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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.40 Porto mar. 2025  Epub 20-Set-2025

https://doi.org/10.21011/apn.2025.4006 

Artigo Original

IMPACTO DA SÍNDROME METABÓLICA NO TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE CÉLULAS TRONCO HEMATOPOIÉTICAS

IMPACT OF METABOLIC SYNDROME ON AUTOLOGOUS HEMATOPOIETIC STEM CELL TRANSPLANTATION

Raquel Bezerra de Abreu1  * 
http://orcid.org/0000-0003-2152-0921

Synara Cavalcante Lopes2 
http://orcid.org/0000-0001-9879-1952

Kayane Nascimento da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-7941-899X

Antonio Brazil Viana Junior2 
http://orcid.org/0000-0001-6608-3134

Francisca Rosana dos Santos Ribeiro3 
http://orcid.org/0009-0004-9993-2672

Fernando Barroso Duarte4 
http://orcid.org/0000-0001-5170-695X

Karine Sampaio Nunes Barroso4 
http://orcid.org/0000-0002-5346-9414

Priscila da Silva Mendonça2 
http://orcid.org/0000-0001-6474-9019

1 Universidade Federal do Ceará, R. Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE, Brasil

2 Hospital Walter Cantídio/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares/ EBSERH, R. Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE, Brasil

3 Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), R. Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE, Brasil

4 Hospital Walter Cantídio/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares/ EBSERH/ Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), R. Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE, Brasil


RESUMO

INTRODUÇÃO:

Entre as possíveis complicações em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas estão os distúrbios metabólicos.

OBJETIVOS:

verificar a prevalência de síndrome metabólica e de seus componentes entre os pacientes internados para a realização do transplante de células-tronco hematopoiéticas e seu impacto no tempo de hospitalização, complicações e desfecho clínico.

METODOLOGIA:

Pesquisa transversal, quantitativa. Foram incluídos participantes de ambos os sexos, maiores de 18 anos, submetidos pela primeira vez ao transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo no período de 2019 a 2023. Foram excluídos do estudo indivíduos com menos de 18 anos, com limitações físicas para realizar as medidas antropométricas e os que apresentaram infecção por COVID-19 durante o internamento. Foram recolhidos dados clínicos, demográficos, laboratoriais, antropométricos, complicações durante o internamento e desfecho clínico. A síndrome metabólica foi identificada segundo o National Cholesterol Education Program. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa estatístico R, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

A amostra foi composta por 173 pacientes, maioria do sexo feminino (53,2%) e diagnóstico de mieloma múltiplo (54,9%). A síndrome metabólica foi diagnosticada em 53,4% (n=79) dos pacientes. Encontrou-se circunferência da cintura elevada em 65,7%, hipertrigliceridemia em 50,3%, pressão arterial sistólica elevada em 49,7%, HDL-c baixo em 49%, pressão arterial diastólica elevada em 38,7% e hiperglicemia em 12,4%. A obesidade abdominal esteve mais associada ao género feminino (p< 0,001). Encontrou-se significativamente, maior média de idade no grupo diagnosticado com síndrome metabólica, obesidade abdominal, pressão arterial sistólica alta e hipertrigliceridemia (p< 0,05). A presença de infecção durante o internamento foi associada significativamente a pressão diastólica alta (p= 0,022). Não foram encontradas associações significativas entre a síndrome metabólica ou seus componentes com o tempo de hospitalização.

CONCLUSÕES:

Este estudo revelou alta prevalência de síndrome metabólica e de seus componentes em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo. Entretanto, não foi encontrada associação entre a síndrome metabólica e o tempo de hospitalização.

PALAVRAS-CHAVE: Fatores de Risco Cardiometabólicos; Síndrome Metabólica; Transplante Autólogo; Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Metabolic disorders are possible complications in patients undergoing hematopoietic stem cell transplantation.

OBJECTIVES:

To verify the prevalence of metabolic syndrome and its components among patients admitted for hematopoietic stem cell transplantation and its impact on hospitalization time, complications and clinical outcome.

METHODOLOGY:

Cross-sectional, quantitative research. Participants of both sexes, over 18 years of age, undergoing autologous hematopoietic stem cell transplantation for the first time in the period from 2019 to 2023 were included. Individuals under 18 years of age, with physical limitations to perform anthropometric measurements and those who had COVID-19 infection during hospitalization were excluded from the study. Clinical, demographic, laboratory, anthropometric data, complications during hospitalization and clinical outcome were collected. metabolic syndrome was identified according to the National Cholesterol Education Program. Statistical analyzes were performed using the statistical program R, with a significance level of 5%.

