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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.38 Porto set. 2024  Epub 27-Fev-2025

https://doi.org/10.21011/apn.2024.3805 

Artigo de Revisão

CONHECIMENTOS DOS PAIS DE LACTENTES SAUDÁVEIS SOBRE UTILIZAÇÃO DE FÓRMULAS INFANTIS: REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

PARENTS KNOWLEDGE OF HEALTHY INFANTS ABOUT THE USE OF INFANT FORMULAS: INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

Dulce Maria Pereira Garcia Galvão1  2  * 
http://orcid.org/0000-0002-2496-2162

Bárbara Vilela Marques1 
http://orcid.org/0009-0000-6536-1454

Beatriz Félix Fernandes1 
http://orcid.org/0009-0004-8167-3721

Íris Correia de Abreu1 
http://orcid.org/0009-0009-2190-2517

1 Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Rua 5 de Outubro, s/n, 3045-043 Coimbra, Portugal

2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Rua 5 de Outubro, s/n, 3045-043 Coimbra, Portugal


RESUMO

INTRODUÇÃO:

As fórmulas infantis apresentam especificidades na sua manipulação, preparação e conservação. Questionou-se “O que sabem os pais de lactentes saudáveis sobre a utilização/preparação de fórmulas infantis?”.

OBJETIVOS:

Analisar evidências científicas disponíveis na literatura sobre conhecimento dos pais de lactentes saudáveis acerca da utilização e preparação de fórmulas infantis; Identificar os conhecimentos que possuem sobre a sua utilização e preparação; Identificar as práticas que desenvolvem e os recursos de informação que dispõem sobre a utilização de fórmulas infantis.

METODOLOGIA:

Revisão Integrativa da Literatura, realizada entre março-junho/2023, com pesquisa de artigos na EBSCOHost, que incluíssem pais de lactentes saudáveis que utilizam fórmula infantil, independente da metodologia de investigação utilizada, em português e inglês, de acesso livre e gratuito, totalmente disponíveis, publicados de 2017-2023 que respondessem às questões e objetivos. Excluíram-se estudos com pais de lactentes não saudáveis e revisões da literatura.

RESULTADOS:

Incluíram-se 4 artigos. Os pais detêm poucos conhecimentos e sentem-se negligenciados pelos profissionais de saúde, recorrendo a fontes de informação informais para esclarecimento das dúvidas. Várias más práticas foram detetadas na utilização das fórmulas infantis.

CONCLUSÕES:

Os pais que decidem alimentar os seus filhos com fórmula infantil necessitam ser capacitados e orientados sobre a sua correta utilização pelos profissionais de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Conhecimentos; Fórmulas infantis; Lactentes; Pais

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Infant formulas have specificities in their manipulation, preparation and conservation. The question was “What do parents of healthy infants know about the use/preparation of infant formula?”.

OBJECTIVES:

Analyze scientific evidence available in the literature on the knowledge of parents of healthy infants about the use and preparation of infant formulas; Identify the knowledge they have about its use and preparation; Identify the practices they develop and the information resources they have on the use of infant formula.

METHODOLOGY:

Integrative Literature Review, carried out between March-June/2023, with research for articles on EBSCOHost, which included parents of healthy infants who use infant formula, regardless of the research methodology used, in Portuguese and English, freely accessible, fully available, published from 2017-2023 that answered the questions and objectives. Studies with parents of unhealthy infants and literature reviews were excluded.

RESULTS:

4 articles were included. Parents have little knowledge and feel neglected by health professionals, resorting to informal sources of information to clarify their doubts. Several bad practices were detected in the use of infant formulas.

CONCLUSIONS:

Parents who decide to feed their children with infant formula need to be trained and guided on its correct use by health professionals.

