INTRODUÇÃO
O desenvolvimento precoce de comportamentos alimentares saudáveis, incluindo os comportamentos relacionados com o apetite, tende a ser decisivo para o estado de saúde do indivíduo ao longo da vida e para a prevenção de determinadas doenças crónicas, como é o caso da obesidade (1).
Entende-se por comportamentos alimentares relacionados com o apetite, o “conjunto de predisposições relacionadas com os alimentos e com o início e término das refeições”, incluindo aspetos como “a fome, o apetite, a saciedade e a resposta a estímulos alimentares”, que “influenciam a seleção e as escolhas alimentares” do indivíduo (2). Estes comportamentos emergem da combinação de fatores genéticos e biológicos, moldados pelas influências do ambiente em que nos encontramos (3) e tendem a ser agrupados em comportamentos de “aproximação à comida” e em comportamentos de “afastamento à comida” (4, 5). Os comportamentos de “aproximação à comida” estão relacionados com um maior apetite. Por sua vez, os comportamentos de “afastamento à comida” estão relacionados com um menor apetite.
Os comportamentos relacionados com o apetite têm sido avaliados através de questionários aplicados aos cuidadores, tal como no Child Eating Behaviour Questionnaire (CEBQ) (6). Este instrumento foi desenvolvido por Wardle et al. (2001), que tiveram como objetivo avaliar os comportamentos alimentares que implicam modificações no peso corporal em crianças, utilizando uma amostra de crianças com idades compreendidas dos dois aos sete anos de idade (6). O CEBQ é constituído por 35 itens que avaliam oito dimensões alusivas aos comportamentos do apetite em que os cuidadores classificam cada item numa escala de Likert de um (nunca) a cinco (sempre) (6). Neste sentido, as subescalas definidas são: “Resposta à saciedade”, “Ingestão lenta”, “Seletividade alimentar”, “Resposta à comida”, “Prazer em comer”, “Desejo de beber”, “Sobre-ingestão emocional”, e “Sub-ingestão emocional” (6). Viana et al. (2008) traduziram e adaptaram esta escala para crianças portuguesas, com idades compreendidas de 3 a 13 anos (4).
De acordo com a literatura, vários fatores de início de vida têm vindo a ser associados aos comportamentos relacionados com o apetite nas crianças (2, 3, 5 ,7). Desta forma, torna-se de extrema relevância estudar como a gravidez e os fatores de início de vida podem estar associados com os comportamentos relacionados com o apetite, e compreender o seu papel na saúde e bem-estar do indivíduo ao longo da vida.
METODOLOGIA
A presente revisão narrativa da literatura baseou-se numa pesquisa bibliográfica nas bases de dados Medline (Pubmed) e ScienceDirect e a pesquisa dos artigos científicos realizou-se de janeiro a junho de 2022. Utilizaram-se as seguintes palavras-chave: “appetitive traits”, “child eating behaviour”, “feeding behaviours”, “infant”, “children”, “toddler”, “early life factors”, “early life exposures”. Foram incluídos apenas artigos em língua inglesa e portuguesa. Não foi efetuada qualquer restrição na pesquisa para o tipo de estudo nem para o seu ano de publicação. Foram selecionados 170 artigos potencialmente relevantes tendo em conta o título e o resumo dos mesmos. Posteriormente, efetuou- -se leitura integral destes artigos, tendo sido selecionados 89 para a elaboração da presente revisão.
RESULTADOS
Os principais resultados encontram-se descritos a seguir e estão subdivididos nas seguintes temáticas “Comportamentos alimentares relacionados com o apetite e desfechos em saúde” e “Comportamentos alimentares relacionados com o apetite na infância e relação com a gravidez e fatores de início de vida”. Estes dados foram sumariados na Tabela 1.
Entende-se por comportamentos de “afastamento à comida”: “Resposta à saciedade”, “Ingestão lenta”, “Seletividade alimentar”, “Resposta à comida” e “Sub-ingestão emocional”. Por sua vez os comportamentos de “aproximação à comida” são: “Prazer em comer”, “Desejo de beber” e “Sobre-ingestão emocional”.
