INTRODUÇÃO
Mais de 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos são perdidos e desperdiçados por ano em todo o mundo. Considera-se perda de alimentos desde a fase de produção à venda do produto e desperdício desde o local de venda ao consumidor final (1, 2).
O desperdício que é gerado acarreta consequências nefastas para a saúde da população, para o equilíbrio dos ecossistemas e do planeta no geral.
Esta situação tem vindo a agravar-se com o aumento populacional e consequente evolução da indústria alimentar, sendo emergente arranjar soluções e alertar as pessoas para que possam tomar melhores decisões (3 - 5). O papel das escolas neste contexto é cada vez mais reconhecido e estudado pela comunidade científica, sendo este local responsável por uma grande fatia do desperdício alimentar global. Assim, incluir temas de alimentação saudável e sustentável como parte integrante da educação dos futuros consumidores parece ser uma mais-valia para o bem-estar da população e do planeta (6, 7).
Este artigo tem como objetivo principal averiguar estratégias já implementadas e estudadas relativamente à mudança comportamental dos mais novos e, assim, compreender qual ou quais as mais eficazes na redução do desperdício alimentar em contexto escolar.
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada na base de dados PubMed entre abril e maio de 2022, utilizando os termos “school interventions”, “food waste”, “nutrition education” e “education stretagies” com o operador booleano “AND” e “OR”. Da pesquisa resultaram 261,857 artigos, dos quais 20 foram selecionados após a análise de títulos e resumos (Figura 1). De forma adicional, foram ainda incluídas 3 publicações com o intuito de complementar informação específica, através de meio de busca manual. Os artigos incluídos foram publicados entre 2014 e 2022 na língua inglesa e portuguesa e realizados em crianças e adolescentes em idade escolar. Os critérios de inclusão focaram-se em estudos realizados em indivíduos a frequentar o ensino escolar e artigos relacionados com o tema acima descrito. No que diz respeito aos critérios de exclusão, foram colocados de parte estudos realizados em animais e publicações que não estavam diretamente ligadas com a temática em estudo. A Tabela 1 sintetiza a metodologia utilizada e o processo de seleção dos artigos utilizados na revisão.
O que Leva os Jovens a Desperdiçar Alimentos?
Para a criação de estratégias eficazes na mudança de hábitos é necessário compreender os motivos que levam os jovens a desperdiçar alimentos em contexto escolar. A literatura científica aponta para as preferências alimentares, apetite, hora e duração das refeições, idade e autonomia do jovem e para o próprio ambiente do refeitório, como fatores que contribuem para o aumento do desperdício alimentar
(1, 6). Outras causas podem ser as características organoléticas da refeição, capitações, experiências sociais e a presença dos professores e auxiliares durante a refeição (2, 7). Por outro lado, a literacia alimentar e ambiental, um ambiente escolar dinâmico e cooperativo, projetos de âmbito escolar que integrem os alunos no combate ao desperdício alimentar e a capacitação dos alunos para tarefas práticas, como a capacidade de se alimentarem, parecem ser fatores que contribuem para a diminuição do desperdício alimentar em contexto escolar (1, 2).
Quais são as Consequências do Desperdício Alimentar?
Esta situação não levanta apenas questões ambientais como também sociais, económicas e nutricionais. Para que um alimento chegue ao prato do consumidor podem ser necessários vários recursos, tais como: terra, água, energia, fertilizantes, combustíveis fósseis, pesticidas, rações animais, recursos de armazenamento, processamento, transporte, venda e mão-de-obra (3, 10).
Inerente às etapas do sistema alimentar global está também a emissão de gases de efeito de estufa para a atmosfera. Etapas essas incluem a produção agrícola, pecuária e posteriormente o processamento dos alimentos e sua distribuição. Com a evolução da produção alimentar, esta libertação de químicos tornou-se uma das causas das alterações climáticas e do surgimento de várias doenças (3 - 5).
