SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número31SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR EM ALIMENTAÇÃO COLETIVA E RESTAURAÇÃO: PERCEÇÃO DOS NUTRICIONISTASA ALIMENTAÇÃO VEGETARIANA NA INFÂNCIA É ADEQUADA PARA O CRESCIMENTO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.31 Porto dez. 2022  Epub 12-Jul-2023

https://doi.org/10.21011/apn.2022.3108 

Artigo Original

TERÁ O CONSUMO DE TOMATE DE PRODUÇÃO LOCAL UM MENOR IMPACTE AMBIENTAL COMPARATIVAMENTE AO DE PRODUÇÃO GLOBAL?

DOES THE CONSUMPTION OF LOCALLY PRODUCED TOMATOES HAVE A LOWER ENVIRONMENTAL IMPACT COMPARED TO THOSE GLOBALLY PRODUCED?

Alexandre Vargas1  -  3 

Beatriz Teixeira1  2  4  5  * 

Joana Margarida Bôto1  -  3  6  7 

Mariana Rei1  4  5  8 

1Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, n.º 823, 4150-180 Porto, Portugal

2Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, s/n, 4169-007 Porto, Portugal

3 GreenUPorto - Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável/ Inov4Agro, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, n.º 823, 4150-180 Porto, Portugal

4EPIUnit - Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Rua das Taipas, n.° 135, 4050-600 Porto, Portugal

5Laboratório para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR),Rua das Taipas, n.° 135, 4050-600 Porto, Portugal

6LEPABE - Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal

7InescTec - Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciências, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal

8Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Al. Prof. Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto, Portugal


RESUMO

INTRODUÇÃO:

O impacte ambiental da produção agrícola de tomate tem vindo a ser cada vez mais estudado, considerando-se que existe uma influência da localização geográfica da sua produção e do seu consumo.

OBJETIVOS:

Quantificar e comparar o impacto ambiental do tomate a nível de produção local versus global, com recurso a case studies, e simular o correspondente ao Potencial de Aquecimento Global (100 anos), em kg CO2 eq, da produção de tomate em Portugal versus o correspondente ao importado de Espanha, Itália e Holanda.

METODOLOGIA:

De abril a maio 2022 recorreu-se à Scopus, para incluir os artigos desta revisão narrativa. Incluíram-se termos como “avaliação do ciclo de vida”, “tomate”, “produção”, “impacte ambiental” e “indicador de sustentabilidade”. Recorreu-se ao software SIMA PRO (versão 2022) para obter o Potencial de Aquecimento Global (100 anos), em kg CO2 eq, relativo à produção de tomate em Espanha, Itália e Holanda. Procurou-se a mesma informação na literatura para Portugal.

RESULTADOS:

Incluíram-se 5 artigos transversais realizados em Espanha, França, Suécia e Áustria. Consideraram-se os seguintes indicadores de sustentabilidade: Emissão de Gases de Efeito Estufa, Potencial de Aquecimento Global, Privação de Água e Destruição da Camada do Ozono. Não é possível afirmar que a produção local do tomate tem um menor impacte ambiental que a sua produção global (importação), dependendo este impacto de fatores como o tipo de produção e do indicador de sustentabilidade utilizado. Quanto à simulação efetuada, espera-se que produzir tomate em Portugal tenha um menor Potencial de Aquecimento Global (100 anos) do que importar de Espanha, Holanda ou Itália (0,035-0,080); kg CO2 eq versus 0,84, 2,12 e 1,56 kg CO2 eq, respetivamente).

CONCLUSÕES:

O impacte ambiental da produção local do tomate nem sempre é menor do que o da sua produção global. Recomenda-se a realização de mais estudos em Portugal para determinar o impacte ambiental da produção deste alimento para ser possível, mais robustamente, fazer comparações com outros países.

PALAVRAS-CHAVE: Ciclo de vida; Produção global; Produção local; Sustentabilidade alimentar; Tomate

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Environmental impact of agricultural production has been increasingly studied and it has been considered that there is an influence of the geographical location of its production and consumption.

OBJECTIVES:

To quantify and compare the environmental impact of tomatoes at the local versus global production level, using case studies, and to simulate the corresponding Global Warming Potential (100 years), in kg CO2 eq, of tomato production in Portugal versus tomato production imported from Spain, France and Sweden.

