INTRODUÇÃO
Atualmente, considera-se que os estilos de vida pouco saudáveis dos portugueses e os hábitos alimentares inadequados, como por exemplo o consumo excessivo de açúcares simples, naturalmente presentes ou adicionados aos alimentos (1), está relacionado com a prevalência de doenças crónicas como a obesidade e a diabetes (2).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entende-se por açúcar simples (free sugar) os mono (como a glicose e a frutose) e dissacarídeos (sacarose e açúcar de mesa) e por açúcares livres os açúcares adicionados aos alimentos e bebidas pela indústria alimentar, pelos manipuladores de alimentos ou pelos consumidores além dos açúcares naturalmente presentes no mel, xaropes, sumos de fruta e concentrados de sumo de fruta (3, 4). A ingestão média nacional de açúcares simples é de 84g/dia, contribuindo, em média, com 18,5% para o valor energético total (VET). Relativamente ao consumo de açúcares livres, a ingestão média nacional corresponde a 35g/dia, contribuindo, em média, com 7,5% para o VET. Este contributo verifica-se superior no grupo etário dos adolescentes com 10,5% e no grupo etário das crianças com 9,6% (4). Segundo a European Food Safety Authority (EFSA) não há evidência científica que comprove a ingestão máxima de açúcares adicionados e livres, afirmando que, esta ingestão deve ser a mais baixa possível (5). Contudo, a OMS recomenda que menos de 10% do nosso consumo energético total seja proveniente de açúcares livres, ou seja, 50g/dia (2).
Segundo os resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física - 2015-2016 (IAN-AF), o grupo dos iogurtes e leite fermentados é um dos maiores contribuidores no que se refere à ingestão de açúcares livres da população portuguesa, cerca de 10% (4).
Importa ainda salientar que esta é uma das categorias de alimentos, cujos géneros alimentícios apresentam habitualmente quantidades elevadas de açúcar de adição (6). O teor médio de lactose nos iogurtes é de 3,8g por 100g, o que significa que idealmente os iogurtes deveriam ter um teor médio de açúcar total inferior a 8,8g. Contudo, segundo as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) para a publicidade dirigida a crianças, de modo a incluir os géneros alimentícios “best in class”, deve ser levado em consideração o valor de 10g/100g (7). O iogurte é definido como “um produto coagulado, obtido por fermentação láctica devido à ação exclusiva do Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e do Streptococcus thermophilus sobre o leite e produtos lácteos (...) devendo a flora específica estar viva e abundante no produto final” (8).
O açúcar desempenha um papel importante no aspeto, sabor/aroma e textura dos iogurtes (9), que são as suas principais características organoléticas. O sabor predominante associado ao iogurte é a acidez produzida pela fermentação láctica. Assim, a adição de açúcar e aromatizantes, como frutas ou polpas/geleias de frutas tem como intuito reduzir essa acidez nos iogurtes e aumentar a aceitabilidade e consumo por parte dos consumidores (10).
Atualmente, existe uma tendência crescente da preferência do consumidor por iogurtes com um teor mais reduzido de açúcar (11), sendo que, estudos sugerem que os consumidores toleram bem iogurtes com uma percentagem de açúcar de 7% (6). No entanto, torna-se necessário entender qual o limiar de redução de açúcar que a indústria alimentar pode atingir, de maneira a não causar um impacto negativo na perceção e aceitação do consumidor pelo produto e na comercialização do mesmo. A crescente preocupação da indústria sobre este tipo de questões é justificada pelo facto de o consumidor estar cada vez mais atento e preocupado com os alimentos disponíveis no mercado (12). Assim, com o objetivo de reduzir o consumo de alguns nutrientes considerados de risco para a saúde dos consumidores, como por exemplo o açúcar, têm sido instituídas as metas preconizadas pela Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS), perfis nutricionais definidos no contexto da publicidade dirigida a menores e a estabelecer-se alguns acordos de reformulação alimentar entre a indústria e o Ministério da Saúde (13). A marca própria (MP) ou também conhecida como marca da distribuição (MDD), é “uma marca utilizada para comercializar os produtos que pertencem a um revendedor, geralmente a um retalhista” (14).
