INTRODUÇÃO
Em 2050, estima-se que a população mundial irá exceder os 9 mil milhões, fragilizando a capacidade global de recursos naturais necessários para garantir a crescente necessidade de água e alimentos saudáveis e seguros (1, 2). Conseguir conciliar este crescimento populacional com a sustentabilidade constitui um enorme desafio, não só pelo aumento de população, mas também por se associar a uma população mais envelhecida, com maior prevalência de doenças crónicas não transmissíveis, relacionadas, principalmente, com uma alimentação menos saudável (3 - 5).
O conceito de sustentabilidade está fundamentado nas suas dimensões económica, ambiental e social, e pode ser definido como um equilíbrio entre a satisfação das necessidades presentes, sem comprometer as necessidades das gerações futuras (1, 6, 7). As dimensões da sustentabilidade também fundamentam o conceito de segurança alimentar e nutricional (8, 9), pois a promoção de dietas sustentáveis significa assegurar a saúde, o bem-estar, a preservação da biodiversidade, do meio ambiente e do clima, o comércio justo, os alimentos sazonais e locais, o conhecimento e a herança cultural, a acessibilidade e a segurança alimentar (9, 10). A alimentação está relacionada com praticamente todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que, assim, dependem de uma mudança radical no sistema alimentar para serem atingidos (1).
Os nutricionistas podem ter um papel fulcral na segurança alimentar e nutricional, uma vez que questões relacionadas com sustentabilidade alimentar se aplicam a todas as áreas da sua atividade profissional, desde a produção de alimentos até ao seu consumo, tanto em contexto individual como em grupo (3). A defesa da segurança alimentar e nutricional deve estar integrada na prática profissional dos nutricionistas através da garantia de políticas, estratégias e sistemas promotores de qualidade, quantidade, segurança, acessibilidade e redução do impacto na saúde humana, social, económica e ambiental (1).
O nutricionista deve entender o contexto em que a nutrição e a alimentação se processam, seja no plano individual ou coletivo, sendo competente tecnicamente, crítico e comprometido com a realidade existente. É preciso valorizar as atribuições e contribuições do papel do nutricionista na promoção de um futuro com qualidade social, ambiental e económica (9, 11, 12), pelo que a investigação das perceções dos nutricionistas sobre sustentabilidade alimentar é importante para a identificação de oportunidades e dificuldades na sua promoção.
OBJETIVOS
Este trabalho teve como objetivo geral descrever a perceção dos nutricionistas que exercem atividade na área da alimentação coletiva e restauração (ACR) sobre a sua atuação na promoção da sustentabilidade alimentar.
METODOLOGIA
Realizou-se um estudo descritivo transversal numa amostra não aleatória de nutricionistas residentes em Portugal e a exercer atividade na área da nutrição. A inquirição foi levada a cabo através de um questionário digital, online, criado para o efeito. Não foram definidos critérios de exclusão exceto o preenchimento do questionário de forma inválida. O recrutamento dos participantes foi feito através do convite à participação por listas de endereços de e-mail e através de redes sociais. O questionário foi composto por questões de modalidade fechada, quer no formato escolha múltipla quer na quantificação da opinião em escalas tipo Likert com âncoras 1 e 7.
De forma a construir uma ferramenta de inquirição que permitisse cumprir o objetivo do trabalho, foi realizada uma revisão da literatura para encontrar estudos realizados no mesmo âmbito. Identificaram-se poucas investigações nesta temática, mas foi possível determinar tópicos de sustentabilidade em ACR abordados em estudos anteriores (6, 14, 15), cuja inquirição serviu de base para a construção do questionário. Incluíram-se também outras questões consideradas pertinentes, tendo em conta as matérias identificadas na literatura. Foram incluídas questões sobre características sociodemográficas (género, idade, residência em Portugal, situação profissional, área de atuação profissional) e quanto à temática em estudo (perceção sobre conhecimentos, atuação e importância da promoção da sustentabilidade alimentar na prática profissional, conceitos associados à sustentabilidade alimentar, ações promovidas e dificuldades sentidas). A natureza específica das questões ou a sua redação podem ser verificadas nos resultados deste trabalho (Tabela 2 e Tabela 3) e os autores deste estudo disponibilizarão o questionário mediante solicitação direta.