METHODOLOGY:

From April to May 2022, Scopus was used to include articles in this narrative review. Terms such as “life cycle analysis”, “tomato”, “production”, “environmental impact” and “sustainability indicator” were included. SIMA PRO software (version 2022) was used to obtain Global Warming Potential (100 years), in kg CO2 eq, for tomato production in Spain, Italy and Netherlands. The same information was sought in literature for Portugal.

RESULTS:

Five cross-sectional articles carried out in Spain, France, Sweden and Austria were included. The following sustainability indicators were considered: Greenhouse Gas Emissions, Global Warming Potential, Water Deprivation and Depletion of the Ozone Layer. It is not possible to say that tomatoes from local production have a lower environmental impact than their global production (imports), being this impact depending on factors such as production type and the sustainability indicator used. Considering the simulation performed, it is expected that producing tomatoes in Portugal has a lower Global Warming Potential (100 years) than importing it from Spain, Netherlands or Italy (0.035-0.080); kg CO2 eq versus 0.84, 2.12 e 1.56 kg CO2 eq, respectively).

CONCLUSIONS:

Environmental impact of local tomato production is not always less comparing to tomato from global production. More studies are needed in Portugal to determine the environmental impact of tomato production to be able to, more robustly, make comparisons with other countries.

KEYWORDS: Life cycle; Global production; Local production; Food sustainability; Tomato

INTRODUÇÃO

No século XXI, a sustentabilidade alimentar está na vanguarda da investigação nas áreas da agricultura e da nutrição e saúde pública. Consequentemente, este tema tem sido um dos pontos centrais de políticas nacionais e internacionais que envolvem a segurança alimentar das populações, a preservação e defesa do meio ambiente e a otimização dos sistemas alimentares através de práticas de produção e consumo sustentáveis (1, 2). A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas é um exemplo dos esforços políticos que têm sido tomados nesse sentido, sendo a sustentabilidade alimentar tema central de vários dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos (3). O Pacto Ecológico Europeu é também exemplo, através da estratégia "Farm to Fork" que procura tornar os sistemas alimentares justos, saudáveis e respeitadores do ambiente (4, 5).

Tendo em conta o paradigma do desenvolvimento sustentável, a promoção do consumo de alimentos locais, biológicos e sazonais é uma prática já apresentada e amplamente disseminada junto dos consumidores (6 - 10). Mas, ao contrário dos alimentos biológicos, que já têm um conceito mais concreto e regulamentado em muitos países, a interpretação do conceito de alimentos locais e sazonais pode variar consoante o contexto em que está a ser utilizado.

O conceito de “alimento local” depende e é contextualizado através dos locais onde os alimentos são produzidos e consumidos (11), podendo ser brevemente entendido como os alimentos cujo transporte para os pontos de distribuição ocorre nas proximidades do ponto de produção (12). Contudo, não existe uma distância máxima padrão entre o local de produção e o local de consumo que seja utilizada de igual forma por todos aquando da definição de “alimentos locais”. Adicionalmente, o impacte ambiental destes alimentos, embora seja largamente discutido, exige uma enorme complexidade na compreensão da sustentabilidade dos sistemas de produção alimentar locais (13).

A avaliação do ciclo de vida (ACV) tem sido amplamente utilizada para avaliar o impacte ambiental e identificar opções de produção agrícola mais sustentáveis (14). Entre as categorias de impacto ambiental avaliadas pela ACV estão a pegada de carbono, a pegada hídrica, o esgotamento dos combustíveis fósseis e dos recursos minerais, a acidificação, a eutrofização e a ecotoxicidade por uso de pesticidas. Vários autores aplicaram a ACV como uma metodologia orientada à produção agrícola de tomate e, sem sombra de dúvida, o impacte ambiental deste produto alimentar tem sido influenciado pela localização geográfica da sua produção e do seu consumo (15). Em Portugal, o tomate é dos hortícolas mais amplamente produzidos, tendo sido, em 2020, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a cultura hortícola com maior produção em Portugal (144 mil toneladas) (16).

