INTRODUÇÃO
Dentro do contexto hospitalar, diversos são os cuidados empregados relacionados à saúde e bem estar de pacientes hospitalizados, visando desfechos clínicos favoráveis associados a bons prognósticos. Contudo, inserido neste ambiente, ainda se destacam os recorrentes casos de desnutrição e sua relação com os cuidados nutricionais. Sabe-se que existe uma alta prevalência de desnutrição entre esses pacientes, podendo este quadro atingir cerca de 30% a 50% dos indivíduos hospitalizados em qualquer faixa etária. O estudo do Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI) revelou que a desnutrição é a doença mais comum nos hospitais brasileiros, com uma prevalência de 48,1% (1, 2).
A desnutrição também acomete populações ao redor do mundo, apresentando prevalência alarmante. Na Europa, os casos de desnutrição no ambiente hospitalar atingem percentuais entre 20% e 30%, sendo a maior prevalência observada em pessoas idosas hospitalizadas, variando entre 32% e 58%. Estudos realizados em países da América Latina observaram uma prevalência de desnutrição maior do que 45%. Em relação a população geral hospitalizada, tais percentuais podem atingir faixas entre 2,6% até 73,2% (3).
A hospitalização está mais evidente na população composta por pessoas idosas, devido ao aumento da expectativa de vida, que contribui para o aumento de doenças crónicas e por consequência, possui a necessidade de internamentos hospitalar, sendo comum a indicação de cuidados intensivos (4).
De forma especial, pessoas idosas hospitalizadas podem requerer maiores cuidados, visto que o próprio processo de envelhecimento provoca alterações em diversos sistemas fisiológicos, como em funções digestivas e relacionadas ao paladar e olfato, levando a uma menor ingestão alimentar e maiores riscos para desnutrição. Além disso, também se notam modificações na composição corporal, com redução de massa muscular e aumento de tecido adiposo, podendo levar a um quadro de sarcopenia e pior prognóstico. Dados apontam para uma prevalência de desnutrição neste público de 35% a 65%, especialmente durante o internamento, sendo notória a necessidade de intervenções específicas e precoces (5-7).
A hospitalização pode representar um fator de risco para o declínio funcional de pessoas idosas, devido à perda de dependência e autonomia. Somando estes fatores a outros diversos que podem influenciar o desfecho clínico, como o estado nutricional, impactos na condição física e emocional das pessoas idosas podem ser percebidos, levando essa população a apresentar maiores riscos para o desenvolvimento de quadros de desnutrição (8).
A desnutrição hospitalar pode ter suas raízes ligadas a uma ingestão alimentar insuficiente, absorção de nutrientes deficiente em decorrência da doença instalada ou ainda em uma demanda energética maior durante o curso do internamento. Dessa forma, sinais clínicos devem ser observados, como a perda de peso não intencional em um curto espaço de tempo, associada à redução da ingestão alimentar, com impactos no estado nutricional (3).
Desta maneira, sabe-se que pacientes que apresentam baixa aceitação alimentar precisam ser precocemente identificados e acompanhados, a fim de garantir as adequações necessárias a cada caso clínico e assim, evitar as complicações intra-hospitalares, sempre reafirmando as condutas nutricionais e a alimentação do indivíduo como parte ativa do tratamento (9-10).
Dada a importância da ingestão alimentar para a estabilização e recuperação de pacientes hospitalizados, ainda se faz necessário a realização de mais estudos e pesquisas, a fim de associar a baixa ingestão alimentar com outras complicações intra-hospitalares frequentemente observadas, tais como estado nutricional, tempo de internamento e incidência de infeções, para que assim, mais medidas que visem a aceitação alimentar, a prevenção de tais complicações e melhora do prognóstico possam ser elaboradas e aperfeiçoadas. Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi analisar, por meio de revisão da literatura recente, a relação entre a aceitação alimentar e o desenvolvimento de complicações intra-hospitalares em pessoas idosas hospitalizadas e seu impacto durante o curso do internamento.
