INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a dinâmica global da produção e do consumo de alimentos evoluiu rapidamente. A Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) estima que a disponibilidade calórica diária (per capita), a nível mundial, aumentou de 2716 kcal em 1999- 2001 para 2904 Kcal em 2015-17 (1). São, também, cada vez mais conhecidas e cientificamente provadas as relações causais entre a dieta e outros estilos de vida e o risco de doenças crónicas (2). Deste modo, dietas mais sustentáveis e equilibradas, com inclusão de alternativas proteicas de base vegetal e redução no consumo de carne vermelha são apontadas como soluções para melhorar a saúde da população mundial e do nosso planeta (3).
As leguminosas fazem parte dos padrões alimentares desde a ancestralidade. São uma boa fonte de hidratos de carbono complexos, fibras, ferro, zinco e vitaminas do complexo B (4). Em termos ambientais, estas culturas permitem reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, apresentam baixas necessidades hídricas e enriquecem o solo através da fixação biológica de azoto (5). No entanto, a valorização das leguminosas nas cadeias de valor dos sistemas agro-alimentares europeus é ainda reduzida (6), apesar de serem bem reconhecidas como substitutos da proteína animal (7).
Atualmente, a produção nacional de leguminosas assegura apenas 16,9% das necessidades em Portugal (8). Dado que existe uma baixa disponibilidade desta matéria-prima de origem nacional, as indústrias portuguesas de processamento dependem totalmente da importação para assegurar a distribuição de leguminosas até aos consumidores (8). Estão, por isso, em curso vários projetos de investigação que pretendem estimular a produção nacional de leguminosas, de forma sustentável e rentável para os agricultores.
OBJETIVOS
Avaliar a predisposição da população portuguesa para a inclusão das leguminosas como substitutos proteicos da carne ou do pescado encontrada em 2014 e 2020; e identificar as motivações e barreiras para o consumo de leguminosas em Portugal.
METODOLOGIA
A recolha de dados aconteceu em dois momentos temporais: 2014 e 2020. Em ambos os momentos, foram construídos questionários semiestruturados, maioritariamente constituídos por questões fechadas, que permitiu caracterizar os respondentes quanto às suas características sociodemográficas (idade, sexo, escolaridade e país de residência), consumo de leguminosas (questionário de frequência alimentar com sete opções de resposta, desde “nunca” a “mais do que uma vez por dia”) e conhecimentos e opiniões relativos às mesmas (por exemplo, benefícios do seu consumo para a saúde, recomendações relativas ao seu consumo, entre outros). A população-alvo foram adultos (idade ≥18 anos) que dominassem a língua portuguesa. Os questionários foram colocados em formulários Google® forms, partilhados através das redes sociais. Foram obtidas 1741 respostas válidas em 2014 e 908 em 2020, tendo-se considerado somente respondentes residentes em Portugal. Trataram-se, por isso, de dois estudos transversais, baseados em amostras não probabilísticas.
Os estudos tiveram a aprovação da Comissão de Ética da Universidade Católica Portuguesa.
Análise Estatística
As variáveis categóricas foram descritas através de n e % e comparadas através do teste de qui-quadrado. A normalidade das variáveis contínuas foi testada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A idade foi descrita através de mediana e intervalo interquartil e comparadas através do teste de Mann-Whitney U. A análise foi conduzida através do software SPSS 24.0.
RESULTADOS
No estudo mais recente (2020), os participantes eram maioritariamente do sexo feminino (74,1%), com uma mediana de idades de 30 anos (P25; P75: 20;43). A maioria da amostra (94,5%) completou o ensino secundário (45,4%) ou o ensino superior (49,1%) e era residente na região Norte de Portugal (84,8%).
Da amostra, 30 indivíduos (3,3%) afirmaram não gostar de leguminosas, apresentando como principais motivos o cheiro (73,3%), o sabor (70,0%) e a textura (33,3%).
As leguminosas de grão como o feijão, a ervilha e o grão-de-bico foram consumidas com maior frequência, concretamente pelo menos uma vez por semana, por 68,6%, 59,9% e 53,0% dos inquiridos, respetivamente (Gráfico 1).
No estudo de 2020, apesar de 24,9% da população não saber quais os benefícios das leguminosas para a saúde, o facto destes alimentos serem saudáveis e nutritivos foi identificado por 45,7% dos indivíduos como principais motivações para o seu consumo (Gráfico 2). Mais ainda, 44,3% da amostra afirmou não saber quais os benefícios das leguminosas para o ambiente e o contributo das leguminosas para a sustentabilidade foi apenas selecionado por 5,0% dos inquiridos como uma motivação para o consumo. Da amostra que afirmou consumir leguminosas, 33,4% dos indivíduos identificaram o desconforto intestinal como a principal barreira ao seu consumo, seguido do tempo de confeção (26,9%) e a baixa disponibilidade destes alimentos em refeições fora de casa (26,4%) (Gráfico 2). Dos entrevistados, 42% afirmou saber qual a porção de leguminosas diária recomendada pela Roda dos Alimentos para uma alimentação saudável e equilibrada. Destes, 22,5% dos inquiridos sabiam efetivamente qual era e 6,5% indicou cumpri-la.