Antes do preenchimento do questionário todos os inquiridos concordaram com os termos que o tratamento de dados implica, pelo que apenas após o consentimento foi possível aos inquiridos prosseguir para o preenchimento do questionário. Os dados recolhidos foram anónimos, tratados com confidencialidade e guardados num computador protegido por palavra-passe, sendo que os procedimentos utilizados respeitaram as normas internacionais da Declaração de Helsínquia (1975). Este estudo foi aprovado pela Comissão de ética do Instituto Politécnico de Coimbra através do parecer 118_CEIPC/2021. A análise de dados foi realizada com o programa informático Statistical Package for Social Sciences (SPSS) na versão 27.0. Sumarizaram-se os dados através de frequências absolutas e relativas, e através de média, desvio padrão, mediana e amplitude interquartil. Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para analisar a adesão das variáveis em estudo à distribuição Normal. De acordo com os resultados, utilizou-se o teste de Mann-Whitney para comparação entre grupos. Considerou-se um nível de significância de 0,05. De forma a facilitar a apresentação dos resultados, analisou-se as variáveis expressas em escalas tipo Likert como se estas fossem quantitativas, de distribuição não-Normal. Este procedimento é uma prática comum quer nas Ciências da Saúde quer nas Ciências Sociais e Humanas e existe evidência de que esta forma de análise não constitui uma fonte de viés importante (13).
Tendo em conta que este foi um estudo realizado no âmbito de formação pós-graduada na área da Alimentação Coletiva e Restauração, na análise de dados tentou-se perceber se existem diferenças significativas entre os participantes que exercem nesta área e aqueles que não o fazem.
RESULTADOS
A amostra final foi constituída por 115 nutricionistas, dos quais 96,5% são do género feminino e 3,5% do género masculino. Registou-se uma idade média de 30,1±5,96.
Dos participantes, 37 (32,2%) desempenha algum tipo de atividade na área da alimentação coletiva. Destes, 15 (40,5%) desempenham atividade apenas nesta área, enquanto os restantes conjugam esta área com outras áreas de intervenção (Tabela 1).
No geral, os participantes reportam conhecer o conceito de sustentabilidade alimentar (SA), registando-se uma mediana de 6 pontos (AIQ=1) na classificação da resposta em escala de Likert entre 1 e 7 pontos, e consideram ter conhecimentos para atuar na sua promoção (Md=5; AIQ=2). Para além dos conhecimentos individuais, os participantes consideram que os nutricionistas, no geral, têm conhecimentos para promover a sustentabilidade alimentar (Md=5; AIQ=2). A promoção da sustentabilidade também é considerada importante (Md=6; AIQ=1) e a maior parte dos nutricionistas reporta praticar ou promover ações para a sustentabilidade alimentar na sua atividade profissional (Md=5; AIQ=2) (Tabela 2).
Quando solicitado que indicassem, de uma lista de afirmações e conceitos, quais os mais associados à sustentabilidade alimentar, as afirmações que os nutricionistas mais selecionaram foram: reduzir o desperdício alimentar (67,8%), preservar o meio ambiente (58,3%) e não esgotar os recursos naturais (56,5%). Contrariamente, praticar uma alimentação à base de plantas (11,3%) e reduzir a produção de alimentos (18,3%) são considerados pouco relacionados (Tabela 2). A Tabela 2 apresenta as pontuações da concordância com as afirmações sobre sustentabilidade alimentar e os conceitos
que os participantes associam com sustentabilidade alimentar, classificadas em escala de Likert de 7 pontos.
Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas na concordância nas diferentes afirmações nem nos conceitos associados a SA entre participantes que exercem atividade na área da alimentação coletiva e restauração (ACR) e aqueles que não o fazem (Teste de Mann-Whitney; p>0,05).
