INTRODUÇÃO
Em Portugal, os hábitos alimentares inadequados constituem um dos cinco fatores de risco que mais contribuem para a perda de anos de vida saudável e para a mortalidade, contribuindo para 7,3% destes anos de vida saudáveis perdidos e para 11,4% da mortalidade (1, 2). Quando somamos ao peso dos hábitos alimentares inadequados, os fatores de risco metabólicos associados à alimentação desadequada, designadamente o índice de massa corporal elevado, a glicose plasmática aumentada, a hipertensão arterial e o colesterol LDL elevado, é possível constatar que estes fatores de risco representam, em conjunto, cerca de 38% da carga total da doença, expressa em anos de vida saudáveis perdidos e, que cerca de 60% das mortes anuais se encontram associadas a estes fatores de risco (1, 2).
Existe uma elevada prevalência de doenças crónicas associadas à alimentação inadequada no nosso país, sendo muito provavelmente um dos principais problemas de saúde pública da atualidade. Estas doenças, no seu todo, são ainda a principal causa de absentismo e incapacidade no trabalho sendo contribuintes importantes para a baixa produtividade e competitividade nacional e constituem uma ameaça à sustentabilidade do sistema da segurança social (3, 4). Na população adulta, os dados disponíveis revelam-nos que a prevalência da diabetes mellitus tipo 2 é 9,8%, a prevalência de hipertensão arterial é 36% e a de obesidade é 29% (5). Segundo a PORDATA, em 2020 existiam em Portugal 4.814,100 pessoas empregadas (a tempo integral ou em part-time) (6). Com base nos dados da prevalência da obesidade pode estimar-se que possa haver 1.396,089 trabalhadores com esta patologia, o que poderá ser preditor de que uma parte significativa das organizações empregue trabalhadores com obesidade e consequentemente com doenças crónicas associadas (7). A evidência científica revela-nos que os indivíduos com peso em excesso apresentam uma maior propensão à perda de produtividade e ao absentismo (3, 8, 9). Adicionalmente, fruto do uso massivo das tecnologias de informação e comunicação e da adoção do regime de teletrabalho, devido à pandemia COVID-19, estas questões de saúde podem ter sido adensadas, dado que esta situação poderá ter condicionado comportamentos mais sedentários e inadequação alimentar (7, 10, 11). A exposição a níveis de stress elevado relacionados com o trabalho, pode agravar alguns riscos para a saúde, tanto de forma direta, como no caso da hipertensão, como indireta, condicionando à adoção de um estilo de vida pouco saudável, caracterizado por uma ingestão alimentar desadequada, inatividade física ou consumo excessivo de álcool (12).
Os locais de trabalho constituem um dos ambientes mais frequentados por adultos pelo que essa vivência é passível de representar uma grande influência na sua qualidade de vida (13, 14). Sendo o trabalhador uma peça chave no processo de produtividade das empresas, a promoção da harmonia entre o ambiente de trabalho e a sua saúde física e mental revela-se de grande importância. Os princípios da promoção da saúde, segundo a Carta de Ottawa, remetem-nos para a saúde enquanto bem público e fundamental para o desenvolvimento social e económico, e reforça ainda que a saúde é criada e vivenciada pelas populações, nos diferentes contextos do seu quotidiano, nomeadamente, nos locais de trabalho (15). O conceito de ambiente de trabalho saudável, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2010 reporta uma visão holística, em que os trabalhadores e os empregadores colaboram conjuntamente com vista à proteção e promoção da saúde e bem- estar dos trabalhadores e de garantia da sua segurança, em prol da sustentabilidade do trabalho (13). Este conceito integra os seguintes os aspetos (13):
saúde, bem-estar e segurança nas condições de trabalho em geral;
saúde e bem-estar no ambiente psicossocial de trabalho, incluindo a cultura organizacional do trabalho, modelo de gestão e valores da entidade empregadora;
recursos que apoiem e incentivem a saúde individual no trabalho;
envolvimento da empresa na comunidade, visando melhorar a saúde dos trabalhadores, das suas famílias e de outros membros da comunidade.
Esta abordagem demonstra uma evolução da visão “clássica” do ambiente de trabalho, focada exclusivamente no ambiente físico. A segurança e saúde no trabalho tem vindo a sofrer grandes desenvolvimentos, devendo o ambiente laboral evoluir para um espaço simultaneamente protetor e promotor da saúde dos trabalhadores, ajustado às necessidades de todos e sustentável ao longo do tempo (13).
