INTRODUÇÃO
O termo “dieta vegetariana” define um regime alimentar caraterizado pela ausência de vários produtos animais, com ausência de carne e pescado, sendo que a sua definição encerra várias possibilidades e subtipos. Na perspetiva alimentar, o tipo ovo-lactovegetariano exclui a carne e o peixe, mas inclui ovos e leite; o tipo lactovegetariano, exclui a carne, o peixe e os ovos, mas consome lacticínios e, por último, no tipo vegan ou vegetariano estrito, há exclusão de todos os produtos de origem animal (carne, peixe, ovos, leite e derivados e mel) (1 - 7). A Academy of Nutrition and Dietetics e a Direção-Geral da Saúde (DGS) defendem que uma dieta vegetariana, nutricionalmente adequada, pode ser adotada em todas as fases do ciclo de vida, bem como em situações particulares de necessidades específicas, como é o caso de um atleta, ou de um praticante de exercício físico regular e intenso (8 - 16). Paralelamente, segundo a Organização Mundial da Saúde, uma ingestão proteica adequada representa 10-15% do valor energético total (VET), sendo que a média de ingestão de proteína em Portugal é de 19,3% VET, muito acima do recomendado. Menos de um quarto da população portuguesa demonstra uma ingestão proteica adequada (17).
A dieta e o exercício físico são essenciais para a promoção de saúde, da melhoria da composição corporal e da maximização do rendimento em atletas (18-19). De facto, está bem demonstrada a associação entre a percentagem de massa muscular, e a força muscular, no rendimento do atleta. A combinação de uma ingestão proteica adequada (1,6-2,2 g/kg/ dia) e o treino de força parecem ser, atualmente, a estratégia mais eficiente para sustentar a hipertrofia e o aumento da força muscular (20 - 22). É importante realçar que a hipertrofia ocorre em condições de taxa de síntese superior à taxa de degradação proteica muscular, sendo que o processo de síntese proteica muscular é estimulado pela via mTOR (mammalian target of rapamycin) (23). Paralelamente, para o processo de hipertrofia, a quantidade e o tipo de adaptações musculares dependem de alguns fatores, tais como, a intensidade e o tipo de treino, o género, a componente genética e o estado nutricional (22). Estes processos despendem de muita energia e, por essa razão, é importante ter atenção as necessidades energéticas dos atletas (24). No que diz respeito à ingestão proteica, salienta-se a importância não só da quantidade, mas também da qualidade proteica e o valor biológico da mesma (7, 25-26).
A ingestão proteica numa dieta vegetariana (e vegana) tem sido central na discussão da eficácia da proteína vegetal em indivíduos atletas, dado que a ingestão proteica neste padrão alimentar é, tradicionalmente, inferior em quantidade e em valor biológico, comparativamente ao padrão alimentar omnívoro (26, 27). De facto, historicamente, a proteína da carne e dos produtos animais tem sido considerada como basilar na dieta do atleta, o que pode promover alguma resistência à adoção de padrões alimentares mais centrados em alimentos de origem vegetal. É importante referir, que num plano alimentar bem planeado e adequado às necessidades do atleta, ou não atleta, estão minimizados os riscos de situações conducentes a deficiência nutricional (3, 9, 15). Ainda assim, a ocorrer deficiências, as mais comuns em atletas, e não atletas, vegetarianos serão em ferro, zinco, cálcio, vitamina D e vitamina B12 (28-29). No individuo atleta acresce ainda a questão proteica e seu impacto na síntese de tecido muscular e sua performance. Por estes motivos a Academy of Nutrition and Dietetics recomenda que os vegetarianos variem as suas fontes proteicas de forma a atingir a recomendação de aminoácidos essenciais, bem como de outros nutrientes, o que pode gerar ainda alguma controvérsia (30).
Muito embora a literatura científica seja consensual quanto ao impacto benéfico que a dieta vegetariana aporta ao individuo como um instrumento promotor de saúde e preventivo de doenças crónicas, muito pouco tem sido demonstrado relativamente ao efeito da dieta vegetariana no ganho de massa muscular e performance do atleta, especialmente no atleta de alto rendimento. Não foi, para já, inteiramente elucidado o impacto que modelos alimentares vegetarianos exercem nos mecanismos da hipertrofia muscular e performance do atleta (15, 22). Assim, esta revisão sistemática teve como objetivo aumentar o conhecimento e o entendimento sobre o efeito da dieta vegetariana no aumento da massa muscular, da força muscular, e da performance do atleta.
