INTRODUÇÃO
Os desportos de combate referem-se a um conjunto de modalidades individuais de grande relevância no cenário desportivo mundial (1).
A maioria dos desportos de combate é classificado por categorias de peso, de forma a equilibrar os combates, minimizando as diferenças de peso, força e velocidade entre os atletas. Como tal, os atletas tendem a reduzir ao máximo a sua massa gorda e mesmo a sua massa corporal para competir nas categorias de peso mais baixas. Esta prática, baseia-se na premissa de que os lutadores obtêm uma vantagem competitiva em relação aos seus adversários, uma vez que teoricamente irão enfrentar atletas mais leves e fracos (2).
As práticas de perda rápida de peso são prejudiciais à saúde e têm grande potencial para prejudicar o desempenho, portanto, o controlo bem-sucedido do peso corporal e da composição corporal é crucial (1). Há um lugar único para a absorciometria de Raio-X de dupla energia (DEXA) na avaliação do sucesso de desportos, dieta e intervenções de condicionamento físico devido à sua capacidade única de medir simultaneamente a massa óssea, massa magra e massa gorda (3). Também é possível verificar a tendência de mudanças na composição corporal regional e total usando a DEXA, uma vez que, produz imagens gráficas dos resultados, ajudando na fácil interpretação dos dados (4).
METODOLOGIA
A presente revisão da literatura baseou-se numa pesquisa bibliográfica nas bases de dados Pubmed e ScienceDirect, realizada de novembro a dezembro de 2021, utilizando as seguintes palavras-chave “body composition”, “DXA”, “combat sport”, “Dual X-Ray Absorptiometry” com o determinante “AND”. Foram obtidos inicialmente 35 artigos em inglês, espanhol e português, publicados nos últimos 10 anos. Posteriormente, foram analisados, primeiro pelo título e a seguir pela leitura do resumo. Após a leitura do texto completo, foram selecionados 12 artigos de maior relevância no âmbito desta revisão.
DEXA
A composição corporal é definida como "os componentes químicos ou físicos que coletivamente constituem a massa de um organismo, definidos de forma sistemática". O estudo da composição corporal é um campo voltado para a quantificação da quantidade e distribuição dos elementos que compõem o corpo em diferentes níveis. A análise da composição corporal é essencial no estudo de muitas condições fisiológicas, para-fisiológicas e patológicas e é fundamental sempre que o metabolismo humano está direta ou indiretamente envolvido ou afetado (5).
A DEXA é uma modalidade de imagem que normalmente não está disponível para uso geral de sistemas de raios-X devido à necessidade de filtragem especial de feixe e registo espacial quase perfeito das duas atenuações.
O corpo todo pode ser examinado para medir a massa óssea e composição de tecido mole. A DEXA é o método preferido para medir a composição óssea e corporal por várias razões. Primeiro, as duas atenuações de raios-X que passam através do corpo podem ser usadas para calcular com precisão a massa de dois materiais diferentes utilizando dados de álgebra simples e as propriedades físicas desses materiais. Em segundo, a DEXA pode medir a composição corporal regional, subdividindo o corpo usando linhas de corte bem definidas. Terceiro, a DEXA é precisa e estável, requerendo pouca manutenção ao longo do tempo. Usando espectros, é simples verificar a estabilidade da medição da composição corporal ao longo de décadas de operação para um único sistema DEXA, sendo o erro de precisão inferior a 0,5%. A DEXA expõe, em quantidades muito pequenas, o paciente e o operador à radiação ionizante. Ainda assim, muitos países exigem formação do técnico de radiologia e um supervisor do local de raios-X designado (3).
Desta forma, a DEXA é um dos métodos de avaliação corporal com resultados mais precisos e consistentes no que diz respeito a quantificação da massa gorda, massa magra e densidade mineral óssea sendo, por isso, um instrumento de grande interesse em diferentes momentos de avaliação, nomeadamente patologias e condições fisiológicas em atletas e em processos de crescimento e envelhecimento. No entanto, esta não deve ser utilizada mais que quatro vezes ao ano, não só devido às radiações que o paciente é sujeito, uma vez que são em quantidade mínimas, mas também pelo facto de o seu erro de medição limitar a capacidade de detetar pequenas alterações de composição corporal ao longo do tempo (6).
