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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.31 Porto dez. 2022  Epub 01-Ago-2023

https://doi.org/10.21011/apn.2022.3113 

Artigo de revisão

DIETA CETOGÉNICA E SAÚDE MENTAL - REVISÃO NARRATIVA

KETOGENIC DIET AND MENTAL HEALTH - A NARRATIVE REVIEW

Luísa Pereira1  * 

Nuno Matos2 

Rui Poínhos1 

1Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, n.º 823, 4150-180 Porto, Portugal

2Clube Recreativo Leões de Porto Salvo, Rua Basílio Teles, n.º 2 e n.º 4, 2740-025 Porto Salvo, Portugal


RESUMO

As perturbações mentais estão a tornar-se mais prevalentes a nível global, e existe evidência de que a nutrição é um fator crucial no que diz respeito à sua prevalência e incidência. As abordagens de tratamento mais utilizadas, a psicoterapia e a psicofarmacoterapia, nem sempre são acessíveis, toleráveis ou eficazes no alívio dos sintomas. As dietas cetogénicas, restritas em hidratos de carbono, moderadas em proteína e ricas em gordura, são há muito utilizadas no tratamento de epilepsia refratária e, mais recentemente, têm vindo a ser investigadas no âmbito de muitas outras condições metabólicas, neurodegenerativas e do neurodesenvolvimento. Este trabalho pretende rever a evidência existente relativamente à utilização das dietas cetogénicas na prevenção e tratamento de perturbações mentais. Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed e Scopus, de fevereiro a junho de 2022. Os estudos encontrados atribuem às dietas cetogénicas um efeito ansiolítico, antidepressivo, estabilizador do humor e antipsicótico, para além de reduções significativas na sintomatologia de várias outras perturbações, como autismo, ingestão compulsiva, hiperatividade e abuso de substâncias. Contudo, os estudos em humanos são escassos e de baixa qualidade. Em conclusão, a escassez de ensaios clínicos aleatorizados e controlados não permite traçar, neste momento, conclusões firmes sobre a eficácia das dietas cetogénicas nas perturbações mentais. No entanto, o seu carácter promissor justifica a realização de mais estudos.

PALAVRAS-CHAVE: Ansiedade; Cetose; Depressão; Dieta cetogénica; Perturbações mentais

ABSTRACT

Mental disorders are becoming more prevalent globally, and there is evidence that nutrition is a crucial factor regarding their prevalence and incidence. The most used treatment approaches, psychotherapy and psychopharmacotherapy, are not always accessible, tolerable, or effective in relieving symptoms. Ketogenic diets, restricted in carbohydrates, moderate in protein and high in fat, have long been used in the treatment of refractory epilepsy and, more recently, have been investigated in the context of many other metabolic,neurodegenerative, and neurodevelopmental conditions. This work aims to review the existing evidence regarding the use of ketogenic diets in the prevention and treatment of mental disorders. A literature search was carried out in PubMed and Scopus databases, from February to June 2022. The studies found attribute an anxiolytic, antidepressant, mood-stabilizing and antipsychotic effect to ketogenic diets, in addition to significant reductions in the symptoms of various other psychological disorders, such as autism, binge eating, hyperactivity and substance abuse. However, human studies are few and of low quality. In conclusion, the scarcity of randomized and controlled clinical trials does not allow, at the moment, to draw firm conclusions about the effectiveness of ketogenic diets in mental disorders. Nevertheless, the promising nature of these diets justifies further studies.

KEYWORDS: Anxiety; Ketosis; Depression; Ketogenic diet; Mental disorders

INTRODUÇÃO

Os avanços na medicina levaram a um aumento da esperança média de vida, e consequentemente a um envelhecimento da população, associado a várias doenças, incluindo distúrbios metabólicos e neurodegenerativos (1). Além disso, os hábitos alimentares modernos têm sido associados a um risco aumentado de desenvolvimento de doenças crónicas (2, 3).

Tem sido estudada a relação entre os distúrbios metabólicos e neurodegenerativos, e evidências recentes indicam que o controlo metabólico desempenha um papel determinante no aparecimento de defeitos neuronais (1). Assim, diferentes dietas para ajudar a controlar o peso, a glicemia ou a sensibilidade à insulina têm mostrado ser também eficazes a melhorar os distúrbios neurodegenerativos, atenuar os sintomas ou diminuir o risco de aparecimento de doenças (1).

