INTRODUÇÃO
Descrita botanicamente como um fruto seco de casca rija, a bolota constitui um fruto silvestre edível (1, 2) produzido pelo género Quercus, pertencente à mesma família da castanha, Fagaceae, a qual inclui cerca de 450 espécies amplamente dispersas pela Europa, Ásia, África do Norte e América (3).
Na Península Ibérica, a bolota surge abundantemente nas regiões oeste e sudoeste, em sistemas agro-silvo-pastoris denominados Montado em Portugal e Dehesa na Espanha, compostos maioritariamente por azinheiras (Quercus ilex/ rotundifolia) e sobreiros (Quercus suber) (2, 4, 5). Em Portugal, pode também ser encontrada a norte, em sistemas de carvalhais de outras espécies (Quercus robur, Q. faginea, Q. canariensis, Q. coccifera, Q. lusitanica e Q. pyrenaica/ nigra) (4, 6). Estes sistemas possuem elevado valor natural, sendo considerados sustentáveis, assim como os seus recursos (4). Todas as bolotas, deles oriundas, são edíveis se processadas adequadamente para remover os taninos naturalmente presentes (2, 6), os quais podem causar toxicidade em grandes quantidades (6). Ainda assim, em termos legais, apenas a bolota de azinheira (Q. ilex/ rotundifolia) é autorizada no Mercado da União Europeia (7), dado possuir menor teor de taninos; destacando-se por isso, a necessidade de reunir esforços para definir os tratamentos necessários a cada espécie, tornando seguro e adequado o seu uso na indústria alimentar.
Em Portugal, a produção média anual de bolota ronda as 400 mil toneladas (8), ocupando uma área de cerca de 1 200 000 hectares (9), muito superior à área dedicada para produção de castanha e amêndoa (4). Estima-se que 55% desta quantidade fique no solo onde contribui para a regeneração do sistema do Montado, 21% seja utilizada na engorda em montanheira da raça suína alentejana, 20% devorada pela fauna selvagem, 3% destinada à engorda de outras espécies pecuárias e apenas 1% transformada em farinha (8). A região portuguesa em que existe maior disponibilidade de bolota é o Alentejo (6), sendo onde se verifica uma maior prevalência de situações de insegurança alimentar moderada a grave, a nível nacional (10). Além do Alentejo, há um número crescente de famílias portuguesas em situação de insegurança alimentar, sendo que entre 2015 e 2016, 10,1% das famílias portuguesas (214 000 famílias a nível nacional) sentiram dificuldade em providenciar alimentos suficientes por falta de recursos financeiros (10). Neste contexto, acredita-se que a bolota poderia contribuir para o acesso a alimentos seguros e nutritivos (1, 3, 11, 12), produzidos de forma sustentável (4), além de contribuir para a manutenção da economia local, do ecossistema e da diversidade biocultural (4).
Assim, foi levada a cabo uma revisão narrativa da literatura com o intuito de investigar o consumo humano de bolota em Portugal, respetiva cadeia de processamento e o seu impacto na saúde.
METODOLOGIA
As bases de dados usadas para rever a literatura incluíram a Medline (PubMed), ScienceDirect, Elsevier, Web of Science e Repositórios de Acesso Aberto, usando as expressões: bolota, acorn, balanofagia, balanophagy, valor nutricional da bolota, acorn nutritional value, farinha de bolota, acorn flour, óleo de bolota, acorn oil, cadeia de processamento da bolota e acorn processing chain. Recorreu-se, ainda, ao Google Académico, com as frases: produção anual de bolota em Portugal e consumo de bolota em Portugal. A pesquisa foi limitada aos últimos dez anos, quando a bolota começou a ser reintroduzida em produtos alimentares no mercado português.
