INTRODUÇÃO
A alimentação praticada na infância e adolescência deverá ser o mais saudável possível, pois os hábitos alimentares tendem a manter-se até à vida adulta (1), estando também associada a um melhor desempenho escolar (2, 3).
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte a nível nacional (4) e mundial (5). Os estilos de vida adotados, especialmente os hábitos alimentares em idade escolar, encontram-se associados ao risco cardiovascular a longo prazo (6, 7). Assim, em 2009, a Unidade de Saúde Pública do Alto Minho implementou o Projeto de Otimização das Dietas Escolares (P0DE), desenvolvido em parceria com o Serviço de Nutrição e Alimentação, com a finalidade de contribuir para a diminuição da incidência e prevalência das doenças relacionadas com os hábitos alimentares, intervindo em crianças em idade escolar.
A gestão dos refeitórios escolares, atualmente da responsabilidade dos municípios, pode ser efetuada de forma direta ou concessionada a uma empresa de alimentação coletiva (8). Este projeto permite analisar uma amostra de refeitórios escolares, que adotaram diferentes modelos de gestão. Uma vez que com caráter frequente se discute qual o modelo de gestão que acarretará uma oferta alimentar promotora de saúde, pretendeu-se com este estudo, e numa realidade geográfica muito concreta, compreender qual seria a abordagem mais benéfica para a população alvo destas refeições.
Acresce a este facto que poucos são os contextos que em simultâneo existem refeitórios geridos de forma direta e concessionada (9), pelo que se considerou pertinente esta análise, no sentido de repensar uma estratégia futura.
Uma parte considerável de empresas de alimentação coletiva que tem a seu cargo o fornecimento de refeições escolares, dispõem de toda uma estrutura funcional e organizacional com recursos humanos qualificados incluindo os nutricionistas, pelo que se espera que possam proporcionar mais facilmente refeições saudáveis e sustentáveis. Porém em alguns contextos, e por motivos diversos coexistem outras realidades de gestão, que importa analisar e também monitorizar de forma a que não haja comprometimentos da qualidade dessa oferta alimentar. Torna-se assim importante compreender se a oferta alimentar, considerando os dois modelos de gestão, é diferencial, tentando compreender qual o modelo que melhor promove a saúde, através do almoço escolar.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Efetuar uma comparação qualitativa e quantitativa da oferta alimentar escolar entre dois modelos de gestão: direta e concessionada.
Objetivos Específicos
Comparar a qualidade da oferta alimentar entre refeitórios com gestão concessionada e direta, nos estabelecimentos de educação e ensino abrangidos pelo projeto P0DE, considerando a sua metodologia; Comparar a adequação nutricional das refeições disponibilizadas entre diferentes modelos de gestão de oferta alimentar.
METODOLOGIA
O presente trabalho consiste num estudo observacional de desenho transversal, realizado no âmbito do P0DE, que inclui 34 escolas com 33 refeitórios, abrangendo 62% da população escolar (3 - 18 anos) do ensino público do distrito de Viana do Castelo.
O projeto envolve a avaliação sistemática das condições de higiene e segurança alimentar e nutricional das refeições escolares, baseando-se num processo de retroalimentação. Avaliam-se as frequências da disponibilidade alimentar cuja análise permite calcular a percentagem de cumprimento dos critérios pré-estabelecidos do P0DE e concomitantemente das Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares (OERE) da Direção-Geral de Educação (10). Os critérios estipulados pelo P0DE incluem, além dos presentes nas OERE (10), outros com particularidades adicionais.