As perturbações mentais estão a tornar-se mais prevalentes a nível global (4), existindo evidência de que a nutrição é um fator crucial no que diz respeito à sua prevalência e incidência (5). As abordagens de tratamento mais utilizadas nas perturbações mentais são a psicoterapia e a psicofarmacoterapia. Embora muitos doentes considerem estas terapias benéficas, existem bastantes relatos de que estas opções de tratamento não são acessíveis, toleráveis ou eficazes no alívio dos sintomas (6). Assim, faz sentido explorar abordagens terapêuticas adjuvantes ou alternativas.

No que diz respeito à saúde mental, as dietas cetogénicas (DC) são uma abordagem promissora (7). Estas dietas são restritas em hidratos de carbono (HC), ricas em gordura, e moderadas em proteína (8 - 19). A restrição da ingestão de HC induz o corpo a entrar num estado metabólico designado cetose, transformando ácidos gordos em corpos cetónicos (19 - 21), como o beta-hidroxibutirato (BHB), que serão utilizados como principal fonte de energia, em detrimento da glicose (7, 9, 10, 12 - 16, 19, 22, 23). Uma DC habitualmente inclui alimentos como carnes, pescado, ovos, alguns produtos lácteos (e.g. queijos), frutos oleaginosos, e frutas e hortícolas pobres em HC. Fontes de HC como cereais (arroz, trigo), leguminosas (feijão, grão), tubérculos (batata, mandioca) ou outros tubérculos amiláceos, a maior parte das frutas, açúcares/doces e leite são geralmente excluídos (10).

As DC foram inicialmente utilizadas como complemento ao tratamento farmacológico na epilepsia refratária (3, 7, 8, 13 - 20, 22, 24 - 35) e na Diabetes Mellitus (36), mas têm vindo a ser investigadas no âmbito de muitas outras condições, como excesso de peso (13, 25, 31, 37), adiposidade visceral (25, 37), controlo do apetite (25, 34, 37), enxaqueca (16, 23, 38), doenças cardiovasculares (14), cancro (14, 16, 23, 38), trauma cerebral (14), doença de Alzheimer (16, 23, 38), doença de Parkinson (16, 23, 38), esclerose lateral amiotrófica (16, 23, 38), mitocondriopatias (16, 23, 38) e várias perturbações mentais (5, 7, 13, 14, 20).

A pertinência da investigação de modalidades interventivas focadas na alimentação e nutrição, para patologias cuja etiologia está associada a disfunções metabólicas, é inequívoca. Sabendo-se que os regimes alimentares são modificáveis, e que têm um papel fundamental na prevenção de perturbações mentais, fará sentido que cada vez mais sejam ponderadas modalidades de terapêutica que os considerem. Este trabalho pretende rever a evidência existente em humanos relativamente à utilização das DC na prevenção e tratamento de perturbações mentais.

METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed e Scopus, de fevereiro a junho de 2022, utilizando combinações dos termos: “ketogenic diet”, “keto diet”, “mental health”, “psychiatric disorders”, “mental disorders”, “mood disorders”, “depression”, “bipolar”, “anxiety”, “autism”, “schizophrenia”, “eating disorders”, “anorexia”, “bulimia”, “binge eating” e “hyperactivity”. Além dos artigos selecionados na pesquisa, com base na análise do título e do resumo, e a disponibilidade do texto integral, foram mais tarde considerados alguns trabalhos neles referidos. Não foi considerado um limite temporal de publicação, e não foram incluídos estudos realizados em modelos animais.

Perturbações Mentais e Dietas Cetogénicas

Perturbações de Ansiedade

As Perturbações de Ansiedade (PA) são as perturbações psiquiátricas mais prevalentes, sendo que estudos epidemiológicos indicam que um terço da população é acometido por uma PA ao longo da vida. Estas perturbações estão associadas a um grau considerável de comprometimento, frequente utilização de serviços de saúde e uma elevada carga económica para a sociedade (35, 39). Não existem ainda estudos que avaliem a utilidade da DC nas PA.

Perturbação Depressiva Major

A Perturbação Depressiva Major (PDM) é uma das condições mentais mais comuns, afetando cerca de 16% da população mundial e estando associada a elevado risco de suicídio (40). É caracterizada por sintomas como humor negativo, disfunção social, desespero, anedonia e desmotivação (41). Os tratamentos de primeira linha são os fármacos antidepressivos (42), muitas vezes pouco eficazes e com extensos efeitos colaterais (14, 43).