RESULTADOS
Consumo de Bolota: Contexto Histórico em Portugal
Em Portugal, o consumo humano de bolota, designado balanofagia, remonta a tempos pré-históricos, tendo decorrido amplamente até por volta do segundo e terceiro quartis do século XX, aquando o agravamento da qualidade de vida, sobretudo na região do Alentejo (2, 4). O racionamento causado pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra Civil Espanhola, conduziu à dependência do que a terra podia oferecer, incluindo a bolota, convertendo-a num símbolo de fome, pobreza e retrocesso (2, 4, 5). A bolota era colhida e dividida entre ração para gado e dieta humana (2). Era preferida a bolota de azinheira por ser considerada a mais doce, embora também se usassem bolotas de outras espécies, após a remoção dos taninos que as tornavam mais amargas, por imersão em água corrente (4,5). A bolota tanto era consumida crua após a colheita, como cozida em água com anis ou couve, ou ainda fumada ou seca, o que permitia a sua conservação ao logo do ano (2, 4, 5). O seu óleo era também extraído para consumo familiar: a bolota era esmagada e cozida e o óleo surgia a flutuar (2). Já a bolota seca podia ser torrada e usada para preparar uma bebida substituta do café, ou moída e a sua farinha usada em diversas receitas, tanto doces como salgadas, tais como pão, puré, omelete e migas (1, 2, 4, 5). A partir da água da cozedura, preparava-se também uma bebida medicinal, para tratamento da diarreia (2).
No período do Pós-Guerra e após a Revolução de 25 de Abril de 1974, a qualidade de vida melhorou, conduzindo a uma menor dependência do que a terra oferecia e progressiva utilização de lojas para a alimentação (4). Com isso, o consumo humano de bolota caiu em desuso, reservando-se o seu uso como ração do Porco Preto Ibérico, para a produção do célebre presunto Ibérico (4), até começar a ressurgir na última década, em diversos produtos alimentares incluindo bolachas, biscoitos, pão, iogurtes, infusões, bebidas vegetais, patês, entre outros (2, 4, 11). As empresas responsáveis por estes produtos têm sido movidas não só pelo interesse em diversificar os seus rendimentos, mas também pela crescente procura e interesse dos consumidores por uma dieta mais saudável e sustentável, fazendo-a ressurgir como um elemento de prestígio e ruralidade (2, 4). Desta forma, e atendendo ao seu contexto histórico, além da qualidade nutricional, a valorização da bolota poderá passar por reconhecê-la como componente do folclore gastronómico mediterrânico.
Bolota: Composição Química e Saúde
No âmbito da saúde, a evidência mostra que a bolota poderá ser reconhecida como alimento funcional (1, 3, 6), sobretudo pelos altos teores de compostos fenólicos, presentes em todas as espécies de Quercus. Estes, estão associados a ações antioxidantes, antibacterianas, antimicrobianas, antifúngicas, anti-inflamatórias, anticancerígenas, antidiabéticas, antiacneicas e cardioprotetoras (1, 3, 12, 13). Além da composição fenólica, a bolota poderá ser útil na prevenção e tratamento de diversas condições de saúde, tais como distúrbios gastrointestinais (diarreia e indigestão), infeções do trato urinário e da pele, asma, e ainda, na proteção contra a doença de Alzheimer (1, 3, 6), embora sejam necessários mais estudos para fortalecer esta evidência e explorar outros possíveis efeitos na saúde. Na medicina tradicional é descrito o uso do seu miolo como adstringente, antidiarreico e antídoto para mordeduras de serpentes (2).
Além da inclusão em produtos inovadores como descrito, a bolota apresenta potencial para ser consumida sob a forma de fruto seco (à semelhança das castanhas), farinha (devido ao alto teor de amido) e/ ou óleo alimentar (com propriedades semelhantes ao azeite) (1, 6, 13).
Bolota (fruto inteiro, miolo e casca)
Existe uma grande variabilidade não só entre as diferentes espécies de Quercus, mas também dentro da mesma espécie e indivíduos, no que respeita a forma, tamanho, sabores e composição química, que pode variar conforme o clima, a composição do solo, a origem geográfica e o grau de maturação (1). Ainda assim, sabe-se que, em geral, os hidratos de carbono constituem a sua principal reserva de energia, maioritariamente na forma de amido, apresentando ainda, açúcares livres, como glicose e sacarose, um relevante teor de lípidos e uma concentração baixa em proteína (6, 11). Em termos de micronutrientes, contêm Fe, Cu, Zn, Mn, Ca, Mg, P e K (1, 6, 11), bem como, vitamina E e pro-vitamina A (1).
