INTRODUÇÃO
As infeções agudas do trato respiratório constituem uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, conforme comprovado por ambas as pandemias de influenza sazonal e o recente surto da Coronavirus disease 2019 (COVID-19), causada pela infeção por Severe acute respiratory syndrome coronavírus 2 (SARS-CoV-2) (1). É indubitável que o maior desafio para deter esta pandemia é a ausência de evidências demonstrando intervenções farmacológicas eficazes para prevenir a COVID-19. Contudo, sabe-se que numa infeção vírica, é fundamental otimizar a função do sistema imunológico (2, 3). Um estado nutricional debilitado conduz à carência de vários micronutrientes, tais como vitaminas A, D, C, E, B6, B12, folato, cobre, ferro, zinco e selénio, que são fulcrais para o normal funcionamento do sistema imunológico (2 - 5). Assim sendo, a correção de todas as carências nutricionais e não apenas de um nutriente é essencial para uma resposta adequada à infeção pelo SARS-CoV-2 (3, 4).
A pandemia da COVID-19 tem levantado discussões acerca dos benefícios da vitamina D na prevenção e no tratamento da doença. A razão mais plausível consiste no facto de níveis suficientes de vitamina D no sangue desempenharem um papel eficaz no funcionamento do sistema imunológico, sustentando uma resposta celular satisfatória na proteção contra a gravidade das infeções causadas por microorganismos (6). Deste modo, a vitamina D exerce um papel imunomodulador, aumentando a imunidade inata pela secreção de peptídeos antivirais (7).
Neste sentido, a deficiência de vitamina D (25(OH)D <20nmolL) foi associada a uma maior gravidade da COVID-19 e a piores outcomes, levantando várias discussões sobre os potenciais benefícios da suplementação desta vitamina no tratamento desta patologia (6).
O presente artigo de revisão tem como objetivo rever a evidência científica sobre os efeitos da suplementação da vitamina D em doentes com COVID-19, de modo a analisar literatura existente acerca deste recente tema.
METODOLOGIA
A pesquisa do artigo foi realizada em base de dados eletrónicas, de busca e recuperação de artigos na área das ciências da vida, nomeadamente Pubmed e Web of Science, entre janeiro e fevereiro de 2021. Foram selecionadas palavras-chave como “COVID-19” or “SARS- CoV-2” or “coronavirus”, and “vitamin D” and “dietary supplements”. Os critérios de inclusão focaram-se em artigos publicados no último ano (2020-2021 inclusive), estudos do tipo ensaio clínico, ensaios clínicos randomizados, estudos coorte e estudos observacionais (seguindo os critérios da check-list PRISMA (8)), artigos relacionados com o tema em causa e publicações na língua portuguesa e inglesa. No que diz respeito aos critérios de exclusão, foram excluídos revisões sistemáticas e meta-análises, estudos realizados em animais, publicações anteriores ao ano de 2020 e que não estão relacionados com a temática em estudo (Figura 1).
RESULTADOS
Na primeira pesquisa foram selecionados 337 artigos. Após retirar os duplicados incluíram-se 334 artigos para a triagem. Após a aplicação dos vários filtros (anos de publicação, tipo de estudo, língua e estudos realizados em humanos), obtiveram-se 18 artigos. Após a leitura do título e abstract, obtiveram-se 12 e após a leitura integral selecionaram-se no final 9 artigos que se encontram apresentados na Tabela 1.
ANÁLISE CRÍTICA
A evidência científica atual sugere a importância da suplementação da Vitamina D na redução da gravidade da doença e do tempo de internamento hospitalar de doentes COVID-19 com carência desta vitamina, mais concretamente nos doentes críticos internados em cuidados intensivos.
A maioria dos estudos analisados refere de forma clara a suplementação efetuada pelos doentes (dose, período de tempo e frequência) mas o facto de o tipo de estudo (ensaio clínico, ensaios clínicos randomizados, estudos coorte e estudos observacionais) e as amostras não serem sobreponíveis (idosos institucionalizados, idosos em internamento hospitalar e na comunidade) limita as conclusões e a extrapolação para a população em geral.
