INTRODUÇÃO
O crescente interesse na utilização das fibras alimentares para gestão do peso tem gerado, por sua vez, um desenvolvimento de estudos neste âmbito, sendo que as fibras que parecem ser mais promissoras são o glucomanano, quitosana e alguns suplementos que misturam várias fibras (PolyGlycopleX® e Litramine™) (1, 2).
O glucomanano é o principal componente do Konjac corm proveniente da planta Amorphophallus konjac, trata-se de uma fibra dietética hidrocoloidal e não iónica, composta por D-manose e D-glucose ligadas por β-1, 4 ligações glicosídicas na razão molar de 1: 1,6-1: 1,4, dependendo dos genótipos (3). Visto que o glucomanano é uma fibra alimentar solúvel, fermentável e, naturalmente, formadora de gel, este é amplamente utilizado como aditivo alimentar, estando aprovado como tal pela Food and Drug Administration (FDA) (4). Nos últimos anos tem crescido o interesse pela sua utilização como suplemento alimentar para controlo de peso, tendo sido aprovado para este efeito pela European Food Safety Authority (EFSA) em 2010, no contexto de uma dieta hipocalórica para adultos com excesso de peso ou obesidade (5). No Regulamento (UE) N.o 432/2012 de 16 de Maio, que estabelece uma lista de alegações de saúde permitidas relativas a alimentos, estão explícitas as condições de utilização, restrição de utilização dos alimentos e/ou declaração/advertência adicional da alegação, sendo que o glucomanano integra esta lista de acordo com o estabelecido pela EFSA no seu documento de opinião científica (6).
O excesso de peso e a obesidade, bem como as suas comorbilidades, atingem milhões de indivíduos em todo mundo, representando proporções epidémicas (7, 8). Dados de 2016, reportam que mundialmente existem 1,9 milhões de pessoas com excesso de peso e 650 milhões com obesidade (9). Existem vários tipos de tratamento para a obesidade, sendo o de primeira linha baseado em mudanças de estilo de vida (alimentação e atividade física). No entanto, estas mudanças são, por vezes, difíceis de alcançar e manter, levando à procura de alternativas adjuvantes à perda de peso, como é o caso da suplementação com glucomanano (10). Assim, é cada vez mais utilizada no tratamento para a obesidade e das comorbilidades associadas, como a diabetes mellitus tipo 2, dislipidémias, hipertensão, doenças cardiovasculares e apneia do sono. Por ser uma fibra solúvel, tem um baixo valor calórico e apresenta efeitos benéficos no sistema digestivo, nomeadamente, o aumento da saciedade, o retardamento do esvaziamento gástrico (proporcionado pela capacidade de formar gel) e a diminuição do tempo de trânsito intestinal (4, 7, 8, 11 - 13).
Normalmente, o glucomanano é comercializado como um suplemento de ingrediente único ou em combinação com outros compostos com características semelhantes associadas ao controlo do peso, como garcinia cambogia, crómio, entre outros (9, 14, 15).
O objetivo deste trabalho é avaliar a eficácia deste tipo de suplementação no controlo de peso corporal. Adicionalmente, pretende-se perceber se, inerente a este consumo, existem efeitos adversos associados. Para tal, efetuou-se uma pesquisa de artigos científicos nas bases de dados Pubmed e ScienceDirect recorrendo-se às palavras chave “glucomannan AND weight”. Foram obtidos na totalidade 3243 artigos, após ser dada preferência a publicações dos últimos 10 anos, incluindo o ano de 2021. Apesar deste critério, incluiu-se um artigo de 2010, uma vez que se considerou pertinente para a temática. Após análise do título e resumo e com base em critérios de exclusão, como estudos redigidos num idioma diferente de espanhol, português e inglês e estudos realizados em animais, selecionaram-se 31 artigos. Posteriormente, foi realizada a leitura integral e análise dos artigos selecionados, restringindo a amostra utilizada na elaboração desta revisão a um total de 21 artigos, de acordo com a pertinência para esta temática.