METODOLOGIA
Esta revisão sistemática foi realizada entre outubro de 2021 e dezembro de 2021. A pesquisa incluiu apenas artigos originais, em língua inglesa, e incluiu as seguintes MeSH words: Vegetarian diet; Athlete; exercise; nutrition. Foram encontrados 99 artigos originais entre 2012 e 2022 nas plataformas Sciencedirect e PubMed. Foram excluídos 88 artigos por não corresponderem aos critérios de busca propostos (ex.: revisões de literatura, meta-análise, duplicações) e/ ou não estarem relacionados com a relação da dieta vegetariana e o aumento de força e massa muscular. Apenas foram considerados artigos dos últimos 10 anos (2012-2022), perfazendo um total de 11 artigos incluídos.
Hipertrofia Muscular e Aumento da Força Muscular
O aumento de massa muscular, conhecido como hipertrofia muscular, fundamental para o desenvolvimento de força, é resultado de alterações no sistema musculoesquelético e de adaptações neurológicas em resposta ao stress fisiológico, na sequência de treino de força. A hipertrofia inclui processos muito dispendiosos (geração de tecido, ajustes metabólicos) do ponto de vista energético, justificando uma especial atenção às necessidades energéticas totais, para além das necessidades proteicas (31). De facto, um aumento energético resulta num estímulo anabólico muscular, sendo que estes aspetos influenciam o desenvolvimento de massa muscular e, consequentemente, determinantes para a manutenção da performance e da saúde, em geral (32).
Tal como referido anteriormente, o treino de força despoleta uma série de reações que resultam na ativação da via mTOR, contribuindo para o aumento da síntese proteica muscular e do apetite (31). No entanto, caso a ingestão proteica não seja adequada, o aumento de massa magra poderá estar condicionado (33). Assim, torna-se mandatório uma ingestão proteica suficiente, na ordem das 1,6 a 2,2 g/kg/dia, que em conjunto com o treino de força, promova o aumento de massa muscular, de função e de força (32-33).
Por outro lado, num treino do tipo endurance, o desempenho está fortemente associado ao número de mitocôndrias do músculo esquelético, à densidade capilar, à concentração da hemoglobina, à função endotelial, ao funcionamento cardiovascular, e ainda à ingestão de hidratos de carbono. De realçar que a dieta vegetariana fornece, em geral, um aporte em hidratos de carbono complexos mais significativo, pelo que os atletas vegetarianos poderão apresentar algum grau de vantagem na performance de endurance relativamente aos atletas omnívoros (34-35). Apesar das limitações na digestibilidade proteica dos alimentos vegetais, pois esta varia conforme o alimento (ex.: proteína de soja e glúten >95%, cereais e leguminosas 80-90%), e do menor teor em aminoácidos essenciais (leucina, lisina, treonina, triptofano e metionina) comparativamente à proteína de origem animal, a evidência aponta no sentido de que uma dieta vegetariana, quando bem implementada, tem potencial para promover o aumento da massa muscular e da força, sendo, por isso, adequada para atletas (36).
Aspetos Nutricionais
Valor e Qualidade da Proteina
A proteína é um nutriente essencial a) nas adaptações ao treino, b) no desenvolvimento do músculo, c) no crescimento e na reparação celular, d) na transmissão de impulso nervoso e, e) na função imunitária. A importância da sua ingestão vai muito para além da quantidade de proteína ingerida, sendo por essa razão crucial ter em consideração a sua qualidade no que concerne ao teor em aminoácidos essenciais e às questões relacionadas com digestibilidade e biodisponibilidade. Apesar do modelo vegetariano (e o vegetariano estrito) prever, em geral, menor quantidade de proteína do que em indivíduos omnívoros, tal não significa que as quantidades ingeridas sejam insuficientes, corroborado pelo elevado consumo de proteína descrito anteriormente. Acresce ainda que, mesmo no caso dos vegetarianos estritos, a percentagem de indivíduos com défice proteico, é baixa, tendo em conta que as necessidades proteicas diárias recomendadas para a população em geral (0,8 g/kg/dia) e, em especial, de aminoácidos essenciais, são satisfeitas, mesmo em atletas (35-36). No entanto, os atletas e praticantes de exercício físico necessitam de maior aporte proteico, sendo a recomendação 1,6-2,2 g/kg/dia (35-36). Se o exercício for acompanhado por uma perda de peso, então a ingestão proteica deve ser ainda mais significativa, chegando a valores de 1,8- 2,7 g/kg/dia (36 - 38).