No passado, as MDD eram associadas a produtos de baixo preço e qualidade, no entanto, as empresas retalhistas evoluíram e deixaram de ser apenas distribuidores, começando a desenvolver, comunicar e até mesmo produzir os seus próprios produtos, apostando na qualidade, inovação e benefícios para os consumidores (10). Atualmente, disponibilizam produtos de qualidade idêntica aos das marcas de fornecedor (MDF) mas com um preço mais democrático (15). Em Portugal, as MDD têm demonstrado um crescimento exponencial, representando uma quota de mercado correspondente a 45% (16). Atendendo aos produtos que existem no mercado considerou-se pertinente associar o teor de açúcar presente nos iogurtes de seis marcas a operar no mercado português (três MDD e três MDF com mais vendas de iogurtes sólidos de aroma).
OBJETIVOS
Avaliar o teor de açúcar presente nos iogurtes sólidos de aroma tradicionais, identificando quais são os iogurtes com um melhor teor de açúcar, se os iogurtes MDD ou MDF, bem como avaliar a influência do aroma no teor de açúcar do iogurte. Avaliar, ainda, se os teores de açúcar dos iogurtes em estudo estão alinhados com as recomendações impostas pela DGS para a publicidade dirigida a crianças.
METODOLOGIA
Caracterização da Amostra: O teor de açúcar foi avaliado na categoria alimentar de iogurtes sólidos de aroma tradicionais. Os dados foram recolhidos durante o mês de março de 2021, através da declaração nutricional dos rótulos, referentes à composição nutricional por 100g de produto, disponibilizados tanto no comércio eletrónico, assim como, nos respetivos supermercados. Utilizou-se a base de dados YTD (year to date) à quadrisemana 40 de Homescan da Nielsen a fim de obter as MDD e as MDF com mais vendas em volume, em Portugal. Tratou-se de um estudo observacional analítico envolvendo 33 iogurtes sólidos de aroma tradicionais, selecionados por amostragem não probabilística de conveniência.
Análise Estatística: O tratamento estatístico foi efetuado utilizando o software IBM SPSS Statistics (Statistical Package for Social Sciences) versão 28 para Windows. Tendo sido aplicadas as medidas descritivas, medidas de tendência central para os valores da média e medidas de dispersão para os valores do desvio-padrão. Quanto à inferência estatística recorreu-se ao teste do Qui-quadrado da independência, teste t-Student para uma amostra e para duas amostras (17,18).
RESULTADOS
Foram estudados 33 iogurtes, sendo que 16 iogurtes pertenciam a MDD e 17 iogurtes pertenciam a MDF. Marca da distribuição 1 (MDD1) (n=6), MDD2 (n=6), MDD3 (n=4), Marca de fornecedor 1 (MDF1) (n=8), MDF2 (n=5) e MDF3 (n=4). Destes, o valor mínimo de açúcar total presente nos iogurtes foi de 9,4g, a média 10,6g e o máximo de 12,7g. Verificou-se ainda que apenas houve variação dos teores de açúcar nos iogurtes da MDD3 (10,8 ± 1,7).
Em relação aos teores de açúcar dos iogurtes das MDD e das MDF, quando comparados, em média os valores de açúcar dos iogurtes das MDD foram ligeiramente inferiores aos da MDF, 10,3g e 10,8g, respetivamente, sendo que, esta diferença não foi estatisticamente significativa (p > 0,05) (Tabela 1).
Quanto às orientações da DGS para a publicidade alimentar dirigida a crianças para o teor de açúcar de 10g/100g no que diz respeito aos iogurtes sólidos de aroma, observou-se que houve uma diferença estatisticamente significativa (p<0,001) entre a média do teor de açúcar dos 33 iogurtes estudados e as orientações da DGS, sendo que, a média do teor de açúcar (10,6g) foi superior ao valor parametrizado (10g), havendo uma diferença de 0,6g. Da amostra total, 16 iogurtes tinham o teor de açúcar ≤10g (48,5%) e 17 tinham um teor de açúcar >10g (51,5%), sendo que as MDF tinham mais iogurtes com um teor de açúcar superior a 10g (52,9%) quando comparadas com as MDD (47,1%).