Usando uma metodologia semelhante, a mesma equipa de investigação, em 2014 (10), inquiriu uma amostra de 1741 portugueses sobre a possibilidade da utilização de leguminosas como substituto da carne ou do pescado em algumas refeições. A pergunta foi repetida no presente estudo e as respostas de 2014 e de 2020 foram comparadas (Gráfico 3). Os participantes no estudo de 2020 eram significativamente mais velhos do que os inquiridos em 2014; 23 (20;31) em 2014 vs. 30 (20;43) em 2020, p<0,001 e menos escolarizados (proporção de indivíduos com ensino superior de 62,0% em 2014 e 49,1% em 2020 (p<0,001)).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo fornece uma caracterização do consumo atual de leguminosas em Portugal, e analisa a recetividade dos portugueses para substituírem, pelo menos parcialmente, a carne e o pescado por leguminosas. Compara, também, os resultados mais recentes com um estudo semelhante realizado em 2014 (9).
Aproximadamente metade dos participantes referiram consumir feijão e ervilha, pelo menos, uma vez por semana. Esta preferência era expectável dado que, em Portugal, o feijão representa cerca de 75% do total de leguminosas secas ingeridas (10), possivelmente por ser incluído numa grande diversidade de pratos na dieta mediterrânica. Os resultados relativos à possibilidade de substituição de carne e pescado por leguminosas parece deixar evidente uma diminuição na relutância em mudar hábitos alimentares pelos portugueses, nos últimos seis anos. Não obstante, os participantes no estudo de 2020 eram significativamente mais velhos do que os inquiridos em 2014 e menos escolarizados. Ainda assim, os resultados mostraram-se estatisticamente significativos para a alteração da dieta. Foram essencialmente inquiridos adultos jovens, cuja opinião é importante, na medida em que poderão estar mais permeáveis à mudança de hábitos (11) e, por outro lado, corresponderão à faixa etária com crianças a cargo, podendo incutir esses mesmos hábitos nas gerações futuras.
Cerca de 80% dos cidadãos europeus afirmaram estar disponíveis a reduzir o consumo de carne (12), ainda que nem sempre esta disponibilidade se repercutir em termos comportamentais. No entanto, o presente estudo parece indiciar uma alteração efetiva na dieta da população portuguesa. Ainda assim, as recomendações para o consumo de leguminosas preconizadas pela Roda dos Alimentos, desde 2003, estão longe de serem cumpridas (13). Algumas das barreiras ao consumo de leguminosas identificadas no presente estudo são coerentes com indicadores previamente publicados em outros estudos (9, 14). Por exemplo, flatulência, desconforto abdominal e cólicas estão frequentemente associados à incapacidade do ser humano quebrar as ligações α-glicosídicas presentes nos oligossacarídeos, que fazem parte da composição nutricional das leguminosas (9,15). O desconhecimento dos benefícios das leguminosas para a saúde e para o ambiente pode também ser um contributo para o seu baixo consumo. É, por isso, crucial desenvolver estratégias para promover o consumo de leguminosas e que estas deixem de ser vistas como um “alimento inferior”. Iniciativas como o Ano Internacional das Leguminosas dinamizado pela FAO podem ser um bom exemplo a replicar (16).
O facto de este estudo se basear em amostras não probabilísticas, constituídas sobretudo por adultos jovens e com elevada escolaridade requer alguma prudência na generalização dos resultados. Ainda assim, uma vez que a metodologia utilizada nos dois momentos foi semelhante, permite analisar a evolução da tendência de consumo de leguminosas.
CONCLUSÕES
Os portugueses parecem estar cada vez mais recetivos à possibilidade de substituição da carne e pescado por proteínas de origem vegetal, como as leguminosas. Ainda assim, o consumo de leguminosas no nosso país é manifestamente reduzido. É necessária a implementação de uma estratégia concertada que aposte na educação alimentar, mas também na disponibilização destes produtos de forma conveniente e atrativa para o consumidor.
O sucesso desta estratégia seria um contributo muito relevante para a sustentabilidade ambiental e para garantir a segurança alimentar da população.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto LeguCon (Ref. 238442), financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. As autoras agradecem a colaboração científica do projeto FCT UIDB/50016/2020 e do Projeto Europeu RADIANT “Realising Dynamic Value Chains for Underutilised Crops“(101000622).
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
RM realizou o tratamento de dados e a análise estatística e escreveu o artigo; CSS realizou a análise crítica dos resultados, reviu o artigo e financiou o estudo; MWV realizou a análise crítica dos resultados e reviu o artigo; EP conceptualizou e conduziu o estudo, realizou o tratamento de dados e a análise estatística e reviu o artigo.