Os nutrientes não estão distribuídos da mesma forma em todas as camadas do fruto, o que se reveste de especial importância para avaliação do consumo do fruto e aproveitamento das suas partes. O fruto inteiro, apresenta um maior teor de proteína, α-tocoferol e licopeno, enquanto o miolo contém mais gordura, hidratos de carbono e tocoferóis, sendo que ambos contêm teores semelhantes de ácidos gordos mono- e polinsaturados e, os pericarpos, conteúdos superiores de hidratos de carbono e β-caroteno (6).
A bolota de azinheira, em comparação com a de carvalho, possui uma maior quantidade de hidratos de carbono e lípidos, e menor teor proteico, embora o perfil lipídico de ambas pareça ser semelhante (6), incluindo maioritariamente ácidos gordos insaturados (oleico e palmítico) e polinsaturados (linoleico (n-6) e linolénico (n-3)) (6, 11, 14). Estes ácidos gordos participam na modulação do sistema imune, ao reduzirem a ação de compostos inflamatórios; regulam o perfil lipídico (colesterol e triglicerídeos) e reduzem o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, bem como, redução da pressão arterial, dos níveis séricos de glicose e de proteína C-reativa (6, 14). A bolota de azinheira é também a que possui, geralmente, menor teor de taninos, logo um sabor menos adstringente, menor probabilidade de causar toxicidade (1, 6) e de revelar propriedades antinutricionais (15).
Todas as bolotas são isentas de glúten e, portanto, adequadas a indivíduos celíacos, podendo contribuir assim para a variedade e melhoria do valor nutricional das suas dietas (15). Constituem ainda boas fontes de fibra e amido resistente, podendo ser usadas como prebióticos (1).
Farinha de Bolota
A farinha de bolota reflete em grande parte a qualidade nutricional do fruto original, dependendo do grau de processamento. Um estudo recente conduzido pela Universidade Católica Portuguesa revelou que a farinha obtida através do miolo de bolotas de azinheira da região do Alentejo possui 75-84% de hidratos de carbono, sobretudo amido (52 58%), 11-18% de fibra, 8-14% de lípidos e apenas 4-5% de proteínas (12). Embora não tenham sido descritos açúcares livres neste estudo (12), outros trabalhos mostram a presença de manose, sacarose, maltose, glicose e frutose (6, 11). Noutro estudo foram identificados também elevados valores de ácidos gordos mono- e polinsaturados, sobretudo ácido oleico (60%) e linoleico (15%) (16).
O teor de fibra contido na farinha de bolota é superior ao do fruto inteiro, por cada 100g de farinha obtida a partir do miolo de bolota (12). Ainda assim, tanto a farinha como o fruto inteiro constituem boas fontes de compostos bioativos e antioxidantes, variando o teor em compostos fenólicos conforme o método de processamento (1, 11). O tratamento térmico da bolota demonstrou reduzir o teor de taninos e aumentar o de antioxidantes, melhorando significativamente a atividade antioxidante do produto final (16, 17).
A farinha de bolota constitui uma potencial alternativa às farinhas convencionais, como a de trigo, pelo seu elevado valor nutricional (1, 12, 16). A farinha de bolota refinada, conforme se pode verificar na Tabela 1, fornece quantidade superior de fibra, em relação à farinha de trigo (tanto integral como refinada, em média), contribuindo assim para uma melhor saúde intestinal e prevenção da diabetes (1, 6, 12, 16). Possui também um maior teor lipídico que, tendo em conta o seu perfil, poderá contribuir para melhor saúde cardiovascular se enquadrado numa alimentação saudável (1, 11, 14). E, embora contenha um menor teor proteico (16), a farinha de bolota é igualmente um produto interessante para celíacos uma vez que não só é isenta de glúten, tal como o fruto que lhe dá origem, mas o seu amido atua também como um agente espessante e estabilizador; sendo, por isso, interessante para a produção de produtos de padaria e pastelaria sem glúten (1, 12, 15). Esta, proverá nutrientes e compostos bioativos, como vitaminas e polifenóis não existentes na farinha de trigo, enriquecendo os produtos finais com propriedades antioxidantes (12, 15, 16).