METODOLOGIA
A presente pesquisa baseou-se em uma revisão da literatura, utilizando artigos indexados em bases de dados como Scielo e PubMed. Para os critérios de inclusão, foram selecionados e utilizados artigos originais, de revisão sistemática e bibliográfica, nos idiomas português e inglês, que apresentaram maior relevância e relação direta com o problema de pesquisa. Ao todo foram selecionados 24 artigos para a realização do presente estudo, sendo estes publicados prioritariamente nos últimos 6 anos. Foram utilizadas palavras-chave como “Pessoa Idosa”, “Internação Hospitalar”, “Alimentação” e “Estado Nutricional”, e na língua inglesa palavras-chave como “Elderly”, “Diet”, “Hospital Stay” e “Nutritional Status”.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Desnutrição Hospitalar e Maior Tempo de Internamento
A desnutrição hospitalar pode ser desencadeada por alguns fatores, como baixa ingestão alimentar e doenças associadas, podendo resultar em um maior tempo de hospitalização. Os fatores que podem levar à desnutrição hospitalar podem ser classificados como de causas primárias e secundárias. Destacam-se como fatores de causas primárias a baixa ingestão alimentar e inadequação de macronutrientes e micronutrientes. Já os de causas secundárias são causados por efeitos de doenças associadas, sendo mais comuns as doenças do trato gastrointestinal, trato geniturinário e doenças neoplásicas. Tais doenças são as maiores causadoras de inapetência, obstipação, lesões na mucosa oral, disgeusias e dores, que podem colaborar para a redução de peso corporal involuntário que, somado ao efeito catabólico da doença, pode favorecer o quadro de desnutrição (11). A desnutrição em pacientes idosos representa um impacto negativo na evolução prognóstica, aumentando o risco de complicações, mortalidade, reinternações e maior tempo nas unidades de terapia intensiva. Desta forma, sabe-se que a rejeição parcial ou total das refeições por pacientes idosos hospitalizados pode propiciar um desequilíbrio nutricional e favorecer a instalação de anemia e desnutrição (9, 12, 13).
No contexto hospitalar, pacientes idosos com estado nutricional depletado podem apresentar alterações adversas à evolução clínica, como aumento do tempo de internamento e maior incidência de infeções e complicações pós-operatórias, bem como retardo de cicatrização de feridas e como consequência, favorecimento dos altos custos de assistência (14).
A população idosa é tangida pela classificação de desnutrição, onde 16% dos idosos maiores de 65 anos e 22% dos maiores de 85 anos são classificados como desnutridos. A desnutrição nesta população acarreta o declínio de status funcional, redução de massa corporal magra, disfunções imunológicas, anemia, redução da função cognitiva, má cicatrização, maior tempo de hospitalização e aumento de taxas de readmissão hospitalar. Sabe-se também que as doenças crónicas instaladas tornam essa população ainda mais susceptível à desnutrição (9, 15).
A desnutrição instalada em pacientes idosos hospitalizados, como consequência de uma baixa ingestão alimentar, também pode levar ao desenvolvimento de úlceras por pressão (UP). Entre os principais fatores nutricionais que interferem no risco para o desenvolvimento de UP estão a inadequação da ingestão dietética, principalmente energética e proteica, baixo índice de massa corporal, perda de peso, valores baixos de pregas cutâneas e baixos níveis séricos de albumina (16).
Risco de Infeções
Com base em observações clínicas e dados epidemiológicos, a desnutrição e a infeção são reconhecidas como agentes comprometedores das defesas imunológicas, visto que podem levar a deficiências nutricionais ocasionadas por uma baixa aceitação alimentar em pessoas idosas. Tais deficiências nutricionais afetam diretamente o funcionamento do organismo, deixando-o mais suscetível à instalação de novas infeções e ao desenvolvimento de processos inflamatórios (17).
Havendo alterações na relação entre nutrição e imunidade, devido a processos infecciosos, um quadro de desnutrição pode se instalar por meio de disfunções intestinais, sendo possível observar alterações na absorção e biodisponibilidade de nutrientes. O processo febril também pode aumentar a necessidade energética assim como a presença de infeções crónicas, alterando processos como a glicogénese e a lipogénese, gerando consequências sobre o metabolismo dos macronutrientes, micronutrientes e níveis hormonais, que acabam refletindo em disfunções no metabolismo nutricional e balanço hidroeletrolítico (18).
Sarcopenia
Durante a permanência em instituições hospitalares, sabe-se que há um grande risco de depleção de massa muscular. Essa depleção dá-se pelo hipercatabolismo de doenças associadas e inadequada ingestão alimentar devido a eventos adversos como a xerostomia, disgeusia, mucosite, anorexia e períodos em jejum (13).
A diminuição da ingestão alimentar, relacionada principalmente a um menor consumo de proteínas, está associada ao desenvolvimento e evolução da sarcopenia, especialmente em pacientes idosos. O consumo deficiente deste macronutriente pode ocasionar perda de massa e força muscular, representando um risco para a instalação da doença (19).