Um ensaio clínico aleatorizado em crianças e adolescentes com epilepsia investigou o impacto da DC no estado de humor, tendo sido observados níveis mais baixos de comportamentos depressivos no grupo em DC (44). Em 2007, um estudo realizado em 120 indivíduos (45) já tinha verificado que uma DC originou pontuações significativamente melhores no afeto negativo (45). Um estudo observacional avaliou o impacto da DC no humor de 15 doentes com epilepsia, tendo encontrado, segundo os autores, melhorias consideráveis, mas não significativas (46). Em 2019, foi reportada uma normalização dos marcadores de depressão, para além da reversão da diabetes, no caso de uma mulher com histórico de Diabetes Mellitus tipo 2 e PDM persistente (47). Numa recente análise retrospetiva (48), após implementação de uma DC, verificou-se uma redução significativa da sintomatologia depressiva em todos os doentes com PDM refratária, para além de uma redução na medicação em cinco dos seis doentes (48).

Perturbação Bipolar

A Perturbação Bipolar (PB) é caracterizada por episódios de mania e depressão, e tem uma prevalência de cerca de 1% (41). Encontra-se frequentemente associada a um funcionamento prejudicado em várias áreas da vida, a um aumento da incapacidade e morbilidade (49), e a uma redução da esperança de vida (50). Encontra-se igualmente associada a obesidade, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares e distúrbios endócrinos (51). A PB é frequentemente difícil de tratar e geralmente são necessários vários fármacos (29), muitos dos quais podem contribuir para aumento de peso e síndrome metabólica (52). Em 2013, foram reportados os casos de duas doentes que alcançaram e mantiveram cetose durante dois anos (29): ambas descontinuaram a medicação de estabilização do humor, e mantiveram a estabilidade com a DC como única intervenção (29). Yaroslavsky e colegas (53) tinham anteriormente reportado o caso de uma mulher com PB refratária em DC: apesar da boa adesão à dieta, a doente não alcançou a cetose nem os benefícios esperados (53). Os relatos encontrados num estudo analítico observacional de fóruns online sobre os efeitos de intervenções dietéticas no humor de pessoas com PB, suportam a hipótese do benefício da DC na estabilização do humor (54). Mais recentemente, uma análise retrospetiva já referida (48), revelou uma redução de sintomatologia significativa em todos os doentes com PB refratária, assim como uma redução da medicação em mais de metade (48).

Perturbações do Espectro da Esquizofrenia

A esquizofrenia é uma perturbação psiquiátrica crónica, caracterizada por sintomas positivos, negativos e cognitivos (14), cuja prevalência ronda 1% (41). A perturbação esquizoafetiva, do mesmo espectro, reúne características típicas de esquizofrenia e de perturbação do humor (41). O tratamento atual das Perturbações do Espectro da Esquizofrenia (PEE) é essencialmente farmacológico, mas os fármacos antipsicóticos são apenas parcialmente eficazes para sintomas positivos e têm efeitos colaterais consideráveis, como síndrome metabólica e complicações cardiovasculares (14).

Um pequeno ensaio clínico de 1965 investigou o efeito da DC em doentes com esquizofrenia crónica grave e refratária, tendo verificado uma diminuição significativa dos sintomas (17). Outros dois estudos reportaram os casos de dois indivíduos com perturbação esquizoafetiva resistente ao tratamento (22) e dois indivíduos com esquizofrenia crónica (55), tendo observado melhorias na sintomatologia (22) ou remissão completa de sintomas psicóticos (55). Noutro estudo, uma doente com esquizofrenia crónica refratária iniciou uma DC, e após 26 dias reportou já não ter alucinações (56). Um outro estudo investigou os efeitos da DC em dois gémeos: ambos melhoraram na escala de sintomas positivos e negativos, assim como na psicopatologia geral (57). O estudo de Danan, em 2022 (48), contemplou também 10 doentes com perturbação esquizoafetiva, tendo verificado uma melhoria na sintomatologia de todos os doentes e uma redução na medicação em mais de metade (48).

Anorexia Nervosa

A Anorexia Nervosa (AN) é um distúrbio grave caracterizado por auto-inanição, hiperatividade e imagem corporal distorcida (41), com habitual início na puberdade, e mais comum em mulheres. É uma perturbação difícil de tratar, e frequentemente marcada por recaídas. Além disso, tem a maior mortalidade de qualquer perturbação mental (18) devido a complicações médicas e suicídio (58).