VALOR NUTRICIONAL | FARINHA DE BOLOTA | FARINHA DE TRIGO |
---|---|---|
Energia (kcal/kJ) | 438 1 834 | 349 1 480 |
Hidratos de Carbono (g) | 79,7 | 73,7 |
Açúcares (g) | n.d. | 2,1 |
Lípidos (g) | 11,2 | 1,5 |
Ácidos gordos saturados (g) | 2 | 0,3 |
Proteínas (g) | 4,6 | 8,5 |
Fibra (g) | 14,4 | 3,3 |
Referências | (12) | (24) |
n.d.: não determinado
A partir da torra da farinha de bolota, obtém-se ainda uma bebida designada “café de bolota”, que consiste numa infusão cuja composição pode ser significativamente afetada pelo método de processamento. Quando obtida por cozedura e torra possui um maior teor de minerais do que aquele obtido por torra da bolota crua, uma vez que o processo de cozedura aumentará a disponibilidade dos mesmos (18).
Óleo de Bolota
O conteúdo de óleo presente na bolota poderá atingir os 30%, dependendo da espécie (1, 17), sendo que as mais comuns em Portugal, também designadas espécies brancas, como Q. rotundifolia, Q. faginea e Q. suber, não excedem cerca dos 12% (1, 19). O óleo de bolota, à semelhança do fruto, constitui uma fonte saudável de ácidos gordos insaturados, sobretudo ácido oleico e ácidos gordos essenciais como o linoleico e o linolénico (14); podendo as suas percentagens variar de acordo com a espécie (1).
A quantidade de ácido oleico presente no óleo de bolota (63%) é superior ao de óleos de outras frutas usualmente considerados uma fonte lipídica natural, tais como os óleos de noz (21%), amendoim (38,41%) e mostarda (36,7%), sendo apenas excedido pelo azeite (56-84%) (14). Assemelha-se ao azeite, em termos de sabor, cor, índice de refração, coeficiente de extração de UltraVioleta, índice de saponificação e índice de iodo, apresentando boa estabilidade oxidativa (1, 6, 20). O seu elevado valor nutricional poderá desempenhar um importante papel na prevenção da diabetes e de doenças cardiovasculares (14). Alguns estudos sugerem o seu uso como um novo óleo funcional devido à sua notória atividade antioxidante, relacionada com os seus compostos fenólicos, tocoferóis e fitoesteróis que ajudam na proteção de stress oxidativo e previnem a oxidação de lípidos em alimentos ricos em gorduras (14).
Bolota: Processamento
Independentemente da forma em que ocorre o consumo de bolota, seja sob forma de fruto seco, farinha ou óleo, existe sempre um processamento prévio, que poderá decorrer de diferentes modos (Figura 1), conforme a mão-de-obra disponível e o nível de mecanização das empresas (21).
