Introdução
O aumento de pessoas com doença oncológica e consequentemente a necessidade de receber tratamentos antineoplásicos cada vez mais complexos é uma realidade atual. De acordo, com as decisões terapêuticas a realizar é fundamental a existência de um acesso vascular central seguro e adequado.
A administração de terapêutica endovenosa através de cateter venoso central (CVC) é parte integrante da prática clínica dos enfermeiros, pelo que o desenvolvimento de competências técnico-científicas sobre a inserção, manutenção, prevenção e a gestão das complicações associadas a estes dispositivos é essencial.
A evidência científica não recomenda um único tipo de acesso vascular central devendo a escolha do mesmo ser influenciada pelo tipo de terapêutica a ser administrada, pela previsão do tempo de tratamento, frequência da sua utilização, condição da rede venosa periférica do indivíduo e a capacidade de colaboração do doente nos cuidados ao cateter.
Existem diversos tipos de acessos venosos centrais, destacando-se os de curta duração, os de inserção periférica (PICC) e os de longa duração, como os semi-implantados (tunelizados) e os totalmente implantados (CVCTI).
A elaboração deste artigo tem como objetivo a uniformização das recomendações de boas práticas de enfermagem relativamente à otimização do CVCTI e do PICC. Como metodologia efetuou-se uma revisão da literatura sobre a temática.
Tipologia de Acessos Venosos Centrais
A escolha do acesso vascular central (Fig. 1) depende da natureza da infusão a administrar (pH < 5 ou > 9, e osmolaridade > 600 mOsm/l), da existência de um “património vascular” diminuído (≤ 2 veias palpáveis/visíveis com dificuldade na punção), da necessidade de flebotomias frequentes (≥ 3 dia) e a duração do regime terapêutico (≥ 6 dias) (Moureau, 2019).
O CVCTI (Cateter Venoso Central Totalmente Implantado) com reservatório subcutâneo consiste num sistema de acesso venoso a uma veia profunda. O acesso é normalmente encontrado em diferentes locais anatómicos e realizado por punção percutânea para cateterizar a veia com o apoio ecográfico (Heffner & Androes, 2021). O cateter pode ser fabricado em poliuretano ou silicone menor risco de adesão da fibrina ao cateter (Khal et al. 2017). A extremidade distal deste situa-se, normalmente, na veia cava superior e a extremidade proximal é fixa na câmara que é implantada no tecido subcutâneo do doente, geralmente abaixo da clavícula (Malcata & Pequito, 2007 citado por Santos, 2015). O reservatório é fabricado em titânio ou plástico com câmara simples ou dupla, tendo uma membrana em silicone, onde são realizadas as punções (Zerati et al, 2017). O CVCTI pode permanecer no local durante semanas ou meses e permite diminuir a ansiedade do doente associada a punções venosas repetidas (Schiffer et al, 2013).
Relativamente ao acesso vascular PICC (Cateter Central Periférico), estes são inseridos na veia basílica e cefálica no espaço ante cubital ou na veia braquial até à transição entre a veia cava superior e o átrio direito ou junção cavo-arterial. Todavia, a veia basílica é a de eleição, por permitir o maior diâmetro dos vasos da extremidade superior e por permitir uma entrada mais direta na veia subclávia (Hockenberry, 2011). A veia cefálica com ângulo de 90 graus na porção terminal da veia axilar, dificulta por vezes a progressão do cateter. A sua inserção deve ser realizada com auxílio de ecógrafo (Hockenberry, 2011).
Os PICC estão disponíveis em vários tamanhos e podem ter um ou vários lúmens. Existem diferentes tipos e materiais de cateteres como os de poliuretano ou silicone. O cateter de poliuretano é mais resistente, permite paredes de lúmen mais finas e de maiores diâmetros, aumentando significativamente as taxas de fluxo e reduz a possibilidade de rotura do cateter (Loveday et al, 2014). Esta tipologia de cateter pode ser inserida pelo enfermeiro, sendo uma via muito fiável para a administração de antibioterapia, nutrição parentérica e quimioterapia (Derudas et al., 2013).
No doente oncológico, o CVCTI está indicado em situações tais como uma rede venosa periférica inadequada, em casos de ser necessário um acesso venoso frequente e em tratamentos de longa duração (Sousa et al. 2015; Zerati et al, 2017; Khalil et al, 2017; Heffner & Androes, 2021). Nesta tipologia de acessos venosos centrais as complicações mais frequentes são:
Infeção: é a complicação que mais afeta a vida do CVCTI, podendo incluir a pele, o túnel e a câmara (Zerati et al, 2017; Ding et al, 2019). A infeção na corrente sanguínea associada ao cateter, que persiste após 48 a 72 horas de cobertura antibiótica adequada, ou infeções com S. aureaus, fungi ou mycobacteria implicam a remoção do CVCTI (Sousa et al, 2015; Ding et al, 2019).
