INTRODUÇÃO
A fase adulta (dos 19 aos 59 anos) é caracterizada pela oportunidade de independência e aumento das responsabilidades profissionais, pessoais e familiares que podem ser uma barreira para a adoção de hábitos alimentares saudáveis (1). Com a urbanização e a globalização, a falta de tempo livre para a confeção de refeições caseiras é uma realidade cada vez mais frequente, o que faz com que aumente o consumo das refeições diárias das famílias fora de casa (2). Os trabalhadores passam grande parte do dia no trabalho e consomem um terço da sua energia total durante o período laboral. Os estudos sugerem que o ambiente no trabalho pode influenciar os comportamentos alimentares dos trabalhadores, levando a inúmeras consequências na saúde (3). Está documentado que as estratégias de promoção de refeições saudáveis podem ter eficácia na qualidade nutricional das refeições em termos de consumo de fruta, hortícolas, pescado e carnes brancas (2, 4). Portanto, fomentar sistemas alimentares que promovam uma dieta diversificada, equilibrada e saudável requer o envolvimento de vários setores e respetivas partes interessadas, incluindo o governo e os setores público e privado. O estabelecimento de padrões para promover práticas alimentares saudáveis, garantindo a disponibilidade de alimentos saudáveis, seguros e acessíveis em pré-escolas, escolas, outras instituições públicas e no local de trabalho corresponde a uma das medidas a implementar pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (5). O programa FOOD - Fighting Obesity Through Offer and Demand estabeleceu uma parceria com a Direção-Geral da Saúde (DGS) em 2011 tendo como objetivos ajudar os trabalhadores a fazerem as melhores escolhas nutricionais durante o seu dia-a-dia de trabalho e melhorar a qualidade nutricional através da promoção de boas práticas, como planear, comprar, confecionar e conservar. Apesar de existirem diversas listas de verificação (6 - 11) para a avaliação de ementas em Portugal, estas são direcionadas às crianças, idosos ou cidadãos socioeconomicamente vulneráveis, não existindo uma que se destine especificamente à população adulta saudável.
OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo geral, a elaboração de uma grelha/lista de verificação de avaliação qualitativa de ementas (GAQE) compostas por prato de carne, peixe e vegetariano, direcionadas às instituições que prestam serviços de alimentação à população adulta e saudável no contexto de empresas, unidades de saúde, estabelecimentos prisionais, instituições públicas, universidades, entre outros. Tem como objetivos específicos, compilar e analisar listagens pré-existentes com critérios de elaboração de ementas e adaptá-los para a população adulta. Elencar orientações que definem a periodicidade máxima e mínima dos alimentos a evitar e a promover, respetivamente. Garantir os princípios de uma alimentação saudável na elaboração de ementas, respeitando a cultura da população portuguesa.
METODOLOGIA
Para a elaboração deste trabalho foi efetuada uma pesquisa entre setembro e outubro de 2021, das recomendações nacionais e internacionais disponíveis para as necessidades energéticas, distribuição de macronutrientes e diretrizes alimentares. Deste modo, foram consideradas as necessidades energéticas diárias de 2200 kcal, tendo em conta que este foi o valor energético considerado pela Roda dos Alimentos Portuguesa (RAP) (12), como sendo a mediana das necessidades energéticas diárias para a população em geral, à exceção das crianças com idades entre os 1 e 3 anos e os homens ativos e rapazes adolescentes (13). Para a determinação do número de porções, consideraram-se os valores intermédios das porções recomendadas pela RAP para cada grupo alimentar, à exceção do grupo da carne, pescado e ovos, onde se considerou o valor máximo (4,5 porções), com o intuito de ajustar as recomendações aos hábitos de consumo alimentar da população portuguesa (14). Pelo mesmo motivo, considerou-se sete porções para o grupo dos Cereais e derivados, tubérculos (Tabela 1). Face à pesquisa bibliográfica efetuada no âmbito da distribuição percentual das necessidades energéticas diárias por refeição (15), e tendo por suporte os princípios básicos de uma alimentação saudável (16), estabeleceu-se a seguinte distribuição percentual por refeição de acordo com o documento da DGS sobre os Princípios de uma Alimentação Saudável, exposta na Tabela 2. Dado não existirem referências bibliográficas ou estudos nacionais que suportem a distribuição percentual do número de porções de cada grupo de alimentos ao longo de um dia alimentar completo, atribuíram-se as porções para a refeição almoço, de acordo com os hábitos e as práticas alimentares da população portuguesa (Tabela 3). O critério para o grupo dos Cereais e derivados, tubérculos, foi considerar que o seu consumo, sendo uma prática efetiva em todas as refeições do dia alimentar, assume o valor de 35% do valor energético total para a refeição do almoço. Para os grupos dos Hortícolas, Leguminosas e para o grupo de Carnes, pescado e ovos o valor proposto foi de 50%, face aos hábitos alimentares da população portuguesa. Para o grupo da Fruta, a unidade de medida empregue é a “peça de fruta”. Não foi atribuída nenhuma percentagem, para o grupo dos Laticínios, por o seu consumo ao almoço não ser habitual (17). Para o grupo das Gorduras e óleos considerou-se a sua distribuição equitativa em 3 refeições do dia, sendo estas as duas refeições principais (almoço e jantar) e uma das refeições intercalares.