Comportamentos Alimentares Relacionados com o Apetite e Desfechos em Saúde
Segundo a Teoria da Suscetibilidade Comportamental, as diferenças nos genes associados com o apetite determinam o motivo pelo qual algumas pessoas comem em excesso e outras não, tendo em conta o ambiente alimentar em que se encontram (8). Indivíduos que têm, na sua constituição genética, genes que promovem um apetite mais ávido, parecem ser mais vulneráveis em comer uma maior quantidade de alimentos e em desenvolver um maior aumento de peso (5). Para além disso, o ambiente alimentar envolvente, principalmente proporcionado pelos cuidadores à volta da criança, parece influenciar a regulação dos comportamentos alimentares em idades precoces (2). Através da análise da literatura, foi possível compreender que existe evidência científica crescente que estabelece uma associação clara entre os comportamentos alimentares relacionados com o apetite e o risco de excesso de peso num ambiente obesogénico (5, 6, 8). Alguns estudos indicam ainda que uma ingestão rápida durante as refeições (5, 9), uma baixa capacidade de resposta à saciedade (4, 9-11), uma maior resposta à comida, ou seja, comer em resposta/como consequência da exposição ao cheiro e aparência dos alimentos (5, 9-11) e um maior prazer em comer (5, 10) predispõe o indivíduo a um maior aumento de peso. Contudo, comportamentos mais relacionados com a rejeição da comida, nomeadamente, a elevada capacidade de resposta à saciedade e a ingestão lenta durante as refeições, têm sido inversamente associadas ao Índice de Massa Corporal (IMC) em crianças (5, 9-18). Estes dados contribuem para clarificar a razão pela qual algumas crianças são mais suscetíveis de adquirirem obesidade. De facto, numa meta-análise que incluiu 27 estudos transversais com crianças dos dois aos doze anos de idade e que analisavam a associação entre as subescalas do CEBQ e o IMC, foi possível concluir que as subescalas de “aproximação à comida” estavam positivamente associadas à adiposidade e as subescalas de “afastamento à comida” estavam negativamente associadas à adiposidade (5), corroborando com os estudos anteriormente citados. Para além disso, alguns resultados indicam que o aumento da adiposidade e um elevado IMC aumentam a probabilidade do desenvolvimento de um apetite mais ávido (5, 19-21), propondo existir uma relação bidirecional entre os comportamentos relacionados com o apetite e o IMC (10, 20-22).
O excesso de peso e, concretamente, a obesidade tem sido considerados fatores de risco para o desenvolvimento de diversas doenças crónicas, tais como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares (23, 24), para além de que crianças com obesidade têm uma maior probabilidade de se tornarem adolescentes e adultos com obesidade, em comparação com as que têm o peso normal (25). Warkentin et al. (2020), observaram que os comportamentos relacionados com o apetite de “aproximação à comida” aos sete anos de idade aumentavam o risco cardiometabólico três anos mais tarde e os comportamentos de “afastamento à comida” protegiam desse risco. Os autores verificaram que estes resultados podem, em parte, ser explicados pelo peso corporal das crianças, que tem demonstrado apresentar influencia no risco cardiometabólico na infância (26).
Por outro lado, os comportamentos de “afastamento à comida” têm vindo a ser associados com situações de seletividade e neofobia alimentar, especialmente em crianças de um a seis anos de idade (27) e, consequentemente, têm sido associadas ao risco de desenvolverem baixo peso (28). McCarthy et al. (2015), observaram, em crianças com dois anos de idade, que as subescalas “Resposta à saciedade”, “Seletividade alimentar” e “Ingestão lenta” do CEBQ estavam positivamente associadas com o risco de as crianças desenvolverem baixo peso (17). Estes dados encontram-se concordantes com outros estudos em crianças mais velhas (4, 29, 30). O baixo peso na infância pode ter implicações a longo prazo, nomeadamente atrasos no desenvolvimento físico e cognitivo e défices nutricionais (31).
