INTRODUÇÃO
No século XXI, a sustentabilidade alimentar está na vanguarda da investigação nas áreas da agricultura e da nutrição e saúde pública. Consequentemente, este tema tem sido um dos pontos centrais de políticas nacionais e internacionais que envolvem a segurança alimentar das populações, a preservação e defesa do meio ambiente e a otimização dos sistemas alimentares através de práticas de produção e consumo sustentáveis (1, 2). A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas é um exemplo dos esforços políticos que têm sido tomados nesse sentido, sendo a sustentabilidade alimentar tema central de vários dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos (3). O Pacto Ecológico Europeu é também exemplo, através da estratégia "Farm to Fork" que procura tornar os sistemas alimentares justos, saudáveis e respeitadores do ambiente (4, 5).
Tendo em conta o paradigma do desenvolvimento sustentável, a promoção do consumo de alimentos locais, biológicos e sazonais é uma prática já apresentada e amplamente disseminada junto dos consumidores (6 - 10). Mas, ao contrário dos alimentos biológicos, que já têm um conceito mais concreto e regulamentado em muitos países, a interpretação do conceito de alimentos locais e sazonais pode variar consoante o contexto em que está a ser utilizado.
O conceito de “alimento local” depende e é contextualizado através dos locais onde os alimentos são produzidos e consumidos (11), podendo ser brevemente entendido como os alimentos cujo transporte para os pontos de distribuição ocorre nas proximidades do ponto de produção (12). Contudo, não existe uma distância máxima padrão entre o local de produção e o local de consumo que seja utilizada de igual forma por todos aquando da definição de “alimentos locais”. Adicionalmente, o impacte ambiental destes alimentos, embora seja largamente discutido, exige uma enorme complexidade na compreensão da sustentabilidade dos sistemas de produção alimentar locais (13).
A avaliação do ciclo de vida (ACV) tem sido amplamente utilizada para avaliar o impacte ambiental e identificar opções de produção agrícola mais sustentáveis (14). Entre as categorias de impacto ambiental avaliadas pela ACV estão a pegada de carbono, a pegada hídrica, o esgotamento dos combustíveis fósseis e dos recursos minerais, a acidificação, a eutrofização e a ecotoxicidade por uso de pesticidas. Vários autores aplicaram a ACV como uma metodologia orientada à produção agrícola de tomate e, sem sombra de dúvida, o impacte ambiental deste produto alimentar tem sido influenciado pela localização geográfica da sua produção e do seu consumo (15). Em Portugal, o tomate é dos hortícolas mais amplamente produzidos, tendo sido, em 2020, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a cultura hortícola com maior produção em Portugal (144 mil toneladas) (16).
Neste seguimento, o presente trabalho tem como objetivos (a) quantificar e comparar o impacte ambiental do tomate a nível de produção local versus global, com recurso a case studies, e (b) simular o correspondente ao Potencial de Aquecimento Global (100 anos), em kg CO2 eq, da produção local de tomate em Portugal versus o correspondente ao importado de outros países europeus, nomeadamente Espanha, Itália e Holanda.
METODOLOGIA
Para o cumprimento do primeiro objetivo, recorreu-se, entre abril e maio de 2022, ao motor de busca da Scopus, a fim de selecionar os artigos a serem incluídos nesta revisão narrativa. A expressão de pesquisa incluiu termos como ACV, tomate, produção local, produção global, impacte ambiental, indicador de sustentabilidade. Recorreu-se ao articulador de pesquisa “AND” entre os termos indicados para realizar a pesquisa científica. Selecionaram-se apenas artigos redigidos em língua portuguesa ou inglesa. Nove artigos foram selecionados e, após leitura do título, resumo e texto na sua íntegra, foram incluídos apenas cinco, de acordo com o seu grau de interesse, pertinência e relevância em relação ao tema a abordar. Os dados dos artigos incluídos nesta revisão foram agrupados na Tabela 1.