Oclusão: é a segunda complicação mais prevalente (Vasques, 2017). Verifica-se quando existe pressão ao administrar um bólus e pela ausência de retorno venoso (Ding et al, 2019). As principais causas desta complicação pode estar relacionada com a compressão mecânica do cateter, obstrução do lúmen associada à existência de trombos ou precipitação de medicamentos e/ou alimentação parentérica (Goossens, 2015; Ding et al, 2019). Para o tratamento da oclusão trombótica, deve ser utilizada a uroquinase ou alteplase de acordo com o protocolo existente na instituição (Ding et al, 2019).
Trombose venosa profunda: ocorre na veia onde está colocado o CVCTI e classifica-se como trombose assintomática ou sintomática (Ding et al, 2019). Enquanto a assintomática é detetada ocasionalmente através de exames de rotina, a sintomática surge associada a desconforto na zona de inserção do CVCTI, dor no trajeto venoso, sensibilidade e/ou endurecimento da veia, edema do membro, da face ou do pescoço, cefaleias, presença de circulação venosa colateral na parede torácica, rash cutâneo e febre (Zerati et al, 2017; Ding et al, 2019).
Embolia por cateter: pode acontecer quando o cateter se desconecta do reservatório ou por fratura do mesmo. A suspeita surge quando o cateter não apresenta refluxo e o doente apresenta queixas de dor aquando da infusão, sendo neste caso obrigatório remover o cateter (Zerati et al, 2017).
Fibrina: a presença do cateter no espaço intravascular pode provocar a formação de fibrina na sua superfície ou no orifício final, o que impede o refluxo venoso por atuar como mecanismo de válvula, quando se faz pressão negativa durante a aspiração, resultando na perda da sua função (Zerati et al, 2017; Ding et al, 2019).
Deslocação do cateter: pode ocorrer deslocação da ponta do cateter durante a cirurgia (Zerati et al, 2017).
Mau funcionamento ou rutura/dano do cateter: a situação de mau funcionamento ocorre quando existe disfunção no refluxo e/ou na infusão, que pode ser causado por falha técnica no implante, nomeadamente posicionamento inadequado da extremidade do cateter, angulação excessiva ou constrição deste (Zerati et al, 2017). As causas de rutura ou dano do cateter podem ser diversas, tais como síndrome de “pinch-off” (compressão do lúmen do cateter); forças externas como cintos de segurança, roupas excessivamente apertadas ou uma colisão; utilização de uma seringa com diâmetro inadequado que cause uma pressão elevada, etc. (Ding et al, 2019).
Rotação do reservatório: a rotação do reservatório faz com que a área de punção fique contra a parede torácica e o fundo virado para cima, o que impede a sua punção. Neste caso é necessária abordagem cirúrgica para reposicionar ou remover o cateter (Zerati et al, 2017).
Relativamente ao PICC, é considerado um dispositivo de acesso vascular seguro, por permitir a administração de fluidos e medicamentos que não podem ser infundidos em veia periférica. As indicações para o seu uso incluem tratamentos de duração prolongada (superior a uma semana); administração de nutrição parentérica com concentração de dextrose maior que 10%; antibioterapia, quimioterapia, administração de hemoderivados, avaliação da pressão venosa central e colheitas sanguíneas (Stocco et al, 2011). Algumas das contraindicações mencionadas, são as veias de pequeno calibre ou com trombose prévia, distúrbios osteoarticulares do braço, esvaziamento axilar, hemodiálise, quimioterapia com perfusão superior a 12h e a não colaboração do doente (Montes et al, 2011). Nesta tipologia de acessos venosos centrais as complicações mais frequentes que podem ocorrer são:
Flebite: esta inflamação das células endoteliais da parede venosa está relacionada com fatores mecânicos, químicos ou infeciosos. A sua incidência varia entre 5 e 26%. Esta taxa é a mais baixa, quando comparada à verificada nos cateteres periféricos, que é de 65% (Griffiths & Philpot, 2002).
Infeção local: a incidência da infeção varia entre 2 e 3%. A fonte mais comum pode estar relacionada com a contaminação microbiana da infusão ou do cateter, e pode ser prevenida utilizando corretamente a técnica asséptica durante a inserção e otimização do cateter (Krein et al, 2019). O tempo de permanência do cateter e os critérios utilizados para a sua substituição são igualmente importantes (Gorski & Czaplewski, 2004).
Trombose: pode ser multicausal: aderência de plaquetas e fibrinas que vão obstruir o cateter e o lúmen do vaso; a interrupção da medicação por tempo prolongado que pode levar ao refluxo de sangue para o cateter ou perfusões a ritmo muito lento (Toma, 2004).
Embolia gasosa: é uma complicação rara relacionada com o PICC. As causas incluem a presença de ar nos sistemas, as desconexões, o frasco de solução vazio e técnica inadequada na otimização dos cateteres em acessos centrais (Toma, 2004).
Oclusão do cateter: a obstrução parcial ou completa do cateter, impede ou dificulta a aspiração de sangue e consequentemente leva à perda da permeabilidade do cateter. A incidência deste tipo de complicação varia entre 2 e 44% (Farjo et al, 2003). Os fatores principais são a ineficiente lavagem do PICC e o seu uso frequente para colheitas de sangue (Gorski & Philpot, 2004).