Atendendo aos resultados, constatou-se a ausência de diferenças estatisticamente significativas (p=0,866) entre as marcas e as orientações DGS (Tabela 2).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No presente estudo, foram utilizados 33 iogurtes de aroma MDD e MDF com o objetivo de estudar os teores de açúcar dos mesmos, sendo que, em média, apresentavam um teor de açúcar de 10,6g/100g. Este perfil foi semelhante ao mostrado no estudo realizado no Reino Unido em 2018, onde num total de 923 iogurtes (648 produtos de MDF e 273 produtos de MDD) obteve-se 79 iogurtes de aroma de ambas as marcas (MDD e MDF) com um teor de açúcar médio de 12,0g/100g (19). Outro estudo, realizado em 2018, com 2285 iogurtes de aroma em três países diferentes: Austrália, Reino Unido e África do Sul, apresenta também valores semelhantes aos encontrados quanto ao teor de açúcar total presente nos iogurtes (11,9g, 12,4g e 10,1g, respetivamente) (20). Em Portugal, A. Lopes et al. realizou dois estudos (2018, 2019) que permitiram avaliar o teor de açúcar dos iogurtes sólidos, com uma amostra de 122 iogurtes e outra amostra de 305 iogurtes, observou que, em média, estes iogurtes apresentaram um teor de açúcar de 12,0g/100g e 11,5g/100g, respetivamente (21,22). Segundo a base de dados YTD (year to date) à quadrisemana 40 de Homescan da Nielsen, em Portugal, a MDD1 e MDF1 são as marcas de produto com mais vendas em volume. No presente estudo, observou-se que as amostras MDD1 e MDF1 são as que, em média, possuem um menor teor de açúcar (9,6g e 10,0g, respetivamente), o que pode aferir que menores teores de açúcar não impactam negativamente na escolha dos consumidores. Benkirane et al. (2017), demostraram que ao reduzir 20% a 30% do teor de açúcar dos iogurtes, estes continuavam a ser aceites pelos participantes (23), o que vai ao encontro da premissa de que os consumidores preferem iogurtes com reduzidos teores de açúcar adicionado. Também Velázquez et al. (2021), num estudo realizado com 126 crianças do Uruguai, verificaram que o teor de açúcar adicionado presente nos lácteos, nomeadamente os iogurtes, pode ser reduzido até 25%, sem que impacte de forma negativa a comercialização destes produtos (24). Relativamente ao teor de açúcar dos iogurtes das marcas estudadas, apenas a MDD3 apresentou uma variação dos teores de açúcar em função do aroma. Oliveira et al. (2021) num estudo realizado com iogurtes de aroma a “morango” e “baunilha” concluiu que ao adicionar uma certa percentagem de aroma era possível reduzir 25% do teor de açúcar dos iogurtes sem comprometer a aceitação por parte dos consumidores, ou seja, o sabor doce dos iogurtes era assegurado pelo teor de aroma acrescentado e não pelo teor de açúcar adicionado, assim, o teor de açúcar dos iogurtes poderia ser sempre igual (25). Estes resultados suportam o facto de a maioria dos iogurtes das marcas estudadas apresentarem um teor de açúcar igual independentemente do aroma.
DP: Desvio-Padrão
M: Média
DGS: Direção-Geral da Saúde
Nota: A DGS recomenda um teor de açúcar de 10g/100g para os iogurtes sólidos (7)
O presente estudo verificou que dos 33 iogurtes de aroma estudados, 16 (48,5%) estão alinhados com as orientações da DGS para a publicidade alimentar dirigida a crianças para o teor de açúcar nos iogurtes sólidos de aroma e 17 iogurtes (51,5%) apresentaram teores de açúcar total acima do que está parametrizado. Bonsmann et al. (2019), no seu estudo com 674 iogurtes observou que 379 iogurtes (56%) não atingiram o limite do modelo de perfil nutricional europeu da OMS que preconiza um teor máximo de açúcar total para os iogurtes de ≤10 g/100g (26). Neste estudo, apesar da amostra ser superior à amostra utilizada no nosso estudo (n=674), os resultados são semelhantes (56%). Também Coyle et al. (2019), num estudo realizado em Inglaterra com 2285 iogurtes de aroma, observou que o número de iogurtes que não cumpriam os critérios do semáforo verde (<5g/100g de açúcar adicionado) era superior ao número de iogurtes que cumpriam com os critérios (n=84) (20). Apesar de Portugal ter vindo a desenvolver algumas estratégias e metas de reformulação para estes produtos de forma a colmatar esta problemática que é notória a nível mundial, ainda existe a necessidade de definir novos métodos para se atingir o valor ideal de teor de açúcar nos iogurtes.