Relativamente às ações desempenhadas durante a prática profissional que incentivam à sustentabilidade alimentar, os participantes reportam com mais frequência a promoção de uma dieta mediterrânica e a redução do desperdício alimentar, independentemente de desempenharem ou não atividade em ACR (Tabela 3). A compra de produtos sazonais e a compra consciente de produtos alimentares são também atividades promovidas com frequência mais elevada, registando-se valores médios e medianos elevados nos participantes com e sem atividade em ACR. A atividade menos incentivada é a compra de produtos biológicos. Os nutricionistas com atividade em ACR reportam com mais frequência incentivar a redução do desperdício de energia (p=0,041), a redução do desperdício de água (p=0,028), a separação diferenciada do óleo alimentar (p<0,001) e a regulamentação/ controlo da oferta alimentar (p=0,026), do que aqueles sem atividade em ACR (Tabela 3).
Em relação às dificuldades sentidas na promoção da sustentabilidade alimentar, a falta de tempo é a dificuldade mais comum, com valores médios e medianos mais elevados (Tabela 3). Destaca-se também que os participantes reportam a falta de conhecimento sobre o conceito de sustentabilidade alimentar com valores medianos acima do ponto médio da escala de resposta. Estes resultados ocorrem quer nos participantes com atividade em ACR (Md=4; AIQ=3) quer nos participantes sem atividade em ACR (Md=4; AIQ=4).
ACR: Alimentação Coletiva e Restauração
AIQ: Amplitude interquartil
DP: Desvio-padrão
M: Média
Md: Mediana Teste de Mann-Whitney para analisar diferenças entre grupos com e sem atividade em ACR, com significado estatístico (p<0,05) destacado a negrito
Verificam-se diferenças estatisticamente significativas nas dificuldades entre participantes com e sem atividade em ACR. Os nutricionistas que exercem atividade em ACR reportam mais falta de motivação (p=0,039), falta de recursos financeiros (p=0,012) e humanos (p=0,003), e, também, baixa aceitação dos clientes/colegas/empresa (p=0,047) (Tabela 3).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No presente estudo, 48,7% dos nutricionistas consideraram importante a promoção da sustentabilidade alimentar na sua atuação. Comparando com os resultados obtidos no estudo de Naves et al. (66%) e Burkhart et al. (60,6%), verificou-se uma prevalência inferior (6, 14).
Da amostra em estudo, 21,7% referiram que “concordavam totalmente” e 33% “concordaram” quanto a conhecer o conceito de sustentabilidade alimentar, apresentando resultados inferiores ao estudo de Burkhart et al., no qual, 22,2% consideraram que o conceito era “totalmente familiar” e 43,5% consideraram “muito familiar” (14). No estudo de Lopes et al., 81,4% consideraram conhecer o conceito de sustentabilidade alimentar (15).
Embora já existam projetos educativos no âmbito da promoção da sustentabilidade alimentar a serem desenvolvidos por nutricionistas em Portugal, a nível académico será importante integrar este tema de uma forma mais presente e aprofundada, uma vez que estudos sugerem que os estudantes estarão mais recetivos e tornar-se-ão mais focados na sustentabilidade alimentar, enquanto futuros profissionais, quando este tema é integrado no currículo académico (11, 14 - 17).
Os participantes do estudo de Naves et al. também opinaram sobre questões relativas à importância da atuação do nutricionista para tornar o sistema alimentar sustentável e à contribuição do nutricionista de forma ativa na sustentabilidade, utilizando a escala de concordância de cinco pontos. O resultado médio das questões supracitadas foi igual, 4,8 (DP±0,4), enquanto que no atual estudo, numa escala de sete pontos, o resultado médio obtido quanto à importância da atuação foi igual a 6,1 (DP±1,1) e quanto à sua efetiva promoção foi igual a 4,6 (DP±1,6) (5). Deste modo, é possível sugerir que os participantes acreditam que é importante a sua ação como na sua capacidade enquanto profissionais da área da nutrição para promover e alcançar a sustentabilidade alimentar.