Desportos de Combate
Cada desporto de combate específico tem uma combinação única de regras que confere características singulares a cada um (por exemplo, técnicas baseadas em luta ou técnicas baseadas em golpes; sistema de pontuação; número de assalto; tempo de recuperação entre assaltos; duração de cada assalto). Apesar dessas diferenças, estudos têm mostrado que a maioria dos desportos de combate pode ser caracterizada como desportos intermitentes de alta intensidade e consequentes adaptações têm sido consistentemente encontradas nesses atletas.
Uma característica comum a todos os desportos de combate é que as competições são disputadas em categorias de peso. Embora as classes de peso promovam partidas mais uniformes em termos de tamanho corporal, força, velocidade e agilidade, a maioria dos atletas tende a reduzir quantidades significativas de peso corporal em curtos períodos de tempo para se qualificar para uma divisão de peso mais leve. Ao fazer isso, os atletas acreditam que ganharão vantagem competitiva ao competir contra oponentes mais leves, menores e mais fracos (1). Desta forma, o peso corporal é uma preocupação constante entre atletas e membros da equipa técnica, uma vez que é um dos principais fatores que influenciam o rendimento físico e a classificação para uma determinada categoria de peso corporal (2).
As práticas utilizadas para a redução de massa corporal são muito variadas: restrição dietética (visando energia total ou macronutrientes específicos), desidratação intencional, aumento do exercício, uso de agasalhos e sacos plásticos, jejum no dia anterior à pesagem, indução de vómito, consumo de pílulas dietéticas e uso de laxantes e diuréticos (2, 7, 8). Estas práticas constituem um risco para a saúde dos atletas especialmente aqueles que não têm um bom entendimento de nutrição pois foi demonstrado que são mais propensos a recorrer a jejum extremo e desidratação para perder peso (9). Além disso, estas práticas começam a ser utilizadas de forma precoce e geralmente durante a puberdade, o que pode afetar o crescimento e desenvolvimento dos jovens praticantes (8).
As pesagens oficiais são normalmente feitas 24 horas antes dos combates pelo que os atletas tentam recuperar a massa corporal perdida imediatamente após a pesagem. Este ciclo de “ganhar-perder” peso, comumente chamado de weight-cycling é bastante comum e acarreta inúmeros riscos para a saúde quando usado de forma regular, nomeadamente disfunções do sistema cardiovascular e interrupção temporária do crescimento (2, 8).
DEXA vs. Desportos de Combate
Vários estudos afirmam que reduzir a massa corporal pode ser uma estratégia aceitável, quando essa redução é feita de forma adequada e controlada por especialistas, nomeadamente nutricionistas.
Pelas oscilações de peso, o conhecimento do perfil antropométrico dos atletas é de extrema importância, evitando assim, que estes lutem em categorias de peso cujos limites não correspondem às suas características antropométricas (2, 10).
Com vista a alcançar o conhecimento referido anteriormente existem diversas técnicas para o estudo da composição e quantificação da gordura corporal, principalmente métodos antropométricos como circunferência da cintura, relação cintura/ quadril, pregas cutâneas bem como a bioimpedância e diluição de isótopos. A DEXA de corpo inteiro permite uma estimativa rápida e fácil da composição corporal. Estima a gordura corporal, mas também, quando necessário, determina a densidade mineral óssea de todo o corpo. A precisão da DEXA é alta, com margem de erro de 2 a 6% para a composição corporal. Com relação aos métodos antropométricos, tem a vantagem de fornecer medidas de composição corporal total e regional. O seu uso é cada vez mais frequente, muitos profissionais utilizam-na como ferramenta regular e para alguns autores é a técnica de referência (3, 11).
As medições DEXA são baseadas no nível molecular e esta técnica é capaz de avaliar massa gorda, massa magra, conteúdo mineral ósseo regionalmente e de corpo inteiro, bem como pode medir a densidade mineral óssea de todo o corpo no mesmo modo de scan. A DEXA é precisa, reproduzível, rápida e envolve uma dose de radiação muito baixa para o paciente. Todas essas vantagens tornam este método densitométrico ideal para uso clínico e estudos longitudinais (5).
A importância da composição corporal assume-se como um fator quase intrínseco nos desportos de combate, fruto dos aspetos regulamentares, sendo as competições organizadas por categorias de massa corporal. Assim, torna-se de extrema importância que os atletas apresentem baixos valores de massa gorda. A avaliação por DEXA, mostrou ser eficaz na avaliação da massa gorda, massa magra e conteúdo mineral ósseo, apresentando uma margem de erro muito baixa (8).