Estas complicações podem ser prevenidas com a implementação de práticas seguras na inserção, manutenção e otimização destes dispositivos.
Procedimentos de boas práticas na utilização dos Acessos Vasculares Centrais: CVCTI e PICC
Foram identificados na literatura alguns princípios gerais nos procedimentos de inserção, manutenção e otimização dos acessos vasculares relacionados que contribuem para a melhoria da prática e da segurança dos cuidados de enfermagem:
Inserir o cateter em ambiente controlado (preferencialmente com ventilação mecânica de pressão positiva) do bloco operatório (DGS, 2015; Moureau, 2019).
Utilizar técnica asséptica de forma a minimizar o risco de infeção (CDC, 2011; NHS 2019, Ding et al., 2019).
Usar solução antisséptica com chlorohexidina a 2% em solução alcoólica em todos os processos de desinfeção (Moureau, 2019; Martinez et al., 2015).
Substituir o penso sempre que se verifique uma das seguintes condições (DGS, 2015; Moureau, 2019; Rupp & Karnatak, 2018):
• Penso visivelmente sujo, com sangue ou descolado da pele;
• Penso com compressa de 48 a 72h;
• Penso transparente de 7/7 dias.
Especificamente nos CVCTI, puncionar o reservatório subcutâneo com agulha tipo “Huber” (não cortante, com bisel lateralizado), pois outros tipos de agulhas podem causar danos à membrana de silicone do reservatório e reduzir a vida útil do cateter (Vasques, 2017). A agulha deve ser trocada a cada 7 dias (NHS, 2019).
Não utilizar seringas com volume inferior a 10 ml, para evitar uma pressão ex-cessiva, o que poderá danificar o cateter. Após colheitas sanguíneas, suporte transfusional ou alimentações parentéricas lipídicas deve ser efetuada lavagem com 20 mL de SF. (CDC, 2011; Rupp & Karnatak, 2018).
Utilizar sempre a técnica de “Push-Pause” ou técnica turbulenta para a lavagem do lúmen do CVC, com a administração de ≥10 ml SF em pulsos (lentamente) de cerca de 2.5ml (Martinez et al., 2015; DGS, 2015; Smith et al., 2017; Rupp & Karnatak, 2018; Moureau, 2019).
Utilizar sempre técnica de pressão positiva: clampagem da via do CVC previamente à remoção da seringa (Martinez et al., 2015; DGS, 2015; Chopra et al., 2015; Smith et al., 2017; Rupp & Karnatak, 2018;).
Usar sempre conector de pressão neutra na manipulação do CVC (CDC, 2011; Rupp & Karnatak, 2018), à exceção da colheita de hemoculturas que será efetuada diretamente do lúmen do CVC (Garcia et al., 2018).
Substituir os conectores de 72/72 horas, no máximo até 96 horas; os sistemas de soros, incluindo torneiras, conectores e prolongadores, devem ser substituídos de 72/72 horas, no máximo até 96 horas; os sistemas utilizados para administração de sangue e/ou derivados no final da perfusão (devem permanecer máximo 4 horas) e os sistemas de albumina em períodos ≤ 24/24 horas (CDC, 2011).
Não administrar alimentações parentéricas concomitantemente com outras perfusões na mesma via do CVC (CDC, 2011; Montes et al., 2011).
Descontaminar os pontos de acesso dos sistemas e prolongadores (obturador, torneiras de três vias, etc.) por fricção com clorohexidina a 2% em álcool durante 15 segundos e deixar secar antes de conectar qualquer dispositivo estéril (CDC, 2011; DGS, 2015).
Heparinizar quando recomendado (ver normas institucionais) sempre após salinização (≥ 10mL) (Pittiruti et al., 2016).
Realizar a manutenção dos CVC em períodos que não ultrapassem as 4 semanas (CDC, 2011; Pittiruti et al., 2016; Smith et al., 2017; Moureau, 2019).
Lavar todos os lúmens do PICC (clampados e em utilização), aquando da substituição dos sistemas de administração, a cada 72 horas, através da “técnica turbulenta” conjugada com a “técnica de pressão positiva” (Martinez, et al., 2015).
Remover o CVC quando não for previsível a sua utilização (CDC, 2011; Pittiruti et al., 2016; Smith et al., 2017; Moureau, 2019).
Assim, pretendeu-se reunir as principais recomendações de boas práticas relacionadas com os cuidados de enfermagem na utilização do CVCTI e PICC.
Conclusão
Os acessos vasculares centrais como o CVCTI e o PICC permitem a administração segura de terapêuticas antineoplásicas e de terapias de suporte, tendo um impacto positivo na qualidade de vida da pessoa com patologia oncológica. No entanto, apesar do baixo risco de complicações associadas ao CVCTI e ao PICC, a sua manipulação exige profissionais com competências nesta área. Verificou-se também que em relação aos PICC, estes ainda são pouco utilizados, embora estejam comprovados os benefícios para o doente e para a gestão de cuidados de saúde. É assim fundamental destacar-se a necessidade de instruir e treinar toda a equipa de enfermagem para a colocação e otimização do PICC.