Neste seguimento, o presente trabalho tem como objetivos (a) quantificar e comparar o impacte ambiental do tomate a nível de produção local versus global, com recurso a case studies, e (b) simular o correspondente ao Potencial de Aquecimento Global (100 anos), em kg CO2 eq, da produção local de tomate em Portugal versus o correspondente ao importado de outros países europeus, nomeadamente Espanha, Itália e Holanda.

METODOLOGIA

Para o cumprimento do primeiro objetivo, recorreu-se, entre abril e maio de 2022, ao motor de busca da Scopus, a fim de selecionar os artigos a serem incluídos nesta revisão narrativa. A expressão de pesquisa incluiu termos como ACV, tomate, produção local, produção global, impacte ambiental, indicador de sustentabilidade. Recorreu-se ao articulador de pesquisa “AND” entre os termos indicados para realizar a pesquisa científica. Selecionaram-se apenas artigos redigidos em língua portuguesa ou inglesa. Nove artigos foram selecionados e, após leitura do título, resumo e texto na sua íntegra, foram incluídos apenas cinco, de acordo com o seu grau de interesse, pertinência e relevância em relação ao tema a abordar. Os dados dos artigos incluídos nesta revisão foram agrupados na Tabela 1.

Para a realização do segundo objetivo, recorreu-se ao software SIMA PRO (versão 2022) para obter o Potencial de Aquecimento Global - PAG (100 anos), em kg CO2 eq, relativo à produção de tomate nos países europeus, tendo em consideração o somatório das contribuições de CO2 proveniente do uso de combustíveis fósseis, materiais biogénicos e do uso de terra. O software apenas dispunha de dados provenientes de Espanha, Itália e Holanda pelo que, para este objetivo, apenas se utilizaram dados destes países. O PAG (100 anos) da produção de tomate em Portugal obteve-se através de valores reportados na literatura, devido à ausência deste valor no software SIMA PRO. O valor encontrado estava expresso em kg CO2 eq por tonelada de tomate, tendo-se realizado a conversão desse valor para a mesma unidade funcional utilizada no software SIMA PRO, nomeadamente kg CO2 eq por kg de tomate. De modo a considerar o impacte ambiental do consumo em Portugal de tomate importado de Espanha, Holanda e Itália, calculou-se, através deste software, o PAG (100 anos) correspondente ao transporte de 1 kg de tomate por um camião de 3.5-7.5 toneladas para uma distância de 2000 km, tendo-se obtido o valor de 1,08604 kg CO2 eq. Com recurso ao Google Maps, simularam-se as distâncias (em km) entre as principais cidades produtoras de tomate de Espanha (Almeria), Itália (Nápoles) e Holanda (Westland) e a capital de Portugal (Lisboa) para que, por linearidade, fosse simulado o PAG (100 anos), em kg CO2 eq, do transporte entre cada uma das cidades europeias e Lisboa. A distância final refletiu a menor distância por autoestrada entre as cidades.

RESULTADOS

Na Tabela 1, encontram-se apresentados os artigos incluídos de acordo com o primeiro objetivo desta revisão. Incluíram-se 5 artigos observacionais transversais, publicados entre 2013 e 2022, e realizados em países europeus (Espanha (12, 17), França (12, 18), Suécia (19) e Áustria (20)). Para cada artigo considerou-se o nível de produção local versus global do tomate. Três dos artigos foram analisados ao nível da produção de tomate num país (produção local) versus importado de outros países europeus (produção global) (12, 19, 20). Num dos artigos comparou-se a produção de tomate a nível nacional (produção local) com a sua importação de um país africano (produção global) (18). Por fim, Urbano B et al comparou a produção de tomate numa cidade espanhola (produção local) com o tomate transportado de outra cidade espanhola (17).

Os outcomes considerados incluíram as etapas da cadeia alimentar desde a produção até à distribuição do tomate. Neste trabalho, consideram-se diferentes tipos de produção: biológica, convencional com/sem estufa e convencional com/sem aquecimento. De forma a avaliar o impacte ambiental da produção local versus global do tomate em cada estudo incluído, foram considerados os seguintes indicadores de sustentabilidade ambiental: Emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) (12, 19, 20), PAG (17, 18), Privação de Água (18) e Destruição da Camada do Ozono (17). Estes indicadores foram avaliados sempre em função de 1 kg (17, 18, 19, 20) e 1 unidade (12) de tomate - unidade funcional (Tabela 1).