Elaboração da Grelha/Lista de Verificação de Avaliação Qualitativa de Ementas (GAQE)
Procedeu-se a uma análise pormenorizada de várias ferramentas de avaliação de ementas já existentes: Avaliação Qualitativa das Preparações do Cardápio em uma Unidade de Alimentação e Nutrição
Fonte: Manual de Capitações de géneros alimentícios em meio escolar: fundamentos, consensos e reflexões, APN, 2015
Princípios para uma alimentação saudável, DGS, 2022
Método AQPC (8), a Avaliação qualitativa de ementas do Sistema de Planeamento e Avaliação de Refeições Escolares- SPARE (10) e a Avaliação Qualitativa de Ementas - Método AQE (9). Foram incluídos também os documentos orientadores da DGS: Orientações para o fornecimento de refeições saudáveis pelas entidades da economia social (EES) (7), a Proposta de Ferramenta de Avaliação Qualitativa de Ementas destinadas a Idosos (AQEI) (6), e o documento orientador da Direção-Regional da Educação dos Açores, Refeitórios Escolares Saudáveis (DRE) (11). De acordo com o valor energético identificado, a distribuição do número de porções por dia e por refeição e os dados recolhidos neste processo, foram considerados na íntegra os pressupostos consensuais em dois ou mais documentos, nomeadamente as alíneas que se apresentam a sombreado na Tabela I, em Anexo.
Alguns itens sofreram pequenos ajustes e outros foram adicionados pelos autores. No que toca ao prato vegetariano foram tidas em consideração as recomendações emanadas pelo documento da DGS
Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável (18) pelo que foram adicionados quatro itens. No que concerne ao fornecimento de bebidas, embora a água seja a melhor bebida para satisfazer a sede, todas as outras bebidas que não contenham adição de açúcar, álcool ou cafeína também são apropriadas para o efeito (1, 12).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela I, em Anexo, compila o conjunto dos pressupostos emanados em cada um dos documentos.
A Tabela II, em Anexo, apresenta a GAQE, resultante da análise crítica dos itens apresentados na Tabela I, assim como a compilação das premissas ajustadas à realidade da população em questão.
Itens Gerais
Foram excluídos alguns itens, nomeadamente: O 1.7, porque estas orientações dizem respeito à refeição do almoço. O 1.11 porque não é possível determinar através da avaliação da ementa a presença das gorduras trans. Por outro lado, há restrição da disponibilização de produtos proteicos industrializados como douradinhos, pastéis, croquetes ou outros que poderão conter este tipo de gorduras na sua constituição no critério 3.8. Além disso, já está assumido no critério 1.21, a recomendação da utilização exclusiva do azeite ou os óleos de amendoim ou girassol para a confeção dos pratos. O item 2.4, não foi considerado, uma vez que é uma repetição do ponto 2.3. O ponto 5.3, foi agregado ao ponto anterior 5.2 para garantir a oferta equitativa entre hortícolas cozinhados ou crus, incorporados no prato ou à parte. O item 6.5 foi excluído e os pontos 6.1 e 6.4 foram compilados em apenas um, uma vez que, pela existência de fruta variada já está subentendido a presença de mais do que uma peça de fruta.