KEYWORDS: Knowledge; Infant formulas; Infant; Parents

INTRODUÇÃO

A alimentação dos lactentes e das crianças pequenas é fundamental para a sua saúde e sobrevivência. As crianças devem ser amamentadas de forma exclusiva durante o primeiro semestre de vida e a amamentação deverá perdurar de forma complementada até aos dois anos ou mais, até que a mãe e o bebé o decidam fazer (1). O leite materno é um alimento vivo, completo e natural, adequado para quase todos os recém-nascidos, salvo raras exceções (2). Embora raras, existem contraindicações definitivas à amamentação, por razões maternas ou da própria criança. Para além disso, existem situações em que a amamentação não pode ser realizada, porque está temporariamente contraindicada, quando a mãe toma a decisão de não amamentar, quando o leite materno não está disponível ou no final da licença de maternidade, a mãe necessita de regressar ao trabalho e recusa a extração do leite (3). Os resultados divulgados no Relatório de Aleitamento Materno (4) atestaram que embora grande percentagem de crianças inicie aleitamento materno antes da alta da maternidade (98,57%), somente 76,67% mantêm o aleitamento materno exclusivo até ao dia da alta, 67,50% estão a fazê-lo na 5.ª semana de vida, 51,6% aos 61 dias de vida e aos seis meses 22,00% das crianças. Nestes casos, são necessários produtos apropriados para substituir nutricionalmente o leite materno, como as fórmulas infantis (FI) (5). As FI têm sido, ao longo dos anos, sucessivamente modificadas, tendo como objetivo major não só a aproximação máxima ao leite materno, assim como a promoção de um perfil de crescimento, de composição corporal, de marcadores bioquímicos e funcionais semelhantes ao de um lactente alimentado por leite materno (6). As composições das FI são específicas para a necessidade de cada lactente, tendo em consideração fatores como a faixa etária do recém-nascido, a presença de alergias, a intolerância à lactose, o refluxo e patologias, entre outros (5). Neste contexto, a escolha correta e a consequente preparação e conservação do leite de FI é crucial para permitir o crescimento adequado da criança e alcançar um desenvolvimento psicológico saudável (7). É imprescindível que alimentos direcionados a crianças e bebés com menos de um ano sejam nutricionalmente adequados e microbiologicamente seguros (8). As fórmulas de leite infantil não são um produto estéril, podendo assim estar suscetíveis de provocar doença grave. É imprescindível a existência de boas práticas na preparação, conservação e manipulação das fórmulas destinadas a lactentes, de modo a minimizar o risco de aparecimento de doenças provocadas por alguns dos possíveis microrganismos que podem estar presentes na FI (9). A Salmonella Enterica e Cronobacter Sakazakii são as principais bactérias envolvidas em intoxicações alimentares e infeções graves nas crianças, sendo consideradas um problema de saúde pública (8). A Cronobacter Sakazakii é uma bactéria oportunista, que está associada a infeções em neonatos devido ao consumo de FI desidratadas. Entre os grupos mais afetados encontram-se os recém-nascidos, os prematuros e os recém-nascidos imunologicamente deprimidos, especialmente pelo VIH positivo. Estes grupos estão mais propensos a este tipo de doenças, uma vez que o estômago dos recém-nascidos e, especialmente, o estômago dos prematuros é um ambiente mais ácido comparado com o de uma pessoa adulta. Segundo Rodrigues et al. (2019) (5), dentro dos riscos, pode-se referir a meningite, enterocolite necrosante, sépsis e bacteriemia, podendo o desfecho ser a morte ou a possibilidade de sequelas neurológicas para os sobreviventes. A presença de Salmonella Enterica é a bactéria responsável por quadros de diarreias, podendo evoluir para meningite e bacteriemia. A transmissão pode ocorrer por falta de higiene, contaminação das matérias-primas, falhas no processamento ou mesmo contaminação ambiental após o tratamento térmico.

Assim, uma correta preparação e manipulação é uma estratégia que reduz significativamente o risco do aparecimento de doenças no lactente alimentado por FI (9). Também a Direção-Geral da Saúde (DGS) (2019) (10), afirma que deverão ser rigorosamente respeitadas as regras de segurança relativas a preparação e conservação das fórmulas infantis. Os leites e as fórmulas lácteas são um excelente meio de cultura para a multiplicação de bactérias potencialmente patogénicas, pelo que condições inadequadas de preparação e manipulação das fórmulas lácteas podem acarretar riscos para o lactente (9). As boas práticas são imprescindíveis, desde a preparação até ao consumo do leite de FI, pelo papel fundamental na prevenção da contaminação por microrganismos patogénicos suscetíveis de provocar doença grave e na garantia da qualidade nutricional dos alimentos, tornando-se assim seguro para consumo (3). Neste sentido, destaca-se a necessidade de os utensílios necessários para a alimentação e preparação dos biberões/porções se apresentarem cuidadosamente limpos e esterilizados antes da sua utilização, bem como a realização da higienização das mãos e a utilização de uma superfície limpa e desinfetada e que na preparação do leite seja idealmente privilegiada a preparação individual de cada porção num biberão (9). Relativamente à quantidade de água e de pó a colocar no biberão a Organização Mundial da Saúde (2015) (9) recomenda acrescentar à água a quantidade exata de pó que vem recomendada nos rótulos das embalagens e alerta que não se seguir corretamente o recomendado, habitualmente 1 colher medida por cada 30 mL de água, pode dar origem a doenças nos lactentes. Quanto ao número de refeições a oferecer por dia a DGS (2019) (10) refere que deve ser de 6-8, dependendo da idade, com intervalos entre as refeições em média de 3 a 3,5 horas, sendo que para o cálculo do suprimento hídrico diário total se utiliza a fórmula 150 mL/kg/dia em que não se deve exceder o volume de 180-210 mL de fórmula em cada refeição. Menciona ainda que a água a utilizar na preparação da FI deverá ter pH neutro (6,7 a 7,7) (10). Tendo em conta a prevalência da utilização de FI, é importante que os pais que alimentam os seus filhos deste modo tenham acesso aos conhecimentos necessários para a sua utilização. Deste modo surgiu o interesse pela temática “Conhecimentos dos pais de lactentes saudáveis sobre a utilização e preparação de FI”.