Na Tabela 1 é possível verificar que o impacte ambiental da produção de tomate difere em função de diferentes fatores. Produzir localmente na Suécia, de forma convencional com e sem aquecimento, reflete-se num menor impacte ambiental em termos de emissão de GEE do que produzir na Holanda, Espanha ou Itália (Suécia 0,22 kg CO2 versus Espanha 0,54 kg CO2) (19).

Tabela 1: Caracterização dos estudos incluídos na revisão 

Payen S et al. apresenta resultados contraditórios em função do tipo de indicador de sustentabilidade apresentado no que diz respeito à produção local do tomate na França versus a sua importação de Marrocos. O PAG (100 anos) da produção do tomate em França (1,75 kg CO2 eq) é maior do que o importado de Marrocos (0,22 kg CO2 eq). Já o cultivo de tomate em Marrocos contribuiu mais para a privação de água (28,0 vs. 7,50 L L H2O eq) 17. Em Urbano B et al. destaca-se a distinção entre o tipo de produção convencional e biológica. Considerando a produção convencional, o PAG e a destruição da camada de ozono é maior em Almeria - cidade de produção local (0,21 kg CO2 eq e 2,31*10-8 kg CFC-11 eq, respetivamente). Por outro lado, considerando a produção biológica de tomate a situação inverte-se, sendo o PAG e a destruição da camada de ozono menor em Almeria do que em Leon (0,18 kg CO2 eq e 1,95*10-8 kg CFC-11 eq versus 0,23 kg CO2 eq e 2,83*10-8 kg CFC-11 eq, respetivamente) (17).

A Tabela 2 apresenta uma simulação do PAG, em kg CO2 eq, considerando a produção do tomate em Espanha (Almeria), Holanda (Westland) e Itália (Nápoles) e a sua distribuição até Portugal. Destaca-

-se o facto da importação de tomate de Espanha, Holanda e Itália para Portugal apresentar, respetivamente, um valor de 0,84, 2,12 e 1,56 kg CO2 eq. Uma vez que o software SIMA PRO não apresenta valores de produção do tomate para Portugal, recorreu-se à literatura, tendo-se obtido de Rosa et al um valor de Potencial de Aquecimento Global que variou entre os 0,035 e 0,080 kg CO2 eq (21).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A produção de tomate baseia-se numa vasta gama de técnicas de produção com diferentes requisitos materiais, energéticos e tecnológicos (20). A literatura mostra que o transporte de alimentos na atualidade é tão eficiente que o impacte ambiental de alimentos globais se iguala ao dos alimentos locais em termos de emissões de GEE por produto (23-25. Adicionalmente, o conceito de milhas alimentares proporcionou um importante papel político e ideológico, salientando a importância das pegadas de carbono no sistema alimentar (24). Contudo, focar o consumo sustentável apenas como "distância" ou "milhas alimentares" tem sido criticado por se focar exclusivamente na distribuição de alimentos, desvalorizando a etapa de produção agrícola (24, 26, 27).

Ao analisar os 5 artigos incluídos nesta revisão, entendeu-se que não é possível afirmar que a produção local do tomate tem impreterivelmente um menor impacte ambiental em relação à sua produção global, estando este impacte dependente de fatores como o tipo de produção e do indicador de sustentabilidade medido. A literatura reforça esta questão, salientando que o ciclo de vida considerado para produção de tomate é muito heterogéneo no que respeita ao detalhe dos objetivos e metodologia de cada estudo (22). Neste artigo, pode-se afirmar que a produção local de tomate não deve ser, de imediato, equiparada a baixas emissões de GEE e, consequentemente, a uma maior sustentabilidade ambiental.