A escola envia semanalmente à equipa P0DE o registo dos géneros alimentícios e respetivas quantidades em peso bruto utilizadas para a confeção da ementa diária. Os dados são introduzidos no programa informático Microdiet® v2.7, que permite a passagem de informação alimentar a nutricional. Os hortofrutícolas são quantificados e comparados com as recomendações da nova roda dos alimentos (11). Com base nesta, calculou-se um valor ideal para o consumo de fruta (160 g) e de hortícolas (360 g, incluindo os da sopa). Quanto ao sal, exige-se um valor máximo de 1 g de sal adicionado, tendo por base as recomendações da Organização Mundial da Saúde (12). É também calculada a adequação de nutrientes com base na Recomendação Diária de Ingestão (RDI) (13), através do programa informático supracitado. Considerou-se que a refeição do almoço contribui com 30% do valor energético diário, como proposto no manual Eating Well at School - Nutritional and Practical Guidelines (14). No presente trabalho, efetuou-se a média entre todos os valores referentes às faixas etárias indicadas nas OERE (10), de forma a estipular um valor de referência de macronutrientes e energia adequada a cada faixa etária previamente definida. Para a proteína, considerou-se o intervalo de referência 10%-25% e quantidade correspondente em gramas, com base nas OERE e nas RDI (13). Foi também avaliada a adequação energética e de gordura saturada, tendo sido considerado como referência para a última um valor inferior a 10% do valor energético total (15). O cumprimento das recomendações foi estimado de diferentes formas: recorreu-se à fórmula (Valor Servido)/Recomendação x 100, utilizando-se o valor médio dos intervalos para os macronutrientes, obtendo-se percentagens de cumprimento; foram determinados como cumprimentos valores iguais ou superiores a 100% para os micronutrientes, à exceção do sódio, para o qual se estipulou o contrário, e consideraram-se os intervalos presentes nas OERE para os macronutrientes e energia.
Foi avaliada a oferta alimentar dos 33 refeitórios escolares inseridos no P0DE, efetuando-se a comparação entre os resultados dos refeitórios de gestão concessionada e de gestão direta.
Os autores recolheram dados correspondentes à última avaliação mensal completa realizada até ao ano letivo 2018/2019, inclusive. Os dados foram codificados e analisados estatisticamente através do programa de tratamento de dados estatísticos SPSS® versão 26 para Microsoft Windows®. Para avaliar a normalidade das variáveis cardinais recorreu-se ao teste de Kolmogorov-Smirnov. Utilizaram-se os testes Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, qui-quadrado e correlação de Spearman. O nível de significância considerado foi 5% (p < 0,05).
RESULTADOS
Caracterização da Amostra
Incluíram-se ementas de 33 escolas, correspondendo a 62% do total de escolas do Concelho, maioritariamente provenientes de áreas predominantemente urbanas (63,6%) e 60,6% são de gestão direta (Tabela 1).
Avaliação Qualitativa
Os refeitórios com gestão direta cumpriram uma maior percentagem (82%), em mediana, de critérios P0DE, relativamente aos de gestão concessionada (p = 0,022) (Tabela 2). Os refeitórios de gestão direta cumpriram a periodicidade exigida de oferta de peixe rico em ω3 (p = 0,006). O critério referente à disponibilidade de salada de fruta foi cumprido pela totalidade dos refeitórios e o relativo à oferta de iogurte apenas não foi cumprido por um (Tabela 3). Os critérios alusivos ao prato de peixe rico em ω3 e à proibição de alimentos tipo barrinhas de pescada, rissóis, croquetes e outros, relacionam-se com a avaliação dos critérios P0DE (p = 0,010 e 0,008, respetivamente) (Tabela 4).
Avaliação Quantitativa
Em mediana, os refeitórios ofereceram menor quantidade de fruta e hortícolas, relativamente ao recomendado. Os refeitórios com gestão direta adicionaram, em mediana, mais 0,56 g de sal por refeição do que o máximo exigido pelo projeto (1 g) (Tabela 5). Os refeitórios com gestão direta utilizaram maior quantidade de gordura e gordura saturada (p = 0,030 e 0,040, respetivamente). O contrário ocorreu quanto à oferta de fibra (p = 0,016). À exceção das fontes de hidratos de carbono e ω3 nos refeitórios de gestão direta, que, em mediana, estiveram abaixo do valor de referência, as refeições continham maior quantidade de energia e nutrientes relativamente ao recomendado (Tabela 6). As percentagens de cumprimento de gordura e ferro estão correlacionadas com os critérios P0DE (p = 0,040 e 0,047, respetivamente), sendo que quanto maior o cumprimento da oferta destes, maior a avaliação qualitativa P0DE (Tabela 7).
