INTRODUÇÃO
A prática do consumo de insetos como alimento é frequentemente referida como entomofagia e, recentemente, ganhou especial interesse em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar de ser vista como uma novidade, a entomofagia tem sido praticada em muitas culturas por todo o mundo como meio de fornecer alimentos únicos, nutritivos e saborosos, existindo registos desta prática desde o século oitavo AC (1). Estima-se que, em 2050, a população mundial atinga os 9,6 mil milhões de pessoas, o que resultará inevitavelmente no aumento da necessidade de alimentos, principalmente proteína animal (2). Alimentar esta população será um grande desafio devido aos recursos cada vez mais limitados, o que exigirá que se encontrem formas alternativas e inovadoras para garantir o acesso a alimentos em quantidade e qualidade (1). A pecuária e o consumo de carne estão associados a elevados impactos ambientais (2). Na atualidade os insetos estão a emergir
como um grupo de alimentos com interesse para produção em massa devido ao seu valor nutricional, mas também pelos benefícios ambientais associados à sua produção (1). O conteúdo de proteína dos insetos é geralmente de boa qualidade e altamente digerível (3) sendo uma excelente alternativa como fonte de alimento para fazer face ao crescente aumento da população mundial, com baixo impacto nas alterações climáticas.
Esta revisão visa compilar informação sobre a composição nutricional dos insetos e sobre a importância e potencial que o consumo de insetos poderá vir a ter na alimentação humana num futuro próximo, como forma de fazer face ao crescente aumento da população mundial.
METODOLOGIA
Pesquisou-se nas bases de dados PubMed e Scopus utilizando as palavras-chave: “entomophagy” AND “edible insects”. A pesquisa foi efetuada no período compreendido entre 11 de novembro de 2021 e 23 de março de 2022. Foram obtidos 120 artigos distintos em língua Inglesa e após a leitura dos títulos e quando necessário dos resumos, foram selecionados, lidos na íntegra e utilizados nesta revisão 19 desses artigos, os quais foram considerados relevantes face à temática abordada. Adicionalmente foi pesquisada legislação Europeia e Portuguesa relevante para o conteúdo tratado, recorrendo-se aos sítios da União Europeia (UE) (1 referência utilizada), da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) (1 referência utilizada) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (2 referências utilizadas).
Consumo de Insetos no Mundo
São consumidas 2111 espécies de insetos em cerca de 140 países, estando a entomofagia documentada na Ásia, Austrália, África e América Latina (1). Na cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, estima-se que sejam consumidas anualmente cerca de 96 toneladas de lagartas, pelo seu valor nutritivo, mas também pelo apreciado sabor. Na República Centro-Africana, durante a estação das chuvas, estima-se um consumo médio diário de 42 lagartas por pessoa. Em Madagáscar, no final da estação seca diminui o consumo de arroz e aumenta o consumo de lagartas que também são armazenadas secas. Na Ásia, são consumidos entre 150 e 200 espécies de insetos comestíveis. Na América Latina, no México, Amazónia, Equador e Venezuela os insetos consumidos são capturados de forma sazonal tendo em conta a estação das chuvas e ciclo de vida das plantas. Na Austrália são consumidas larvas de mariposa de variadas espécies a que chamam witchetty grubs. Na Tailândia e República Democrática Popular do Laos é comum o consumo da lagarta do bambu (Omphisa fuscidentalis). Na África Subsaariana o consumo de lagartas está bastante difundido, chegando a representar cerca de 30% do consumo total de insetos. Na República Democrática do Congo, as lagartas representam 40% do total de proteína animal consumida. Nas florestas do Botswana, Namíbia, Zimbábue e em algumas zonas do norte da África do Sul é consumida como parte da dieta regular a lagarta mopane (Gonimbrasia belina), hospedeira das árvores mopane (Colophospermum mopane) (4).