Um dos fatores que influencia o impacte ambiental da produção de tomate é o tipo de recursos utilizado. Por exemplo, a biodiversidade parece ser melhor integrada pelas cadeias de produção locais, enquanto a eficiência é melhor alcançada pelas cadeias de produção globais (28). Neste trabalho percebe-se que não é só a distância percorrida que influencia o impacte ambiental, mas sim um conjunto de outros fatores como é caso do tipo de produção. Theurl et al. demonstrou que sistemas de produção biológica menos intensivos apresentaram menor emissão de GEE, em comparação com a produção do tipo convencional (20). Para além disso, a literatura tem vindo a demostrar que sistemas de produção biológica de horticultura possuem potencial para reduzir as emissões de GEE e reduzir o impacto da eutrofização da água (29 - 31). No entanto, é importante ressaltar que o impacto ambiental da produção agrícola depende de muitos fatores, e ainda existem poucos estudos que fazem a comparação do impacto ambiental da produção de tomate utilizando outros indicadores, como é o caso da pegada hídrica.

As fontes de energia utilizadas na produção de tomate tendem a ter um impacto na pegada de carbono associada. No estudo realizado em Espanha, as cadeias de produção locais tendem a ter maior uso de combustíveis fósseis, o que resulta em maiores emissões diretas de CO2 por unidade de terra, em comparação com o uso de energias renováveis (12). Para além disso, no estudo de Roos et al, devido ao uso de gás natural como fonte de energia na Holanda, a pegada de carbono dos tomates holandeses foi mais de 3 vezes maior que a dos tomates suecos que utilizam energias renováveis (19).

O tipo de estufas é também um fator importante aquando da análise do impacte ambiental da produção de tomate. No estudo de Urbano er al, a produção de tomate em estufas aquecidas teve o maior impacte ambiental, de tal forma que a produção em estufas não aquecidas distantes foi comparativamente melhor. Estes valores demonstram a grande influência do sistema de aquecimento da estufa. Note-se ainda que a distância percorrida não causou a carga ambiental mais importante: outros fatores podem ter um efeito maior, nomeadamente, a eficiência do sistema de transporte ou outros fatores agronómicos, como a eficiência da irrigação (17).

Payen S et al destaca uma premissa importante quando se fala de avaliação de impacte ambiental, nomeadamente a necessidade de avaliar diferentes indicadores como o uso de água doce, a emissões de GEE e o uso de energia. Este autor demonstra que, dependendo do tipo de indicador utilizado, a melhor performance encontrada pode

Tabela 2: Simulação do Potencial do Aquecimento Global, considerando a produção de 1 kg tomate em Espanha, Holanda e Itália e a sua distribuição até Portugal (Lisboa) 

*PAG 100 - Potencial do Aquecimento Global 100 anos

**Distâncias consideradas: Lisboa-Almeria: 880 km | Lisboa-Westland: 2201km | Lisboa-Nápoles: 2707 km

ser tanto do tomate de produção local (França) ou do tomate de produção global (Marrocos). O uso de água no tomate francês causou menos danos aos ecossistemas do que o uso de água no tomate marroquino, sendo este dano a razão entre a disponibilidade de água e a precipitação, o que significa que, em Marrocos, os ecossistemas são mais vulneráveis à privação de água e/ou a precipitação anual é menor (18).

Relativamente ao segundo objetivo, verificou-se que consumir tomate produzido localmente (Portugal) apresenta um menor impacte ambiental do que importar tomate produzido em Espanha, Itália ou Holanda. É de notar que esta comparação apresenta limitações associadas. Primeiramente, os países considerados apresentam valores de PAG para tipos de produção de tomate distintos (em campo aberto em Portugal, convencional em estufa sem aquecimento em Espanha, convencional em estufa com aquecimento na Holanda e convencional em Itália), o que, como se sabe, é um fator que pode explicar, por si só, a diferença nos valores de impacte ambiental encontrados. Em segundo lugar, note-se que o intervalo de valores reportado para Portugal é proveniente de apenas um estudo, não sendo representativo da realidade portuguesa. Por outro lado, os valores retirados do software SIMA PRO provêm de diversas bases de dados criadas para o efeito.