PODE: Projeto de Otimização das Dietas Escolares
OERE: Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares
PODE: Projeto de Otimização das Dietas Escolares
OERE: Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este trabalho mostrou que os refeitórios de gestão direta cumpriram uma maior percentagem de critérios P0DE, comparativamente aos de gestão concessionada, e ofereceram peixe rico em ω-3 na periodicidade exigida. Por outro lado, utilizaram maior quantidade de gordura e gordura saturada e disponibilizaram refeições com menor teor de fibra, embora tenham cumprido o estabelecido para este nutriente em mediana. Apesar dos refeitórios com este tipo de gestão terem cumprido o critério relativo à oferta de peixe rico em ω-3, não cumpriram, em mediana, a recomendação de ingestão destes ácidos gordos para o almoço. Tal poderá estar associado a limitações metodológicas. No entanto, poderá ser benéfico aumentar a ingestão de alimentos ricos em ω-3 nas refeições escolares, uma vez que a ingestão deste parece associar-se ao aumento dos níveis de atenção em rapazes (16), à melhoria da performance cognitiva (17), qualidade e duração do sono (18) e à prevenção de DCV (19). Ainda, a evidência mostra que a ingestão destes tem sido insuficiente, contribuindo para o aumento do rácio ómega-6: ómega-3 (19), que se revela estar associado com a obesidade (20). A principal fonte alimentar de ω-3, e a mais estudada cientificamente, é o peixe gordo (salmão, atum, arenque, cavala, anchovas, sardinhas), sendo porém possível encontrar quantidades razoáveis em sementes de linhaça, nozes e cânhamo (19, 21).
Os critérios alusivos ao prato de peixe rico em ω-3 e o que proíbe a oferta de alimentos tipo barrinhas de pescada, rissóis, croquetes, bolinhos de bacalhau, são os que mais influenciam positivamente a avaliação dos critérios P0DE. Tal poderá estar associado à escolha de peixe gordo para cumprir a periodicidade exigida de oferta de peixe e à facilidade com que as escolas eliminam os produtos alimentares proibidos.
A oferta de fruta foi reduzida, contudo próxima do valor recomendado, em mediana. A quantidade de hortícolas foi bastante diminuta, eventualmente devido à baixa aceitação por parte dos alunos e consequente desperdício alimentar (22 - 24) e pelo consumo de sopa não ser obrigatório a partir do 2º ciclo. Tal deve ser contrariado, através da disponibilização contínua de diferentes hortícolas, apresentados de variadas formas, possibilitando a experimentação (10) e introdução destes na alimentação habitual das crianças e adolescentes, bem como através da realização de projetos de intervenção com vista à promoção de literacia alimentar relativa à importância destes alimentos para a saúde. As refeições escolares contribuem para uma maior diversidade da oferta alimentar e, consequentemente, permitem uma educação do paladar mais diversificada (25), pelo que se espera que possuam tendencialmente uma maior qualidade nutricional quando comparado com as refeições praticadas em casa (26). No entanto, as últimas podem influenciar positivamente a alimentação das crianças e adolescentes, sendo que a partilha frequente de refeições em família parece estar associada a melhores hábitos alimentares, nomeadamente à ingestão de alimentos preteridos (27).
Em mediana, os refeitórios disponibilizaram refeições com teor de sódio acima do espectável. O projeto, que está inserido no Programa de Prevenção de DCV, deve insistir junto das equipas locais na necessidade de sensibilizar os manipuladores de alimentos para a redução desta adição, nomeadamente pela associação entre a sua ingestão excessiva e o risco de ocorrência de DCV (28), considerando fundamental o aumento da periodicidade de formações teórico-práticas sobre o tema e o acompanhamento das equipas locais às escolas.