Relativamente à produção de farinha de bolota, geralmente, inicia-se com a colheita da bolota, seja manualmente à medida que esta cai da árvore ou utilizando um varejador elétrico manual (semelhante ao utilizado na apanha da azeitona), seguindo-se a apanha do chão e separação dos frutos e cúpulas (4, 21). Sendo esta fase implementada pelos respetivos proprietários, não é requerida qualquer licença (21). Para a produção de farinha de bolota, poderão ser usadas bolotas transformadas ou frescas, ainda que as últimas possam comprometer a sua conservação (1). Tipicamente, no segundo passo, procede-se à remoção dos taninos, que poderá acontecer de várias formas: cozendo as bolotas, imergindo-as em água por alguns dias permitindo a lixiviação dos taninos, auxiliada por determinados componentes, tais como terra vermelha rica em ferro, cinzas de lenha ou bicarbonato de sódio; ou ainda, por torra ou secagem (2). Este processo é facilitado quando os frutos têm um menor teor de taninos à partida, se forem selecionadas as árvores com frutos mais doces e aguardar pela sua completa maturação (1). No entanto, a remoção total de taninos nem sempre é desejável, tendo em conta que estes compostos parecem ajudar a preservar a farinha (4). Por este motivo, uma empresa na região do Alentejo, recriou um antigo processo de fumeiro (designado de “caniço”), colocando as bolotas sob uma estrutura de madeira a temperatura controlada, para que ao invés de serem torradas, possam secar lenta e uniformemente, preservando assim, parte dos taninos e facilitando a remoção da casca. Ao combinar as fases de remoção de taninos com a secagem, reduzem-se os custos de produção da farinha (4).
Segue-se geralmente, a secagem, que pode ocorrer em diferentes fases ou em simultâneo com a fase anterior à produção de farinha de bolota (16). Este passo é fundamental para aumentar a durabilidade do produto final, dada a quantidade inicial de humidade presente na bolota (37-44,3%), reduzindo a atividade bacteriana e fúngica (4, 16). A farinha de bolota preparada a partir de bolotas secas, em vez de torradas, possuirá também maior validade, por apresentar menos humidade e, portanto, menor atividade de água (1, 12).
Na produção de farinha de bolota refinada, obtida somente a partir do miolo, é realizado de seguida o descasque das bolotas, manualmente ou com a ajuda de um descascador elétrico, enquanto na produção de farinha integral de bolota, se omite este passo permitindo assim, reduzir os custos associados por requerer um menor número de etapas de processamento (21).
Por fim, ocorre a moagem, recorrendo por norma a um moinho elétrico, o qual possibilita o embalamento semi-automático, permitindo assim, a omissão desse passo manual (1, 21). Foi descrito ainda que, outros processos tais como a fermentação e germinação, podem melhorar as propriedades físico-químicas e funcionais, aumentando o teor mineral da farinha e a sua digestibilidade. A fermentação beneficia ainda, a composição em aminoácidos e o teor de vitaminas, aumenta a disponibilidade de proteína e amido, diminuindo os níveis de antinutrientes; enquanto a germinação aumenta os aminoácidos limitantes livres e as vitaminas disponíveis (16, 22). Estas técnicas permitem obter farinhas de cor mais clara, com elevada capacidade de absorção de água e de gordura, em comparação com a farinha de bolota natural (22).
O óleo de bolota pode ser extraído através de fervura, moagem ou pressão. Atualmente, segundo a literatura, é preferível o uso da pressão a frio, por usar menos energia que os outros e contribuir para a curta duração do processo, sendo ambientalmente mais sustentável (14, 20). Outra técnica comum passa pela utilização de solventes orgânicos (como o éter de petróleo), prática cada vez menos encorajada uma vez que são difíceis de remover na totalidade, podendo contaminar o produto final e causar toxicidade (14).
Excetuando a farinha integral de bolota, que permite o aproveitamento da bolota na íntegra, há uma oportunidade de estabelecimento de parcerias entre diferentes indústrias, promovendo uma economia circular, como já acontecia nos anos 70 na região do Alentejo, onde a indústria de extração de óleo era complementada com outras indústrias, nomeadamente de extração de açúcar e incorporação da farinha reminescente em rações (4).