Tendo como exemplo, para produzir um quilo de carne bovina são necessários 326,21 m2 de solo e é libertado para a atmosfera cerca de 99,48 kg de dióxido de carbono (11). Assim, desperdiçar alimentos de uma refeição, representa desperdiçar recursos que muitas vezes são difíceis de obter e dispendiosos, além de contribuir de forma negativa para o meio ambiente e para a qualidade de vida da população no geral (4, 11, 12).
Do ponto de vista nutricional, vários estudos relacionam o desperdício de alimentos com o insuficiente aporte de vitaminas e minerais, sendo as frutas e hortícolas os alimentos mais rejeitados pelos jovens (3, 7, 12). A longo prazo, esta situação poderá comprometer o crescimento e desenvolvimento do indivíduo, o rendimento escolar e contribuir para o aparecimento de algumas patologias associadas a maus hábitos alimentares como obesidade e diabetes (4, 5).
O que Pode Ser Feito Para Reduzir o Desperdício?
A fase infantojuvenil é determinante na construção de identidade e na definição de padrões de comportamento relativamente ao estilo de vida. Segundo alguns autores, aplicar uma vertente pedagógica nas escolas abordando temas importantes como o da alimentação saudável e sustentável parece trazer benefícios na mudança comportamental das crianças e adolescentes. A consciencialização sobre o desperdício alimentar e os problemas que isso traz para a saúde e para o ambiente revelou uma melhoria na forma como os alunos encaram a refeição (5, 6, 13, 18).
Muitas vezes a transmissão de informação não é suficiente para alterar um comportamento desadequado, sendo necessário aplicar outras metodologias que possam complementar e motivar os jovens à mudança de hábitos de vida (5, 9).
Atualmente as estratégias de nudging são reconhecidas e valorizadas pela comunidade científica. Um nudge consiste num incentivo para que as pessoas possam tomar melhores decisões sem proibir outras opções. Este tipo de intervenção tem vindo a ser utilizado por vários profissionais de saúde e pode ser aplicado em vários contextos, nomeadamente nas escolas com o objetivo de alterar o comportamento alimentar dos alunos (8, 9, 17).
Um estudo publicado em 2022 prova o descrito anteriormente ao aplicar três abordagens diferentes: visual, através de cartazes ilustrativos; participativa, envolvendo funcionários da escola e educativa, por meio de palestras. As estratégias foram delineadas tendo em conta as causas identificadas para o desperdício nas escolas selecionadas, sendo estas o desconhecimento da ementa do dia, perceção irrealista do nível de apetite e a pouca autonomia para cortar alimentos de forma correta. Após a aplicação, os investigadores concluíram que as estratégias visuais e educativas são interessantes e funcionais na alteração de comportamento, no entanto podem não ser suficientes, podendo sofrer interpretações diferentes por parte dos alunos. Por outro lado, as estratégias do tipo participativo mostraram ser as mais eficazes, sendo que o nível de conhecimento relativamente ao correto corte e consumo de frutas foi maior quando ensinado pelos funcionários da cantina comparativamente aos cartazes educacionais colocados estrategicamente nos refeitórios escolares (7).
De facto, a forma como os alimentos são apresentados influencia bastante na forma como crianças e adolescentes se alimentam. Um estudo realizado em 2021 mostrou um aumento no consumo de frutas por parte dos jovens quando se apresentavam previamente cortadas e/ ou descascadas. Esta estratégia é interessante não só para o aumento do consumo de um alimento nutritivo como também para uma redução do desperdício alimentar (14, 19).
Outras estratégias que poderão complementar e ter impacto positivo neste sentido passam por cada aluno proceder à pesagem e registo diário do seu próprio desperdício; aulas de jardinagem e culinária; recorrer a recompensas para os alunos que desperdiçam menos alimentos; professores alimentarem-se no mesmo espaço e horário que os alunos; prolongar o tempo dos intervalos destinados para as refeições; maiores investimentos na contratação de chefes de cozinha e/ou na compra dos géneros alimentícios, reduzir as porções servidas; entre outras (10, 15, 17, 20).
Qual é o Papel dos Cuidadores, Professores e Auxiliares de Refeitório na Mudança de Comportamento Alimentar?