Os pontos 1.4 e 1.21 foram considerados de forma a respeitar o nível superior tolerável de ingestão do sódio (19) e as recomendações da RAP (13). O critério 1.6 foi adicionado por corresponder aos métodos de confeção característicos do Padrão Alimentar Mediterrânico (20). O ponto 1.8. foi considerado de forma a garantir uma refeição equilibrada do ponto de vista energético e de acordo com as porções alimentares para a refeição almoço determinadas anteriormente. No item 1.9, não há um consenso entre os documentos, pelo que o da DRE estipula 1 x/mês, o da EES 2 x/mês, o SPARE 1 x/semana e o da AQEI há apenas a referência de que os “fritos devem ser evitados, principalmente ao jantar”. Há fortes evidências que sugerem um maior risco de desenvolver doenças crónicas quando os fritos são consumidos com maior frequência, ou seja 4 ou mais x/semana (21). Posto isto e de modo a tornar a ementa mais variada, apelativa e a promover o consumo das refeições na cantina, consideramos segura a frequência máxima das frituras 1 x/ semana, e em apenas 1 dos três constituintes do prato. O ponto 1.10 também foi considerado de forma prevenir a ocorrência de desconforto intestinal no consumidor. O ponto 1.12 foi considerado por representar uma maior riqueza e diversidade na ementa. O item 1.22 foi adicionado de modo a ir de encontro às recomendações da dieta dash e limitar a ingestão de gorduras saturadas provenientes de lácteos com elevado teor de gordura como o queijo e as natas (22).
Grupo da Sopa
O primeiro critério foi considerado de forma a promover a riqueza nutricional das sopas. O SPARE estipula a presença de hortícolas inteiros no mínimo 3 x/semana e a DRE apenas 2 x/semana. Tendo em conta que a definição destes critérios diz respeito à população adulta, considerou-se as 3 x/semana. No que concerne ao ponto 2.4, a DRE estipula 1 x/mês e com legumes na sua constituição, a AQEI 1 x/ semana e o SPARE 2 x/mês. Deste modo, optou-se por um valor intermédio de 2 x/mês desde que contenham legumes na sua constituição. O ponto 2.5 foi considerado na íntegra de modo a evitar as bases de batatas industrializadas e ricas em sódio e a dar preferência aos alimentos frescos e naturais.
Carne, Pescado e Ovo
As carnes vermelhas e processadas estão associadas de forma positiva à mortalidade. Pelo contrário, o consumo de peixe está inversamente relacionado com todas as causas de mortalidade (23). Como tal, foi considerado a frequência semanal de carnes brancas de 3 a 4 vezes, como consta no EES e na AQEI. O limite de fornecimento de carnes vermelhas apenas está estipulado no SPARE, e de forma a evitar o consumo de gorduras saturadas, promover a sustentabilidade alimentar e diminuir o risco de mortalidade, foi considerado um limite de 2 x/semana. A frequência máxima do recurso a produtos de charcutaria e salsicharia é consensual no SPARE, DRE, e EES e por isso foi considerado este limite em detrimento do estipulado na AQEI (máximo 1 x/semana). Pelo mesmo motivo, o item 3.7 também foi considerado de forma a limitar o consumo dos produtos industrializados, ricos em sal, gordura e pobres em proteínas. Aumentar o consumo de alimentos ricos em ácidos gordos ómega-3 e limitar os ricos em ómega-6 contribui para o aumento do rácio ómega-3/ ómega-6 levando à diminuição da inflamação com outros benefícios para a saúde (24). Por este motivo foi considerada a presença de peixe gordo no mínimo 1 x/semana como consta no EES e no SPARE. Estudos observacionais sugerem que o consumo de 1 ovo por dia não contribui para o desenvolvimento de doença cardiovascular (24). O critério 3.4 resulta da junção dos itens 3.4 e 3.5 na qual os ovos podem ser oferecidos em simultâneo com a carne e pescado ou podem substituir totalmente os mesmos (no caso do prato vegetariano) no mínimo de 1 a 2 x/semana na oferta dos 3 pratos. A limitação da disponibilização de bacalhau também foi considerada, de modo a controlar a ingestão de produtos ricos em sal, principalmente se for em salmoura. O item 3.9 foi considerado, porque estas confeções tendem a ser mais pobres em proteínas e mais ricas em hidratos de carbono e gorduras, tornando a refeição desequilibrada do ponto de vista dos macronutrientes.