RESULTS:

The sample consisted of 173 patients, the majority of whom were female (53.2%) and diagnosed with multiple myeloma (54.9%). metabolic syndrome was diagnosed in 53.4% (n=79) of patients. Elevated waist circumference was found in 65.7%, hypertriglyceridemia in 50.3%, high systolic blood pressure in 49.7%, low HDL-c in 49%, high diastolic blood pressure in 38.7% and hyperglycemia in 12.4%. Abdominal obesity was more associated with the female gender (p< 0.001). A significantly higher mean age was found in the group diagnosed with metabolic syndrome , abdominal obesity, high systolic blood pressure and hypertriglyceridemia (p< 0.05). The presence of infection during hospitalization was significantly associated with high diastolic blood pressure (p= 0.022). No significant associations were found between metabolic syndrome or its components and length of hospitalization.

CONCLUSIONS:

This study showed a high prevalence of metabolic syndrome and its components in patients undergoing autologous hematopoietic stem cell transplantation. However, no association was found between metabolic syndrome and length of hospitalization.

KEYWORDS: Cardiometabolic Risk Factors; Metabolic Syndrome; Autologous Transplant; Hematopoietic Stem; Cell Transplantation

INTRODUÇÃO

O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) envolve a infusão de células-tronco hematopoiéticas saudáveis em pacientes com medula óssea disfuncional ou exaurida (1). O TCTH tornou-se um procedimento bem estabelecido como tratamento para muitos pacientes com malignidades hematológicas, erros inatos do metabolismo ou síndromes de falência da medula óssea (2).

Algumas das possíveis complicações em pacientes submetidos a TCTH são as infecções, doença do enxerto contra o hospedeiro (GvHD), óbito e rejeição do transplante (3). Os distúrbios metabólicos também representam uma complicação a longo prazo na crescente população de sobreviventes, com estudos tendo encontrado risco aumentado de síndrome metabólica (SM) e doenças cardiovasculares (DCV) nos sobreviventes do TCTH, bem como uma alta prevalência de SM e sua associação com eventos cardiovasculares (4-6).

A SM é definida como um grupo de fatores de risco cardiometabólicos interconectados que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular aterosclerótica e diabetes mellitus tipo 2 (7). Entre os diversos fatores que a constituem estão a hipertensão arterial, a obesidade abdominal, o metabolismo da glicose prejudicado e as dislipidemias (8). Assim como na população sem cancro, a SM também constitui um fator de risco cardiovascular potencial em sobreviventes de TCTH (6).

Os avanços no tratamento do cancro permitiram o aumento do número de sobreviventes de doenças hematológicas, portanto, a prevenção e o diagnóstico de complicações endócrinas e metabólicas precoces e tardias, que impactam na qualidade de vida do paciente, são de grande relevância (9).

Estudo de coorte realizado com iranianos com idade superior a 15 anos selecionados da população em geral associaram a SM a um maior risco de mortalidade por DCV, morbidade e internamento hospitalar (10). Resultados semelhantes foram encontrados em estudo de coorte realizado com adultos acima de 70 anos diagnosticados com SM (11). Também, já foram evidenciados resultados adversos à saúde entre os pacientes hospitalizados com diagnóstico primário de cancro e SM (12, 13). Entretanto, nenhum estudo explorou os efeitos da SM no tempo de permanência hospitalar em pacientes submetidos ao TCTH autólogo.

OBJETIVOS

Verificar a prevalência de SM e de seus componentes isolados entre os pacientes internados para a realização do TCTH e seu possíveis impactos no tempo de permanência hospitalar, complicações e desfecho cínico.

METODOLOGIA

Estudo transversal, quantitativo, realizado num hospital universitário em Fortaleza, Ceará, Brasil. Esse trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Walter Cantídio, sob o parecer n.° 4.865.251.

Foram incluídos na amostra participantes de ambos os sexos, maiores de 18 anos, submetidos pela primeira vez ao TCTH autólogo no período de 2019 a 2023. Foram excluídos indivíduos que possuíam limitações físicas para realizar as medidas antropométricas e os que apresentaram infecção pela doença por coronavírus 19 (COVID-19) no período de internamento.

