INTRODUÇÃO
O sal de cozinha é usado na alimentação humana há milhares de anos, tendo assumido desde sempre uma presença importante na culinária e nos hábitos alimentares das populações (1). Um dos componentes do sal é o sódio, um ião essencial para a vida, determinante para a produção de impulsos elétricos nos neurónios e células musculares, para a absorção intestinal e para o funcionamento adequado de órgãos vitais, como o rim (2). O sal pode ser extraído da água do mar, depósitos minerais, lagos salinos, salmouras e de incrustações de superfícies (3, 4). A nível social, económico, cultural, religioso e nutricional o sal tem até aos dias de hoje grande impacto, sendo o objetivo desta revisão compilar informação fundamentada cientificamente sobre diferentes dimensões do sal nomeadamente a dimensão histórica, composição química dos diferentes sais, consumo de sal, doenças associadas e alternativas ao sal.
METODOLOGIA
A pesquisa de artigos científicos foi realizada no período de 18 de outubro até 23 de dezembro de 2022, nas bases de dados da PubMed e Scopus, utilizando-se as palavras-chave: “salt”, “history of salt”, “dietary sodium”, “diseases salt”, “society”, “sodium intake”, “health”, “history”, “chemical composition of salt”, “hypertension” recorrendo ao operador booleano “AND”. Através da pesquisa foram selecionados 65 artigos, tendo sido posteriormente lidos na íntegra e reduzidos para 28 artigos, selecionando-se os que se apresentavam relevantes para os objetivos deste artigo de revisão. Recorreu-se ainda aos sites oficiais da Organização Mundial da Saúde, Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Para pesquisa da composição química dos sais recorreu-se ao site oficial do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos. Para pesquisa dos preços dos sais foram utilizados sites de supermercados existentes em Portugal tendo sido selecionado sempre o mais barato.
Perspetiva Histórica
Há cerca de 8 mil anos a espécie humana começou a exploração de sal, levando à sua troca e comercialização, sendo este usado principalmente como forma de conservação (4 - 8). Os alimentos eram cobertos com sal com o objetivo de os conservar, levando por consequência ao seu consumo excessivo. Posteriormente com a invenção do frigorífico este consumo foi reduzido, mas o desejo de consumir sal aumentou (8).
Na época Medieval, o sal tinha grande impacto a nível socioeconómico (3, 4, 6). Relativamente à economia das várias regiões, o sal assumia um papel importante como moeda de troca (3, 4). As primeiras estradas foram feitas para o transporte de sal e algumas das primeiras cidades estabeleceram-se como centros de troca de sal (3). A produção de sal ficou expressa no nome de locais onde era produzido, como são disso exemplo Salzburg (Áustria) e Saltcoats (Escócia), sendo historicamente o sal a maior fonte de rendimento destes locais (3). A palavra salário deriva do sal que na época do Império Romano, servia como forma de pagamento aos soldados, sendo por isso, provavelmente um dos expoentes máximos que demonstram a importância histórica do sal, persistindo até aos dias de hoje (3, 9).
Numa perspetiva cultural e simbólica, algumas das características do sal (e.g. cor branca, pureza e ser possível de obter através do mar e do sol), contribuíam para que se tornasse um símbolo em várias culturas (6). No antigo Egipto e na Escócia, o sal era visto como forma de alcançar a imortalidade (3).
A nível religioso o sal era considerado algo divino e sagrado. Era também usado em vários rituais de hospitalidade, juramentos e casamentos como forma de união (4). Devido às suas características e à afinidade com a água, atribuíam-se poderes mágicos ao sal (3, 4). Na Bíblia há várias passagens sobre o sal, no Velho Testamento sendo conotado com perpetuidade, riqueza, pureza e força e, no Novo Testamento, com conhecimento e força (3).
Composição Química
O sal é essencialmente constituído pelos iões cloreto e sódio, sendo apresentado na Tabela 1 a comparação das quantidades de sódio de dez tipos de sal, nomeadamente sal comum, sal light, sal rosa dos Himalaias, sal preto dos Himalaias, sal azul da Pérsia, sal do mar Mediterrâneo, sal iodado, sal do mar Celta, sal do mar cinzento e flor de sal. Salienta-se das informações presentes na Tabela 1 que, por cada 100 g, o sal rosa dos Himalaias e o sal light são os que apresentam, respetivamente, a maior e a menor concentração de sódio. A maioria dos tipos de sal analisados possuem essencialmente cloro e sódio, todavia, é de salientar que o sal light possui também 34600 mg de potássio por cada 100 g e que o sal iodado possui 5080 μg de iodo por cada 100 g (10).