Como tal, o início da infância demonstra ser um período único e crítico para intervir na aquisição de comportamentos alimentares saudáveis, uma vez que a evidência científica demonstra ter impacto nos comportamentos relacionados com o apetite na vida futura e, consequentemente, no estado de saúde e bem-estar dos indivíduos (16, 32).
Comportamentos Alimentares Relacionados com o Apetite na Infância e Relação com a Gravidez e Fatores de Início de Vida
Neste capítulo serão abordados os fatores de início de vida referentes à grávida, à criança no nascimento, à amamentação, à alimentação complementar e aos seus respetivos métodos.
Fatores de Início de Vida: Caraterísticas da Grávida
Algumas caraterísticas da mulher, antes e durante a gravidez, parecem, de acordo com a literatura, estar associadas com os comportamentos relacionados com o apetite da criança e, consequentemente, na evolução do seu peso ao longo do tempo. Entre estes fatores, destaca-se a idade materna (12), o nível de escolaridade (12, 33), o IMC pré-gravidez (12, 34-37), o ganho de peso gestacional (34, 38) e o consumo de tabaco durante a gravidez (12, 34).
Dubois et al. (2007), verificaram que crianças de mães mais jovens apresentavam uma maior tendência de comer em excesso (apetite aumentado) aos dois anos e meio de idade, em comparação com as crianças de mães mais velhas (39). Por sua vez, Albuquerque et al. (2012), observaram que filhos de mulheres com idade igual ou superior a 35 anos apresentavam menor desinibição do apetite aos sete anos de idade, em comparação com os filhos de mulheres com idade menor a 25 anos (12), corroborando com o estudo anteriormente referido. No entanto, Masztalerz-Kozubek et al. (2022), não verificaram associações entre a idade materna e as subescalas do CEBQ (40).
Níveis de escolaridade materna mais elevados, segundo o estudo de Ayine et al. (2021), numa amostra de 169 crianças dos seis aos dez anos de idade, associou-se a uma menor resposta à comida e a uma menor ingestão emocional por parte dos filhos (33). Um estudo realizado em Portugal observou também uma influência da educação materna nos comportamentos relacionados com o apetite, verificando que filhos de mulheres com uma escolaridade mais elevada apresentavam uma menor desinibição do apetite aos 7 anos de idade (12).
Segundo Desai et al. (2020), crianças de mulheres grávidas com obesidade que seguem uma alimentação rica em gordura ou que têm diabetes melittus gestacional apresentam um maior risco de desenvolverem obesidade e síndrome metabólica (41). Em concordância com esta revisão, tem vindo a ser demonstrado na literatura que um IMC pré-gravidez elevado se associa, positivamente, a um maior ganho de peso nas crianças até ao primeiro ano de vida (35). Relativamente à relação destes fatores com os comportamentos relacionados com o apetite, crianças de mães com obesidade parecem ter um apetite mais ávido e uma menor rejeição à comida durante a infância (12, 36). A literatura tem demostrado que mães com excesso de peso apresentam maiores preocupações alimentares individuais, desenvolvendo hábitos alimentares mais restritivos quando percebem que seus filhos apresentam ou estão em risco de desenvolver excesso de peso (36).
Um estudo realizado em crianças, com idades dos três aos cinco anos de idade, indicou que um elevado IMC pré-gravidez se associou positivamente com as subescalas “resposta à comida” e “prazer em comer” do CEBQ (37). Por sua vez, um estudo realizado em Portugal observou que um elevado IMC pré-gravidez apresentou associação com um maior nível de “prazer em comer” e com um menor nível de “reposta à saciedade”, em crianças com três meses de idade, apesar desta associação deixar de ser significativa aos doze meses de idade (34).