O crescente interesse na área da promoção da saúde nos locais de trabalho tem destacado a efetividade das intervenções multidisciplinares que abordem questões relacionadas com a alimentação, a nutrição e a atividade física na promoção de hábitos alimentares mais saudáveis, no incremento da prática de atividade física e na prevenção das doenças crónicas, como a obesidade (16). A maioria dos adultos passa um terço do seu dia no local de trabalho ou em teletrabalho, pelo que o ambiente laboral, mesmo que à distância, assume-se como indicado para intervenções ao nível da saúde (17 - 19). Neste contexto, a promoção de um estilo de vida saudável, incluindo comportamentos alimentares mais equilibrados, permite alcançar melhorias ao nível da saúde dos trabalhadores e da produtividade no trabalho (18).
A recente iniciativa “Healthier Together - EU Non-communicable diseases initiative”, lançada pela Comissão Europeia pretende abordar as principais doenças crónicas e seus determinantes através de uma nova abordagem ambiciosa, sistemática e integrada (20). Esta iniciativa identifica um conjunto de políticas e boas práticas para auxiliar os Estados-Membros a alcançarem as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030 e as metas da OMS para a área das doenças crónicas para 2025 (20). O local de trabalho surge como um dos contextos a intervir, através de ações de promoção da saúde e prevenção da doença, reforçando a importância de um trabalho colaborativo para a melhoria dos hábitos alimentares em contexto laboral (20).
De facto, são relevantes os benefícios para a saúde nutricional dos trabalhadores decorrentes da implementação de programas de intervenção em saúde no local de trabalho (18, 21). No contexto de melhoria de hábitos alimentares, destacam-se incrementos na ingestão de produtos hortofrutícolas, redução da ingestão de gorduras e redução do peso corporal (16 - 18, 22).
Paralelamente às questões associadas à prevenção da doença crónica nos locais de trabalho, o ambiente laboral pode igualmente ser promotor de saúde, ao possibilitar condições específicas para a amamentação. Os últimos dados do Registo de Aleitamento Materno da Direção-Geral da Saúde revelam aleitamento materno exclusivo de 92% nos recém-nascidos à alta da maternidade (23). Apesar de ser um valor bastante expressivo, o abandono precoce é uma realidade, pelo que a sua proteção, promoção e suporte constitui uma prioridade de saúde pública (24). Encontram-se consagradas na legislação nacional disposições específicas para a proteção da segurança e saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes (25). Não obstante, as mulheres quando regressam ao trabalho, tendem a abandonar parcial ou totalmente a amamentação, apontando como principais causas a falta de tempo e a ausência de local adequado para amamentar, para extrair e armazenar o leite (26). A este respeito, destaca-se a iniciativa Hospitais Amigos dos Bebés, promovida globalmente pela OMS e pela UNICEF (United Nations International Children's Emergency Fund), que tem por objetivo a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno através da mobilização dos serviços obstétricos e pediátricos de hospitais, considerando o cumprimento dos requisitos previstos para a atribuição da certificação “Hospital Amigo dos Bebés” (27). Apesar de inicialmente destinada a Hospitais, o âmbito desta iniciativa, que passou a designar-se “Iniciativa Amiga dos Bebés” foi alargado a outras entidades - em Portugal aos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS), Universidades e Empresas - de modo a possibilitar a promoção e o sucesso do aleitamento materno nesses locais, criando bases para um desenvolvimento saudável da criança e da mãe. Atualmente são 15 os hospitais acreditados e a Comissão Nacional Iniciativa Amiga dos Bebés certificou, em 2016, a primeira unidade de cuidados de saúde primários (ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras) (28). Em Portugal não há registo de entidades fora do Serviço Nacional de Saúde que se encontrem acreditadas e, por conseguinte, integrem este programa (28).
ANÁLISE CRÍTICA
Ao longo da última década, o quadro político e as regras europeias em matéria de segurança e saúde no trabalho contribuíram para melhorar consideravelmente as condições de trabalho (29, 30). Enquanto os riscos para a saúde física associados às condições de trabalho se encontram cada vez melhor controlados e geridos, a saúde nutricional, que são a causa e a consequência de efeitos nefastos para a saúde do trabalhador, para o empregador e para as empresas, parecem não estar a ser devidamente abordados (31, 32).