No estudo de Lopes et al., 100% dos inquiridos associaram o conceito de sustentabilidade à preservação do meio ambiente e recursos naturais (15). No presente estudo, verificou-se que associam totalmente ao conceito de sustentabilidade alimentar a redução do desperdício alimentar (67,8%), a preservação do meio ambiente (58,3%) e dos recursos naturais (56,5%). Também no estudo de Burkhart et al., os participantes demonstraram estar mais familiarizados com o conceito da sustentabilidade a nível ambiental e não tanto a nível económico e social, nos aspetos que envolvem a nutrição e dietética (14).
Conhecimentos ao nível da sustentabilidade alimentar na área da alimentação coletiva são fundamentais, uma vez que uma restauração coletiva com futuro necessita de ser sustentável e capaz de associar o mais económico e satisfatório para o cliente com o mais saudável e sustentável para a saúde, aliando a rentabilidade do serviço à satisfação do cliente (9, 17). De acordo com a revisão de Maynard et al., as principais ações colocadas em prática em serviços de ACR consistem na recolha seletiva de lixo, reciclagem e redução do consumo de energia e água, indo de encontro com os resultados obtidos neste estudo (18).
No estudo de Naves et al., foram identificadas como as principais dificuldades sentidas pelos nutricionistas em praticar ações sustentáveis no local de trabalho a falta de recursos financeiros, a falta de tempo, o reduzido conhecimento sobre o tema e a falta de recursos humanos (5). No presente estudo, no geral, os nutricionistas mostraram também sentir maior dificuldade devido à falta de tempo e reduzido conhecimento sobre o tema, sendo que quando com atividade em ACR destacaram de igual forma a falta de recursos financeiros e humanos, além da falta de motivação e a baixa aceitação dos clientes, colegas ou empresa.
Ao analisar os nutricionistas que exercem em ACR, evidenciou-se um maior reporte de dificuldades, com destaque para a falta de recursos financeiros e humanos, além das dificuldades identificadas, indo de encontro com os resultados do estudo supracitado. Este facto poderá refletir um lapso na formação profissional, no sentido da escassez de cursos e especializações que abordem a sustentabilidade nesta área em específico, além da reduzida formação das equipas de trabalho e consciencialização dos utilizadores destes serviços (19).
Está descrito que é possível para os nutricionistas com atividade em ACR colocarem em prática uma diversidade de estratégias de forma consciente e coerente com o conceito de SA, considerando toda a estrutura física das instalações, a produção e distribuição das refeições, garantindo assim o funcionamento das unidades de forma sustentável (12, 18).
Na interpretação dos resultados deste estudo devem ser tidas em conta algumas limitações. O desenho descritivo transversal permite descrever as características na amostra, mas não possibilita analisar relações de causa/efeito. Adicionalmente, recrutou-se um número reduzido de participantes tendo em conta a dimensão da população- alvo, apesar dos esforços realizados para divulgar o estudo. Apesar destas limitações, este trabalho permite identificar potenciais práticas e dificuldades da promoção da sustentabilidade alimentar, especialmente no contexto da atividade em ACR.
A nível nacional não existem outros estudos do género e, da pesquisa realizada, apenas foi encontrado o estudo de Naves et al., no Brasil, no qual a amostra é constituída por nutricionistas no ativo. Nos restantes estudos a amostra é constituída por estudantes da área e não por profissionais já no ativo. Assim, o presente trabalho constitui o primeiro estudo do género a nível nacional.
CONCLUSÕES
Conclui-se com este estudo que a promoção da sustentabilidade é considerada importante e a maior parte dos nutricionistas reporta praticar ou promover ações para a sustentabilidade alimentar na sua atividade profissional em contexto de ACR. Identificaram-se as principais atividades que são promovidas, mas também as dificuldades à implementação de ações em prol da sustentabilidade.
Sugere-se que sejam levados a cabo estudos adicionais para determinar o custo-benefício de algumas das ações de promoção da sustentabilidade alimentar e desenvolvidas metodologias para a sua implementação efetiva e monitorização.