Estes resultados coincidem com estudos prévios relativamente à reduzida oferta de fruta (29 - 31) e de hortícolas (29 - 34) e excessiva adição de sal (35, 36). No estudo de Franco et al., 57% dos refeitórios tinham a sua gestão concessionada e no de Rito et al. (37) o refeitório com gestão direta obteve uma avaliação qualitativa inferior às de gestão concessionada, o que contrasta com os resultados do presente trabalho. Tal como outros trabalhos, este apresenta limitações, nomeadamente a nível metodológico. Apesar da formação efetuada aos manipuladores de alimentos, direção e responsáveis pela elaboração das ementas, podem existir erros associados à recolha e registo da informação a nível escolar. A quantificação foi efetuada com base em valores tabelados e não determinados analiticamente. Também a metodologia utilizada para estimar a adequação nutricional não é a ideal por limitação de tempo e de recursos, uma vez que é utilizado o peso bruto dos alimentos, previamente à confeção, ao invés da quantidade realmente consumida por aluno. A proporção de alunos por idades não é considerada, o que poderá interferir com os critérios considerados para o estabelecimento de valores de referência dos diferentes nutrientes utilizados nesta análise. Também o reduzido tamanho amostral poderá ter influenciado o significado estatístico, resultando num menor número de diferenças estatisticamente significativas.
Em contrapartida, esta investigação apresenta como pontos fortes o facto de não existirem trabalhos publicados em Portugal com estes objetivos, nem estudos que considerem um grande número de micronutrientes no contexto de avaliações quantitativas (38).
Podemos ainda destacar a importância de avaliar a oferta alimentar escolar, identificando as dificuldades em seguir orientações e recomendações relativas a ementas e refeitórios escolares, de forma a aumentar o cumprimento destas e proporcionar a melhoria contínua da alimentação e nutrição (39 - 41).
Uma revisão sistemática recente (38) mostrou existir um reduzido número de projetos publicados que avaliam as refeições escolares simultaneamente a nível qualitativo e quantitativo, sendo que a maioria dos estudos analisados pelos autores apenas efetuava uma avaliação qualitativa. Nenhum dos projetos descritos avaliava o consumo alimentar individual, possivelmente pela dificuldade a nível metodológico que este tipo de avaliação apresenta (42).
Com o intuito de promover melhoria ao projeto P0DE, sugere-se que se inicie a análise do contributo energético e do teor de gordura saturada do almoço, nomeadamente por constituírem pontos com necessidade de melhoria.
De destacar também que o presente estudo não permite inferir acerca da qualidade da oferta alimentar considerando os dois modelos de gestão em estudo para todas as realidades em que estes coexistam, mas somente para o contexto analisado, destacando a necessidade de uma monitorização consistente e efetiva dos serviços de refeições escolares independentemente da gestão adotada.
CONCLUSÕES
Considerando a avaliação qualitativa, os refeitórios de gestão direta cumpriram melhor os critérios P0DE e ofereceram peixe rico em ω-3 com maior periodicidade, relativamente aos de gestão concessionada. Quantitativamente, os refeitórios de gestão concessionada ofereceram refeições com menor quantidade de gordura e gordura saturada e maior quantidade de fibra.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
LR: Planificou o artigo, recolheu e tratou os dados, analisou a literatura existente e redigiu o estudo; CM: Orientou e colaborou em todo o processo de planificação e redação do estudo; CA: Co-orientou e também colaborou em todo o processo, com um maior enfoque na organização do artigo, tratamento de dados e análise de resultados;
BO: Colaborou ativamente no tratamento e análise de dados; GF: Acompanhou todo o processo. As restantes co-autoras contribuíram com o fornecimento dos dados recolhidos e tratados no passado, referentes à(s) escola(s) da responsabilidade da respetiva nutricionista, além da revisão do artigo.