Dosagem
A dosagem de glucomanano pode variar conforme o objetivo da terapêutica. De acordo com a EFSA, a dose recomendada e aprovada para adultos com excesso de peso ou obesidade é de 3g/dia de glucomanano num contexto de uma dieta hipocalórica que visa a perda de peso corporal, devendo ser consumidas pelo menos 3 doses/ cápsulas, idealmente 1g cada, juntamente com 1 a 2 copos de água antes das refeições, para obtenção do efeito reivindicado (5).
Efeito da Suplementação no Controlo de Peso
A premissa que faz com que o glucomanano seja uma alternativa atraente para promover a perda de peso baseia-se no facto de este ser uma fibra que absorve a água, formando um gel, o que leva ao aumento da sensação de saciedade. Para além disso, o seu peso molecular é elevado, o que permite que seja uma das fibras solúveis mais viscosas, conferindo-lhe uma vantagem face a outras fibras, já que pode ser consumido em menor quantidade para um mesmo efeito (16).
Uma metanálise recente, de Mohammadpour S et al. (17), reuniu 6 ensaios clínicos randomizados, realizados em adultos (>18 anos) com excesso de peso ou obesidade, que compararam a toma de glucomanano (1,2-3,9g/dia) com um placebo. Excluíram-se estudos que possuíam participantes com doenças crónicas, em que existia suplementação do glucomanano concomitantemente com outros compostos, ou em que a suplementação estava aliada a uma dieta restrita em energia. Obteve-se uma amostra de 255 participantes de ambos os sexos e o tempo de intervenção variou entre 5 e 12 semanas. Os resultados indicaram que existiu uma significativa, mas baixa redução de peso corporal em comparação com o grupo de controlo, sendo que a diferença média do peso entre os grupos foi de 0,96kg. Os melhores resultados foram obtidos em mulheres (-1,86kg) e em estudos com duração inferior a 8 semanas (-1,34kg) (17). Um outro estudo de carácter semelhante também procurou avaliar esta relação. Foram incluídos 9 ensaios clínicos randomizados duplo-cegos, sendo que como critério consideraram que o peso e/ou índice de massa corporal (IMC), tinham de estar reportados, e excluíram-se artigos que possuíam suplementação concomitante com outros suplementos (18). Os participantes perfizeram um total de 273 indivíduos de ambos sexos, o tempo de intervenção variou de 3 a 12 semanas e a dose de glucomanano administrada de 1 a 3,9 g/dia, sendo que todos os estudos incluídos apresentaram pelo menos uma forma de controlar os fatores associados ao estilo de vida (18). Dado que um dos artigos incluídos na revisão sistemática não apresentava os dados estatísticos necessários, foi apenas realizada a metanálise com 8 dos artigos incluídos, que indicou que existia uma diferença que não era estatisticamente significativa na perda de peso (-0,22kg) (18).