Consumo de Sal
A OMS recomenda um consumo diário máximo de 5 g de sal (2 g de sódio) devendo, portanto, esse consumo ser sempre inferior às 5 g. No entanto, de acordo com dados recolhidos de alguns países, o consumo é superior ao recomendado destacando-se a Finlândia, o Canadá e o Brasil (11 - 17).
Uma recente revisão sistemática da literatura reuniu 80 estudos onde foi estimada a ingestão de sal, realizados em 34 países, sendo que a ingestão média de sal em adultos em nenhum dos estudos se apresentou inferior a 5 g por dia, chegando mesmo aos 15,5 g por dia (em duas amostras urbanas não representativas da população nacional da China e da Índia) (11).
Alguns dos estudos incluídos na referida revisão sistemática, apresentam a indicação da proporção do sal adicionado durante a confeção dos alimentos e à mesa, apresentando-se na Figura 1 as estimativas da
contribuição percentual do sal adicionado durante a confeção dos alimentos e à mesa para a ingestão total de sal na dieta, nos países cujos dados estavam disponíveis (11). Esta revisão constatou ainda uma associação inversa estatisticamente significativa entre o sal adicionado durante a confeção dos alimentos e à mesa e o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país. Já relativamente ao sal presente nos alimentos (que não foi adicionado durante a confeção dos alimentos ou à mesa), os alimentos que mais contribuíram para a ingestão diária de sal foram os derivados de cereais como o pão e outros produtos de padaria, e os derivados de carne e do leite (e.g. produtos de charcutaria e queijaria) (11). De acordo com o relatório do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) de 2015/2016, a população portuguesa consome em média, 2962 mg de sódio diariamente, sendo que as mulheres (2547 mg) consomem em média menos que os homens (3431 mg). Quanto às diferentes faixas etárias existem também algumas diferenças, sendo que em média as crianças são as que consomem menos (2151 mg), seguidas dos idosos (2778 mg), adolescentes (2891 mg) e por fim os adultos (3107 mg). Ou seja, 76,4% dos portugueses, (63,2% das mulheres e 88,9% dos homens) excedem o valor máximo recomendado (18).
Nos países desenvolvidos as principais fontes de sal na alimentação tendem a ser os alimentos processados, por outro lado, nos países de baixo a médio rendimento a principal fonte de sal na alimentação é a adição de sal durante a confeção dos alimentos ou à mesa, estando dependente esta proporção também de aspetos, culturais, familiares e hedónicos (7, 14).
O relatório do IAN-AF refere que, em média, as mulheres consomem diariamente 2,5 g de sal de adição, e os homens 3,1 g. Por grupo etário, em média as crianças consomem 2,2 g, os adolescentes e idosos 2,7 g e os adultos 2,9 g de sal de adição. Ou seja, quanto ao género as mulheres consomem menos sal de adição que os homens, e quanto ao grupo etário as crianças consomem menos e os adultos mais sal de adição diariamente (18).
É possível ainda retirar deste relatório, que o maior contributo para a ingestão de sódio é o sal de mesa (29,2%), seguido pelos pães e tostas (18,0%), sopa (8,2%) e charcutarias e carnes processadas (7%) (18). Um artigo que compara os dados dos inquéritos Em Casa Observamos Saúde (ECOS) de 2014 e 2018, sobre a prevalência da preocupação com o consumo de sal (adicionado às refeições e contido nos alimentos), na população portuguesa, expõe que em relação ao ano de 2014, 77% dos inquiridos referiam ter preocupação com o consumo de sal face a 75% de 2018. Quer isto dizer, que em comparação com 2014 a população portuguesa tem vindo a diminuir a sua preocupação com o consumo de sal. Este artigo refere ainda que as mulheres são as mais preocupadas com o consumo de sal (82,3% em 2014 e 77,6% em 2018) em comparação com os homens (71,6% em 2014 e 72,4% em 2018). Esta preocupação tem tendência em aumentar com a idade, sendo que no grupo etário 65+ anos é o que tem mais prevalência de preocupação com o consumo de sal (83,5 % em 2014 e 86,4% em 2018), seguido do grupo etário 45-64 anos (82,4% em 2014 e 73,1% em 2018) e por fim o grupo etário 15-44 anos com menos prevalência de preocupação com o consumo de sal (70,2% em 2014 e 70,1% em 2018). Quanto maior o nível de escolaridade, menor a prevalência de preocupação com o consumo de sal (19).