Segundo a literatura, um elevado ganho de peso gestacional é considerado um fator de risco para a obesidade infantil (42). Em Portugal, verificou-se uma associação positiva entre o ganho de peso gestacional e a capacidade de resposta à comida em crianças com três meses de idade e uma associação negativa com a capacidade de resposta à saciedade nas mesmas crianças com doze meses (34). Este resultado pode explicar o risco acrescido do desenvolvimento de obesidade infantil aquando de um elevado ganho de peso gestacional (38). Porém, um estudo com crianças de seis meses (43) e outro com crianças dos três aos cinco anos de idade (37) não verificaram associações significativas entre este fator e os comportamentos relacionados com o apetite. Mais estudos são necessários para melhor compreender de forma robusta esta relação.
Apesar de a diabetes gestacional parecer ter efeito no aumento do risco da obesidade infantil (44, 45). Costa et al. (2023), não verificaram associações significativas entre esta patologia e os comportamentos relacionados com o apetite aos seis e aos doze meses de idade. Contudo, os autores ressalvam que este resultado pode dever-se a um baixo poder estatístico, uma vez que na sua amostra tinha poucas mães com diagnóstico de diabetes gestacional (34). Posto isto, mais estudos são necessários para estudar esta variável e a sua associação com os comportamentos relacionados com o apetite, uma vez que a literatura é escassa no que respeita a esta temática.
Por sua vez, o consumo de tabaco na gravidez tem-se vindo a associar com os comportamentos relacionados com o apetite. Estudos realizados em Portugal indicam que, crianças de mães que fumaram durante a gravidez apresentam uma maior desinibição do apetite, ao longo da infância (12). Para além de uma menor capacidade de resposta à saciedade em crianças com três meses de idade (34). Estes resultados podem corroborar a tendência que existe para o aumento do risco de excesso peso em crianças com mães que fumaram durante a gravidez (46, 47).
Fatores de Início de Vida: Caraterísticas da Criança ao Nascimento
Fatores como o sexo (6, 48, 49), o peso ao nascimento (34, 40, 50) e a idade gestacional (34, 50) parecem, segundo a literatura, poder ter algum impacto nas modificações dos comportamentos alimentares relacionados com o apetite, em crianças com idade precoce.
Apesar de alguns estudos não apresentarem qualquer associação significativa entre os comportamentos alimentares relacionados com o apetite e o sexo (36, 40, 51), Wardle J et al. (2001), referem que os rapazes, com idades dos dois aos sete anos, em relação às raparigas com a mesma idade, apresentavam uma maior seletividade alimentar (6). Obidoa et al. (2021), também verificaram que os rapazes nigerianos com idades dos oito aos doze anos de idade, tendiam a ser menos recetivos à comida e mais seletivos em comparação com as raparigas (48). Por outro lado, de la Fuente-Reynoso et al. (2020), afirmaram que os rapazes, entre os seis e os doze anos, apresentavam uma maior resposta à comida e uma maior sobre ingestão emocional, em comparação com as raparigas da mesma idade (49). Como os estudos existentes não são concordantes, compreende-se a necessidade de mais estudos que avaliem os comportamentos alimentares considerando os diferentes sexos.