Atualmente na Europa, são criadas em cativeiro as larvas de tenébrio (Tenebrio molitor) e grilos domésticos (Acheta domesticus) sendo considerados um produto com grande potencial na indústria alimentar (5). Os insetos mais consumidos mundialmente pertencem, respetivamente, às ordens Coleoptera, Lepidoptera, Hymenoptera, Orthoptera, Hemiptera, Isoptera, Odonata, Diptera, Dictyoptera e Megaloptera (4). Dentro de cada ordem os insetos mais consumidos são: Coleoptera-larvas e pupas de escaravelhos; Lepidoptera - larvas e pupas de mariposa e borboleta; Hymenoptera - formigas e abelhas; Orthoptera - grilos e gafanhotos; Hemiptera - cigarras; Isoptera - térmitas (5).
Valor Nutricional dos Insetos
O valor nutricional dos insetos varia não só consoante a espécie, mas também consoante a forma como foram criados, no seu habitat natural ou em cativeiro, e ainda conforme o sexo e a etapa de crescimento em que se encontram. Os insetos são considerados uma boa fonte de gorduras, proteínas, minerais e vitaminas, no entanto, os teores nutricionais variam em função do tipo de inseto (6, 7).
Proteínas
Em termos de matéria seca, pode dizer-se que as proteínas são o principal componente dos insetos. O seu teor de proteína bruta pode variar entre 23% a 76%. Na Tabela 1 podemos consultar o valor nutricional de alguns dos insetos mais usualmente consumidos (8). Geralmente, a proteína de inseto é comparada com fontes de proteína de farinha de soja e farinha de peixe. Na Tabela 1 pode verificar-se que, em algumas das espécies de insetos mencionadas, o seu teor de proteína consegue ser superior ao da soja (9, 10).
Um bom exemplo disso é o grilo-doméstico (Acheta domesticus), uma espécie que é particularmente rica em proteínas. Contudo, a digestibilidade da proteína de inseto pode ser variável devido à presença
do exosqueleto, uma vez que este contém quitina, que em grandes quantidades é de difícil digestão para os seres humanos. Vários estudos demonstraram que a digestibilidade da proteína dos insetos varia entre 77% a 98% sem o exosqueleto (11), enquanto, com os exosqueletos, devido ao elevado teor de quitina, os insetos serão mais difíceis de mastigar e a proteína mais difícil de digerir, dificultando também o cálculo da sua digestibilidade (11, 12). Atualmente, não existem estudos científicos feitos em seres humanos que estimem a digestibilidade proteica das farinhas de inseto ou outros subprodutos.
Gorduras
A gordura é o segundo macronutriente presente em maior quantidade nos insetos (7). Vários fatores como a espécie, sexo, estado reprodutivo, estação do ano, dieta e habitat influenciam o teor de gordura. A tabela 1 mostra como a quantidade de gordura varia substancialmente entre espécies e mesmo entre insetos da mesma espécie. Da mesma forma, as gorduras tendem a estar presentes em diferentes formas, com os fosfolípidos e triglicerídeos a representarem entre 20% a 80% do total, respetivamente. No entanto, alguma da gordura contida nos insetos pode ser removida e tem potencial para ser utilizada como ingrediente, por exemplo, em suplementos alimentares. Inclusivamente ácidos gordos com muito interesse para a nutrição humana como o linoleico (C18:2 n6) e o alfa-linolénico (C18:3 n3), que são ácidos gordos polinsaturados essenciais, encontrados em quantidades relevantes nos insetos (11). Estes ácidos gordos aparentam ter um papel na fisiopatologia das doenças cardiovasculares e em alguns tipos de cancro, atuando como precursores da síntese de outros ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa como o ácido araquidónico, o ácido eicosapentaenóico e o ácido docosahexaenóico e sendo essenciais para a manutenção da integridade das membranas celulares, na função cerebral e na transmissão dos impulsos nervosos (13). No entanto, não há estudos que demostrem a associação do consumo de insetos a uma menor prevalência destas doenças.