Zalewski et al. (8) avaliaram o efeito do glucomanano em crianças e adultos, excluindo estudos onde os participantes tivessem patologias que exigissem terapia farmacológica. A amostra deste estudo incluiu 60 crianças e 233 adultos de 6 ensaios distintos. A dose de suplemento de glucomanano variou entre 1,24 a 3,99g/dia e o tempo de intervenção de 5 a 12 semanas. A curto prazo a suplementação em adultos pareceu reduzir o peso corporal, mas não o IMC e, nos estudos em que a composição corporal foi considerada, não foram encontradas diferenças significativas entre o grupo de controlo e o grupo onde foi realizada a suplementação. Contudo, em crianças a informação era limitada, pois apenas foi incluído um estudo realizado nesta faixa etária sem resultados significativos, pelo que os autores consideraram a informação insuficiente para gerar conclusões (8). No entanto, anos mais tarde, num outro estudo de Zalewski BM et al., (12) a avaliação dos efeitos do glucomanano em crianças e adolescentes com excesso de peso ou
obesidade também foi averiguada através da realização de um ensaio clínico randomizado duplo-cego, que incluiu um total de 81 crianças e adolescentes entre os 6 e os 17 anos, sendo que foram excluídos indivíduos com terapia farmacológica para doenças crónicas, histórico de tratamento cirúrgico de obesidade e que participaram em outros estudos de caráter semelhante nos 3 meses anteriores à realização deste. Durante 12 semanas, os participantes receberam glucomanano ou um placebo, ambos em doses de 3g/dia, sendo que foram oferecidas consultas com nutricionistas, de modo a atingir uma dieta normocalórica. Para além disso, eram igualmente encorajados a completar 60 minutos de atividade física e um tempo de atividade sedentária inferior a 2h/dia. Neste estudo, não foram encontradas diferenças significativas no IMC para a idade entre a toma de glucomanano e de placebo (0,0kg) e a composição corporal também não se alterou nos grupos (12).
Os resultados do glucomanano na perda de peso encontram-se descritos na Tabela 1.
Efeitos Adversos do Consumo/Suplementação
O glucomanano facilita a formação de géis devido à sua capacidade de absorção de água, pelo que, em raras circunstâncias, esta fibra pode ficar obstruída no trato gastrointestinal, podendo causar engasgamento ou bloqueios potencialmente fatais. Além disto, também pode causar problemas gastrointestinais, como fezes amolecidas, obstipação, flatulência, desconforto e distensão abdominal. No entanto, se se reduzir a quantidade administrada de glucomanano, estes sintomas podem ser atenuados. No caso de o desconforto gastrointestinal persistir, a sua administração deve ser interrompida (2, 3, 18, 19).
ANÁLISE CRÍTICA
Com base na revisão de literatura efetuada, é possível afirmar que a suplementação de glucomanano nunca deve ser adotada como tratamento de primeira linha, mas sim como uma possível estratégia coadjuvante após terem sido aplicadas mudanças de estilo de vida como primeira abordagem. É ainda necessário ter em consideração que, as perdas de peso estimadas nas revisões que obtiveram resultados positivos (8, 17), apesar de significativas, são baixas, o que poderá levantar questões relativamente à sua utilidade clínica.
Relativamente ao uso de suplementação de glucomanano em crianças e adolescentes, os resultados encontrados são escassos e não parecem indicar benefícios (8, 12). Desta forma, o seu uso na população pediátrica é desaconselhado e é necessária a realização de mais estudos nesta faixa etária, de modo a compreender a eficácia da sua utilização e os possíveis efeitos adversos.
Os resultados obtidos devem ser interpretados com cautela, dado que os estudos disponíveis atualmente possuem várias limitações. A duração das intervenções é de 3 a 12 semanas, o que é considerado um período curto para testar a eficácia e os efeitos adversos a longo prazo deste suplemento (8, 12, 17, 18). Para além disto, as doses utilizadas nos diferentes estudos (8, 12, 17, 18), analisadas nos resultados, possuem uma variação de 1 a 3,9 g/dia, sendo que a falta de uniformização da dose pode também ser um fator que influencia os resultados obtidos nos ensaios clínicos realizados. Na metanálise de Onakpoya et al. (18), foi observado que não existia uma relação linear entre a perda de peso e a dose de glucomanano fornecida, no entanto a partir dos 3 g/dia pareciam ocorrer perdas de peso mais elevadas, o que corrobora a informação disponibilizada pela EFSA (5, 18). Nos estudos de revisão avaliados (8, 12, 17, 18), são englobados ensaios clínicos com formas distintas de controlar os fatores associados ao estilo de vida, pelo que seria prudente que os ensaios realizados futuramente procurassem reportar a ingestão energética diária dos participantes e o seu tempo de atividade física diária de modo uniforme (18). Outra das limitações pode ser o facto de os estudos incluídos nas revisões supramencionadas (8, 17, 18), na sua maioria, não considerarem questões relacionadas com as mudanças da composição corporal, nomeadamente oscilações de massa isenta de gordura e massa gorda, o que pode influenciar os resultados obtidos (20). No que toca ao uso de suplementos, outra das questões que se pode salientar é o facto do financiamento dos ensaios clínicos ser suportado pela indústria. Contudo, Onakpoya l. et al. verificaram que ao incluir apenas estudos financiados pela indústria na sua metanálise, a diferença entre as perdas de peso não foi significativa entre os grupos e o inverso sucedeu ao incluir apenas os estudos que não tinham sido financiados pela mesma (18).