Como limitações deste trabalho destacam-se as seguintes: (a) este estudo não ser uma revisão sistemática mas apenas narrativa, (b) existirem ainda poucos artigos que respondam aos objetivos propostos, apresentando, simultaneamente, metodologias distintas que tornam mais difícil a comparação entre estudos, (c) apenas existir, de acordo com o conhecimento da equipa de investigação, 1 estudo do PAG da produção de tomate em Portugal e (d) o software SIMA PRO não apresentar dados mensuráveis de impacte ambiental para a produção de tomate em Portugal. Por outro lado, destacam-se as seguintes vantagens: (a) ser um estudo promissor na temática da produção sustentável do tomate e (b) ser o primeiro trabalho a investigar se o impacte ambiental da produção do tomate em Portugal é maior ou menor em relação à sua produção a nível global.

Este estudo permite abrir caminhos na área da investigação que serão importantes para ser possível existirem dados que permitam realizar uma comparação segura, mensurável e confiável entre a produção local de produtos portugueses versus a importação desses produtos alimentares de outros países.

CONCLUSÕES

Nesta revisão, incluíram-se 5 artigos transversais realizados em Espanha, França, Suécia e Áustria. Concluiu-se que não é possível afirmar que a produção local do tomate tem impreterivelmente um menor impacte ambiental em relação à sua produção global, estando este impacte dependente de fatores como o tipo de produção e do indicador de sustentabilidade utilizado. Quanto à simulação efetuada, espera-se que produzir tomate em Portugal tenha um menor PAG (100 anos) do que se importado de Espanha, Holanda ou Itália (0,035-0,080) kg CO2 eq versus 0,84, 2,12 e 1,56 kg CO2 eq, respetivamente).

Ainda assim, caso se verifique um maior impacte ambiental resultante da produção local de tomate, não se deve descurar o seu eventual interesse para o desenvolvimento da economia de uma determinada sociedade. Os estudos existentes sobre o tomate são limitantes e de difícil extrapolação de resultados, pelo que é necessário apostar na investigação ao nível do impacte ambiental da produção do tomate na Europa e, concretamente, em Portugal, de modo a permitir à comunidade científica avaliações mais robustas sobre os impactes ambientais dos diversos géneros alimentícios.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

AV, BT, JMB e MR: Desenho de estudo, revisão da literatura, análise dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final publicada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Beeton, S., Buckley, I., Jones, J., et al. Australia State of the Environment; Department of the Environment and Heritage: Canberra, Australia, 2006. [ Links ]

2 United Nations. Transforming Our World: The 2030 Agenda for Sustainable Development; United Nations: New York, USA, 2015. [ Links ]

3 United Nations Economic and Social Council. Work on the Review of Progress towards the Sustainable Development Goals; United Nations: New York, USA , 2017. [ Links ]

4 Napoli, G., Barbaro, S., Giuffrida, S., Trovato, R. The Lombardy Green Deal: New Challenges for the Economic Feasibility of Energy Retrofit at District Scale; Springer Nature: Basingstoke, UK, 2021. [ Links ]

5 European Commission. The European Green Deal; European Commission: Brussels, Belgium, 2019. [ Links ]

6 Heijungs, R., Huppes, G., Guinée, B. Life cycle assessment and sustainability analysis of products, materials and technologies. Toward a scientific framework for sustainability life cycle analysis. Polym. Degrad. Stab. 2010, 95:422-428. [ Links ]

7 Hutchins, J., Sutherland, W. An exploration of measures of social sustainability and their application to supply chain decisions. J. Clean. Prod. 2008, 16:1688-1698. [ Links ]

8 Griffin, K., Sobal, J. Sustainable Food Activities Among Consumers: A Community Study Consumers. J. Hunger Environ. Nutr. 2013, 8:379-396. [ Links ]

9 Johnston, J., Szabo, M., Rodney, A. Good food, good people: Understanding the cultural repertoire of ethical eating. J. Consum. Cult. 2011, 11:293-318. [ Links ]

10 O’Kane, G. A moveable feast: Exploring barriers and enablers to food citizenship. Appetite 2016, 105:674-687. [ Links ]

11 Meyerding, H., Trajer, N., Lehberger, M. What is local food? The case of consumer preferences for local food labeling of tomatoes in Germany. J. Clean. Prod. 2019, 207:30-43. [ Links ]

12 Chiffoleau, Y., Gamboa, G., Maffezzoli, C., et al. Chains performances cross- countries comparison: France and Spain local and global tomato supply chains; HAL open science , 2015; Technical Report https://hal.inrae.fr/hal-02799595.Links ]