A Tabela 2 mostra que os insetos possuem teores relevantes de ácidos gordos importantes para o ser humano, como por exemplo o oleico (C18:1 n9) e o linoleico (C18:2 n6). Para melhor entendimento do exposto anteriormente, poderá ser útil comparar os teores de ácidos gordos dos insetos presentes na Tabela 2, com outros alimentos de referência de origem animal como o Salmão do Atlântico (Salmo solar 40 g/100 g de C18:1 e n9 e 14 g/100 g de C18:2 n6) ou de origem vegetal como a planta do chá (Camellia Sinensis - 62 g/100 g de C18:1 e n9 e 18 g/100 g de C18:2 n6) (13). Adicionalmente, a extração de óleos provenientes de insetos tem sido conseguida através de diferentes métodos, mostrando-se uma opção tecnicamente válida (13).
Minerais e Vitaminas
O teor de micronutrientes, na composição dos insetos, pode variar em função da espécie e da ordem, bem como da estação do ano e
C12:0 = Acido láurico
C14:0 = ácido mirístico
C16:0 = ácido palmítico
C16:1 = ácido palmitoleico
C18:0 = ácido esteárico
C18:1 n9= ácido oleico
C18:2 n6 = ácido linoleico
C18:3 n3 = ácido alfa-linolénico
da alimentação dos mesmos. No entanto, os insetos apresentam-se, genericamente, como boas fontes de cálcio, potássio, ferro, fósforo e magnésio (7).
Os dados mostram que os insetos contêm quantidades relevantes de algumas vitaminas e minerais, por exemplo, o seu teor em ferro é superior ao da carne (8). A qualidade nutricional dos insetos pode ajudar a reduzir défices nutricionais a nível global, uma vez que são fontes concentradas de nutrientes necessárias ao organismo humano. Por exemplo, grupos da população muito afetados pela deficiência de ferro como as crianças e as mulheres em idade reprodutiva, poderão beneficiar dos insetos como fonte de ferro com uma biodisponibilidade superior à encontrada no ferro com origem no reino vegetal (14), embora não exista, atualmente, informação que evidencie a relação entre a diminuição da anemia ferriprivia e o consumo regular de insetos.
Condicionantes ao Consumo de Insetos
Neofobia
A neofobia alimentar é um tipo de comportamento alimentar em que uma pessoa se recusa a provar e comer alimentos com os quais não está familiarizado. A neofobia é uma característica geneticamente condicionada, o que não a justifica na sua totalidade pois também depende de outros fatores como nutrição pré-natal, nutrição durante a infância, personalidade na primeira infância, hábitos alimentares e estilo de vida. As sociedades Ocidentais tendem a mostrar fobia e repulsa no que diz respeito ao consumo de insetos ou produtos à base de insetos, demonstrando uma perceção negativa destes animais (15). Os insetos são associados a desconforto, como os mosquitos, térmitas e moscas que invadem as habitações, com picadas desagradáveis, destruindo a madeira ou pousando nos alimentos. São ainda associados a problemas de saúde pois podem ser vetores de transmissão de doenças. Os mosquitos, carraças, pulgas e piolhos são responsáveis por doenças como a malária, a encefalite viral, a doença de Chagas, a doença de Lyme ou a doença do sono africana (3). Não obstante, há evidência de que as populações estão cada vez mais cientes das potencialidades dos insetos como alimento, mas ainda assim, há relutância à sua aceitação. Esta aversão diminui a probabilidade de aceitação dos insetos como fonte de alimentação constituindo o maior desafio sociocultural no que diz respeito à introdução de alimentos à base de insetos no mundo Ocidental (15).
Segurança alimentar
Apesar do reconhecimento de alguns insetos aptos para o consumo humano, as questões de segurança alimentar em relação aos insetos comestíveis são uma preocupação no mundo Ocidental. A falta de conhecimento nesta área será uma barreira ao incremento da sua produção em cativeiro bem como ao seu consumo. São conhecidos os benefícios nutricionais associados aos insetos comestíveis, no entanto, os potenciais perigos para a segurança alimentar ainda não estão totalmente esclarecidos. Estes perigos podem ser agrupados em três categorias: químicos, biológicos e alergénios (16).