OBJETIVOS

Analisar as evidências científicas disponíveis na literatura acerca do conhecimento dos pais de lactentes saudáveis sobre a utilização e preparação de FI; Identificar os seus conhecimentos, as práticas desenvolvidas e os recursos de informação disponíveis aos pais de lactentes saudáveis sobre a utilização de FI.

METODOLOGIA

Desenvolveu-se uma revisão integrativa da literatura (RIL), de março a junho de 2023, seguindo a classificação do nível de evidência de Melnyk e Fineout-Overholt (2011) (11) e teve-se em consideração as seis etapas de elaboração de uma RIL, descritas pela literatura: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos; definição das informações a serem retiradas dos estudos selecionados/categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento (12). Teve-se como questão de investigação primária “O que sabem os pais de lactentes saudáveis sobre a utilização de FI?” e como questões de investigação secundárias “Que práticas desenvolvem os pais na utilização e preparação de FI?” e “Onde recorrem para esclarecer dúvidas sobre o uso de FI?”. Incluíram- -se artigos que abordassem pais de lactentes saudáveis que utilizam FI, classificados como originais de natureza primária, independentemente da metodologia de investigação utilizada, nos idiomas português e inglês, de acesso livre e gratuito, disponíveis na íntegra e publicados entre 2017 e 2023. Excluíram-se estudos que abordassem pais de lactentes não saudáveis e revisões da literatura. Foi feita pesquisa de artigos por três pesquisadores, de forma independente, entre os dias 10 e 16 de maio de 2023, com recurso à plataforma EBSCOhost. Acedeu-se às bases de dados Academic Search Complete, CINAHL Complete, MEDLINE Complete, MedicLatina, Psycology and Behavioral Sciences Collection e ERIC. Procedeu-se à pesquisa em título e em resumo com recurso aos descritores “infant formula”, “bottle feeding”, “breast-milk substitute”, “artificial milk”, “infant formula feeding”, “formula feeding”, “formula feeding practices”, “feeding behavior”, “maternal behaviors”, “maternal attitudes”, “maternal knowledge”, “parental behaviors”, “parental attitudes”, “paternal knowledge”, “parents”, “mothers”, “parenting”, e aos operadores boleanos “AND” e “OR”. No total, foram recuperados 141 artigos (MEDLINE Complete (51), CINHAL Complete (42), Academic Search Complete (47) e Psychology and Behavioral Sciences Collection (2)), tendo sido excluídos 65 por se encontrarem duplicados. Após a leitura dos títulos e resumos dos 76 artigos, excluíram-se 54, obtendo-se um total de 22 artigos para a leitura integral. Por não darem resposta às questões e objetivos previamente definidos, foram excluídos 18 artigos. Assim, foram incluídos 4 artigos para a extração dos dados, estando presentes dois na base de dados Academic Search Complete e dois na MEDLINE Complete.

RESULTADOS

Os quatro artigos analisados foram publicados em inglês, um no ano de 2017, um em 2018, outro em 2019 e outro em 2021. Relativamente ao local de publicação, dois artigos foram publicados na Austrália, um nos Estados Unidos da América (EUA) e um em Itália. Um dos estudos seguiu a metodologia quantitativa e três a metodologia qualitativa. Relativamente ao nível de evidência a totalidade dos estudos enquadram-se no nível VI. Apresenta-se a Tabela 1 com a síntese das características dos estudos incluídos.