Relativamente ao peso à nascença, Costa et al. (2024), num estudo na coorte BiTwin em Portugal, demonstraram que bebés que nasceram com um baixo peso para a idade gestacional, de acordo com as curvas crescimento de Yudkin (52), apresentavam uma elevada capacidade de resposta à saciedade aos três meses de idade, e uma baixa capacidade de resposta à comida aos doze meses de idade, patenteando um baixo interesse pela comida (34). Estes resultados vão ao encontro a outro estudo, com crianças entre os quatro e os vinte meses de idade, que identificaram uma ingestão mais lenta, uma maior capacidade de resposta à saciedade e um menor apetite no geral em crianças com baixo peso à nascença (50). Por sua vez, em crianças de um a três anos de idade, Masztalerz-Kozubek et al. (2022), verificaram que estas apresentavam pontuações mais baixas na subescala “resposta à comida” do CEBQ caso tivessem nascido com um menor peso, em comparação com aquelas que tinham nascido com um maior peso (40). Todos estes estudos parecem corroborar com a maior tendência para a rejeição de comida por parte das crianças que nascem com baixo peso (34, 50, 53, 54). Estes resultados podem justificar as diferenças no seu desenvolvimento, uma vez que apresentam maior predisposição para um menor peso, estatura e consequentemente um menor IMC durante a infância (55). Costa et al. (2023), verificaram também que a prematuridade não se associou aos comportamentos relacionados com o apetite em crianças com dozes meses de idade. No entanto, este fator encontrou-se associado a uma baixa resposta à comida aos três meses nas mesmas crianças (34). Por sua vez, noutro estudo, realizado em Inglaterra, a prematuridade foi associada a um menor apetite, caraterizado por uma baixa resposta à comida, a um menor prazer em comer e a uma maior capacidade de saciedade em crianças dos 4 aos 20 meses de idade (50). Porém, Masztalerz-Kozubek et al. (2022), não encontraram associações significativas entre a idade gestacional e os comportamentos relacionados com o apetite na infância (40).
Fatores de Início de Vida: Amamentação
A literatura aponta para uma certa influencia da ingestão de leite humano na aquisição de comportamentos alimentares ao longo da infância, incluindo o período de alimentação complementar (56, 57). Relativamente aos comportamentos relacionados com o apetite, de facto, os bebés que são amamentados apresentam uma maior capacidade de autorregularem a sua ingestão, em comparação com os bebés alimentados por biberão (43, 58). Esta associação pode dever-se ao facto de existir um menor controlo parental sobre a ingestão alimentar dos bebés, levando-os a uma maior resposta natural dos seus sinais internos de apetite (59, 60). Alguns autores indicam ainda que uma maior duração da amamentação, leva a uma maior capacidade de resposta à saciedade (59-61) e a uma menor resposta à comida (40, 43) e, consequentemente, a um menor risco de excesso de peso na infância (29).
Segundo Rogers et al. (2017), de acordo com a perceção das mães, a lentidão da ingestão alimentar aos 12 meses de idade é tanto maior quanto maior o tempo de duração da amamentação (62). De facto, parece que o aleitamento materno influencia o desenvolvimento de comportamentos alimentares mais lentos, o que pode aumentar a resposta à saciedade na primeira infância (63, 64). No entanto, um estudo em crianças com idades compreendidas entre os 24 a os 35 meses de idade não verificou associação entre a amamentação e a capacidade de resposta à saciedade (65).
Em Portugal, Costa et al. (2023), encontraram, através da aplicação do Baby Eating Behaviour Qustionnaire (BEBQ) em mães de bebés com três meses de idade, um aumento do prazer em comer e de resposta à comida naqueles que eram alimentados exclusivamente por leite materno (34). Contudo, nas mesmas crianças, mas já com 12 meses de idade, através da aplicação do CEBQ, verificou uma maior lentidão na ingestão de alimentos nas que tinham sido amamentadas (34). Já Albuquerque et al. (2017), verificaram que crianças que tinham sido amamentadas por um período igual ou superior a seis meses apresentavam uma menor desinibição do apetite aos 7 anos de idade (12).
Crianças alimentadas por fórmulas infantis apresentam uma maior associação a comportamentos de seletividade e neofobia alimentar em comparação com aqueles que são alimentados por leite humano (66, 67). O leite humano parece, de facto, proporcionar uma maior variedade de sabores para a criança, em detrimento das fórmulas infantis, possibilitando uma maior aceitação de novos alimentos nos primeiros anos de vida (57).