Para a realização do segundo objetivo, recorreu-se ao software SIMA PRO (versão 2022) para obter o Potencial de Aquecimento Global - PAG (100 anos), em kg CO2 eq, relativo à produção de tomate nos países europeus, tendo em consideração o somatório das contribuições de CO2 proveniente do uso de combustíveis fósseis, materiais biogénicos e do uso de terra. O software apenas dispunha de dados provenientes de Espanha, Itália e Holanda pelo que, para este objetivo, apenas se utilizaram dados destes países. O PAG (100 anos) da produção de tomate em Portugal obteve-se através de valores reportados na literatura, devido à ausência deste valor no software SIMA PRO. O valor encontrado estava expresso em kg CO2 eq por tonelada de tomate, tendo-se realizado a conversão desse valor para a mesma unidade funcional utilizada no software SIMA PRO, nomeadamente kg CO2 eq por kg de tomate. De modo a considerar o impacte ambiental do consumo em Portugal de tomate importado de Espanha, Holanda e Itália, calculou-se, através deste software, o PAG (100 anos) correspondente ao transporte de 1 kg de tomate por um camião de 3.5-7.5 toneladas para uma distância de 2000 km, tendo-se obtido o valor de 1,08604 kg CO2 eq. Com recurso ao Google Maps, simularam-se as distâncias (em km) entre as principais cidades produtoras de tomate de Espanha (Almeria), Itália (Nápoles) e Holanda (Westland) e a capital de Portugal (Lisboa) para que, por linearidade, fosse simulado o PAG (100 anos), em kg CO2 eq, do transporte entre cada uma das cidades europeias e Lisboa. A distância final refletiu a menor distância por autoestrada entre as cidades.
RESULTADOS
Na Tabela 1, encontram-se apresentados os artigos incluídos de acordo com o primeiro objetivo desta revisão. Incluíram-se 5 artigos observacionais transversais, publicados entre 2013 e 2022, e realizados em países europeus (Espanha (12, 17), França (12, 18), Suécia (19) e Áustria (20)). Para cada artigo considerou-se o nível de produção local versus global do tomate. Três dos artigos foram analisados ao nível da produção de tomate num país (produção local) versus importado de outros países europeus (produção global) (12, 19, 20). Num dos artigos comparou-se a produção de tomate a nível nacional (produção local) com a sua importação de um país africano (produção global) (18). Por fim, Urbano B et al comparou a produção de tomate numa cidade espanhola (produção local) com o tomate transportado de outra cidade espanhola (17).
Os outcomes considerados incluíram as etapas da cadeia alimentar desde a produção até à distribuição do tomate. Neste trabalho, consideram-se diferentes tipos de produção: biológica, convencional com/sem estufa e convencional com/sem aquecimento. De forma a avaliar o impacte ambiental da produção local versus global do tomate em cada estudo incluído, foram considerados os seguintes indicadores de sustentabilidade ambiental: Emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) (12, 19, 20), PAG (17, 18), Privação de Água (18) e Destruição da Camada do Ozono (17). Estes indicadores foram avaliados sempre em função de 1 kg (17, 18, 19, 20) e 1 unidade (12) de tomate - unidade funcional (Tabela 1).
Na Tabela 1 é possível verificar que o impacte ambiental da produção de tomate difere em função de diferentes fatores. Produzir localmente na Suécia, de forma convencional com e sem aquecimento, reflete-se num menor impacte ambiental em termos de emissão de GEE do que produzir na Holanda, Espanha ou Itália (Suécia 0,22 kg CO2 versus Espanha 0,54 kg CO2) (19).
Payen S et al. apresenta resultados contraditórios em função do tipo de indicador de sustentabilidade apresentado no que diz respeito à produção local do tomate na França versus a sua importação de Marrocos. O PAG (100 anos) da produção do tomate em França (1,75 kg CO2 eq) é maior do que o importado de Marrocos (0,22 kg CO2 eq). Já o cultivo de tomate em Marrocos contribuiu mais para a privação de água (28,0 vs. 7,50 L L H2O eq) 17. Em Urbano B et al. destaca-se a distinção entre o tipo de produção convencional e biológica. Considerando a produção convencional, o PAG e a destruição da camada de ozono é maior em Almeria - cidade de produção local (0,21 kg CO2 eq e 2,31*10-8 kg CFC-11 eq, respetivamente). Por outro lado, considerando a produção biológica de tomate a situação inverte-se, sendo o PAG e a destruição da camada de ozono menor em Almeria do que em Leon (0,18 kg CO2 eq e 1,95*10-8 kg CFC-11 eq versus 0,23 kg CO2 eq e 2,83*10-8 kg CFC-11 eq, respetivamente) (17).
