Introdução
Consideram-se dois 2 tipos de reações adversas a fármacos (RAF): Tipo A - previsíveis e dose dependentes (há reações infusionais deste tipo) - atividade própria do fármaco; Tipo B - imprevisíveis e dose independentes - suscetibilidade individual.
Ocorrem com qualquer tipo de fármaco:
Reações infusionais (RI): Reações adversas que ocorrem durante a infusão de um fármaco ≠ Reação de hipersensibilidade (RHS) - podem ser RAF tipo A ou RAF tipo B.
Reações Hipersensibilidade (RHS): Alérgica - mediada por IgE ou não mediada por IgE; Não alérgica - pseudoalérgica, idiossincrasia ou intolerância.
A administração de fármacos antineoplásicos pode gerar reações infusionais que podem ou não ser de hipersensibilidade, cujos sinais não são explicados pelo perfil de toxicidade conhecido do fármaco.
Estas reações ocorrem habitualmente na 1ª hora de infusão do fármaco e por isso é comum ocorrerem em Hospital de Dia de Oncologia. Podem ser, ou não, imunomediadas, mas as manifestações clínicas são idênticas e independentes da etiologia subjacente. A sua apresentação varia, podendo ir de reações cutâneas eritematosas a reações anafiláticas graves e o reconhecimento dos sinais e sintomas de forma precoce, sobretudo quando há envolvimento sistémico, é um elemento chave na resolução do quadro. Para este efeito, a existência de uma equipa multidisciplinar com conhecimento dos principais fármacos causadores de reações infusionais (RI) é necessária, atendendo ao potencial risco de letalidade destes eventos (ESMO, 2016; Ana Joaquina et al, 2017).
Fundamentação teórica
As RI a fármacos antineoplásicos podem ser classificadas de acordo com o National Cancer Institute - Common Terminology Criteria for Adverse Events (NCI-CTCAE) (NCI, 2017) segundo a sua gravidade, em ligeiras, moderadas, graves e fatais. De acordo com o seu início temporal, podem ser classificadas em imediatas (na primeira hora de administração do fármaco) e não imediatas (após mais de uma hora de exposição ao fármaco). Entre os fármacos antineoplásicos que mais frequentemente geram RI destacam-se os taxanos (paclitaxel, docetaxel, cabazitaxel) e os sais de platina (oxaliplatina, carboplatina, cisplatina) e ainda os anticorpos monoclonais (cetuximab, trastuzumab, rituximab). Na literatura, estão descritas taxas de reações infusionais com cetuximab de 15-20% (3% são de grau 3-4) e com o tratuzumab na ordem dos 40% na primeira infusão (10% grau 3-4), sendo que estas diminuem com a utilização sistemática de pré-medicação com corticoides e anti-histamínicos. No caso dos anticorpos humanizados (bevacizumab) e humanos (panitumumab) a taxa é substancialmente inferior atingindo apenas 3%. A incidência é também variável, podendo ocorrer logo nos primeiros ciclos (frequente nos taxanos) ou a partir do sétimo/oitavo ciclo de tratamento, como é o caso de RI a oxaliplatina (ESMO, 2016; ESMO, 2017).
A prevenção de RI à quimioterapia é fundamental para reduzir não só a prevalência como também a gravidade destes eventos. A profilaxia primária engloba pré-medicação com terapêutica anti-histamínica e corticoterapia. Adicionalmente, uma boa gestão e adequado manejo das RI são fundamentais para evitar a descontinuação do tratamento. A redução de ritmos de perfusão, o reconhecimento imediato e a ativação de protocolos de atuação multidisciplinar são essenciais para prevenir complicações, diminuir a sua incidência e gravidade, evitando a anafilaxia. No caso de administração de anticorpos monoclonais, a maioria tem também indicação de profilaxia primária ou secundária com antipiréticos, anti-histamínicos e corticoides, contudo, a probabilidade da sua ocorrência diminui nas administrações subsequentes (ESMO, 2017). Apesar da existência de profilaxia recomendada de acordo com o risco associado aos fármacos, a abordagem da equipa não se esgota na instituição e prescrição de pré-medicação para o domicílio e prévia à administração em hospital de dia, tornando-se necessário monitorizar a sua adesão terapêutica.
Questões de investigação
O presente estudo foi desenvolvido para responder à principal questão investigacional. “Qual a realidade de RI que ocorrem no nosso Hospital de Dia de Oncologia?” E subsequentes questões: “Qual a incidência de RI e quais as suas caraterísticas em termos de gravidade, RI subsequentes?”, “São os protocolos de pré-medicação introduzidos de forma sistemática?”, “Quais as atitudes instituídas perante a ocorrência de uma RI?”, “Quais as consequências da ocorrência de RI em termos de adiamentos, redução de dose ou descontinuação do fármaco?”.
Definimos assim como objetivos do presente estudo: revisão das reações infusionais na nossa instituição, particularmente, sua gravidade, incidência, fármacos envolvidos, reações subsequentes, tipo de pré e pós-medicação administradas. Definimos ainda uma sub-análise para identificação de preditores para reações subsequentes em função da sua gravidade.
Metodologia
Realizámos um estudo observacional, retrospetivo e unicêntrico, baseado na análise do registo de notificações de RI ocorridas no Hospital de Dia de Oncologia da nossa instituição num período de 3 anos (julho de 2016 a junho de 2019). Nos doentes que experienciaram RI a fármacos antineoplásicos, foram colhidos dados relativos à idade, medicamento provável causal, pré-medicação, dose e número de tratamentos efetuados, tempo de início da reação relativamente ao início de administração de fármaco provável, sintomas e sinais vitais, intervenções e se houve reintrodução do fármaco. A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva, teste t, teste exato de Fisher e regressão logística, usando o software StataIC 15.1 (StataCorp LLC).