ECR: Ensaio clínico randomizado
IL-6: Interleucina-6
NR: Não respostado
UCI: Unidade de Cuidados Intensivos
TNF-α: fator de necrose tumoral-α
VMI: Ventilação mecânica invasiva 25(OH)
D: 25-hidroxivitamina D
Castillo ME, et al. (9) avaliaram o efeito do tratamento com calcifediol (ou 25(OH)D) na unidade de cuidados intensivos (UCI) e a mortalidade entre doentes hospitalizados com COVID-19. Os doentes tomaram calcifediol oral na admissão (0,532mg) e nos dias 3 e 7 (0,266mg), e a seguir, semanalmente até à alta ou admissão na UCI. Entre os 26 pacientes não tratados, 13 (ou 50%) necessitaram de ser internados na UCI, enquanto dos 50 doentes tratados, apenas 1 necessitou de internamento na UCI. Ainda dos doentes tratados com calcifediol, nenhum morreu e todos receberam alta hospitalar (sem complicações), enquanto dos 13 pacientes internados na UCI, 2 morreram e 11 receberam alta. Estes resultados indicaram que o calcifediol parece ser capaz de reduzir a gravidade da doença, e deste modo diminuir significativamente a necessidade de os doentes serem internados na UCI. Estes dados vão ao encontro com o estudo realizado por Ling F.S. et al., (10) em que foi analisada a possível associação entre a mortalidade por COVID-19 e os níveis séricos de 25(OH)D, status de vitamina D ou terapia com colecalciferol. Foram incluídos 986 participantes com COVID-19 dos quais 151 (16%) receberam terapia de reforço com colecalciferol, uma vez que estavam com insuficiência de vitamina D (25(OH)D entre 25-50nmol/L), recebendo ≥280.000UI de colecalciferol durante 7 semanas. Apesar de já ser expectável, fatores como a idade avançada, doenças isquémicas e creatinina basal elevada (<83 µmol/L) foram associados a um risco superior de morte por COVID-19, dado que estes doentes apresentam um pior estado clínico e menores reservas fisiológicas. Os autores concluíram que a terapia de reforço com colecalciferol, independentemente dos níveis basais de 25(OH)D, parece estar associada a um risco reduzido de mortalidade nos pacientes internados com COVID-19.
Radujkovic A, et al. (11) demonstraram uma associação entre a carência de vitamina D e a gravidade por COVID-19. Utentes com carência de vitamina D tiveram uma taxa de hospitalização superior e necessitaram de mais oxigenoterapia (intensiva) e ventilação mecânica invasiva (VMI). Quando ajustada à idade, sexo e comorbilidades, a carência de vitamina D foi associada a um risco 6 vezes maior da doença severa e um risco 15 vezes maior de morte. Dentro dos 185 participantes do estudo, 22% e 64% apresentaram níveis de vitamina D abaixo de 12 e 20 ng/ml, respetivamente. Resultados concordantes foram apresentados por Jain A, et al. (12). Dos 154 doentes com COVID-19 analisados, a carência de vitamina D (25 (OH) D <20 ng/mL) é muito mais prevalente em utentes com COVID-19 grave (grupo B-96,8%) do que os assintomáticos (grupo A- 32,9%), que requerem admissão na UCI e, portanto, têm maiores taxas de mortalidade. Para além disso, esses doentes demonstraram ter valores mais altos dos marcadores inflamatórios (por exemplo níveis de IL-6 e TNF alfa), apresentando uma resposta inflamatória mais intensa. Através destes resultados os autores recomendam a administração de suplementos com vitamina D à população com COVID-19.