13 Coelho, C., Coelho, M., Egerer, M. Local food: Benefits and failings due to modern agriculture. Sci. Agric. 2018, 75:84-94. [ Links ]

14 Roy, P., Nei, D., Orikasa, T., et al. A review of life cycle assessment (LCA) on some food products. J. Food Eng. 2009, 90:1-10. [ Links ]

15 Canaj, K., Mehmeti, A., Cantore, V. et al. LCA of tomato greenhouse production using spatially differentiated life cycle impact assessment indicators: an Albanian case study. Environ Sci Pollut Res. 2020, 27:6960-6970. [ Links ]

16 Instituto Nacional de Estatística, I. P. Estatísticas Agrícolas - 2020. Estatísticas Oficiais. 2021. ISBN 0079-4139. [ Links ]

17 Urbano, B., Barquero, M., González-Andrés, F. The environmental impact of fresh tomatoes consumed in cities: A comparative LCA of long-distance transportation and local production. Scientia Horticulturae. 2022, 301:111126. [ Links ]

18 Payen, S., Basset-Mens, C., Perret, S. LCA of local and imported tomato: an energy and water trade-off. Journal of Cleaner Production. 2015, 87:139-48. [ Links ]

19 Röös, E., Karlsson, H. Effect of eating seasonal on the carbon footprint of Swedish vegetable consumption. J. Clean. Prod. 2013, 59:63-72. [ Links ]

20 Theurl, C., Haberl, H., Erb, H., Lindenthal, T. Contrasted greenhouse gas emissions from local versus long-range tomato production. Agrónoma for Sustainable Development. 2014, 34:593-602. [ Links ]

21 Rosa, D., Freire, F., Figueiredo, F. Avaliação de Ciclo de Vida da castanha e do tomate em Portugal. 2014. Dissertação de Mestrado Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra3;. http://hdl.handle.net/10316/38779.Links ]

22 Torres Pineda, I., Lee, Y.D., Kim, Y.S., et al. Review of inventory data in life cycle assessment applied in production of fresh tomato in greenhouse. Journal of Cleaner Production. 2021, 282:124395. [ Links ]

23 Coley, D., Howard, M., Winter, M. Food miles: time for a re-think? Br. Food J. 2011, 113:919-934. [ Links ]

24 Coley, D., Howard, M., Winter, M. Local food, food miles and carbon emissions: a comparison of farm shop and mass distribution approaches. Food Policy. 2009, 34:50-155. [ Links ]

25 Wallgren, C. Local or global food markets: a comparison of energy use for transport. Local Environ. 2006, 11:233-251. [ Links ]

26 Costanigro, M., Deselnicu, O., Kroll, S. Food beliefs: Elicitation, estimation and implications for labeling policy. J. Agric. Econ. 2015, 66:108-128. [ Links ]

27 DuPuis, M., Goodman, D. Should we go “home” to eat?: Toward a reflexive politics of localism. J. Rural Stud. 2005, 21:359-371. [ Links ]

28 Brunori, G., Galli, F., Barjolle, D., et al. Are Local Food Chains More Sustainable than Global Food Chains? Considerations for Assessment. Sustainability, 2016, 8:449. [ Links ]

29 Schäfer, F., & Blanke, M. Farming and marketing system affects carbon and water footprint-a case study using Hokaido pumpkin. Journal of Cleaner Production, 2012. 28, 113-119. [ Links ]

30 Skinner, C., Gattinger, A., Krauss, M., Krause, H. M., Mayer, J., Van Der Heijden, M. G., & Mäder, P. The impact of long-term organic farming on soil-derived greenhouse gas emissions. Scientific reports, 2019. 9(1), 1702. [ Links ]

31 Foteinis, S., & Chatzisymeon, E. Life cycle assessment of organic versus conventional agriculture. A case study of lettuce cultivation in Greece. Journal of cleaner production, 2016. 112, 2462-2471 [ Links ]

Recebido: 28 de Julho de 2022; Aceito: 30 de Dezembro de 2022

*Endereço para correspondência: Beatriz Teixeira Rua do Campo Alegre, n.º 823, 4150-180 Porto, Portugal beatrizteixeira.nutricao@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons