INTRODUÇÃO
A adoção de padrões alimentares à base de plantas (alimentação vegetariana ou dieta vegetariana) tem crescido substancialmente nas ultimas décadas a nível mundial e particularmente na Europa (1, 2). Tem sido igualmente evidente o crescimento da adoção deste padrões alimentares em indivíduos em idade pediátrica (3). Num estudo sobre a população infantil alemã realizado entre 2003 e 2006, verificou-se que menos de 2% dos rapazes com 3 ou mais anos de idade e 3% das raparigas da mesma faixa etária já não consumiam carne, aves ou salsichas com origem animal (4). Diferentes fatores parecem conduzir a adoção deste tipo de padrão alimentar, designadamente por motivos de saúde, ambiente, éticos ou por influência familiar (5).
As dietas vegetarianas caracterizam-se por um consumo quase exclusivo de alimentos de origem vegetal (5, 6) e podem ser classificadas de acordo com os alimentos de origem animal que são incluídos em cada tipo de dieta (Tabela 1). Desta forma, de um ponto de vista nutricional e de acordo com a Tabela 1, entende-se por vegano um padrão alimentar estritamente vegetariano.
A adoção de um padrão alimentar à base de plantas na infância devidamente adequado a esta faixa etária, tem vindo a ser associada com diversos benefícios para a saúde, nomeadamente na prevenção de algumas doenças crónicas não transmissíveis como a obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2 ou doença oncológica (7, 8). Paralelamente, existem evidências que alertam para possíveis riscos de carências nutricionais e energéticas decorrentes da prática deste tipo de dieta, particularmente nos mais novos (1, 9), sustentadas na existência de maiores necessidades nutricionais e energéticas durante o crescimento (5). Numa revisão, Cofnas (9) realça as carências de vitamina B12, creatina, taurina e ácidos gordos polinsaturados n-3 de cadeia longa como possíveis riscos para o crescimento e desenvolvimento do sistema nervoso central das crianças. Na mais recente revisão sistemática da literatura sobre o estado nutricional e de saúde de crianças e adolescentes sob dieta vegetariana, Schürmann et al. (1) constataram a ausência de evidência suficientemente robusta para se concluir acerca dos benefícios e riscos deste tipo de dieta nestas faixas etárias. Apesar desta revisão sistemática ter incluído 24 estudos desde 1988 até 2013, apenas quatro foram publicados depois de 2007, não estando assim representada a disponibilidade e diversidade de alimentos existentes hoje em dia. Por outro lado, os estudos incluídos haviam sido realizados em países desenvolvidos da Europa e Estados Unidos da América, excluindo países em vias de desenvolvimento.
Assim, considerando as lacunas identificadas na revisão de Schürmann et al. (1) este trabalho de revisão pretendeu analisar os efeitos da adoção de um padrão alimentar à base de plantas no crescimento de crianças e adolescentes.
METODOLOGIA
A pesquisa de literatura foi realizada em outubro de 2021 em duas bases de dados de publicações científicas: Web of Science e PubMed. De forma a encontrar artigos relevantes para o objetivo desta revisão, a consulta às bases de dados foi feita com a seguinte expressão: ((grow*) OR (develop*)) AND ((child*) OR (infan*)) AND (("vegan diet*") OR ("vegetarian diet*") OR ("plant-based diet*")).
Foram incluídos artigos publicados desde 2017, posteriores à revisão sistemática de Schürmann (1). Destes, foram considerados os estudos em amostras de indivíduos em idade pediátrica, sob alimentação vege- tariana ou vegana e que usaram uma metodologia quantitativa empírica. A procura sistemática resultou num total de 173 artigos, dos quais sete foram considerados para inclusão (Figura 1).
RESULTADOS
A Tabela 2 sumariza os sete artigos analisados nesta revisão, incluindo os seus objetivos, metodologia, amostra, principais resultados e conclusões.
Apenas um dos sete estudos utilizou uma metodologia de coorte longitudinal (10), com um acompanhamento mediano de sete anos (IQ: 5,9-9,0), tratando-se os demais de estudos transversais (11 - 16). Os estudos foram realizados tanto em países desenvolvidos, como a Polónia (11, 14, 16), Finlândia (15) e Alemanha (13), como em países em vias de desenvolvimento como a China (10) e a India (12).
A amostra total acumulada dos sete estudos representou um total de 8755 indivíduos, com um mínimo de 40 (15) e um máximo de 5772 indivíduos (12) por estudo. As idades dos participantes variaram entre os seis meses e os 19 anos e a distribuição por sexo demonstrou ser similar em todos.
Os indicadores de crescimento aferidos foram, na maioria dos estudos, a estatura ou o seu z-score (11, 14-17), o Índice de Massa Corporal (IMC) (11, 14-16) e a velocidade de crescimento (10). Dois estudos utilizaram apenas os indicadores relativos de ‘estatura para a idade’, ‘peso para a idade’ e ‘peso para a estatura’ (12, 13).
Quanto aos tipos de dieta investigados, dois estudos consideraram populações vegetarianas sem especificarem o tipo (10, 14). No caso do estudo chinês de Fang et al. (10), as crianças não foram agrupadas de acordo com as suas dietas (i.e., com/sem alimentos de origem animal; com/sem laticínios), no entanto os autores reportaram níveis de ingestão de produtos de origem animal muito baixos, sendo que 80% da ingestão proteica e 92% de cálcio tinha origem em alimentos de origem vegetal. Em três estudos, foi considerada a inclusão de laticínios e/ou ovos (11, 13, 16), um incluiu piscitarianos (15) e um considerou a inclusão apenas de laticínios (12) na dieta vegetariana.
DHA: Ácido docosahexaenóico
F: Feminino
HC: Hidratos de Carbono
HDL: Lipoproteína de alta densidade
IMC: Índice de massa corporal
LDL: Lipoproteína de baixa densidade
M: Masculino
OM: Omnívoro(a)
SES: Estatuto económico-social VG: Vegetariano(a)
VLDL: Lipoproteína de muito baixa densidade
VN: Vegano(a)
Quatro estudos analisaram dietas veganas (i.e., padrão alimentar estritamente vegetariano) (11-13, 15) e cinco incluíram crianças omnívoras como grupo controlo (11, 13-16).
No que diz respeito aos resultados obtidos na análise dos indicadores de crescimento, dois estudos não encontraram diferenças de estatura e IMC entre crianças vegetarianas e omnívoras (15, 16), sendo que um destes também não verificou diferenças de estatura e IMC entre veganos e os outros dois grupos. Noutro sentido, um estudo reportou diferenças de estatura entre veganos e omnívoros (11) e um outro estudo verificou diferenças de estatura e IMC entre vegetarianos e omnívoros (14). Recorrendo a indicadores relativos (i.e., peso/estatura; peso/ idade; estatura/idade), Weder et al. (13) verificaram que as crianças vegetarianas apresentaram uma estatura para a idade superior à das crianças veganas. Um outro estudo (12) reportou um risco de baixo peso para a idade nas crianças veganas 1,46 vezes superior face às vegetarianas. Ao avaliar o impacto do consumo de cálcio de origem vegetal no crescimento de crianças e adolescentes, Fang et al. (10) verificaram que um consumo mais elevado de cálcio está associado à velocidade de crescimento dos rapazes, mas não condiciona a sua estatura em adulto. Mais ainda, rapazes com níveis de ingestão de cálcio baixos (inferiores a 327 mg/d) pareciam vir a ter uma estatura adulta inferior.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O crescimento do uso de padrões alimentares à base de plantas nas últimas décadas, com particular enfoque na população em idade pediátrica, torna fundamental perceber qual o efeito da sua adoção no crescimento destes indivíduos.
Na evidência atual, os resultados reportados acerca da influência do tipo de dieta são variáveis. No entanto, dos quatro estudos que incluíram crianças veganas (11-13,15), a maioria verificou que estas tinham indicadores de crescimento abaixo de, pelo menos, um dos outros dois grupos (i.e., vegetarianas ou omnívoras) (11-13). Sublinha-se que todas as crianças no estudo de Hovinen et al. (15) usufruíam de uma alimentação planeada por nutricionistas, de acordo com as recomendações nutricionais finlandesas, reiterando as posições assumidas por associações pediátricas de diversos países (18 - 20), que consideram os padrões alimentares vegetarianos capazes de suprir as necessidades nutricionais desta população, desde que acompanhadas por nutricionistas. Ainda assim, não é possível descartar uma provável influência negativa da dieta vegana em situações de ausência de acompanhamento nutricional devido.
As associações de pediatria espanhola e alemã (21, 22) recomendam a evicção da dieta vegana em crianças, aconselhando uma dieta omnívora com um amplo consumo de alimentos vegetais e consumos moderados de carne, peixe e laticínios.
No que diz respeito à adequação de uma alimentação vegetariana, dos cinco estudos que compararam crianças sob dietas vegetarianas àquelas sob dietas omnívoras, quatro não encontraram diferenças significativas nos indicadores de crescimento analisados (11, 13, 15, 16). O único estudo que reportou diferenças na estatura e IMC de crianças vegetarianas face a omnívoras (14), verificou ainda que as crianças vegetarianas haviam sido amamentadas por mais tempo do que as omnívoras e vinham de famílias com um estatuto socioeconómico mais elevado. Apesar de encontradas diferenças, Nieczuja-Dwojacka et al.
(14) referem que a estatura das crianças vegetarianas neste estudo está em concordância com os padrões de crescimento das crianças polacas. Estes resultados parecem estar em linha com as posições assumidas por associações de nutrição e pediatria de alguns países, como a Argentina (18), Itália (20) ou os Estados Unidos (19). Contudo, também estas associações defendem a necessidade do rigoroso planeamento da dieta e um acompanhamento por um profissional de nutrição, sublinhando também a necessidade de se incluírem fontes confiáveis de vitamina B12.
Parece existir uma maior probabilidade de ocorrerem deficiências nutricionais com padrões alimentares mais restritivos (9), particularmente ao nível dos micronutrientes, podendo conduzir a eventuais problemas no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes. A baixa biodisponibilidade de ferro em alimentos vegetais é apontada como uma possível causa de deficiência deste micronutriente (23). No entanto, Ambroszkiewicz et al. (16) verificaram que os valores hematológicos de ferro e transferrina séricos eram semelhantes em crianças vegetarianas e omnívoras. Mais ainda, apesar dos autores terem verificado que a ingestão de vitamina C era substancialmente superior nas crianças vegetarianas, estas apresentaram concentrações de ferritina inferiores às das crianças omnívoras. Isto reforça os argumentos de Pawlak e Bell (2017), que concluíram que apesar da maior ingestão de vitamina C, o que poderá contribuir para uma maior absorção de ferro nas crianças vegetarianas, isso não asseguraria um adequado status de ferro.
O cálcio é também um micronutriente que pode estar mais sujeito a défice numa alimentação à base de plantas (1). Uma coorte longitudinal, realizada na China com 2019 adolescentes com uma alimentação à base de plantas (10), concluiu que, em média, os rapazes ingeriam 426 mg/d de cálcio, enquanto a raparigas ingeriam 355 mg/d. Ainda que em populações distintas, estes valores parecem estar desajustados face às suas necessidades, considerando, por exemplo as recomendações da European Food Safety Authority (EFSA) para ingestão de cálcio em adolescentes dos 11 aos 17, designadamente de 1150 mg/d como ingestão de referência populacional, correspondente a uma necessidade média de 960 mg/d.
A literatura tem demonstrado que um padrão alimentar à base de plantas contribui para a diminuição do risco cardiovascular (1,7). Desmond et al. (11) corroboram este argumento, reportando um perfil de risco cardiovascular mais saudável em crianças sob dieta vegana. Não obstante, os autores verificaram também que estas crianças estavam sujeitas a um maior risco de deficiências nutricionais, traduzindo-se num reduzido conteúdo mineral ósseo e maior comprometimento da sua estatura.
CONCLUSÕES
Esta revisão da literatura sugere que são necessários mais estudos acerca do efeito das dietas vegetarianas no crescimento de crianças e adolescentes. Apesar da heterogeneidade dos estudos identificados, nenhum descreve um acompanhamento de longo prazo que permita aferir diferenças entre os vários tipos de dieta.
Nenhum estudo reportou efeitos prejudiciais de uma dieta vegetariana no crescimento de indivíduos em idade pediátrica. No entanto, alguns estudos apontam no sentido de as dietas veganas produzirem piores indicadores de crescimento do que dietas vegetarianas e omnívoras em crianças. Desta forma, a evidência recente não permite uma conclusão firme acerca do efeito das dietas à base de plantas no crescimento de crianças e adolescentes.
As posições assumidas por associações de nutrição e pediatria de diversos países são, também elas, díspares, refletindo a falta de evidência científica robusta face a esta problemática.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
AF: Conceptualização, metodologia, administração do projeto, supervisão, validação, revisão e validação do manuscrito; JM: Conceptualização, metodologia, administração do projeto, supervisão, validação, revisão e validação do manuscrito; AFF: Conceptualização, metodologia, gestão de dados, análise formal, investigação, redação do manuscrito original, revisão do manuscrito; AMA: Conceptualização, metodologia, gestão de dados, análise formal, investigação, redação do manuscrito original, revisão do manuscrito; CM: Conceptualização, metodologia, gestão de dados, análise formal, investigação, redação do manuscrito original, revisão do manuscrito; LC: Conceptualização, metodologia, gestão de dados, análise formal, investigação, redação do manuscrito original, revisão do manuscrito.