No que diz respeito à suplementação, Tan WC, et al. (13) foram comparar os resultados clínicos dos pacientes mais velhos que receberam suplementação oral com 1000 IU/dia de vitamina D, 150mg/dia de magnésio e 500µg/dia de vitamina B12 com os que não receberam o suporte referido, e a sua relação com a necessidade de cuidados intensivos. Os investigadores relataram que os doentes que receberam a suplementação tiveram uma menor probabilidade (25%) de necessitarem de oxigenoterapia em comparação com o controlo (58%). Para beneficiarem dos efeitos preventivos, os utentes podem necessitar de iniciar a suplementação mais precocemente, na fase infeciosa. A facilidade de administração do suplemento deve permitir este início precoce, ou seja, nos cuidados primários quando há o início dos sintomas ou como profilaxia entre contactos de alto risco durante surtos em grupos identificados. Neste sentido, Annweiler C, et al. (14) investigaram a possível eficácia da suplementação de 80.000UI vitamina D3 por bolus, durante ou imediatamente antes da COVID-19, na melhoria da sobrevivência dos idosos frágeis residentes em lares. Os autores apresentaram que, independentemente de todos os fatores de confusão, a suplementação de vitamina D3 por bolus foi associada a uma menor severidade e maior taxa de sobrevivência nestes doentes, e nenhum outro tratamento mostrou efeito protetor. A severidade da hipovitaminose D parece estar relacionada com o prognóstico de COVID-19, uma vez que, esses doentes tiveram um risco superior de doença severa, de recorrerem e permanecerem mais tempo no internamento. Do mesmo modo, Annweiler G, et al. (15) foram determinar se a suplementação em bolus de vitamina D, tomada regularmente durante o ano anterior ou após o diagnóstico de COVID-19, era eficaz na melhoria da sobrevivência dos utentes idosos frágeis com COVID-19 hospitalizados. As conclusões não diferem dos resultados do estudo anterior, os investigadores reportaram que a suplementação regular de vitamina D3 por bolus foi associada a um melhor prognóstico de COVID-19 e a uma taxa de sobrevivência superior. Estes resultados poderão sugerir a possível recomendação da suplementação de vitamina D em todos os idosos, de modo a diminuir a mortalidade.
No que toca aos momentos de testagem para a COVID-19 e a sua relação com os níveis de vitamina D, Baktash V, et al. (14) verificaram que doentes com teste positivo para a COVID-19 possuíam níveis séricos médios inferiores de 25(OH)D (27 nmol/L) quando comparados aos doentes com teste negativo (52 nmol/L), predizendo que o status de vitamina D pode ser um prognóstico útil. Nos doentes com carência de vitamina D constatou-se uma maior incidência de ventilação mecânica, bem como de maior tempo de internamento (30,77% vs. 9,68%). Concordante com estes resultados, o estudo realizado por Meltzer DO, et al. (15) sugere que indivíduos com níveis serológicos baixos de vitamina D, no momento da realização do teste de COVID-19, têm maior risco de testar positivo do que indivíduos com níveis adequados (21,6% vs. 12,2%). Nos indivíduos com carência de vitamina D em que foi aumentado o tratamento, não apresentaram risco superior para a COVID-19 face aos que tinham níveis adequados, indicando um efeito protetor da suplementação de vitamina D. O baixo custo e a segurança da suplementação, pelo menos em doses até 4.000 UI por dia, apoiam os argumentos para a suplementação a nível populacional, talvez para grupos de alto risco de carência de vitamina D e/ou COVID-19.
De uma maneira geral, a suplementação com vitamina D nos doentes com COVID-19 parece ter um efeito promissor. No entanto, dos artigos analisados, alguns estudos apresentaram amostras pequenas, e por isso, não representativas da população, reduzido tempo de follow-up e potenciais fatores de confusão. Para além disso, outros estudos demonstraram suplementação com valores díspares. São necessários mais estudos em humanos, especificamente ensaios clínicos randomizados, com uma amostra representativa e potenciais fatores de confusão e vieses limitados, de forma a aumentar a robustez e a qualidade de futuros estudos.
CONCLUSÕES
A presente revisão aponta, por um lado, que níveis séricos baixos de vitamina D relacionam-se com maior risco de testar positivo para a COVID-19 e maior possibilidade de presença de morbilidade, nomeadamente maior necessidade de oxigenoterapia e ventilação mecânica invasiva e, por outro lado que a suplementação de vitamina D nos doentes com COVID-19 parece ter um potencial efeito na redução da gravidade da doença e do tempo de internamento hospitalar, mais concretamente em doentes críticos internados nos cuidados intensivos. O crescente interesse da comunidade científica relativamente à possível relação entre os níveis séricos de vitamina D com a gravidade e prognóstico da infeção por COVID-19 e também com a imunidade deverá ser consolidada com evidência científica mais robusta para que se possa estabelecer a importância da terapêutica nutricional no tratamento/recuperação dos doentes e na definição de políticas nutricionais que previnam/diminuam a gravidade da doença. A suplementação regular de vitamina D poderá ter um papel importante como medida profilática prevenindo futuras infeções víricas.