A variabilidade genética também é um fator a ter em conta quando se analisa a perda de peso per si (14). Num estudo de Maia-Landim A. et al. (14), a suplementação de 214 indivíduos, com excesso de peso ou obesidade, com 500mg, 2 vezes ao dia, de Garcinia cambogia e de glucomanano gerou perda de peso e de massa gorda e um aumento da taxa metabólica basal ao final de 6 meses de suplementação. Estes resultados foram independentes da idade, sexo, ou presença de doenças crónicas, no entanto este efeito parece ser atenuado em pessoas com os polimorfismos PLIN4 (Perilipin-4) (11482G>A), ADRB3 (β-adrenergic receptor 3) (Trp64Arg) e FTO (Fat Mass and Obesity associated) (rs9939609 A/T) (14).
Futuramente, é expectável que surjam ensaios clínicos com melhor qualidade metodológica ou novas utilidades para o glucomanano. Numa revisão sistemática de Ejtahed et al. (21) foi estudada a influência da manipulação da microbiota intestinal na obesidade, em que a suplementação com glucomanano gerou um aumento de bactérias Bifidobacterium e Lactobacillus e uma diminuição das Clostridium. Esta relação poderá vir a ser explorada, dado que a microbiota intestinal tem sido apontada como um fator presente na etiologia da obesidade e a suplementação com glucomanano pode constituir um fator modificador da mesma (21).
O papel do nutricionista perante a recomendação desta suplementação assenta na priorização dos fatores individuais e socioeconómicos inerentes ao utente, devendo informá-lo acerca da fraca qualidade da evidência atual e que nos estudos que apresentam uma perda de peso significativa, esta é baixa relativamente à perda com a toma de um placebo, podendo aferir pouco significado clínico. Para além disso, o utente também deve ser notificado acerca dos possíveis efeitos adversos associados, ainda sem gravidade relatada, antes de implementar este tipo de suplementação. É ainda necessário ter em consideração que a utilização deste suplemento está contraindicada em indivíduos que possuam algum problema esofágico pré-existente. Nos restantes, a toma deste suplemento deve ser deliberada consoante a existência prévia de problemas gastrointestinais, e perante esta condição deverá ser reduzida a dosagem ou interrompida caso os mesmos surjam após o início da suplementação (2, 3, 18, 19).
Tendo em conta as considerações supramencionadas e a aprovação da EFSA relativamente ao uso do glucomanano, acrescenta-se que seria pertinente rever a literatura científica publicada após 2010, de modo a garantir que os pareceres emitidos pelas entidades competentes estão alinhados com a evidência atual.
CONCLUSÕES
A suplementação com glucomanano não deve ser adotada como tratamento de primeira linha, apesar de parecer segura, dado que os estudos existentes carecem de qualidade metodológica. No entanto, à luz da evidência científica existente, os resultados demonstram, maioritariamente, perdas de peso estatisticamente significativas em adultos com excesso de peso ou obesidade. É necessário um maior número de estudos de melhor qualidade, de modo que o aconselhamento deste suplemento possa ser realizado com maior certeza dos seus efeitos adversos e potenciais benefícios para a saúde.