Um estudo reportou um caso de AN grave e crónica, tratado com sucesso após adoção de DC durante três meses, seguida de infusões intravenosas de quetamina (58).

Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva

A prevalência da Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva (PIAC) ao longo da vida é de 2 a 3,5%, nos EUA (19). Caracteriza-se por episódios recorrentes e persistentes de compulsão alimentar sem comportamentos compensatórios regulares, e sintomas físicos e psicológicos associados aos episódios de compulsão, como aumento do sofrimento associado (41). Está também associada a um aumento de risco de obesidade e disfunção metabólica (19, 59).

Um estudo reportou que três doentes com ingestão compulsiva, após iniciarem DC, relataram reduções significativas nos episódios de compulsão alimentar e nos sintomas de dependência alimentar, incluindo desejos e falta de controlo (60). Similarmente, em 2021, Rostanzo e colegas (31) procuraram, através de uma DC, reduzir os sintomas de compulsão e dependência alimentar em cinco mulheres, tendo verificado melhoria da sintomatologia em todas as doentes (31).

Perturbações Aditivas - Perturbação de Uso de Álcool

O consumo crónico de álcool está associado a défices cognitivos, e a estrutura e função cerebrais alteradas, sendo a proporção de mortalidade global atribuível ao álcool de 5% (34). A Perturbação de Uso de Álcool (PUA) é uma perturbação cerebral crónica e recorrente, em que a abstinência envolve sintomas como disforia, tremores, inquietação e insónia e que pode ser neurotóxica e fatal (34).

Num estudo, em 20 indivíduos obesos, uma DC muito baixa em energia levou à redução do desejo por comida e álcool (61). Em 2021, Wiers e colegas (34) estudaram 33 doentes que procuravam tratamento para PUA, e observaram, no grupo da DC, uma diminuição significativa na necessidade de benzodiazepinas para gerir a abstinência, uma redução geral das pontuações de sintomas relativos à abstinência, e uma redução do desejo por álcool aquando da exposição a estímulos (34).

Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção

A Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA) é a perturbação psiquiátrica infantil mais comum (14,62), com uma prevalência de 3 a 5% (4); contudo, afeta também adolescentes e adultos (4, 41). Os sintomas incluem desatenção, impulsividade e hiperatividade (41). O tratamento atual inclui psicoestimulantes, com uma variedade de efeitos colaterais (14, 28, 62).

Num estudo em 11 doentes com epilepsia, após implementação de DC verificaram-se melhorias na atenção e no comportamento (63). Em 2001, outro estudo investigou o efeito de uma DC no comportamento e desenvolvimento em crianças com convulsões graves. Para além de uma redução das convulsões, verificaram-se melhorias no funcionamento motor, cognição, habilidades de autoajuda, atenção e habilidades sociais, após adoção da dieta (64).

Perturbação do Espectro do Autismo

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é caracterizada por interações sociais anormais, défices de comunicação e comportamentos estereotipados ou repetitivos, com uma prevalência próxima de 1% (41). As opções de tratamento atuais, habitualmente infrutíferas (32), passam por intervenções educativas ou fármacos antipsicóticos, não existindo medicação específica para défices sociais ou comportamentos repetitivos (14).

Num estudo piloto, verificou-se uma redução significativa de sintomatologia em 30 crianças com PEA após adoção de DC (65). Um pequeno ensaio clínico, em 2018, obteve resultados semelhantes (66). Em 2017, num estudo caso-controlo, a DC mostrou ser superior a outras dietas na melhoria dos resultados das escalas de avaliação de autismo (67). Consistentemente, dois estudos de caso verificaram melhorias acentuadas em casos de PEA, após adoção de DC (68, 69).

ANÁLISE CRÍTICA

Nem todos os mecanismos dos efeitos benéficos das DC nestas patologias são claros, mas supõe-se estarem relacionados com a melhoria do metabolismo energético (7, 11, 14, 16, 25), a redução do stresse oxidativo (7, 11, 14, 16, 55, 70, 71), a redução de processos imunológicos/inflamatórios (7, 11, 14, 16, 55, 70, 71), a modulação dos níveis de neurotransmissores (7, 16, 19, 55, 70, 71), a modulação da função mitocondrial (19, 55, 70 - 72), a modulação do microbioma (35), a estabilização da glicemia (19), a redução da insulina circulante e/ou melhoria da sua sinalização (13), a melhoria da sinalização apetite-saciedade (19), entre outros.