Microrganismos
Tanto os insetos capturados na natureza como os criados em cativeiro podem estar infetados com microrganismos patogénicos, incluindo bactérias, vírus, fungos, protozoários e outros. A criação de insetos pode permitir um maior controlo sobre as práticas de higiene e fontes da sua alimentação, mitigando os potenciais riscos microbiológicos (4). Ainda assim, a maioria dos micro-organismos presentes nos insetos são considerados inofensivos para os seres humanos (14). Procedimentos simples como ferver os insetos durante alguns minutos reduz o risco de presença de micro-organismos patogénicos, no entanto, alguns endósporos bacterianos podem ter termorresistentes e ainda assim causar doença (13). Sabe-se que algumas bactérias como as dos géneros Escherichia, Staphylococcus e Bacillus podem infetar tanto humanos como invertebrados, incluindo insetos, o que representa um risco relativamente ao seu consumo, sobretudo em países em desenvolvimento onde são mais frequentemente consumidos crus (16). É, pois, de extrema importância que o ambiente e as técnicas utilizadas na criação de insetos sejam controlados para que o seu consumo não constitua uma fonte de doenças para os seres humanos (14).
Alergénios e Antinutrientes
Potencialmente qualquer alimento que contenha proteína pode causar uma reação alérgica a indivíduos sensíveis e, sendo a proteína a maior componente nutricional dos insetos comestíveis, confere-lhes um potencial alergénico. Foram identificadas nos insetos proteínas como a arginina quinase, a α-amilase e a tropomiosina que possuem potencial alergénio (16). Existem inclusivamente relatos de casos provenientes da China que reportam choque anafilático devido ao consumo de gafanhotos e bichos-da-seda (17). Um estudo realizado em 2013, na Holanda relata um potencial para reação alérgica cruzada entre crustáceos ou ácaros e o consumo de tenébrios ou gafanhotos (18). Os antinutrientes são substâncias naturalmente presentes nos alimentos que inibem a digestão, absorção e utilização de nutrientes e, embora sendo mais comuns nos alimentos de origem vegetal, também se encontram em alguns alimentos de origem animal. Foram encontrados diversos tipos de antinutrientes em insetos comestíveis como os taninos, fitatos e oxalatos (5, 14), no entanto, fica por atestar o potencial impacto da preparação culinária no efeito destes antinutrientes.
Contaminação Química
A contaminação de alimentos com metais pesados é conhecida por causar efeitos adversos à saúde. Atualmente, há um conhecimento limitado sobre a segurança de insetos comestíveis em relação aos metais pesados. Foram detetados metais pesados como cádmio, chumbo, mercúrio e arsénio em bichos-da-seda, escaravelhos, grilos e gafanhotos consumidos na Tailândia, embora em baixas concentrações (16). Outra questão preocupante é a possível absorção de agrotóxicos pelos insetos, que devido à sua potencial bioacumulação em humanos podem causar problemas caso o consumo de insetos seja elevado do ponto de vista da frequência e/ou quantidade. A criação de insetos em cativeiro, em ambiente controlado, reduzirá os riscos de contaminação química, pois este risco é maior quando os insetos são apanhados na natureza, devido à ausência de controlo sobre a aplicação de produtos químicos no seu habitat (3).
Impacto no Ambiente e na Segurança Alimentar
O crescente aumento da população global requer um proporcional aumento da produção alimentar, o que leva a problemas ambientais, especialmente devido à falta de terreno arável e à criação intensiva de animais. Se não houver mudanças nesta área há uma probabilidade do aumento de emissões de gases de estufa e degradação ambiental com consequências desastrosas na segurança alimentar, particularmente na disponibilidade alimentar (1). As carências nutricionais constituem um problema mundial, sobretudo nas zonas rurais da China e Índia (países que condensam mais de 35% da população mundial) onde a alimentação é maioritariamente à base de plantas, com baixo valor nutritivo, baixo teor em proteínas e ainda por vezes com antinutrientes como ácido fítico e taninos que inibem a absorção de micronutrientes.
