INTRODUÇÃO
A diverticulose do cólon caracteriza-se pela presença de divertículos, protrusões que tomam a forma de “bolsas” no intestino grosso (1). No caso de ocorrerem sintomas clinicamente relevantes utiliza-se o termo “doença diverticular” (DD) que inclui um espetro de subtipos (Figura 1) como doença diverticular sintomática não complicada (DDSNC), colite segmentar associada à diverticulose, diverticulite e hemorragia diverticular (1). Cerca de 25% dos doentes com diverticulose desenvolve DD (2). Durante vários anos, o estilo de vida ocidental foi apontado como o principal fator para o desenvolvimento da doença. Atualmente, existe um aumento generalizado do número de casos, inclusive em países em desenvolvimento (3). Devido ao impacto epidemiológico e económico da doença, é importante compreender quais os fatores que influenciam a diverticulose e as suas complicações, na prevenção e no tratamento (4). O papel do estilo de vida e, em especial, da alimentação do indivíduo nesta doença tem sido alvo de elevado interesse científico. Esta revisão temática procura descrever e analisar a influência da alimentação e da nutrição na prevenção e tratamento da diverticulose e da DD.
METODOLOGIA
A pesquisa da literatura foi realizada entre maio e setembro de 2023 nas bases de dados Pubmed e Scopus. Foram utilizadas combinações dos seguintes termos científicos: “colonic diverticulosis”, “diverticular disease”, “diverticulitis”, “diet”, “dietary”, “nutrition”, “management”, “treatment”, “epidemiology”, “pathophysiology”, “risk factors”, “fiber”, “meat”, “alcohol”, “coffee”, “caffeine”, “FODMAPs”, “obesity”, “vitamin D” e “lifestyle”. A pesquisa foi filtrada para trabalhos publicados entre 2013 e 2023, com base no título, resumo e palavras-chave. A evidência utilizada encontra-se na língua portuguesa e inglesa. Foram selecionadas meta-análises, revisões sistemáticas, revisões temáticas, recomendações e trabalhos originais. No total, foram encontrados 933 artigos, dos quais 253 foram selecionados após a leitura dos títulos e, quando necessário, dos resumos. Posteriormente, foram lidos na integra 119 artigos. As referências bibliográficas desses artigos e sites como o da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e European Society of Coloproctology também foram consultados. Foram assim incluídos nesta revisão 51 artigos mediante a pertinência dos seus conteúdos para os objetivos da mesma.
Fatores de Proteção e de Risco para a Diverticulose e Doença Diverticular
Fibra
Na década de 70 surgiu a teoria de que a baixa ingestão de fibra aumenta o risco de desenvolvimento de diverticulose, uma vez que contribui para um menor volume de fezes e maior tempo de trânsito intestinal, resultando num aumento da pressão intraluminal e consequente herniação (5). Porém, estudos recentes não encontraram associação entre o desenvolvimento de diverticulose e a ingestão de fibra (6, 7). A relação da ingestão de fibra com o desenvolvimento de DD também tem sido alvo de diversos estudos. Em 2019, uma revisão sistemática e meta-análise de cinco estudos de coorte prospetivos verificou que a ingestão diária de 30 g de fibra reduziu 41% do risco de DD comparativamente a uma dieta pobre em fibra (8). Na investigação de Ma W. et al. (9) uma elevada ingestão de fibra também foi associada a uma menor incidência de diverticulite.
Esta associação poderá variar de acordo com a fonte alimentar, sendo recomendado o consumo de frutas inteiras, em especial maçãs, pêras e ameixas (9). A diferenciação das fontes alimentares também está presente na investigação de Crowe F. et al. (10), que atribui um menor risco de DD na ingestão de fibra proveniente de cereais e fruta, quando comparada à de hortícolas ou batata. Pelo contrário, um estudo de coorte realizado na Suécia, não atribui influência aos cereais (11).
FODMAPs
Recentemente surgiu a hipótese lógica da adoção de uma dieta pobre em oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentescíveis (FODMAPs, acrónimo em inglês) para a prevenção de sintomas em doentes com DD, da mesma forma que se tem verificado no tratamento da síndrome do intestino irritável (SII) (12, 13). Estes hidratos de carbono aumentam o volume de gases e fluído no cólon, contribuindo para o inchaço e dor abdominal, sintomatologia típica da DD e da SII (12, 13). No entanto, ainda não existem estudos que procurem verificar o seu benefício.
Vitamina D
A incidência de DD tem sido associada a variações geográficas e sazonais, diferindo na exposição ultravioleta, sugerindo um efeito da vitamina D nesta doença (14, 15). Na investigação de Maguire et al. (14) os doentes com DDSNC obtiveram níveis pré-diagnóstico médios de vitamina D superiores aos hospitalizados por diverticulite. Alterações na mucosa do cólon podem estar associadas aos níveis de vitamina D (16). A suplementação mensal de 100 000 UI de vitamina D3 não reduziu o risco de hospitalização por DD (17). A vitamina D dietética foi considerada um fator protetor para o desenvolvimento de diverticulite (18). Verificou-se também que doentes com DD ingeriam quantidades menores de vitaminas antioxidantes (A, C e E) (18).