Ainda de acordo com o artigo sobre os inquéritos ECOS, não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os níveis de escolaridade ou as regiões do país (19).
Atualmente já existem medidas para combater o consumo excessivo de sal (20 - 22). Em Portugal está em vigor a Lei n.º 75/2009 de 12 de agosto de 2009, que estabelece normas com vista à redução do teor de sal no pão, bem como, informação na rotulagem de alimentos embalados destinados ao consumo humano (23).
Os meios de comunicação têm grande influência nas decisões tomadas relativamente à alimentação, levando a população a acreditar em algo que não é baseado em evidência científica. Por exemplo, o sal rosa dos Himalaias é por vezes referido como benéfico para a diminuição da pressão arterial e tratamento da hipertensão arterial, por apresentar na sua constituição maior concentração de minerais (ferro (Fe), magnésio (Mg), cálcio (Ca) e potássio (K)) e por não ser refinado (16). No entanto, vários estudos demonstram que não há diferenças significativas na pressão arterial entre indivíduos que consomem sal comum ou sal rosa dos Himalaias (15, 16).
Preço de Sais
Na Tabela 2 estão representados os preços de seis sais de supermercados diferentes, em Portugal. Os sais selecionados são sempre os mais baratos, que por norma correspondem à marca própria do supermercado, e por isso poderão existir diferenças no preço por kg de cada tipo de sal. O preço dos sais foi pesquisado durante as datas de realização desta revisão, podendo por isso ter sofrido alterações. O sal que apresenta preço mais baixo é o sal comum (grosso) e o mais caro é o sal do Mar Mediterrâneo.
Doenças Associadas
Apesar do sódio, que está presente na composição do sal, ser essencial à vida (2), o seu excesso ou défice podem ter consequências nefastas no organismo (7, 12, 13, 17, 24 - 26). Uma das primeiras descobertas científicas sobre o sal foi que o seu consumo em excesso provocava hipertensão, sendo esta uma ideia muito clara nos dias de hoje (3).
O excesso de sódio pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, tais como, artérias, coração, rins, cérebro, pele e ossos (Figura 2). Ao nível das artérias, estudos recentes demonstram que um aumento da ingestão de sódio, provoca um aumento da rigidez arterial, independentemente da pressão arterial (25, 26). Em relação ao coração, o aumento da pressão arterial associado ao excesso de ingestão de sódio, leva ao aumento da espessura da parede e da massa do ventrículo esquerdo, podendo levar à ocorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e doença coronária (7, 24 - 26). O sódio em excesso reduz a função renal diminuindo assim a excreção de fluidos (25, 26). A nível cerebral, sódio em excesso sensibiliza os circuitos simpáticos centrais levando a um fluxo simpático excessivo, contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (25, 26). O aumento da concentração de sódio na pele leva à sua inflamação e ao seu envelhecimento (26). O aumento da excreção de cálcio na urina devido ao consumo excessivo de sódio, pode aumentar o risco de osteoporose (26).
Algumas das doenças e sintomas possivelmente associados ao défice de sódio são albuminúria, vertigens, dores de cabeça, apatia, anorexia, náuseas, paresia, dores abdominais, oligúria, colapso vascular, extremidades frias e hipotensão arterial (24, 27).
Alternativas ao Sal
De acordo com dados de vários países o consumo de sal é superior ao recomendado de 5 g diárias (12, 13, 16). Em Portugal, a população consome em média o dobro da dose recomendada (12).
Numa tentativa de reduzir o consumo de sal, as alternativas podem ser ervas aromáticas, especiarias e condimentos com baixo teor de sódio que ajudam a dar sabor aos alimentos, como por exemplo, alho, pimentas, sumo de limão, cominhos, vinagre balsâmico e pimenta- caiena (28, 29). Na indústria alimentar é frequentemente utilizado o intensificador de sabor glutamato monossódico para realçar o sabor dos alimentos, que apesar de não ter aroma proporciona um gosto salgado e umami (29). Importa ainda referir que apesar das agências internacionais de regulamentação de segurança alimentar considerarem que este composto é seguro para a alimentação humana alguns estudos demonstram pouca segurança decorrente de uma exposição crónica. O glutamato monossódico está também associado ao desencadear da “síndrome do restaurante chinês”, uma associação de vários sintomas como urticária, cefaleias, angioedema e sintomas neurológicos, que poderão ser fatais (30, 31).