Resultados
Foram analisados 147 registos de RI, referentes a 117 doentes (idade média de 60 anos [18, 89]). A pré-medicação foi administrada em contexto hospitalar em 97% dos casos (n = 113) e incluiu anti-histamínicos e corticoides. Os fármacos causais mais comuns foram os sais de platino (52%, n=76 reações), especificamente oxaliplatina, contabilizando 37% (n=54) do total das RI. A tabela 1 apresenta as principais caraterísticas das RI registadas.
Constatámos que as RI ocorreram maioritariamente nos primeiros 30 minutos após o início da infusão do fármaco antineoplásico (52%). A maioria das RI ocorreu no 1º ciclo de tratamento (31,2%, n = 46), nomeadamente com taxanos, tendo as reações com sais de platino ocorrido mais frequentemente entre o 8º e 11º ciclos. As RI foram também mais comuns com esquemas de poliquimioterapia (80%). Segundo a ESMO a maioria dos tratamentos tem sempre associado o risco de reações infusionais e esse risco aumenta se tivermos vários agentes quimioterápicos a ser administrados concomitantemente. Os registos de sintomas mais comuns foram mucocutâneos (29%, n = 42), principalmente rubor facial, eritema, urticária e prurido localizado e generalizado (Figura 1).
No geral, as RI foram precocemente reconhecidas e o protocolo institucional (PI) foi seguido na sua totalidade em 83% (n = 122) dos casos. O tratamento foi retomado em 60% (n = 88) logo após os eventos ocorridos e foi reconduzido para dias posteriores em 68% (n = 100) após intensificação da pré-medicação ou com protocolo de dessensibilização ao fármaco ou encaminhamento para a consulta de imunoalergologia.
Do total de 117 pacientes com RI, 19% destes (n=22) apresentaram RI subsequente. A mediana de idades dos doentes aos quais ocorreu pelo menos uma 2ª RI foi de 56 anos (26 - 81). Estas ocorreram mais frequentemente com o uso de platinos (n=12, 55%). As RI subsequentes foram na generalidade mais graves que as RI anteriores. Na análise multivariada para risco de recorrência de RI, idade, agente causal, pré-medicação pelo tipo de medicamento utilizado, aplicação do protocolo institucional e resumo do tratamento não foram preditivos de subsequente RI.
Discussão
No tratamento oncológico, as RI podem ocorrer com qualquer agente sistémico (citotóxicos e anticorpos monoclonais). Os taxanos, frequentemente utilizados no tratamento de diversos tumores sólidos, podem causar RI em até 30% dos casos com paclitaxel e 15% com docetaxel, dados estes plasmados pela nossa amostra, tendo ocorrido RI em menor percentagem, muito provavelmente devido aos esquemas de pré-medicação contemplados e implementados a nível institucional. Estas RI associadas a taxanos são mais frequentemente associadas aos solventes destes agentes, cremophor EL no caso do paclitaxel e polisorbato-80 no caso do docetaxel, sendo as RI substancialmente menos frequentes com os taxanos cabazitaxel e Nab-paclitaxel. No caso dos sais de platino, as RI, frequentemente mediadas por IgE, associam-se a exposições repetidas ao fármaco, como corroborado pelos nossos resultados.
Do mesmo modo, a maior prevalência de RI em doentes sob esquemas de poliquimioterapia está também em conformidade com os dados da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO - Guidelines Committee, 2017).
A incidência e a gravidade das RI são difíceis de prever e os sinais e sintomas variam de doente para doente. A revisão de comorbilidades, medicação concomitante e alergias conhecidas, aliadas à monitorização da adesão medicamentosa da pré-medicação, à reconciliação terapêutica e à vigilância de sinais vitais são essenciais na avaliação inicial pré-infusional aos tratamentos com fármacos antineoplásicos.
Conclusão
Os dados existentes relativos à abordagem de RI advêm sobretudo de estudos observacionais, como o que aqui apresentamos, que são, portanto, essenciais à agregação de informação neste contexto. O registo sistemático e detalhado de RI é assim essencial na avaliação de efetividade dos protocolos institucionais visando a melhoria dos cuidados de atuação.
Ao longo deste estudo conseguimos inferir que a maioria das reações infusionais ocorridas em contexto de Hospital de Dia não são graves (sintomas mucocutâneos 29% e anafilaxia 24% - diferença muito pequena) e são revertidas rapidamente quanto mais célere for acionado o protocolo de atuação em reacção de anafilaxia. Todos os ciclos de poliquimioterapia têm um risco acrescido de reacção, logo têm associada pré-medicação, o que contribui para o decréscimo das reações infusionais, já que se verificou ser nestes ciclos onde as reações ocorrem com mais frequência.
Podemos afirmar que após uma reação infusional, nos ciclos seguintes, é importante instituir reforço de pré-medicação com corticoterapia e anti-histamínico para evitar as reações. Em caso de reações graves o fármaco deve ser descontinuado. A atualização contínua de protocolos de atuação multidisciplinares adequados à tipologia dos fármacos e das reações mais comuns permitem intervenções precoces mais eficazes. A consulta de imunoalergologia e a utilização de protocolos de dessensibilização pode ser considerada de forma individualizada e, em ultimo caso, a mudança de linha terapêutica por forma a garantir a continuidade e segurança do tratamento da doença oncológica.
Adicionalmente, revisões institucionais sobre eventos adversos são cruciais para melhorar as práticas atuais e desenvolver protocolos de atuação mais eficientes.