A aprendizagem dos jovens pode ser feita de forma formal através da transmissão de conhecimento ou informal com a influência dos cuidadores. Como referido anteriormente, as estratégias aplicadas nas escolas são mais eficazes quando existe participação dos auxiliares de refeitório e/ou professores nos projetos. No entanto, é necessário que estes elementos tenham interesse e literacia sobre os temas abordados para que as intervenções tenham sucesso (1, 15, 16). Assim sendo, seria pertinente fornecer formação aos profissionais envolvidos na educação dos alunos previamente à implementação destes projetos (18, 20).
O ambiente familiar e social também tem um papel imprescindível na modelagem da maioria dos comportamentos dos futuros adultos, não só nas escolhas alimentares, mas também na maneira de estar na hora da refeição. Um estudo mostra que pais e/ou membros da família que adquirem alimentos saudáveis e que seguem um estilo de vida adequado influenciam os mais novos a tomar escolhas semelhantes noutros contextos e o mesmo se aplicará à adoção de práticas sustentáveis (1, 15, 16).
ANÁLISE CRÍTICA
A escola desempenha um papel fulcral na educação da população e apesar de fornecer os conceitos básicos sobre o que é uma alimentação saudável e sustentável, não é suficiente para que os jovens consigam criar e manter padrões de vida adequados e alinhados com a proteção da saúde e do planeta. Apesar de ser o local onde os alunos passam grande parte do seu dia, o contexto social e familiar exerce uma maior influência nos comportamentos das crianças a longo prazo. Assim, conclui-se que o cenário ideal será a realização de ações comunitárias que envolvam os alunos e todos os membros envolvidos na sua educação, fornecendo ferramentas e incentivos que possam contribuir para a literacia de todos relativamente a estes temas e que facilitem a mudança comportamental. Estes programas devem ser acessíveis a todos sem qualquer tipo de limitação de tempo, dinheiro ou nível de qualidade e empenho (1, 15, 16).
A realização de estudos que testem a eficácia de intervenções neste sentido têm vindo a aumentar. No entanto, a maioria foca-se no aumento do consumo de hortofrutícolas e utilizam a medição do desperdício como método de avaliação. Esta revisão focou-se no inverso, ou seja, na redução do desperdício alimentar, podendo ser avaliado pelo aumento do consumo de alimentos, sendo esta uma limitação para a realização da revisão.
Outras limitações identificadas passam pelo tamanho reduzido das amostras, avaliações limitadas no tempo, empenho dos intervenientes e ausência de grupos de controlo. Mesmo nas intervenções de sucesso identificou-se uma desistência por parte dos participantes após a intervenção, principalmente a longo prazo, o que sugere a necessidade de encontrar uma forma de reforçar e tornar mais duradouros os conhecimentos transmitidos ao longo do ano letivo (1, 5, 13).
De qualquer modo, é possível influenciar a população na mudança comportamental, traduzindo-se na aquisição de condutas que protegem a saúde, o ambiente e a economia, tanto a nível individual como coletiva. Conclui-se então que existe um impacto positivo da educação alimentar na redução do desperdício alimentar em meio escolar, sendo que existem várias estratégias para o fazer. Expor a informação sobre o tema de forma diária, realizar atividades temáticas e o auxílio dos adultos na hora das refeições, parecem ser as estratégias mais eficazes para minimizar o desperdício de alimentos nas escolas. É sem dúvida um tema de interesse para a comunidade científica e para a população em geral, que se tem expandindo nos últimos anos e, por isso, será pertinente continuar a investir em novos estudos e projetos que possibilitem identificar mais estratégias com foco na redução do desperdício alimentar em meio escolar, bem como, a sua eficácia.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
RM: Contribuiu para a elaboração do artigo, através da realização da pesquisa, leitura e seleção da bibliografia obtida. Redigiu o manuscrito; RJ: Coordenou todas as etapas do artigo desde a sua conceptualização, efetuou a revisão e correção científica que deu origem à versão final do artigo.