Cafeína
Dada a influência da cafeína no trato digestivo Aldoori et al. (19) decidiu estudar a relação entre a ingestão da mesma e o desenvolvimento de DD, mas não encontrou qualquer associação.
Álcool
Sharara et al. (20) e Yan et al. (21) verificaram um aumento da prevalência de diverticulose com uma maior ingestão de álcool. Os mecanismos ainda não são conhecidos, mas uma possível justificação aponta para a influência do álcool na redução da motilidade intestinal. Nagata et al. (22) entrevistou 911 japoneses acerca do seu estilo de vida e concluiu que a ingestão de álcool é um fator de risco para a DD, em especial hemorragia diverticular.
Carne Vermelha
Um estudo caso-controlo (23) realizado em Taiwan verificou que o consumo de carne superior a uma vez por dia estava associado a maior risco de desenvolver diverticulose comparativamente com os que consumiam menos do que uma vez por semana. No entanto, um estudo transversal (24) realizado nos Estados Unidos da América comparou doentes com diverticulose e indivíduos saudáveis e não encontrou relação com o consumo de carne vermelha. Em relação à DD, dois estudos verificaram um aumento do risco de inflamação dos divertículos com o consumo de carne vermelha total (25, 26). O estudo prospetivo (26) de uma coorte de 46 461 homens avaliou a associação entre o consumo de carne vermelha (total, não processada, processada), aves e peixes com o risco de diverticulite. Verificou-se que o risco era maior em homens com um maior consumo de carne vermelha, sobretudo se não processada. De acordo com os autores, este resultado pode dever-se a pedaços mal digeridos de carne vermelha não processada, dado que geralmente é consumida em porções maiores e à utilização de métodos de confeção que implicam a utilização de temperaturas mais elevadas, podendo assim induzir alterações na microbiota do cólon (26, 27, 28). A substituição de uma porção de carne vermelha não processada por dia por peixe ou aves foi associada a um risco 20% menor de diverticulite.
Frutos Oleaginosos, Sementes e Grãos
Historicamente o consumo de frutos oleaginosos, sementes e grãos foi desaconselhado a doentes com DD, pois pensava-se que restos não digeridos destes alimentos poderiam obstruir divertículos, causar traumatismos, e consequentemente complicações (29). No entanto, um estudo de grandes dimensões realizado nos Estados Unidos da América (30) demonstrou uma associação inversa entre o consumo destes alimentos e o risco de diverticulite, sugerindo que, pelo contrário, os mesmos têm um efeito protetor. Atualmente não é recomendado evitar o consumo destes alimentos (1, 31).
Obesidade
Ao contrário de estudos anteriores (32, 33), uma meta-análise de 10 estudos verificou uma associação significativa entre o Índice de Massa Corporal (IMC) e o desenvolvimento de diverticulose (34). Mulheres com obesidade tiveram 50% mais risco de desenvolver diverticulose comparativamente com mulheres normoponderais, relação que não se verificou nos homens (35). A obesidade está associada a alterações hormonais e no microbioma intestinal que podem justificar estes resultados. A DD e as suas complicações foram associadas a aumentos moderados no IMC (36). No entanto, a distribuição da gordura corporal tem um maior impacto no desenvolvimento de diverticulite do que o IMC (37), isto pode dever-se ao facto da gordura conduzir a um aumento da libertação de citocinas pro-inflamatórias.
Tratamento da Doença Diverticular
Doença Diverticular Sintomática Não Complicada
Atualmente, a recomendação para o tratamento da DDSNC consiste na adoção de uma alimentação rica em fibra, antibióticos de baixa absorção (como rifaximina), anti-inflamatórios (como mesalazina) e probióticos (38). Apesar de existirem estudos que indicam um alívio dos sintomas com a adoção de uma dieta rica em fibra ou suplementos de fibra, a evidência é fraca, uma vez que os mesmos apresentam limitações metodológicas (39, 40). Recentemente, um estudo constatou que a rifaximina foi mais eficaz no alívio dos sintomas do que a fibra dietética (41). Uma revisão sistemática que comparou a eficácia da mesalazina na melhoria dos sintomas de doentes com DDSNC com um placebo, uma dieta rica em fibra e baixas doses de rifaximina, constatou que doentes sob mesalazina tiveram um melhor alívio dos sintomas (42). Os probióticos também são usados para tratar a disbiose microbiana encontrada em doentes com DDSNC (43), mas ainda não há evidência suficiente para concluir o seu benefício no alívio dos sintomas (44).