A DC está associada ao aumento da razão entre o ácido gama- aminobutírico (GABA) e o glutamato, o que pode contribuir para as suas propriedades antiepiléticas (73). Quanto menos glutamato for convertido em aspartato, mais estará disponível para a síntese de GABA, elevando os níveis extracelulares de GABA e diminuindo os níveis de neurotransmissores excitatórios, originando uma diminuição da hiperexcitabilidade (3, 30). Este é um dos possíveis mecanismos envolvidos na melhoria da sintomatologia (35). Outro mecanismo prende-se com a inibição da via da glicólise no cérebro, passando os corpos cetónicos a ser a principal fonte de energia do sistema nervoso central (35). Além disso, a DC pode aumentar a biogénese mitocondrial e a resistência celular ao stresse oxidativo, tanto a nível mitocondrial quanto genético (30). Os efeitos anti-inflamatórios da DC parecem ser mediados pela diminuição dos níveis de quimiocinas e citocinas, incluindo os níveis de TNF-alfa e Interleucina-1 (30).

Na PDM, a utilidade da DC poderá dever-se ao facto de a principal fonte de GABA ser o ciclo glutamato-glutamina, adequado neste tipo de dieta (35). Os escassos estudos encontrados indicam melhorias da sintomatologia tanto em doentes com epilepsia (44, 46) quanto em indivíduos saudáveis (45). No estudo de Lambrechts (46), as melhorias não foram significativas, provavelmente por não terem sido atingidos elevados níveis de cetose.

Relativamente à PB, no estudo de 2002, os benefícios esperados não foram alcançados provavelmente por não ter sido atingida a cetose (53). O estudo de Campbell (54), apesar de analítico observacional, permitiu analisar relatos subjetivos de pessoas com PB, reforçando a hipótese do benefício da DC.

Investigações recentes sugerem que alterações na tolerância à glicose e resistência à insulina podem desempenhar um papel importante na etiologia das PEE (22, 55, 74, 75). Nestas perturbações, para além de um ensaio clínico, com uma amostra muito pequena (17), e alguns estudos de caso (22, 55 - 57), encontra-se uma recente análise retrospetiva com resultados muito promissores (48).

Na AN, no estudo que reportou um tratamento bem-sucedido após adoção de DC (58), a intervenção foi seguida de infusões de quetamina. No entanto, muitos dos resultados surgiram antes da introdução da desta substância. Além disso, posteriormente, a doente manteve a DC sem injeções, e permaneceu assintomática (58). Dada a similaridade com a Bulimia Nervosa, fará sentido equacionar que essa possa ser influenciada pela DC da mesma forma que a AN.

Sendo a PIAC recente nos manuais de diagnóstico de referência, os estudos escasseiam. Ainda assim, os encontrados reportaram reduções significativas da sintomatologia (31, 60). Além disso, considerando que esta perturbação aumenta o risco de problemas metabólicos (19, 59), é importante referir que ambos reportaram perda de peso significativa. No entanto, as amostras destes estudos eram reduzidas.

Relativamente à PUA, os dois estudos encontrados verificaram uma redução dos sintomas (34, 61). Porém, um dos estudos utilizou uma DC muito baixa em energia, não permitindo perceber se o efeito se deveu à DC ou à restrição energética e consequente perda de peso, aumento de bem-estar e melhoria da qualidade de vida (61). No outro estudo observou-se uma diminuição da necessidade de benzodiazepinas para gerir a abstinência, relevante considerando os efeitos secundários destes fármacos (34). Seria interessante investigar o efeito das DC noutras dependências.

Apenas existem estudos de PHDA em indivíduos com epilepsia, dada a frequência com que apresentam estes sintomas (63, 64). Nestes, verificaram-se melhorias após adoção da DC, que parecem não estar relacionadas com o controlo das convulsões (63). Ainda assim, faria sentido estudar o efeito da DC na PHDA sem epilepsia comórbida. Dois relatos de caso reportaram melhorias da sintomatologia em PEA severa (68) e em PHDA comórbida a PEA (69), e três outros estudos mostraram resultados semelhantes (65, 67, 76). Dada a dificuldade em tratar a PEA, estes resultados são promissores. Porém, é importante sublinhar que todos estes estudos foram realizados em crianças, podendo não se observar os mesmos efeitos em adultos.