Vários estudos demonstraram que os desportos de combate podem ajudar os atletas a aumentar a sua densidade mineral óssea, no entanto quando associado a treino excessivo e má nutrição pode levar à RED-S (Relative Energy Deficiency in Sport) que é uma condição que impacta negativamente a saúde óssea. O acompanhamento dos atletas com o uso da DEXA pode ajudar na monitorização do risco de lesão uma vez que a densidade mineral óssea é usada como um marcador indireto de osteoporose e risco de fratura (2, 3, 8).
Embora a DEXA seja um método bastante preciso e completo, possui também algumas desvantagens quando comparada com outros métodos antropométricos. Nomeadamente, o custo elevado, a baixa disponibilidade do equipamento, a radiação que exige a manipulação por um profissional treinado e o facto de ser um método relativamente novo (4, 11, 12).
Existem alguns erros ou variações nas medições DEXA da composição corporal que podem ser classificados em duas categorias: 1) erros técnicos, gerados pelos erros de precisão intrínseca da máquina ou pelo posicionamento incorreto do sujeito na mesa de digitalização ou pela imprecisão do pós-processamento da imagem e 2) variações biológicas, que incluem mudanças no estado de hidratação dos tecidos decorrentes dos efeitos de curto prazo do exercício, os possíveis efeitos da ingestão de alimentos e líquidos e as mudanças de longo prazo na composição corporal provocadas por mudanças na dieta ou exercício. Existe ainda uma contraindicação relativa ao peso do sujeito superior ao limite do peso da mesa, influenciando a segurança dos pacientes e do equipamento, bem como a precisão dos resultados (5).
Apesar das limitações anteriormente apresentadas o exame DEXA continua a ser considerada um exame de referência comparativamente com os restantes, deste modo é possível verificar que se trata do método mais adequado para a avaliação corporal de atletas de desportos de combate (8).
ANÁLISE CRÍTICA
Através do processo de pesquisa e análise para a elaboração deste artigo foi de notar a presença de algumas limitações e aspetos positivos.
A existência de poucos artigos que relacionem a DEXA com os desportos de combate, o que pode ser derivado da DEXA ser um aparelho relativamente recente, mostrou-se ser uma limitação. Os artigos existentes que o relacionam não relatam as suas descobertas num contexto relevante para os desportos de combate.
O facto da DEXA combinar a avaliação da massa gorda, massa magra e densidade mineral óssea num só método, torna-a uma excelente opção em comparação à bioimpedância e outros métodos antropométricos. Além disso, a DEXA é dos diversos métodos antropométricos, o que apresenta um maior grau de precisão e uma menor percentagem de erro. Em contrapartida, os outros métodos são menos dispendiosos, podem ser realizados com mais frequência e não exigem uma formação especializada como a requerida pela DEXA. Para além das limitações enumeradas, atletas com peso superior ao peso limite da mesa não podem ser examinados através da DEXA e, por isso, são utilizados outros métodos antropométricos como alternativa.
O treino em excesso e uma prática alimentar desadequada nos deportos de combate leva a uma densidade mineral óssea diminuída pelo que controlar rigorosamente e regularmente este parâmetro é fundamental no sentido de prevenir lesões ou patologias associadas a prática deste tipo de desportos.
CONCLUSÕES
As perdas de peso muito rápidas podem levar à desidratação extrema, que por sua vez tem consequências nefastas para a saúde, podendo inclusive levar a casos de morte.
Embora a maioria das práticas de redução da massa corporal utilizadas pelos atletas sejam prejudiciais ao organismo, esta é uma prática comum, pelo que se torna necessário avaliar a composição corporal e o estado nutricional dos mesmos, bem como encontrar estratégias mais seguras para os atletas não correrem riscos desnecessários. Com base nessa premissa, a recente revisão sistemática indica que a DEXA está a ser considerada o novo Gold Standard para medição da composição corporal.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
DS, IF, MG: Contribuíram igualmente para a elaboração do artigo, nomeadamente na definição de tema e execução da pesquisa bibliográfica, na leitura e seleção da bibliografia obtida e na escrita do manuscrito; JM, AF: Acompanharam a realização do artigo em todas as suas etapas e realizaram a revisão crítica e científica contribuindo para a versão final do artigo, revisto e aprovado por todos os autores.