ANÁLISE CRÍTICA
A bolota apresenta-se como um fruto altamente nutritivo e rico em fitoquímicos, que pode ser aproveitado na íntegra sob a forma de diversos produtos. Atualmente, no mercado português, os produtos alimentares à base de bolota apresentam preços de venda ao público que variam entre 0,39€/kg e 40€/kg, conforme o nível de processamento, os métodos selecionados e os materiais utilizados (4). À farinha de bolota têm sido atribuídos custos de comercialização entre 10-32€/kg, contrastando significativamente com os da farinha de trigo que rondam os 0,79-2€/kg, limitando o acesso por grande parte da população. Os custos devem-se sobretudo ao subdesenvolvimento da cadeia de processamento da bolota, que requer mais mão-de-obra e fases de processamento, tornando-se economicamente dispendiosa e consumindo mais tempo comparativamente a outros cereais. Considerando a evidência apresentada e a abundância da bolota em Portugal, os autores acreditam que os custos poderão ser diminuídos com o aumento da procura, através da utilização de maiores quantidades de bolota, bem como, otimização e automatização dos processos.
Além disso, sendo um produto nacional, encurta a cadeia de processamento e aproxima o produtor ao consumidor, representando uma cadeia de valor sustentável e resiliente, igualmente menos sujeita a quebras na cadeia de abastecimento e alterações climáticas, comparativamente com o trigo, por exemplo (23). Neste sentido, ressalta-se a necessidade de desenvolver a sua cadeia de processamento, a fim de obter não só produtos de melhor qualidade, mas também a custos mais acessíveis, conduzindo ao aumento da procura, o que por sua vez poderia estimular as empresas a investir neste mercado.
Por outro lado, deve acautelar-se a sustentabilidade aquando da intensificação da industrialização da cadeia de processamento da bolota, para que não seja incoerente com o sistema sustentável de onde é oriunda, à semelhança do que se tem verificado em sistemas super intensivos para alimentação de gado suíno (4). Torna-se igualmente importante o estabelecimento de diretrizes por parte da União Europeia, que permitam combinar a produção alimentar com a preservação da natureza, onde o montado representa uma ótima oportunidade. Verifica-se, ainda, a necessidade de novos estudos que permitam uma caracterização abrangente das diversas espécies de Quercus, que esclareçam as propriedades a si associadas e possível classificação como alimentos funcionais, bem como, a exploração de métodos de processamento adequados e otimizados para cada espécie, produto final e objetivo.
CONCLUSÕES E PERPETIVAS FUTURAS
A bolota é um recurso natural altamente nutritivo e atualmente subvalorizado, com potencial para ser incorporado na alimentação de forma segura. É um recurso com potencial para ajudar a combater a insegurança alimentar de forma sustentável, sobretudo em zonas onde a bolota existe abundantemente, coincidindo muitas vezes com áreas de grande prevalência de insegurança alimentar. A evidência reunida sugere a promoção da exploração da bolota como um recurso sustentável para consumo humano em Portugal, com potenciais benefícios para a saúde, embora sejam necessários mais estudos sobre o impacto do consumo de diferentes espécies de Quercus na saúde. Não sendo passível de ser consumida crua, o seu consumo implica sempre algum tipo de processamento. A ainda baixa procura por estes produtos e necessidade de desenvolvimento da cadeia de valor são os principais responsáveis pelos elevados custos associados aos produtos alimentares à base de bolota no mercado português. Assim, as maiores necessidades para a exploração eficiente deste fruto recaem na sensibilização da população e indústria de que é um recurso abundante subaproveitado com alto valor nutritivo, e na exploração e otimização dos métodos de processamento, tornando-os mais rentáveis e adequados a cada espécie de Quercus e a cada produto final, a fim de alcançar produtos com menor adstringência, melhor perfil nutricional e fitoquímico.
AGRADECIMENTOS
Este artigo foi desenvolvido no âmbito de uma colaboração com a Herdade do Freixo do Meio (em Montemor-O-Novo, Évora) e, portanto, inspirado e apoiado pelo seu trabalho e comunidade.
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
ERM: Investigação, Escrita - rascunho original, Escrita - revisão e edição; AF: Investigação, Validação, Supervisão, Escrita - revisão e edição; ACS: Validação, Supervisão, Escrita - revisão e edição; AV: Validação, Supervisão, Escrita - revisão e edição; VSR: Validação, Supervisão, Escrita - revisão e edição.