Uma das principais preocupações com a DC é que a ingestão de HC é habitualmente substituída por produtos de origem animal ricos em gordura saturada (77). Assim, poderá existir preocupação com o potencial de a DC aumentar os níveis de lípidos no sangue e o risco cardiovascular, com alguns estudos a reportar impacto negativo (3, 78, 79). Contudo, vários mostraram que dietas restritas em HC podem reduzir os níveis de colesterol total (23, 77, 80), C-LDL (3, 26, 37, 81 - 83), triglicerídeos (23, 77, 80, 81), e aumentar o C-HDL (3, 14, 23, 25, 26, 77, 80, 83), assim como reduzir o peso corporal (3,26,37,82,83), a glicemia (3, 23, 26, 37, 81 - 83) e a insulina circulantes (3, 23, 26, 37, 82, 83). Apesar dos potenciais efeitos no metabolismo ósseo, um estudo não reportou efeitos negativos relevantes após cinco anos de adesão à DC (84).

Existe ainda algum debate acerca da segurança da restrição de HC a longo prazo (27). Todavia, as DC são geralmente consideradas seguras, e a maioria dos efeitos colaterais (10, 25, 48, 85) é transitória e pode ser prevenida ou tratada com medidas simples (25, 48), não se comparando às complicações resultantes dos fármacos utilizados em algumas condições neuropsiquiátricas (10). Ainda assim, em raras ocasiões, a cetoacidose, uma condição potencialmente fatal, pode ser um evento adverso de uma dieta pobre em HC (86, 87). Além disso, devido ao consumo limitado de alguns grupos alimentares, são atualmente recomendados suplementos multivitamínicos e minerais, acompanhamento profissional e monitorização laboratorial (11, 88). A adesão é um dos maiores obstáculos à implementação de uma DC (25, 27, 29, 31, 88). Para alcançar resultados é importante que a cetose seja mantida, o que exige um cumprimento rigoroso, para o qual a disponibilidade ubíqua de HC e as normas sociais e culturais são grandes barreiras. No estudo de Danan (2022), verificou-se elevada adesão à dieta. No entanto, este estudo foi realizado num contexto hospitalar. Ainda assim, após a hospitalização cerca de metade dos doentes reportou continuar a aderir à DC (48).

Outra limitação observada nestes estudos prende-se com as diferentes composições das DC, nomeadamente em termos de macronutrientes e alimentos incluídos (frequentemente não explicitados). Na adoção de uma dieta como a DC é importante considerar a origem e a qualidade dos macronutrientes e alimentos e o seu impacto na composição e função da microbiota intestinal (20).

Em vários dos estudos apresentados, a cetose não foi alcançada através de DC, mas sim através de suplementação de cetonas exógenas. Embora esta possa ser uma alternativa, em casos de difícil adesão à dieta, mostra que nem sempre é feita uma distinção clara entre dietas cetogénicas e dietas hipoglucídicas. Ademais, é imprudente supor que as cetonas exógenas produzirão efeitos idênticos à DC em todos os contextos (89). Por exemplo, em alguns casos, parte do benefício observado poderá dever-se à restrição de alimentos ultraprocessados inflamatórios, e não apenas à cetose (19).

CONCLUSÕES

Após revisão do atual estado da arte, verifica-se que a maioria dos estudos realizados é de baixa qualidade, tem amostras pequenas e as intervenções são de curta duração. Para além disso, a escassez de ensaios clínicos aleatorizados e controlados não permite que se possa, neste momento, traçar uma conclusão firme sobre a eficácia da DC nas diferentes perturbações mentais. No entanto, os estudos encontrados indicam que, no âmbito da saúde mental, as modificações da dieta são uma ferramenta subutilizada, e que, dado o carácter promissor das DC nestas patologias, os seus potenciais benefícios, a eficácia comparável às intervenções farmacológicas e a relativa segurança com que têm sido utilizadas no último século, se justificam mais estudos, nestas e noutras perturbações, para uma mais eficaz atuação na área da saúde mental.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

LP, NM e RP: Definiram a metodologia; LP: Realizou a pesquisa, sistematizou a informação e redigiu a primeira versão do artigo. Todas/os as/os autoras/es contribuíram para e aprovaram a versão final do artigo.

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Recebido: 04 de Agosto de 2022; Aceito: 17 de Novembro de 2022

*Endereço para correspondência: Luísa Pereira Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, n.º 823, 4150-180 Porto, Portugal luisa.correia.pereira@outlook. com

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