Desta feita, deve a saúde ocupacional evoluir para um modelo de prática profissional colaborativa que clarifique, valorize e reconheça as competências de outras áreas do saber em matéria de saúde no trabalho (20, 33). Perante a importância da promoção da saúde entre a população portuguesa ativa, urge uma atualização dos normativos em matéria de segurança e saúde no trabalho, contemplando a proteção dos trabalhadores dos riscos tradicionais e dos riscos emergentes direta e indiretamente relacionados com o trabalho (34). A melhoria das normas de saúde e segurança no trabalho não só é essencial para proteger e promover a segurança e a saúde dos trabalhadores, como também se revela benéfica para a produtividade do trabalho, o emprego e a economia em geral.
O nutricionista assume-se como um dos profissionais de saúde preparados para auxiliar as instituições empregadoras no estudo e avaliação de estratégias específicas que promovam o desenvolvimento e implementação de ambientes de trabalho saudáveis (35). A sua intervenção poderá ocorrer nomeadamente nos seguintes níveis:
a)Saúde Nutricional dos Trabalhadores
O empregador deve promover uma avaliação e monitorização adequadas da saúde nutricional dos trabalhadores, nomeadamente através da disponibilização dos recursos necessários no ambiente de trabalho, contando com a colaboração do nutricionista. A vigilância do estado nutricional deve ser integrada nos exames para a admissão; anualmente para todos os trabalhadores e sempre que se revele necessário, em especial quando ocorram alterações na organização do trabalho que possam ter implicações na saúde e bem-estar nutricional do trabalhador, bem como no caso de trabalhadores com doença crónica (36).
Concomitantemente a esta vigilância regular, deve ainda haver um trabalho contínuo de capacitação para escolhas alimentares mais saudáveis, através do desenvolvimento de programas no domínio da educação alimentar e nutricional, dirigidos aos trabalhadores no seu contexto laboral (Tabela 1).
b) Ambiente Alimentar do Trabalho
Os trabalhadores passam aproximadamente 1/3 do seu dia no local de trabalho, e nalguns casos aí realizam algumas das suas refeições, o que pode representar uma ingestão alimentar entre 10 a 50% do valor energético total diário (14, 19). Num local de trabalho promotor da saúde, a entidade empregadora tem uma responsabilidade acrescida na regulação da oferta alimentar existente nas suas instalações, de modo a garantir que os alimentos, as bebidas bem como as refeições disponíveis são opções saudáveis e sustentáveis (37, 38). Neste sentido, o ambiente alimentar laboral, onde se inclui a oferta alimentar disponibilizada aos trabalhadores, como seja em refeitórios, bares, cafetarias ou máquinas de venda automáticas, evidencia-se como vetores fundamentais de atuação e intervenção do nutricionista. A este respeito, a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho destaca a importância do fornecimento de alimentos e refeições saudáveis nos espaços de alimentação do local de trabalho, para incentivar a aquisição de estilos de vida saudável, no sentido de promoção de saúde (39). Adicionalmente, o trabalho do nutricionista extravasa a modelação da oferta alimentar. Em Portugal, tal como anteriormente referido, constata-se a inexistência de empresas com a certificação da “Iniciativa Amiga dos Bebés”. O nutricionista pode estudar e planear formas de tornar o local de trabalho “amigo da amamentação”. Além do cumprimento dos preceitos legais no que respeita ao tempo para amamentação, articular com a empresa a possibilidade de existência de espaços organizados especificamente, com os necessários meios e privacidade para a extração e armazenamento de leite materno, com vista a apoiar e promover o sucesso da amamentação (40) (Tabela 2).
CONCLUSÕES
A integração do nutricionista enquanto elemento da equipa de profissionais de segurança e saúde no trabalho poderá aportar valor no contexto da construção de ambientes de trabalho saudáveis, intervindo a nível individual, mas também no ambiente em si, adaptando a sua intervenção à realidade, às necessidades locais bem como à tipologia de empresa. Os seus conhecimentos e competências serão uma mais-valia para assegurar elevados níveis de saúde, menores taxas de absentismo e bem-estar no local de trabalho, promovendo assim ambientes laborais saudáveis. Considera-se uma área que se encontra em evolução para os nutricionistas, fruto da alteração dos respetivos normativos e quadro estratégico. A sua atuação terá, em última instância um grande impacto na saúde dos trabalhadores e na sua motivação e consequentemente na produtividade da empresa.