A sarcopenia é caracterizada pela perda de massa muscular, perda de força e diminuição do desempenho muscular. Sabe-se que este processo se dá de forma acelerada no envelhecimento, em situações de stress agudo, sedentarismo, limitações de mobilidade e baixa ingestão alimentar, especialmente na ingestão de proteínas, sendo essa associada à redução de desempenho dos músculos e declínio no estado funcional da pessoa idosa (20).
Sabe-se que pacientes críticos podem desenvolver sarcopenia ou agravar a sarcopenia primária durante a hospitalização. A resposta inflamatória sistémica e a sepse levam não só a perda rápida e progressiva da massa magra, mas também à perda de função e desempenho (17).
Fatores que Interferem na Aceitação Alimentar
Nos últimos anos, a população idosa foi a que apresentou maior ascensão, apresentando crescimento em proporções significativas em comparação ao restante da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), observou-se um aumento da parcela da população constituída por pessoas com 65 anos ou mais, de 7,7% em 2012 para 10,5% em 2022, ao passo em que a população jovem de 18 a 29 anos apresentou redução, de 20,9% em 2012 para 18,7% em 2022, confirmando um alargamento do topo da pirâmide etária e aumento do envelhecimento populacional (21).
Contudo, pouca atenção tem-se depositado neste público, principalmente em assuntos destinados a alimentação na velhice em associação ao fator hospitalização, visto que existem diversos fatores capazes de condicionar a ingestão alimentar adequada de pacientes idosos em tais condições (11, 17).
Entre os principais fatores que exercem influência sobre a boa aceitação alimentar, destacam-se fatores relacionados aos alimentos, tais como o sabor, apresentação e variedade das refeições, sendo estes aspectos relevantes que podem se relacionar a uma baixa ou adequada ingestão alimentar. Além disso, o próprio internamento representa uma divergência de rotina e hábitos para a pessoa idosa, levando a uma imposição de novos hábitos e gerando insatisfação e negação da ingestão (11, 15).
Outros fatores frequentemente observados e corroborados por um estudo feito por Souza, Britos e Silva (2021) são a inapetência, sendo observada uma redução de 16% a 20% do apetite e ingestão de alimentos em comparação com indivíduos mais jovens, a xerostomia, em decorrência do próprio processo de envelhecimento, levando a dificuldades na mastigação e deglutição, náuseas, vómitos, monotonia das preparações, restrição ao leito, risco nutricional ou desnutrição já instalada, oferta de grandes quantidades de alimento, temperatura inadequada das refeições, além dos fatores clínicos, patologias associadas, medicamentos utilizados, tempo de permanência na unidade hospitalar e questões psicossociais e emocionais. Todos estes fatores, independentes ou associados, podem resultar em uma significativa redução da aceitação e ingestão alimentar entre pessoas idosas (20, 22).
Também é possível destacar fatores fisiológicos, compostos por questões que envolvem saúde bucal e outras alterações significativas comumente observadas em pessoas idosas, como cárie dentária, doenças periodontais, abrasões, lesões, cancro bucal e edentulismo, assim como o uso ou ausência de prótese dentária. Tal perda dentária está diretamente ligada com o estado nutricional do indivíduo idoso, visto que devido à dificuldade de mastigação e trituração adequada dos alimentos, estes acabam priorizando alimentos de fácil ingestão e mastigação, o que muitas vezes pode representar a ingestão de alimentos menos nutritivos (15).
Estratégias para Prevenção de Complicações Intra-hospitalares
O principal objetivo do plano nutricional é garantir que este indivíduo tenha uma ingestão adequada de energia e nutrientes, de modo a colaborar com a manutenção ou melhora de seu estado nutricional e qualidade de vida. Para o paciente idoso, também se faz necessário uma intervenção nutricional interdisciplinar, visando garantir uma ingestão adequada de alimentos para recuperar o quadro de desnutrição e reestabelecer o peso corporal adequado, assim como devolver sua capacidade funcional, garantindo a reabilitação e a independência, reduzindo os riscos para complicações e mortalidade (7).
Os cuidados nutricionais devem assumir papel principal para a prevenção e/ou tratamento de complicações intra-hospitalares em pessoas idosas, visando o tratamento etiológico da desnutrição e os cuidados com fatores de risco modificáveis (20).