Tem vindo a constatar-se que os consumidores têm demonstrado maior cuidado com o teor de açúcar dos iogurtes que consomem, assim como, tem havido uma crescente preocupação por parte da indústria alimentar relativamente a este assunto. Num estudo realizado no Reino Unido, Moore et al. (2020) ao compararem o teor de açúcar de 893 iogurtes vendidos em 2019 com os produtos vendidos em 2016, comprovaram que, em média, o teor de açúcar dos iogurtes vendidos no ano de 2019 foi reduzido em 13% (27).
O crescimento significativo das MDD tem levado a uma crescente concorrência entre estas e as MDF (28). No presente estudo foi possível observar que, em média, os valores de açúcar dos iogurtes das MDD foram ligeiramente inferiores aos teores de açúcar dos iogurtes das MDF, 10,3g e 10,8g, respetivamente. Olbrich et al. (2017) elaboraram um estudo onde concluíram que, em média, os produtos das MDF eram mais caros em comparação com os produtos das MDD, no entanto a qualidade dos produtos (avaliação efetuada através de testes SitWa) das MDD era maior, considerando que os produtos com maior quota de mercado que em testes feitos anteriormente (29). Apesar deste estudo não comparar iogurtes, os resultados são semelhantes aos do presente estudo na medida em que os produtos das MDD, em média são os de maior qualidade nutricional. S. Kim et al. (2020) também elaboraram um estudo onde concluiram que a publicidade que as MDD faziam aos seus produtos levou a que os consumidores equiparassem a qualidade das MDD com as MDF (30).
Foram observadas algumas limitações neste estudo, nomeadamente a dificuldade em encontrar artigos científicos que sustentassem as hipóteses do mesmo. A constante reformulação que este tipo de produtos sofre por parte da indústria alimentar e a variedade de aromas das diferentes marcas, não permitiu uma comparação tão precisa entre o teor em açúcar, o aroma e a marca.
CONCLUSÕES
Este estudo avaliou o teor de açúcar total (rotulado) presente nos iogurtes sólidos de aroma de seis marcas a operar no mercado português e mostrou que, em média, os valores de açúcar dos iogurtes das MDD foram ligeiramente inferiores aos valores das MDF, 10,3g e 10,8g, respetivamente.
Foi possível observar que as marcas com mais vendas em Portugal (MDD1 e MFD1) são as que, em média, possuem um menor teor de açúcar (9,6g e 10,0g, respetivamente), o que pode revelar que menores teores de açúcar não impactam negativamente na escolha dos consumidores.
Ao comparar os iogurtes das diferentes marcas com os teores de açúcar verificámos que, à exceção de MDD3, o aroma não influencia o teor de açúcar.
Sendo que, um dos objetivos deste estudo era avaliar se o teor de açúcar dos iogurtes sólidos de aroma estava alinhado com as orientações da DGS para a publicidade alimentar dirigida a crianças. Posto isto, foi possível constatar que, de um modo geral (n=33), as MDF tinham mais iogurtes com um teor de açúcar superior a 10g/100g (n=9) (52,9%) do que as MDD (n=8) (47,1%).
Atendendo aos últimos dados obtidos, verificou-se uma redução do teor de açúcar nos iogurtes. No entanto, é crucial que se mantenha um esforço e colaboração por parte da indústria alimentar, uma vez que nem todas as entidades atingiram a meta preconizada pela DGS.
CONFLITO DE INTERESSES
As autoras MD e IL declaram que estavam abrangidas por conflitos de interesse uma vez que exercem funções na indústria do retalho. As restantes autoras não reportaram conflito de interesses.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
AC contribuiu para a elaboração do artigo, desde a sua conceção, estruturação, metodologia, recolha de dados, tratamento estatístico à pesquisa bibliográfica e escrita do rascunho do manuscrito. MD propôs o tema e realizou a revisão crítica e científica do artigo e a aprovação da versão final para submissão. A autora IL contribuiu para os resultados e realizou a revisão crítica e científica do artigo. A autora SF contribuiu para os resultados e discussão do estudo, assim como também realizou a revisão crítica e científica do artigo e a aprovação da versão final para submissão.