Diverticulite Aguda Não Complicada
Os doentes com diverticulite aguda não complicada são tratados maioritariamente em ambulatório, na ausência de sépsis, comorbidades significativas ou imunossupressão (38). Apesar da escassa evidência científica, tradicionalmente é utilizada uma dieta com baixo teor de fibra (<10 g/dia) para diminuir a frequência e o volume de fezes, visando facilitar a passagem no local com inflamação (44). No entanto, estudos recentes têm demonstrado que quando tolerada a adoção de uma dieta sem restrições é segura (1, 45). Doentes imunocompetentes e sem sinais de sépsis não devem fazer antibioterapia (46). Já nos casos mais graves de diverticulite não complicada, os doentes devem iniciar fluidos e antibióticos endovenosos. Após o tratamento conservador, os sintomas normalmente melhoram dentro de 2 a 3 dias, podendo-se retomar uma dieta sólida (44).
Diverticulite Aguda Complicada
Nos casos de diverticulite aguda complicada, os doentes devem ser internados e iniciar repouso intestinal juntamente com fluidoterapia e antibioticoterapia endovenosa (38). Apesar das recomendações não serem específicas para a doença diverticular complicada, no caso de existir contra-indicação de utilização do tubo digestivo prevista por mais de 7 dias, como ocorre numa peritonite de causa diverticular, deve ser implementada nutrição parentérica cumprindo as necessidades nutricionais (47). Estes doentes encontram-se num estado hipermetabólico, e o suporte nutricional tem um papel fundamental na sua recuperação. Um estudo prospetivo (48) verificou que a utilização de nutrição artificial precoce por via entérica - assim que já não esteja contra-indicada a via oral - não foi prejudicial e diminuiu o tempo de hospitalização. Os autores apresentam a hipótese de que a realimentação precoce por via entérica pode evitar a translocação bacteriana, que é comum em doentes que realizam nutrição parentérica. A nutrição entérica exclusiva permite uma melhor manutenção da integridade da mucosa intestinal e tem-se demonstrado benéfica na diminuição da inflamação (49). Posteriormente, e numa lógica de progressão, a dieta culinária deve ser introduzida na consistência líquida (39) e restritiva em fibra, a progredir na consistência e no aporte em fibra à medida que há evolução clínica positiva.
Colite segmentar Associada à Diverticulose
As orientações para o tratamento da colite segmentar associada à diverticulose ainda não se encontram bem definidas, sendo o tratamento baseado na terapêutica da doença inflamatória intestinal. Por norma recomenda-se uma dieta rica em fibra juntamente com antibióticos e mesalazina (39, 50).
Hemorragia Diverticular
Não foi encontrado nenhum tratamento alimentar ou nutricional específico.
Os fatores de proteção e risco identificados assim como o tratamento alimentar/nutricional da DD encontram-se esquematizados na Figura 2.
ANÁLISE CRÍTICA
A alimentação é um fator modificável que assume um papel importante no desenvolvimento da diverticulose e da DD, embora seja uma condição multifatorial havendo também o contributo de outros fatores modificáveis e não modificáveis (como idade, sexo e genética). Foram encontrados mais estudos a relacionar os cuidados alimentares e nutricionais com a prevenção da DD do que com o desenvolvimento da diverticulose. De facto, todos os fatores abordados carecem de mais investigação, ainda que em dimensões diferentes. No entanto, a evidência apresentada permite identificar um possível papel positivo da ingestão de fibra e de vitamina D. Assim como do consumo de frutos oleaginosos, sementes e grãos. A ingestão de álcool aparenta ter um papel negativo. O mesmo se verifica para o consumo de carnes vermelhas. Também foi constatada pouca evidência científica relativamente ao tratamento nutricional a adotar nos diferentes subtipos de DD. São, por isso, necessários mais estudos, com desenhos metodológicos mais robustos e em diferentes populações, nomeadamente na Europa. Trabalhos futuros poderão focar-se em avaliar separadamente os efeitos da fibra solúvel e insolúvel tanto na prevenção como tratamento, bem como explorar o papel de outros alimentos ou nutrientes que, pelo potencial anti- -inflamatório, hipotetizamos ter efeito positivo: peixe, abacate, azeite, frutos vermelhos, suplementação com ómega-3, suplementação com glutamina, entre outros. Também seria útil explorar a utilização de nutrição artificial por via entérica de forma exclusiva ou complementar a uma dieta pobre em fibra, nos casos de diverticulite complicada, dado que a mesma tem demonstrado ser vantajosa nas doenças inflamatórias intestinais (51).
CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO
LT: Definição do tema, planeamento e estrutura do artigo. Pesquisa científica, leitura e seleção da bibliografia obtida. Redação do artigo e elaboração das figuras; VM: Definição do tema, planeamento e estrutura do artigo. Revisão crítica e científica de todas as versões do mesmo. MS: Contribuição para a redação do artigo. Revisão crítica e científica da versão final do mesmo.
















