos.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Comparativamente com as informações do inquérito alimentar nacional e de atividade física verificou-se neste estudo uma menor percentagem de mulheres a usar ácido fólico antes da conceção e durante o primeiro trimestre de gestação (18). Relativamente a este estudo, Pinto et al. identificaram uma menor prevalência no uso de ácido fólico antes da conceção e no último trimestre, mas encontrou mais grávidas a tomar este suplemento no primeiro trimestre (16). Hatzopoulou et al. verificaram uma prevalência inferior na toma de ácido fólico durante toda a gravidez (19). Malek et al. encontraram uma menor percentagem de mulheres a tomar este suplemento antes da conceção (20). A maioria da amostra (70,6%) só iniciou a sua toma no primeiro trimestre de gestação e algumas participantes terminaram a toma destes suplementos antes do final do terceiro trimestre. A baixa prevalência de suplementação de ácido fólico antes da conceção (29,4%) pode ser explicada não só pelo não planeamento da gravidez, mas também pelo planeamento sem consulta de um profissional de saúde que aconselhe a sua toma. Como é possível verificar na Tabela 2, apenas 66,6% da amostra tomava suplemento de iodo no primeiro trimestre. A percentagem de mulheres que tomaram suplemento de iodo antes e durante a gestação (12,1%) foi inferior à prevalência encontrada por Malek et al. que reportaram uma percentagem de 23% (20). À semelhança do ácido fólico, o não planeamento da gravidez ou o planeamento sem consulta de um profissional de saúde que aconselhe a toma deste suplemento pode justificar a baixa percentagem da sua toma antes da conceção. Cerca de um terço da amostra só inicia este suplemento após o primeiro trimestre porque se verifica atrasos na prescrição médica, visto que só é feita após a análise às hormonas da tiróide. Importa salientar que ainda existem posições contraditórias no nosso país e que a orientação da Direção-Geral da Saúde foi publicada somente em 2013, e sendo apenas uma orientação, acaba por não ser obrigatória.
Comparativamente aos resultados deste estudo, Pinto et al. Apresentam uma prevalência no uso de suplemento de ferro superior em toda a gravidez, mas inferior antes da conceção (16). Hatzopoulou et al. reportaram uma percentagem bastante superior no uso deste suplemento no segundo e terceiro trimestre, mas nenhuma das grávidas tomou ferro no primeiro trimestre (19). Relativamente à suplementação deste mineral, importa relembrar que até à data da publicação do Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco (2015), o uso deste suplemento não era recomendado de forma universal, no nosso país, sendo que muitas grávidas só iniciavam a sua toma após diagnóstico de anemia ou diminuição das reservas deste mineral o que em parte pode explicar o porquê de apenas metade da amostra tomar este suplemento.
A prevalência de uso do suplemento de magnésio no presente estudo foi inferior à encontrada noutros trabalhos (16, 19).
Os resultados deste estudo reforçam a importância da suplementação, particularmente de ferro, para melhorar a adequação nutricional. Dada a elevada prevalência de gravidezes planeadas (76,5%), seria fundamental aumentar a adesão das mulheres em idade fértil às consultas de planeamento familiar e garantir que as mesmas são acompanhadas ao longo da gestação, para aumentar o uso da suplementação e melhorar o perfil da sua toma, nomeadamente o seu início, e assim minimizar possíveis complicações.
Em gravidezes com situações específicas, como por exemplo a adesão a padrões alimentares que pressupõem a exclusão de alimentos, seria imprescindível o acompanhamento de um nutricionista para garantir um adequado aporte nutricional.
A interpretação dos resultados deste trabalho deve ter em consideração as suas limitações, das quais se destaca o facto de ter uma amostra
pequena que reside exclusivamente na ilha do faial, com um nível de literacia superior ao da maior parte da população, pelo que os seus resultados não devem ser extrapolados para a população em geral. Sugerimos em investigações futuras, para além da interpretação conjunta entre a suplementação e os dados de consumo alimentar, analisar também as dosagens, nomeadamente de ácido fólico.
Por se ter analisado a mesma amostra permitiu minimizar o viés associado às características das participantes. No melhor do conhecimento dos autores este estudo é o primeiro desenvolvido na Região Autónoma dos Açores e apenas o segundo feito a nível nacional, espelhando assim a sua relevância.
CONCLUSÕES
O adequado estado nutricional da mulher em idade pré-concecional e da grávida são fundamentais para otimizar a saúde da própria e do bebé e diminuir o risco de complicações durante a gestação.
Os resultados deste estudo refletem um perfil de suplementação inadequado antes e durante a gestação e reforçam a importância da sua adesão, nomeadamente de iodo e ácido fólico, para promover a adequação nutricional e consequentemente melhorar a saúde da população.