Fatores de Início de Vida: Alimentação Complementar
Num estudo de Schneider-Worthington et al. (2022), com crianças hispânicas de 12 e 24 meses de idade, a introdução precoce de alimentos, antes dos 4 meses de idade, foi associada a uma maior resposta à comida e a uma maior ingestão emocional nestas crianças (68). Para além disso, um outro estudo na Holanda verificou que o início da alimentação complementar antes dos quatro meses, se encontrava associado a uma menor capacidade de saciedade aos 5 anos de idade (69). Estes resultados parecem corroborar com o aumento do risco de excesso de peso observado em crianças que iniciam a alimentação alimentar precocemente (70-72). No entanto, Sanjeevi et al. (2022), e Albuquerque et al. (2017), não verificaram associações significativas entre a idade de início da alimentação complementar e os comportamentos relacionados com o apetite em crianças americanas aos seis meses de idade (73) e em crianças portuguesas aos sete anos de idade (12), respetivamente. Apesar disto, Sanjeevi et al. (2022), colocam a hipótese dos seus resultados terem um baixo poder estatístico, devido à baixa prevalência de crianças na sua amostra que iniciaram a alimentação complementar precocemente (73). Posto isto, os autores consideram que se verifica a necessidade de mais estudos que abordem este tema.
Por outro lado, crianças que iniciam a alimentação complementar após os seis meses parecem ter um menor prazer em comer aos cinco anos de idade (69). Northstone et al. (2001), e Blisset et al. (2013), indicam que as crianças que iniciam a alimentação complementar mais tarde do que o recomendado, têm demonstrado uma menor aceitação a novos alimentos ao longo da sua infância (74, 75). Não obstante, estes autores não avaliaram diretamente a influencia nos comportamentos relacionados com o apetite e como tal, torna-se necessário mais estudos que suportem esta hipótese.
Para além da idade de início da alimentação complementar, o tipo de alimentos e de bebidas que são oferecidos no início da alimentação complementar, parece influenciar os comportamentos relacionados com o apetite ao longo da infância e por consequência, a aceitação de diferentes alimentos. Os bebés que são expostos a uma grande variedade de alimentos mais saudáveis, durante o período da alimentação complementar em particular hortícolas e fruta, demonstram ter uma aceitação mais favorável deste tipo de alimentos ao longo da infância (75). Atualmente, sabe-se ainda que uma exposição repetida de diversos alimentos com sabores e texturas diferentes promove uma melhor aceitação desses mesmos alimentos, incluindo aqueles com sabores mais amargos e mais facilmente rejeitados, tais como diversos hortícolas (2, 76). Crianças que introduziram os hortícolas entre os quatro e os cinco meses de idade apresentaram menores pontuações na subescala “seletividade alimentar” do CEBQ, em comparação com crianças que introduziram este alimento após os seis meses de idade (28).
Por outro lado, no estudo de Albuquerque et al. (2017), as crianças que consumiram como primeiro alimento papas de cereais ou fruta demonstraram uma maior restrição do apetite aos sete anos de idade, em comparação com as que consumiram em primeiro lugar a sopa de hortícolas (12). Os bebés mostram uma preferência inata pelo sabor doce (77, 78) e a exposição precoce de alimentos com esta caraterística pode influenciá-los a sobrevalorizar e a promover um apetite mais ávido por estes alimentos (78, 79). Em Portugal, 10% das crianças experimentaram refrigerantes antes dos 12 meses de idade (80), contrariando as recomendações atuais que indicam a proibição da oferta de açúcar no primeiro ano de vida (76). Os cuidadores que oferecem, nesta fase de alimentação complementar, produtos açucarados com o objetivo de acalmar ou recompensar o bebé, correm o risco de os ensinar a utilizar a comida como uma forma para gerir as suas emoções, ignorando os sinais internos de fome e saciedade (68).
Fatores de Início de Vida: Métodos de Alimentação Complementar
O método de alimentação complementar Baby Led Weaning (BLW) tem vindo a ser um método cada vez mais escolhido pelos cuidadores para a introdução de novos alimentos, no período de alimentação complementar (81). Este método tem-se vindo a associar, na literatura, com efeitos benéficos para a saúde e para o bem-estar da criança, tais como um menor risco de excesso de peso (82, 83), a preferência por alimentos mais saudáveis (83, 84), um maior controlo no apetite (82), um aumento da capacidade de resposta à saciedade (82, 84) e uma participação mais frequente das crianças nas refeições familiares (85, 86), em comparação com o método tradicional.