No momento da admissão hospitalar foram recolhidas informações sobre dados clínicos, demográficos, medidas antropométricas, análises clínicas, pressão arterial e triagem de risco nutricional (NRS 2002). Os dados sobre complicações durante o internamento, desfecho clínico (alta e óbito), Karnofsky Performance Scale (KPS) e tempo de hospitalização foram obtidos de processo clínico. A KPS é aplicada pela equipa médica na admissão hospitalar.

A gestão dos dados do estudo foi feita através da plataforma digital de coleta e gestão de dados Research Electronic Data Capture (REDCap) (14).

O indicador antropométrico utilizado para avaliar o estado nutricional foi o índice de massa corporal (IMC), com a utilização das medidas de peso corporal e altura. Foi utilizada a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), para os adultos, e o proposto pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para os idosos (> 60 anos) (15, 16). Para avaliar a obesidade central ou abdominal foi utilizada a circunferência da cintura (CC), aferida com auxílio de uma fita métrica antropométrica inelástica, segundo padronização de Callaway et al. (17). A CC foi medida como a menor circunferência entre as costelas e a crista ilíaca enquanto o participante estava em pé com o abdómen relaxado, ao f inal de uma expiração normal.

A SM foi identificada durante a admissão hospitalar, em momento prévio ao transplante, segundo o National Cholesterol Education Program (NCEP- ATP III), que define como critério diagnóstico a presença de três dos seguintes fatores: obesidade abdominal (CC ≥ 102cm para homens e ≥ 88cm para mulheres, hipertrigliceridemia (≥ 150 mg/dL) ou em tratamento medicamentoso para hipertrigliceridemia, níveis baixos de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-c) (< 40 mg/dL para homens e < 50 mg/dL para mulheres) ou em tratamento medicamentoso para HDL-c baixo, hipertensão arterial sistémica (HAS) (pressão arterial ≥ 130/85 mmHg) ou uso de anti-hipertensivo e glicemia de jejum elevada (≥ 110 mg/dL) ou em tratamento (18).

As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa estatístico R. Os dados foram submetidos à análise de normalidade através do teste Shapiro-Wilk. As variáveis foram apresentadas em média e desvio padrão e frequência simples. Na investigação de associação entre as variáveis categóricas, utilizou-se o teste de qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher. A comparação de médias ocorreu através do teste Mann-Whitney ou teste t de Student.

Posteriormente, os dados foram submetidos à análise de regressão, ajustados para idade, KPS e infeção durante o internamento. Adotou-se um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A amostra total foi composta por 173 pacientes, maioria do género feminino (53,2%, n=92), com idade média de 49,84± 13,89 anos e maior prevalência de mieloma múltiplo (MM) (54,9%, n=95), como diagnóstico de base. A média do IMC foi de 28,34±4,67 para os adultos e 28,16± 4,11 para os idosos. Observou-se que 56,6% (n=98) dos pacientes possuíam pelo menos uma comorbidade, sendo a HAS a mais frequente, com prevalência de 31,2% (n=54). Quanto aos dados clínicos, a média da triagem NRS (2002) foi de 3,18 ±0,54, o escore de KPS foi em média de 93,64 ±9,91. A maioria, 75,1% (n=130) dos pacientes, apresentou algum tipo de infecção durante o período de internamento e 2,3% (n=4) faleceram. O tempo médio de internamento foi de 20,64 ±5,02 dias (Tabela 1).

Tabela 1: Características demográficas e clínicas de pacientes admitidos para realização do transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo, Fortaleza, Brasil, 2019-2023 

DM: Diabetes Mellitus

DRC: Doença Renal Crónica

HAS: Hipertensão Arterial Sistémica

LH: Linfoma de Hodgkin

LLA: Leucemia Linfoide Aguda

LMA: Leucemia Mieloide Aguda

LMC: Leucemia Mieloide Crônica

LNH: Linfoma Não Hodgkin

KPS: Karnofsky Performance Scale

Dos 173 pacientes, um total de 148 indivíduos possuía todos os parâmetros necessários para realizar o diagnóstico de SM.

Desses 148 pacientes, identificou-se a presença de SM em 53,4% (n=79). Vinte e cinco pacientes possuíam dados incompletos que impediram a identificação da presença da SM. Além disso, 1 caso não possuía dados sobre CC, 19 sobre glicemia de jejum, 24 sobre triglicerídeos e 26 sobre HDL-c.