Tal referido anteriormente, as proteínas de origem vegetal, têm uma menor digestibilidade. A leucina, por exemplo, que é um aminoácido fundamental para o estímulo do anabolismo proteico e, consequentemente, para o aumento de massa muscular. Um estudo avaliou os efeitos da fonte alimentar de proteína (animal ou vegetal) nas adaptações induzidas pelo treino de força. Concluiu-se que uma dieta que garanta uma ingestão de 1,6 g/kg/dia de proteína, seja esta de origem vegetal (alimentos de origem vegetal + suplementação de proteína de soja isolada) ou proveniente de uma dieta omnívora (com suplementação de whey) despoleta semelhantes adaptações ao treino de força, em homens que não treinam regularmente (33). A fonte proteica (animal ou vegetal) não parece, deste modo, ser decisiva na construção de músculo, na força muscular, nem mesmo na capacidade de endurance de vegetarianos estritos (33, 35).
A leucina, um aminoácido essencial de cadeia ramificada (BCAAs), por ativação da via mTOR, parece ser determinante na promoção da síntese muscular, independentemente da fonte alimentar da mesma ser vegetal ou animal. Deste modo, leucina de fontes vegetais permitem aumentos significativos da massa magra e da força muscular (34). No entanto, para garantir a dose de leucina a partir de fontes proteicas de origem vegetal é necessária uma quantidade maior de proteína vegetal, comparativamente à de origem animal, como é o caso da whey, uma vez que as proteínas de origem vegetal têm menor teor de leucina (33). Adicionalmente, para além da soja, existem outras proteínas de base vegetal com efeitos benéficos no músculo, tais como a proteína de arroz e a proteína de ervilha (37, 39).
Um outro estudo, feito com mulheres saudáveis e fisicamente ativas, avaliou medidas antropométricas, composição corporal, volume máximo de oxigénio consumido (VO2 max), teste de endurance submáximo (70% VO2 max), força muscular e componente nutricional, comparando a dieta vegan com a dieta omnívora. Os resultados para todos estes parâmetros foram semelhantes entre os dois grupos (dieta vegan e dieta omnívora), com exceção do volume máximo de oxigénio consumido (VO2 max) e do teste de endurance submáximo (70% VO2 max). O grupo da dieta vegan apresentou valores significativamente mais altos de VO2 max e tempo de resistência submáxima até à exaustão (44,5 ± 5,2 vs. 41,6 ± 4,6 ml/kg/min; p = 0,03, respetivamente), quando comparado com o grupo da dieta omnívora (35).
A dieta vegetariana rica em alimentos proteicos, tais como leguminosas, frutos gordos e sementes, permite satisfazer, de forma adequada, a recomendação diária de proteína, quer para a população em geral, quer para a população praticante de desporto. Adicionalmente, esta dieta não parece ser prejudicial a ganho e manutenção de força muscular e endurance em jovens saudáveis, contrariando e desconstruindo mitos e crenças sem fundamento científico.
É importante ressalvar, que se estes alimentos forem consumidos em pequena quantidade, o défice proteico pode existir, pelo que a variedade, diversidade e acompanhamento nutricional assumem um papel crucial no garante de ingestão de todos os aminoácidos essenciais em quantidade suficiente.