Tabela 1: Características dos estudos incluídos (n=4) 

Após a leitura dos artigos procedeu-se ao agrupamento das informações mais relevantes de cada artigo, tendo emergido, como se apresenta na Tabela 2, três blocos temáticos: Conhecimentos dos pais sobre utilização e preparação de fórmulas infantis; Práticas desenvolvidas pelos pais na utilização da fórmula infantil e Recursos de informação disponibilizados aos pais de lactentes saudáveis sobre a utilização de fórmulas infantis. Destes, foram criadas dez categorias temáticas.

Tabela 2: Síntese das informações disponibilizadas pelos artigos incluídos 

FI: Fórmulas infantis

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Literacia em Saúde é o grau em que os indivíduos têm a capacidade de obter, processar e entender as informações básicas de saúde para utilizarem os serviços e tomarem decisões adequadas, contribuindo não só para a promoção da saúde e prevenção da doença, mas também para a eficácia e eficiência da procura dos serviços de saúde (17). A maioria dos participantes do estudo de Rahman e Akter (2019) (14) tinha conhecimento superficial sobre as possíveis consequências a curto/longo prazo da alimentação artificial, tendo apenas mencionado algumas condições que são comuns a todos os bebés e crianças. Os entrevistados apresentavam conhecimento limitado acerca das vantagens e não foram capazes de justificar as desvantagens da FI (14). As participantes do estudo desenvolvido por Appleton et al. (2018) (15) recorreram a fontes informais de informação, tais como os rótulos presentes na lata da FI, websites, familiares, amigos e outras mães. Assim como a fontes formais, onde estas incluíam profissionais de saúde, entre os quais, enfermeiros, médicos de clínica geral, pediatras, parteiras e farmacêuticos. Os pais afirmaram que as fontes informais eram a quem recorreriam quando tinham dúvidas e consideravam estas fontes como sendo suficientes para as suas necessidades. Relativamente às fontes formais, vários pais relataram que gostariam de obter mais informações por parte dos profissionais de saúde, e revelaram dificuldades em receber aconselhamento por parte dos mesmos. Para além disso, indicaram que os atributos do marketing, foram fatores que influenciaram a sua tomada de decisão. Similarmente Rahman e Akter (2019) (14), identificaram que os participantes obtêm informações sobre a FI através dos profissionais de saúde, publicidade televisiva, membros da família, vizinhos, farmacêuticos. Rahman e Akter (2019) (14) constataram que as mães quando obtêm informações através da publicidade televisiva, também são influenciadas pela imagem da criança saudável no rótulo da fórmula. Ao olhar dos pais, a FI é igualada ao leite materno, assumindo assim que o bebé crescerá tão saudável quanto a criança presente no rótulo da FI. Deste modo, a falta de informação sobre a alimentação artificial, juntamente com a ampla disponibilidade e publicidade de substitutos do leite materno, têm um impacto significativo nas decisões que as famílias tomam acerca da prática alimentar das crianças. Estes resultados estão em sintonia com diversos estudos, nomeadamente o estudo de Appleton et al. (2020) (18), no qual mais de metade dos participantes relatou consultar a lata da FI (90,2%), seguido de enfermeiras de saúde materno-infantil (66,1%), amigas (61,6%), familiares (53,6%) e parteiras (52,7%). A lata da FI foi a fonte onde a maioria das mães encontrou conselhos úteis com 38,6% e 59,4% das mães a considerarem essas informações como sendo muito úteis. Uma correta preparação e manipulação é uma estratégia que reduz significativamente o risco do aparecimento de doenças no lactente alimentado por leite de fórmula (9), porém, Appleton et al. (2018) (15), constataram inúmeras incongruências nas etapas iniciais de todo o processo de preparação do biberão de FI, prendendo-se com o facto de não realizarem a lavagem das mãos antes de iniciar o procedimento. Esta etapa, apesar de ser um hábito básico, é uma ação essencial que deve ser feita de forma correta, pois os vírus e bactérias estão presentes em toda a parte, principalmente nas mãos, sendo responsáveis pela transmissão de doenças. Outro fator relevante e que não foi tido em consideração por algumas mães perante a elaboração do biberão de FI, foi a escolha do local apropriado para este procedimento. A preparação do biberão não é um procedimento estéril, contudo é um procedimento limpo. Consequentemente, a escolha do local deve ser racional atendendo às questões de higiene de modo a evitar a contaminação da FI, assim como do biberão de fórmula que está a ser preparado (8). Nas visitas domiciliárias às mães que utilizavam FI, foi observado a preparação de biberões na cozinha, sala, casa de banho, quarto e varanda (16). A esterilização dos equipamentos foi outro dos pontos que foi desvalorizado por algumas participantes do estudo de Ellison et al. (2017) (16). Apesar da melhoria das condições a nível mundial, as infeções infantis continuam a ser comuns, tanto em países emergentes, como em países desenvolvidos (8). Estas podem provocar sintomas como doença aguda e diarreia e podem implicar a hospitalização. É importante saber que as bactérias que provocam estas doenças podem-se proliferar através da utilização de água canalizada, resíduos de leite no biberão ou uma incorreta lavagem das mãos (19). A nivelação da fórmula na colher, assim como o rácio de água é um fator importante na preparação do biberão (9). A concentração e diluição excessivas de FI, podem levar ao desregramento de ingestão calórica e ao subsequente ganho de peso rápido e excessivo. Além disso, a diluição em excesso pode causar diarreia, o que consequentemente faz com que os bebés não obtenham as calorias necessárias. Já o excesso de concentração de FI, torna o leite mais espesso, podendo conduzir à obstrução da via aérea (16). Os rácios de água e de pó foram fatores que não foram tidos em atenção pelos participantes do estudo de Ellison et al. (2017) (16) e a adição de cereais infantis foi uma prática também observada. Os pais, independentemente de serem ou não pais de segunda viagem e do método de alimentação escolhido para os seus bebés, têm inúmeras necessidades educacionais e necessitam de apoio da equipa de enfermagem. Os profissionais de saúde que lidam com pais de bebés que consomem FI, não devem presumir que a FI está a ser preparada consoante as recomendações, uma vez que muitos pais após alguma destreza do uso da FI facilitam a sua utilização. Embora o aleitamento materno seja reconhecido como o padrão de referência na alimentação infantil, o apoio às mães que alimentam os seus filhos com FI deve ser fornecido de igual modo (16). Appleton et al. (2018) (15) contrariamente ao observado por Ellison et al. (2017) (16) constataram que as mães aqueciam a água, que posteriormente seria utilizada na diluição da fórmula, no micro-ondas. A água utilizada deve ser potável e fervida numa chaleira ou no fogão, garantindo sempre que esta atinge o ponto de fervura (9). A utilização do micro-ondas é desaconselhada, uma vez que origina “pontos quentes” que podem provocar queimaduras na criança. Uma complexa interação de fatores pessoais, socioculturais e económicos, que influenciaram a decisão da mãe perante a seleção do método de alimentação por FI foi identificada no estudo de Rahman e Akter (2019) (14). Análises quantitativas concluíram que 64% das mulheres que recorreram à FI experienciaram sentimentos de culpa (20). O julgamento dos profissionais de saúde em relação aos desejos das mães de alimentarem os seus filhos com leite de fórmula exacerbou os sentimentos de culpa e vergonha (20). As mães também se sentiram frustradas com o apoio fornecido por profissionais de saúde (20). A frustração com a qualidade de resposta por parte destes, resultava em ocultação do método de alimentação infantil (20). Além disso, muitos pais afirmaram experiências negativas com alguns profissionais de saúde, como o facto de estes não abordarem o tema da alimentação com fórmula, a menos que os pais perguntassem especificamente. Outro fator foi os profissionais de saúde forçarem a amamentação e os pais sentirem-se julgados por estarem a recorrer à FI (15). Na literatura existente, alimentação com FI é percecionada como uma falha moral, pois o discurso materno é frequentemente visto como sendo sinónimo de negligência por parte dos pais (20). Por outro lado, existiram experiências positivas, nas quais os pais se sentiram à vontade para procurar o apoio dos profissionais de saúde, embora muitas vezes tenham de ser proativos na procura (15). A salientar que na Austrália, está estipulado que todos os profissionais de saúde devem promover o aleitamento materno e fornecer informações sobre FI quando necessário e apoiar as famílias que utilizam FI (13). Os profissionais de saúde têm a responsabilidade de proteger, apoiar e promover a amamentação como prática de excelência, bem como fornecer aos pais apoio e educação de modo a otimizar o método de alimentação (13). Perante situações em que os pais decidem alimentar os seus filhos com FI e/ou por motivos médicos, estes também carecem de apoio oportuno, imparcial e informação acessível para apoiar as melhores práticas de alimentação por fórmula (13). Apesar de existirem necessidades específicas de educação e orientação de fontes confiáveis, pesquisas anteriores sugerem que os pais que utilizam FI recebem pouco apoio. No estudo de Appleton et al. (2018) (15) foi concluído que as informações e o apoio fornecido aos pais que utilizam FI, por parte dos profissionais de saúde, foi inadequado ou inexistente. O apoio alimentar dirigido aos pais necessita de ser individualizado e atender ao tipo de alimentação, empático com as escolhas dos pais e centrado nas necessidades da família (18). Os profissionais de enfermagem desempenham um papel importante junto dos pais no sentido de os apoiarem nos diversos desafios da parentalidade, nomeadamente nos relacionados com a alimentação dos seus filhos. A visita domiciliária de enfermagem realizada nos dias seguintes ao parto após a alta da maternidade, pode constituir uma ferramenta capaz de ajudar as famílias, esclarecendo dúvidas, detetando precocemente possíveis complicações, capacitando os indivíduos e as famílias para a melhoria de cuidados, vigilância e promoção da saúde (21). A enfermagem, enquanto profissão, desempenha um papel crucial a nível da prevenção dos fenómenos de saúde-doença. Estes profissionais de saúde são os principais agentes de mudança, encontrando-se numa posição favorecida a nível da promoção das competências parentais, quer no período pré-natal quer no período pós-natal, minimizando os riscos para o lactente. Para isto, é necessário que o enfermeiro desenvolva atividades educativas e realize momentos de educação para a saúde junto dos pais para que estes estejam capacitados a tomar as melhores decisões para a saúde dos seus filhos.