Em relação às variáveis que compõem os critérios de diagnóstico da SM, entre aqueles que possuíam as informações necessárias para o diagnóstico de cada componente, encontrou-se as seguintes prevalências: CC elevada em 65,7% (n=113) dos pacientes, hipertrigliceridemia em 50,3% (n=75), pressão arterial sistólica elevada em 49,7% (n=86), HDL-c baixo em 49% (n=72), pressão arterial diastólica elevada em 38,7% (n=67) e hiperglicemia em 12,4% (n=19) (Tabela 2).

Tabela 2: Prevalência de síndrome metabólica e seus componentes em pacientes admitidos para realização do transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo. Fortaleza, Brasil, 2019-2023 

*Vinte e cinco pacientes não possuíam dados suficientes para identificar a Síndrome Metabólica. Quanto aos seus componentes, 1 não possuía dados sobre Circunferência de Cintura, 19 sobre glicemia de jejum, 24 sobre triglicerídeos e 26 sobre HDL-c

A presença de obesidade abdominal foi associada ao género feminino (p< 0,001). Adicionalmente, foi encontrado significativamente, maior média de idade no grupo de pacientes diagnosticados com SM, obesidade abdominal, pressão arterial sistólica alta e hipertrigliceridemia (p< 0,05) (Tabela 3).

Tabela 3: Relação entre síndrome metabólica e as variáveis demográficas e NRS dos pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo, Fortaleza, 2019-2023 

Na análise da existência de interação da SM, e seus componentes, com infecção, desfecho clínico (alta ou óbito) e tempo de permanência hospitalar, apenas a presença infecção durante o internamento foi associada significativamente, a pressão diastólica alta (p= 0,022) (Tabela 4).

Tabela 4: Relação entre síndrome metabólica e taxa de infecção, tempo de permanência hospitalar e desfecho clínico dos pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogo, Fortaleza, 2019-2023 

Após análise de regressão linear ajustado para as variáveis idade, infecção e KPS, não foram encontradas associações significativas entre a SM, bem como seus componentes, com o tempo de permanência hospitalar e desfechos clínicos.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O grupo de pacientes deste estudo em que foi avaliado a presença de SM apresentou alta prevalência (53,4%) no momento de admissão hospitalar, entretanto, não se observou associação significativa entre a presença da SM ou de seus componentes com o tempo de permanência hospitalar e demais desfechos.

Diferentes definições de SM levam a discrepâncias nas estimativas de prevalência, entretanto, evidências disponíveis mostraram variações de 12,5% a 31,4% na prevalência global observada em adultos (18-59 anos), incluindo na análise subgrupos de acordo com a área geográfica e o nível de rendimento do país (19).

Em relação aos pacientes submetidos ao TCTH, estudos encontraram, após o transplante, prevalências de SM variando de 25,6% e 37,5%, aumentando para 53% em pacientes com mais de 50 anos (20, 6). Em diversos estudos epidemiológicos, a prevalência da SM aumenta com a idade, visto que existem muitos pontos em comum nas alterações bioquímicas do processo de envelhecimento e na SM (21). De maneira semelhante, nesse estudo, os pacientes diagnosticados com SM apresentaram maior média de idade.

Quanto aos componentes da SM, entre aqueles com os dados necessários para a análise de cada critério, foi possível observar uma alta prevalência da obesidade abdominal (67,5%), significativamente maior entre as mulheres. Observou-se também idade maior no grupo com CC elevada. Os valores encontrados são maiores que o encontrado em adultos com mais de 30 anos em todo o mundo (30%), sendo a obesidade abdominal conhecida por ser um importante fator de risco para desenvolvimento de diabetes e DCV (22). Dados semelhantes foram encontrados em estudo que identificou como uma das anormalidades cardiometabólicas mais comuns entre as mulheres na pós-menopausa diagnosticadas com cancro o aumento da CC (≥88cm), demonstrando ainda associação entre obesidade abdominal e a maior mortalidade por todas as causas e mortalidade específica por cancro (23).

Através dos dados coletados na admissão hospitalar, previamente ao transplante, também foi encontrada alta prevalência de hipertrigliceridemia (50,3%), pressão arterial sistólica elevada (49,7%) e HDL-c baixo (49%). Assim como o resultado encontrado nesse estudo, Makris et al. através de uma revisão sistemática, mostraram que os pacientes com MM tinham níveis de HDL-C significativamente mais baixos em comparação com controlos saudáveis (24).