A Tabela 2 apresenta uma simulação do PAG, em kg CO2 eq, considerando a produção do tomate em Espanha (Almeria), Holanda (Westland) e Itália (Nápoles) e a sua distribuição até Portugal. Destaca-
-se o facto da importação de tomate de Espanha, Holanda e Itália para Portugal apresentar, respetivamente, um valor de 0,84, 2,12 e 1,56 kg CO2 eq. Uma vez que o software SIMA PRO não apresenta valores de produção do tomate para Portugal, recorreu-se à literatura, tendo-se obtido de Rosa et al um valor de Potencial de Aquecimento Global que variou entre os 0,035 e 0,080 kg CO2 eq (21).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A produção de tomate baseia-se numa vasta gama de técnicas de produção com diferentes requisitos materiais, energéticos e tecnológicos (20). A literatura mostra que o transporte de alimentos na atualidade é tão eficiente que o impacte ambiental de alimentos globais se iguala ao dos alimentos locais em termos de emissões de GEE por produto (23-25. Adicionalmente, o conceito de milhas alimentares proporcionou um importante papel político e ideológico, salientando a importância das pegadas de carbono no sistema alimentar (24). Contudo, focar o consumo sustentável apenas como "distância" ou "milhas alimentares" tem sido criticado por se focar exclusivamente na distribuição de alimentos, desvalorizando a etapa de produção agrícola (24, 26, 27).
Ao analisar os 5 artigos incluídos nesta revisão, entendeu-se que não é possível afirmar que a produção local do tomate tem impreterivelmente um menor impacte ambiental em relação à sua produção global, estando este impacte dependente de fatores como o tipo de produção e do indicador de sustentabilidade medido. A literatura reforça esta questão, salientando que o ciclo de vida considerado para produção de tomate é muito heterogéneo no que respeita ao detalhe dos objetivos e metodologia de cada estudo (22). Neste artigo, pode-se afirmar que a produção local de tomate não deve ser, de imediato, equiparada a baixas emissões de GEE e, consequentemente, a uma maior sustentabilidade ambiental.
Um dos fatores que influencia o impacte ambiental da produção de tomate é o tipo de recursos utilizado. Por exemplo, a biodiversidade parece ser melhor integrada pelas cadeias de produção locais, enquanto a eficiência é melhor alcançada pelas cadeias de produção globais (28). Neste trabalho percebe-se que não é só a distância percorrida que influencia o impacte ambiental, mas sim um conjunto de outros fatores como é caso do tipo de produção. Theurl et al. demonstrou que sistemas de produção biológica menos intensivos apresentaram menor emissão de GEE, em comparação com a produção do tipo convencional (20). Para além disso, a literatura tem vindo a demostrar que sistemas de produção biológica de horticultura possuem potencial para reduzir as emissões de GEE e reduzir o impacto da eutrofização da água (29 - 31). No entanto, é importante ressaltar que o impacto ambiental da produção agrícola depende de muitos fatores, e ainda existem poucos estudos que fazem a comparação do impacto ambiental da produção de tomate utilizando outros indicadores, como é o caso da pegada hídrica.
As fontes de energia utilizadas na produção de tomate tendem a ter um impacto na pegada de carbono associada. No estudo realizado em Espanha, as cadeias de produção locais tendem a ter maior uso de combustíveis fósseis, o que resulta em maiores emissões diretas de CO2 por unidade de terra, em comparação com o uso de energias renováveis (12). Para além disso, no estudo de Roos et al, devido ao uso de gás natural como fonte de energia na Holanda, a pegada de carbono dos tomates holandeses foi mais de 3 vezes maior que a dos tomates suecos que utilizam energias renováveis (19).
O tipo de estufas é também um fator importante aquando da análise do impacte ambiental da produção de tomate. No estudo de Urbano er al, a produção de tomate em estufas aquecidas teve o maior impacte ambiental, de tal forma que a produção em estufas não aquecidas distantes foi comparativamente melhor. Estes valores demonstram a grande influência do sistema de aquecimento da estufa. Note-se ainda que a distância percorrida não causou a carga ambiental mais importante: outros fatores podem ter um efeito maior, nomeadamente, a eficiência do sistema de transporte ou outros fatores agronómicos, como a eficiência da irrigação (17).