A dieta omnívora permite, facilmente, atingir um aporte proteico adequado. No entanto, algumas das fontes alimentares de proteína animal, que variam entre os produtos cárneos, marisco e o pescado, apresentam níveis elevados de ácidos gordos saturados e trans, bem como de colesterol, associados a um bem documentado impacto negativo na saúde (40). Esta associação tem, de certa forma, justificado uma maior procura por produtos proteicos de origem vegetal, por parte de uma população cada vez mais bem informada sobre os benefícios da proteína vegetal na saúde, e na performance muscular, nomeadamente, a) a manutenção do peso, b) metabolismo e c) envelhecimento saudável (32).
De salientar, que num estudo multicêntrico desenhado para estudar o efeito da proteína com origem vegetal ou animal, combinada com a prática de exercício físico (intenso ou moderado) nos fatores de risco metabólicos em adultos com excesso de peso e pré-diabéticos, conclui que a adesão a dieta plant-based melhorou significativamente o controlo de peso e consequentemente o controlo metabólico (32).
Fatores Importantes a ter em Conta numa Alimentação Vegetariana Adequada que Potenciem e Sustentem o Aumento de Massa Muscular e Força
Alguns aspetos nutricionais que merecem especial atenção neste padrão alimentar, para além da proteína, são os micronutrientes: ferro, zinco, cálcio, vitamina D e vitamina B12, amplamente envolvidos em processos de desenvolvimento muscular e performance. Qualquer que seja o padrão alimentar praticado, se não for equilibrado, está em risco de promover deficiências nutricionais e de não ir ao encontro das recomendações de vitaminas, tais como a vitamina B12, e minerais, tais como o ferro, zinco e cálcio, necessárias para a hipertrofia muscular (31).
Interessa referir que os alimentos de origem vegetal contêm inibidores dietéticos e nutricionais (polifenóis, taninos e fitatos) que podem diminuir significativamente a biodisponibilidade de minerais e oligoelementos, pelo que nalguns casos as recomendações diárias de alguns micronutrientes podem ser superiores em vegetarianos comparativamente a não-vegetarianos.
Adicionalmente, um estudo conduzido na região do Sul da índia, conclui que preparadores físicos e treinadores, muito embora reconheçam a importância da nutrição na prática desportiva, valorizam, essencialmente, a quantidade proteica diária, como elemento determinante na performance. Deste modo, o aconselhamento nutricional, especialmente entre os atletas mais jovens, parece ser crucial na evitação de erros alimentares (41).
ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
A adesão ao padrão alimentar vegetariano tem aumentado nos últimos anos, desencadeando um maior número de estudos e, particularmente, de coortes com o objetivo de conhecer, em maior detalhe, o efeito da dieta vegetariana no ganho de massa muscular e na performance desportiva. Este regime alimentar, quando bem planeado, oferece qualidade nutricional significativa, dada a presença de vegetais, fruta, cereais integrais, leguminosas, frutos oleaginosos e sementes na alimentação, que se traduz na promoção do aumento de massa muscular e força, sendo, por isso, adequada para atletas. Sendo a proteína essencial para as adaptações ao treino e desenvolvimento muscular, tem sido um nutriente central na discussão da adequação de padrões alimentares vegetarianos à prática desportiva. É crucial ter em consideração a quantidade de proteína ingerida, bem como a qualidade da mesma, promovendo uma ingestão significativa de aminoácidos essenciais, com especial interesse na leucina. Acresce que a fonte de proteína, vegetal ou animal, não parece ser crucial nos resultados de hipertrofia muscular. Alguns outros aspetos nutricionais, tais como garantir a adequação da ingestão de certos micronutrientes (ferro, zinco, cálcio, vitamina D e vitamina B12) merecem especial atenção neste padrão alimentar, uma vez que estão potencialmente deficitários nos alimentos de origem vegetal, e estão, também, envolvidos em processos de desenvolvimento muscular e da performance desportiva.
A evidência científica mais recente sugere que dietas vegetarianas podem ser opções seguras e adequadas à prática desportiva dos atletas, e à promoção do aumento da força, da resistência e da manutenção de performance ao mesmo tempo que contribuem para o bem-estar ambiental, e os reconhecidos benefícios para a saúde. Apesar do interesse crescente nos modelos alimentares vegetarianos e mais sustentáveis, mais estudos são necessários, com maior representatividade, a fim de explorar em detalhe os mecanismos finos dos efeitos deste padrão alimentar na hipertrofia muscular.