Os tipos de tratamento empregados nas neoplasias hematológicas, especialmente quimioterapia e/ou radiação associada aos regimes de condicionamento do TCTH e uso de drogas imunossupressoras, podem induzir alterações metabólicas que podem gerar sintomas agudos e crónicos que exercem um forte impacto no estado nutricional, dada a toxicidade gastrointestinal que frequentemente impede a ingestão adequada de proteínas e calorias (25). Além disso, pacientes com cancro podem apresentar desequilíbrios metabólicos em função da doença, do tratamento e de suas complicações, com alterações no perfil lipídico, lipoproteico e glicémico (26). Dessa forma, é possível que os resultados encontrados estejam relacionados com os fatores e análise dos dados e redação do manuscrito; FBD, KSNB e SCL: Definição do supracitados.

A maioria dos pacientes (75%) apresentou algum tipo de infecção durante o período de internamento e 2,3% faleceram. Entre as complicações em pacientes submetidos a TCTH estão as infecções (3), sendo as infecções bacterianas que ocorrem precocemente, após o TCTH autólogo, associadas ao aumento da mortalidade (27). Em contrapartida, os fatores associados à diminuição de infecções estão relacionados a recuperação imunológica mais rápida (28).

Neste estudo, a presença de infecção durante o internamento foi associada significativamente a pressão diastólica alta. Apesar da falta de evidências diretas de que a hipertensão aumenta a probabilidade de novas infecções (29), comparados com aqueles sem hipertensão, pacientes com hipertensão apresentam um estado imunológico caracterizado por disfunção endotelial e stress oxidativo (30).

O stress oxidativo pode desempenhar um papel duplo nas infecções, visto que os radicais livres protegem contra microrganismos invasores e podem causar danos aos tecidos durante a inflamação resultante (31). Quanto ao tempo de internamento, a média foi de 20,64±5,02 dias. Um internamento hospitalar típico para a realização de TCTH autólogo dura em média de 2 a 3 semanas (32). A presente investigação mostrou que não houve associação entre a presença de SM ou seus componentes isoladamente, com o tempo de internamento hospitalar.

Apesar de estudos já terem relatado resultados adversos à saúde significativamente maiores entre os pacientes hospitalizados com diagnóstico primário de cancro e SM (12, 13), não foram encontrados trabalhos que investigassem a associação entre a presença de SM pré- TCTH e o tempo de internamento hospitalar.

O estudo possui como limitações a utilização de parte dos dados oriundos dos processos clínicos, o que provocou a impossibilidade de avaliar a prevalência de SM e alguns de seus componentes na amostra total por dados incompletos. Também, o tempo de acompanhamento, uma vez que os pacientes só foram avaliados até a alta hospitalar. Destaca-se que o ideal é que o acompanhamento para avaliar os desfechos clínicos continue após o TCTH, visto que os sobreviventes a longo prazo parecem ter um risco aumentado do surgimento prematuro de SM e DCV (5, 6, 26).

Apesar de não ter sido encontrada associação entre SM e o tempo de internamento, visto que os distúrbios metabólicos representam uma complicação a longo prazo (4), destaca-se a importância de avaliar os pacientes antes do transplante, para identificação de fatores de risco e realização de intervenções precoces. Ainda, dada a sua escassez, ressalta-se a importância da realização de novos estudos relacionando a SM e seus componentes com desfechos clínicos no pós- TCTH imediato, incluindo o tempo de internamento hospitalar.

CONCLUSÕES

Este estudo revelou alta prevalência SM e de seus componentes analisados individualmente em pacientes submetidos ao TCTH. Entretanto, não foi encontrada associação entre SM e o tempo de permanência hospitalar e demais desfechos clínicos. Apesar disso, sabe-se que a SM pode causar uma série de malefícios a longo prazo, sugerindo-se intervenção multiprofissional nos casos necessários.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

RBA: Conceção, planeamento e delineamento do estudo, coleta, análise e a interpretação dos dados, também a redação do manuscrito; KNS e FRSS: Colheita e análise dos dados e redação do manuscrito; FBD, KSNB e SCL: Definição do delineamento do estudo, colheita e análise dos dados, revisão do manuscrito; ABVJ: Definição do delineamento do estudo, análise estatística dos dados, revisão do manuscrito; PSM: Planeamento e delineamento do estudo, análise e a interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito.

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Recebido: 19 de Março de 2024; Aceito: 28 de Março de 2025

*Endereço para correspondência: Raquel Bezerra de Abreu Universidade Federal do Ceará, R. Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE, Brasil raquel.b.abr@gmail.com

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