Existem ainda outras alternativas como por exemplo o cloreto de potássio ou sal de potássio que não tem sódio na sua composição (29), o sal light que contém um menor teor de sódio (16) e ainda a salicórnia, uma planta com baixo teor de sódio e uma boa fonte de minerais, fibras e proteínas (32, 33).
ANÁLISE CRÍTICA
Atualmente existem no mercado diversos tipos de sal, tais como sal comum, sal rosa dos Himalaias, sal preto dos Himalaias, sal azul da Pérsia, sal vermelho havaiano, sal do mar Mediterrâneo, sal iodado e sal light. O sódio está presente na composição destes sais, sendo que não existem diferenças significativas na concentração de sódio entre o sal comum e os restantes, com a exceção do sal light.
Relativamente à restante composição química dos diferentes tipos de sal, tomando como referência os valores dietéticos de referência (PRIs) da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), para um adulto é recomendado o aporte diário de 3500 mg de potássio e de 150 μg de iodo (34), todavia, apesar do sal light por cada 100 g possuir 34600 mg de potássio, para satisfazer os valores dietéticos de referência para um adulto, teria que se consumir 10,1 g deste sal para se atingir as 3500 mg de potássio o que teria como consequência um aporte excessivo de sódio. Por outro lado, sendo o sal iodado possuidor de 5080 μg por cada 100 g, o aporte de cerca de 3 g deste sal seria suficiente para atingir o aporte diário recomendado de iodo. Em suma, com exceção do sal iodado no aporte de iodo, dos sais analisados não se pode considerar que sejam fonte relevante de outros nutrientes para além do sódio, principalmente quando se tem em conta o limite de consumo recomendado de 5 g e os teores necessário ao organismo humano dos vários minerais.
Atualmente circula em alguns meios de comunicação informação sem base científica, o que poderá levar à desinformação acerca dos benefícios de alguns tipos de sal, aliciando à compra de tipos de sais específicos, sendo estes por vezes mais dispendiosos e eventualmente potenciando um consumo exagerado desses tipos de sal. A título de exemplo, um indivíduo que, para além do seu aporte usual de sódio intrínseco aos alimentos, optasse pelo sal preto dos Himalaias por considerar que este seria mais saudável por ter um teor de sódio inferior, ao consumir 3 g deste sal por dia teria um aporte de 1,15 g de sódio, enquanto através do sal comum esse aporte seria de 1,18 g de sódio, valores muito idênticos.
Como a utilização do sal deixou de ser maioritariamente para a conservação de alimentos e passou também a ser parte integrante da alimentação humana, tornou-se um veículo importante no consumo alimentar de minerais, mas, como consequência do seu atual consumo excessivo na maioria dos países, é também um importante fator de risco para algumas doenças de elevada prevalência na população, como doenças cardiovasculares e renais (7, 12, 13, 17, 24 - 26). Devido a este consumo excessivo têm-se procurado alternativas para a sua diminuição (28, 29), bem como medidas para reduzir este consumo (21, 22). Apesar das medidas implementadas em Portugal, o consumo de sal continua a ser superior ao recomendado sendo por isso, importante investir e criar mais medidas que ajudem na resolução deste problema.
A limitação mais relevante encontrada para a realização desta revisão foi a falta de estudos de elevada qualidade metodológica (e.g. ensaios clínicos controlados e aleatorizados) que comparem o efeito na saúde do consumo do sal comum com outros tipos de sal.
Para que a intervenção na área da nutrição e alimentação seja completa é importante que os profissionais da área possuam um conhecimento integrado sobre os diversos temas em que intervém. No caso particular do sal, a noção da sua importância histórica e cultural, o conhecimento sobre o seu consumo, composição química e impacto na saúde, mas também o conhecimento sobre o preço e alternativas ao seu uso, alicerçam uma prática mais informada e com maior impacto potencial, quer em intervenções ao nível individual no contexto clínico, quer em intervenções na comunidade agregadas a uma visão de saúde pública.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
IN, LC, MV, IP e IM: Contribuíram igualmente para a elaboração do artigo, nomeadamente na definição e execução da pesquisa bibliográfica, na leitura e seleção da bibliografia obtida e na escrita das primeiras versões do manuscrito; CBP e RJ: Propuseram o tema, acompanharam a realização do artigo em todas as suas etapas e realizaram a revisão crítica e correção científica que deu origem à versão final do artigo, revisto e aprovado por todos os autores.