Também os Nutricionistas assumem papel de destaque no apoio e orientação dos pais no cuidado alimentar saudável das suas crianças e do seu bom trato nutricional. Estes profissionais têm um papel importante na divulgação de conhecimentos sobre práticas corretas que devem ser implementados na preparação das FI e na orientação e aconselhamento dos pais sobre os hábitos alimentares dos seus filhos por forma a contribuírem para o seu melhor estado de saúde.

Esta pesquisa apresentou-se como um desafio enriquecedor. O escasso número de artigos que abordassem o tema em estudo na íntegra foi considerado um estímulo à realização de pesquisas exaustivas. A inexistência de estudos nacionais e o escasso número de estudos encontrados, que poderão ser apontados como limitações da investigação realizada, considera-se uma mais valia ter investido na pesquisa desta temática.

CONCLUSÕES

Esta RIL permitiu compreender os conhecimentos e as práticas dos pais na utilização da FI, bem como, os recursos de informações que têm ao seu dispor quando confrontados com dúvidas. Constatou-se que os conhecimentos dos pais são escassos e superficiais relativamente ao leite de fórmula, vantagens, desvantagens e preparação do mesmo, carecendo de atenção por parte dos profissionais de saúde. Averiguou-se que as práticas adotadas pelos pais na utilização de FI apresentam lacunas. Apurou-se que as dúvidas dos pais, surgiam maioritariamente relacionadas com a etapa da preparação da FI. No entanto, estes sentiam-se constrangidos com as suas inseguranças e não procuravam esclarecer as suas dúvidas junto dos profissionais de saúde, recorrendo a fontes informais de informação. O apoio oportuno e imparcial para apoiar as melhores práticas de alimentação por fórmula infantil são um imperativo ético e exigência profissional dos profissionais de saúde.

FINANCIAMENTO

O estudo não recebeu financiamento.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

DMPGG: Conceção e desenho do estudo, análise e interpretação de dados, redação do artigo, revisão crítica do artigo; BVM: Conceção e desenho do estudo, colheita de dados, análise e interpretação de dados, redação do artigo; BFF: Conceção e desenho do estudo, colheita de dados, análise e interpretação de dados, redação do artigo; ÍCA: Conceção e desenho do estudo, colheita de dados, análise e interpretação de dados, redação do artigo.

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Recebido: 01 de Maio de 2024; Aceito: 30 de Setembro de 2024

*Endereço para correspondência: Dulce Maria Pereira Garcia Galvão Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Rua 5 de Outubro, s/n, 3045-043 Coimbra, Portugal dgalvao@esenfc.pt

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