Como no método BLW são os bebés que se alimentam, de forma autónoma, selecionando o alimento que querem ingerir, na quantidade e na velocidade desejadas, torna-se fácil compreender a associação deste método com uma maior capacidade de saciedade da criança, uma vez que estas conseguem adquirir uma maior capacidade de atenção para os seus sinais de fome e de saciedade no momento das refeições (82, 87). No caso do método tradicional, como são os cuidadores que controlam a ingestão alimentar, através da oferta dos alimentos pela colher, podem de forma consciente ou inconsciente, forçar a ingestão de certos alimentos, ignorando estes sinais de saciedade por parte da criança (82). Um estudo realizado em Portugal verificou, através da aplicação do Comprehensive Feeding Practices Questionnaire (CFPQ) aos cuidadores de crianças com idades dos três aos cinco anos, que os que seguiam o método BLW ou o método misto apresentavam uma menor tendência para pressionar os filhos a consumir uma maior quantidade de alimentos, em comparação com os que seguiam o método tradicional (81). Para além disso, MasztalerzKozubek et al. (2022), desenvolveram um estudo com 467 crianças de um a três anos de idade e verificou que as crianças que seguiam o método BLW ou o método misto, apresentavam pontuações mais elevadas na subescala “prazer em comer” e pontuações mais baixas na subescala “seletividade alimentar” do CEBQ, em comparação com as do método tradicional (40), encontrando-se estes resultados concordantes com outros estudos (84, 88, 89).
No entanto, apesar de terem sido apresentados, anteriormente, vários estudos que comprovam vantagens na utilização do método BLW, outros não demonstram associações entre este método e os comportamentos relacionados com o apetite supracitados (90, 91), demonstrando a necessidade de mais estudos neste âmbito.
ANÁLISE CRÍTICA
Perante a análise da literatura efetuada, verifica-se que diferentes fatores alusivos com a gravidez e o início de vida têm vindo a ser associados aos comportamentos relacionados com o apetite nas crianças (2, 3, 5 ,7), tais como as caraterísticas da mulher durante a gravidez, as caraterísticas da criança ao nascimento e os seus hábitos alimentares durante o primeiro ano de vida (2, 3, 7). Para além disso, também se compreende que existe uma maior tendência para os comportamentos relacionados com a “aproximação à comida” estarem associados com um maior risco de excesso de peso ao longo da infância (5). Por outro lado, os comportamentos de “afastamento à comida” têm vindo a ser associados com situações de seletividade e neofobia alimentar (27), podendo estar, consequentemente, associados a um risco acrescido de risco de baixo peso (28).
Contudo, a maioria dos estudos incluídos nesta revisão de literatura são estudos transversais. Como tal, não é possível estabelecer relações de causalidade entre os diferentes fatores de início de vida e os comportamentos relacionados com o apetite. Desta forma, entende-se serem necessários mais estudos, especialmente de desenho longitudinal, para ser possível efetuar o estudo da relação entre os fatores de início de vida enumerados nesta revisão e os comportamentos relacionados com o apetite na infância.
Os primeiros 1100 dias de vida, que correspondem ao período desde a conceção até aos dois anos de idade, são essenciais para o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para a saúde futura dos indivíduos (2). Neste contexto, a avaliação dos comportamentos relacionados com o apetite na infância e a sua possível associação com os fatores de início de vida são de extrema importância para compreender quais as melhores estratégias para planear ou modificar intervenções futuras de forma eficaz e orientada, para uma melhor promoção de comportamentos alimentares saudáveis e consequentemente da saúde e bem-estar dos indivíduos (34).
Posto isto, é importante estudar o impacto de intervenções que tenham como objetivo promover comportamentos relacionados com o apetite que influenciam a prática de hábitos alimentares saudáveis. Perante análise da literatura, e do que é do melhor do nosso conhecimento, esta observação ainda não foi efetuada, tornando-se importante a realização de mais estudos sobre esta temática.