Acompanhamento de Hidratos de Carbono
Ingerir leguminosas 4 x/semana em comparação com menos de 1 x/semana está associado à redução de doença arterial coronária e risco cardiovascular, diminuição da recorrência de pólipos colorretais, aumento da longevidade, melhor controlo da glicemia e melhor controlo de peso. As diretrizes alimentares do United States Department of Agriculture recomendam a ingestão de 1,5 a 3 chávenas de leguminosas por semana (24). Assim, foi considerada a presença de leguminosas no acompanhamento pelo menos 2 vezes/semana ao contrário de 1 x/ semana como consta no SPARE.
Sobremesa
A OMS recomenda o consumo de pelo menos 400 g (5 porções) de frutas e hortícolas por dia (5). No item 6.2 foi considerada a frequência estipulada no EES em detrimento do SPARE (2 x/mês) e do AQEI (3 x/ semana), uma vez que o primeiro diz respeito à população adulta e os últimos dizem respeito às crianças e idosos, respetivamente. Os itens 6.4 ao 6.7 foram todos considerados de forma a promover a escolha do consumidor, a variedade do fornecimento e o valor nutricional.
Prato Vegetariano
No grupo 7 a determinação do número de processados de origem vegetal teve por base a mesma frequência do aparecimento de produtos de salsicharia/ charcutaria (2x/mês) e produtos processados de carne e peixe (2x/mês) correspondendo a 1x/semana.
Bebidas
A ingestão elevada de bebidas açucaradas está associada a maior risco de mortalidade por todas as causas e por doenças cardíacas ao contrário das bebidas artificialmente açucaradas (25). Por outro lado, os sumos de fruta 100% podem ter um papel protetor no desenvolvimento da síndrome metabólica (26). Também é permitido o consumo de bebidas alcoólicas como o vinho ou a cerveja desde que dentro das porções recomendadas (2 copos de vinho de aproximadamente 150 mL e 3 copos de fino/imperial de 350 mL para os homens e 1 copo de vinho e 2 copos de fino/imperial para as mulheres) (1).
A ponderação para a classificação final dos vários itens foi efetuada do mesmo modo que a proposta de critérios para avaliação qualitativa de ementas (9). Assim, a pontuação definida para cada item foi de 1 ponto. Esta ponderação não exclui a necessidade de no futuro, após a aplicação desta ferramenta, definir-se classificações diferentes entre grupos e/ou critérios. A pontuação da ementa obtém-se somando os valores da ponderação dos critérios cumpridos e a classificação percentual é obtida pela seguinte fórmula:
Classificação percentual (%) = pontuação / 55 x 100
Para permitir uma classificação qualitativa das ementas, estabeleceram-- se valores percentuais que permitem definir a ementa avaliada em “muito boa”, “boa”, “aceitável” e “não aceitável” conforme os dados na Tabela 4. Salienta-se o fato de estas ferramentas de análise qualitativa de ementas serem de aplicação vasta e não substituem a necessidade de uma avaliação das necessidades caso a caso, e de uma intervenção adaptada de acordo com as necessidades específicas, por técnicos especializados, nomeadamente de nutricionistas. Ressalva-se ainda que foi determinada a frequência em que um grupo alimentar ocorre, em função das recomendações. No entanto, como na ementa não há quantificações poderá haver situações em que o número de ocorrências é cumprido, mas a porção não é a adequada. Para colmatar esta limitação sugere-se que sejam cumpridas as porções estabelecidas no campo da distribuição das porções dos alimentos para a refeição do almoço. Esta ferramenta pode também estar sujeita a erros de interpretação durante a sua implementação.
CONCLUSÕES
A listagem obtida com os principais critérios de alimentação saudável para aplicação aquando da elaboração de ementas pretende representar uma ferramenta que auxilie os responsáveis pela elaboração de ementas e os nutricionistas num processo de melhoria progressiva da oferta alimentar e inclusive para a melhoria e atualização das linhas de orientação neste campo. Desta forma o objetivo deste trabalho foi cumprido com a apresentação da GAQE com 55 critérios divididos por 8 grupos de aplicação prática, com o intuito de auxiliar os profissionais na elaboração de ementas adequadas e ajustadas à população adulta e saudável portuguesa.