A criação de insetos comestíveis em cativeiro é relativamente fácil atendendo à sua alta fecundidade e pouco espaço necessário, tornando esta atividade uma opção viável e lucrativa para fazer face às necessidades nutricionais a nível global. Em termos ambientais a criação de insetos para consumo humano também oferece muitas vantagens, como a maior eficiência de conversão alimentar, menor emissão de gases de estufa, menor área utilizada na sua criação, baixo consumo de água e baixa contaminação ambiental (14). Por exemplo a percentagem edível do grilo-doméstico (Acheta domesticus) é de 80% enquanto a do frango e do porco é de 55% e da vaca 40% (4). Para produzir um Kg de tenébrio (Tenebrio molitor) são necessários 18 m2, para a mesma quantidade de carne de vaca 254 m2, para carne de porco 63 m2 e carne de frango 51 m2 (14). Para a produção de 1 Kg de carne de frango são gastos 2300 L de água, para a mesma quantidade de carne de porco 3500 L e para a carne de vaca 22000 L (4), estimando-se que esta última possa chegar a uma necessidade de 43000 L (19). Não são conhecidos os valores concretos de água necessários para produzir a maioria das espécies de insetos comestíveis, no entanto, estima-se que seja bastante inferior tendo em conta a sua resistência à escassez de água que os insetos normalmente apresentam (20).
Nas sociedades onde o consumo de insetos ainda é habitual, sempre que há escassez de outros alimentos, o seu consumo constitui uma forma de colmatar essa escassez e também uma forma de subsistência com a captura, preparação e venda dos insetos principalmente em vendas de rua (16). Por vezes os insetos são a única fonte significativa de aminoácidos essenciais, ácidos gordos essenciais ou de algumas vitaminas e minerais para estas populações (4). É de salientar que a grande maioria dos insetos usados para alimentação nos países em desenvolvimento são capturados na natureza (14).
A produção em massa de insetos é viável e pode satisfazer as necessidades nutricionais das populações, mas tornou-se pouco comum no mundo Ocidental, ainda que possua vantagens em relação à carne de animais como a vaca, o porco ou o frango, devido ao seu elevado conteúdo de proteína de alta qualidade, gorduras, vitaminas e minerais (21).
A procura de alimentos saudáveis e que promovam a saúde e a preocupação crescente com a sustentabilidade poderão encontrar resposta na introdução dos insetos na alimentação humana, também no Ocidente (15). Os insetos são, cada vez mais, vistos como “o alimento do futuro”. Na Holanda, os esforços para promover o consumo de insetos incluem estudos no sentido de prepará-los ao gosto ocidental, resultando na venda de alguns insetos, como gafanhotos, e tenébrios. Foram também transformados em pó e farinha de forma a minimizar o impacto visual e aumentar a palatabilidade (7). Ao incorporar insetos nos alimentos de forma que eles não sejam claramente visíveis ou tornando-os irreconhecíveis, pode facilitar o seu consumo. É possível preparar bolos, queques, bolachas, barras de proteína, panquecas, batidos proteicos e outras receitas, mostrando-se imenso o potencial para inserir a farinha de inseto em alimentos e/ou preparações culinárias frequentemente utilizadas no estilo de vida moderno Ocidental (15).
Legislação na União Europeia e Portugal
Até muito recentemente não era permitida a criação e comercialização de insetos para consumo humano na União Europeia (UE). O Regulamento dos Novos Alimentos, Regulamento (UE) n.º 2283/2015, define como novo alimento um alimento que não foi consumido de forma significativa por humanos na UE antes de 15 de maio de 1997. Neste âmbito, os insetos são considerados como novo alimento e como tal carecem de autorização da Comissão Europeia antes de serem colocados no mercado. A UE apenas trata da aprovação de um novo produto, após uma avaliação científica rigorosa feita pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA). A EFSA verifica, à luz dos dados científicos disponíveis, se o alimento não representa um risco para a saúde humana. Aprovados ao abrigo deste regulamento já é permitida a comercialização na UE, de Tenébrio (Tenebrio molitor), Gafanhoto-migratório (Locusta migratoria) e Grilo- doméstico (Acheta domesticus) (22). Em Portugal, a DGAV publicou (ao abrigo dum regime transitório) uma lista de insetos que podem ser colocados no mercado: Grilo-doméstico (Acheta domesticus), Grilo-doméstico tropical (Gryllodes sigillatus), Besouro (Alphitobius diaperinus), Abelha-europeia (Apis melífera), Tenébrio (Tenebrio mollitor), Gafanhoto-migratório (Locusta migratoria) (23).