Payen S et al destaca uma premissa importante quando se fala de avaliação de impacte ambiental, nomeadamente a necessidade de avaliar diferentes indicadores como o uso de água doce, a emissões de GEE e o uso de energia. Este autor demonstra que, dependendo do tipo de indicador utilizado, a melhor performance encontrada pode
*PAG 100 - Potencial do Aquecimento Global 100 anos
**Distâncias consideradas: Lisboa-Almeria: 880 km | Lisboa-Westland: 2201km | Lisboa-Nápoles: 2707 km
ser tanto do tomate de produção local (França) ou do tomate de produção global (Marrocos). O uso de água no tomate francês causou menos danos aos ecossistemas do que o uso de água no tomate marroquino, sendo este dano a razão entre a disponibilidade de água e a precipitação, o que significa que, em Marrocos, os ecossistemas são mais vulneráveis à privação de água e/ou a precipitação anual é menor (18).
Relativamente ao segundo objetivo, verificou-se que consumir tomate produzido localmente (Portugal) apresenta um menor impacte ambiental do que importar tomate produzido em Espanha, Itália ou Holanda. É de notar que esta comparação apresenta limitações associadas. Primeiramente, os países considerados apresentam valores de PAG para tipos de produção de tomate distintos (em campo aberto em Portugal, convencional em estufa sem aquecimento em Espanha, convencional em estufa com aquecimento na Holanda e convencional em Itália), o que, como se sabe, é um fator que pode explicar, por si só, a diferença nos valores de impacte ambiental encontrados. Em segundo lugar, note-se que o intervalo de valores reportado para Portugal é proveniente de apenas um estudo, não sendo representativo da realidade portuguesa. Por outro lado, os valores retirados do software SIMA PRO provêm de diversas bases de dados criadas para o efeito.
Como limitações deste trabalho destacam-se as seguintes: (a) este estudo não ser uma revisão sistemática mas apenas narrativa, (b) existirem ainda poucos artigos que respondam aos objetivos propostos, apresentando, simultaneamente, metodologias distintas que tornam mais difícil a comparação entre estudos, (c) apenas existir, de acordo com o conhecimento da equipa de investigação, 1 estudo do PAG da produção de tomate em Portugal e (d) o software SIMA PRO não apresentar dados mensuráveis de impacte ambiental para a produção de tomate em Portugal. Por outro lado, destacam-se as seguintes vantagens: (a) ser um estudo promissor na temática da produção sustentável do tomate e (b) ser o primeiro trabalho a investigar se o impacte ambiental da produção do tomate em Portugal é maior ou menor em relação à sua produção a nível global.
Este estudo permite abrir caminhos na área da investigação que serão importantes para ser possível existirem dados que permitam realizar uma comparação segura, mensurável e confiável entre a produção local de produtos portugueses versus a importação desses produtos alimentares de outros países.
CONCLUSÕES
Nesta revisão, incluíram-se 5 artigos transversais realizados em Espanha, França, Suécia e Áustria. Concluiu-se que não é possível afirmar que a produção local do tomate tem impreterivelmente um menor impacte ambiental em relação à sua produção global, estando este impacte dependente de fatores como o tipo de produção e do indicador de sustentabilidade utilizado. Quanto à simulação efetuada, espera-se que produzir tomate em Portugal tenha um menor PAG (100 anos) do que se importado de Espanha, Holanda ou Itália (0,035-0,080) kg CO2 eq versus 0,84, 2,12 e 1,56 kg CO2 eq, respetivamente).
Ainda assim, caso se verifique um maior impacte ambiental resultante da produção local de tomate, não se deve descurar o seu eventual interesse para o desenvolvimento da economia de uma determinada sociedade. Os estudos existentes sobre o tomate são limitantes e de difícil extrapolação de resultados, pelo que é necessário apostar na investigação ao nível do impacte ambiental da produção do tomate na Europa e, concretamente, em Portugal, de modo a permitir à comunidade científica avaliações mais robustas sobre os impactes ambientais dos diversos géneros alimentícios.