Conforme proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), após deteção de risco nutricional ou desnutrição no paciente idoso, é necessária a realização de aconselhamento nutricional com foco em hábitos mais saudáveis, valor energético, em proteínas e micronutrientes adequados. Também é possível avaliar a necessidade do uso de suplementos nutricionais orais como uma forma de melhor atender às necessidades nutricionais individualizadas, buscando associar às modificações no estilo de vida, avaliação frequente da ingesta oral e outras intervenções que tenham como proposta a melhoria da qualidade da dieta via oral, considerando as preferências alimentares. O profissional nutricionista deve estar atento às alterações de cardápio necessárias a esses pacientes, visando tornar as refeições mais saborosas, nutritivas e atrativas, facilitando o processo de mastigação e amenizando desconfortos causados por queixas como odinofagia e problemas de deglutição (7).
Questões como a qualidade da matéria-prima, diversidade do cardápio, apresentação e disposição dos alimentos e itens na bandeja da dieta, os utensílios utilizados tais como louças, talheres e guardanapos, assim como o atendimento ao paciente, são fatores que podem colaborar para uma melhor aceitação da dieta, estimulando o consumo. Além disso, práticas como a adição de condimentos e especiarias ao preparos podem compensar a ausência de outros ingredientes como sal e gordura, conferindo mais sabor às preparações (23).
Durante a elaboração do cardápio, é importante verificar a possibilidade de alterar as consistências das preparações e seu modo de preparo, de forma a respeitar as limitações alimentares relacionadas à prescrição dietética, mas também contemplar as necessidades sociais, culturais e hábitos alimentares do paciente. Dessa forma é possível utilizar estratégias como cortes de alimentos diferenciados, uso de aromáticos, molhos para decoração e moldes para algumas preparações. Além de tais estratégias, se faz importante observar a textura, odor, sabor e a temperatura da refeição oferecida, visto que também são pontos importantes para a aceitação alimentar (24).
Além disso, profissionais da saúde, familiares e cuidadores também precisam receber instruções a respeito da nutrição e das principais orientações relacionadas a pessoas idosas (Tabela 1), a fim de garantir conscientização e conhecimentos básicos sobre as deficiências nutricionais, permitindo que idosos em risco nutricional ou com desnutrição apresentem uma adequada ingestão de nutrientes (7). A fim de contribuir para uma alimentação adequada e que vise a prevenção de complicações na saúde e qualidade de vida das pessoas idosas, algumas recomendações podem ser observadas e disseminadas aos grupos envolvidos em seus cuidados, como os familiares, cuidadores e profissionais da saúde (25).
Tabela 1: Principais recomendações para pessoas idosas com sarcopenia
RECOMENDAÇÃO | JUSTIFICATIVA |
---|---|
Estimular o consumo diário de alimentos fonte de proteínas, tais como o feijão ou outras leguminosas, carnes, ovo, peixe ou frango, nas principais refeições como almoço ou jantar | Alimentos ricos em proteínas, que contribuem para a manutenção e/ou síntese da massa magra na pessoa idosa. |
Incentivo à prática de exercícios físicos acompanhado por profissional capacitado | São capazes de induzir um melhor funcionamento de vias metabólicas relacionadas ao anabolismo, aumentando a síntese de proteínas para os músculos. |
Manutenção dos níveis adequados de vitamina D | Especialmente a suplementação de vitamina D mostrou relações positivas com a manutenção e preservação da função e da massa muscular. |
Uso de ácidos gordos ómega-3 | Estudos têm observado sua função antioxidante, com redução aos danos oxidativos que colaboram para a perda de função e massa magra em idosos, podendo a suplementação ser uma recomendação importante. |
Consumir diariamente legumes, verduras e frutas | Constituem-se fontes essenciais de vitaminas, minerais, fibras e compostos antioxidantes. |
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2021; Gonçalves et al., 2019; Demoliner e Daltoé, 2021
CONCLUSÕES
Diante do exposto, é possível notar que as complicações intra-hospitalares relacionadas à aceitação alimentar insuficiente em pessoas idosas ainda se apresentam como grandes fatores de risco associados a um pior prognóstico durante o período de internamento. Dessa forma, os cuidados nutricionais precisam assumir papel essencial e central na prevenção de tais complicações e na restauração da qualidade de vida e melhora no quadro de saúde dessa população, buscando a integração de cuidados interdisciplinares a fim de reestabelecer a autonomia e funcionalidade do paciente idoso, contribuindo com desfechos mais favoráveis à alta hospitalar.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA UM DOS AUTORES PARA O ARTIGO
FL: Responsável por toda orientação e direcionamento a respeito do assunto e da problemática estudada; FS: Responsável pela edição, revisão e adequação da formatação e regras de submissão, além do desenvolvimento da introdução, materiais e métodos e análise crítica; LO, YC: Responsáveis pela revisão de literatura com inclusão e busca de novos e atuais referenciais teóricos para a pesquisa.