A legislação vigente em Portugal e na UE permite a utilização e comercialização dos insetos inteiros (não vivos) e moídos, por exemplo em farinha, que pode ser utilizada em alimentos processados. Especificamente em Portugal os estabelecimentos industriais de processamento e/ou transformação de insetos para alimentação humana e de comércio por grosso com armazenamento, necessitam de registo e licenciamento de acordo com a lei e regulamentos em vigor para a sua atividade, de acordo com o esclarecimento técnico da DGAV n.º 1/DGAV/2022 (22, 23).
ANÁLISE CRITICA
O consumo de insetos parece constituir uma boa fonte de nutrientes, no entanto, em algumas áreas ainda é necessária mais investigação, como do ponto de vista da digestibilidade e biodisponibilidade de alguns dos seus constituintes nutricionais, ou de aspetos relacionados com a segurança alimentar (food safety). O consumo de insetos por humanos tem maior prevalência em países em desenvolvimento onde constitui um recurso alimentar, sobretudo em períodos de escassez de outros alimentos. Nos países Ocidentais existe uma tentativa de introduzir estes alimentos na dieta, no entanto, parece ser necessário ultrapassar algumas barreiras como a fobia e a repulsa sentida pela maioria das pessoas relativamente ao consumo de insetos. A incorporação dos insetos em forma de farinha em barras proteicas ou bolachas, por exemplo, pode contribuir para reduzir esta fraca aceitação e assim auxiliar a que os insetos comecem a fazer parte da alimentação regular, também no Ocidente (15). Falta também aprofundar a investigação sobre o impacto da alimentação que os insetos têm em cativeiro, nas suas posteriores características nutricionais e até na segurança alimentar. As questões de segurança alimentar podem, aparentemente, ser bastante minimizadas quando os insetos são criados em cativeiro e consequentemente mantidos em ambiente controlado, no entanto, mantém-se algum desconhecimento, por exemplo, quanto ao seu potencial alergénico.
Em diversos países, sobretudo em países em desenvolvimento, os insetos constituem uma boa fonte de nutrientes e até de rendimento, o que apresenta um grande potencial como possível contributo para a resolução dos problemas de má nutrição nesses países, estando muitas vezes os problemas de défice nutricional associados também a problemas socioeconómicos. Em comparação com a pecuária comum, a criação de insetos regista uma maior eficiência de conversão alimentar, menor emissão de gases com efeito de estufa, menor consumo de água, menor uso do terreno arável e baixa contaminação ambiental. Nesta perspetiva, os insetos para consumo humano apresentam um grande potencial como fonte nutritiva, eficiente e sustentável. Na Europa poderão constituir uma oportunidade de negócio e uma opção para quem quer fazer uma alimentação mais saudável e sustentável. Num futuro próximo, os alimentos à base de insetos podem começar a ser vistos, de uma forma mais ampla, como uma fonte relevante de nutrientes provenientes de uma base de produção ecologicamente sustentável e de baixo custo, tornando-se consequentemente acessíveis a todos. O conhecimento dos profissionais que trabalham na área da nutrição e alimentação sobre estes e outros aspetos relacionados com o consumo de insetos ou alimentos compostos à base de insetos, por humanos, é fundamental para acelerar o seu reconhecimento e aceitabilidade por parte da sociedade.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
CG e KC: Contribuíram igualmente para a elaboração do artigo, nomeadamente na definição e execução da pesquisa bibliográfica, na leitura e seleção da bibliografia obtida e na escrita das primeiras versões do manuscrito; RJ: Propôs o tema e acompanhou a realização do mesmo em todas as suas etapas e realizou a revisão crítica e correção científica que deu origem à versão final do artigo, revisto e aprovado por todos os autores.