Introdução
O câncer de mama triplo-negativo (CMTN) é classificado histologicamente por não apresentar receptor de estrogênio (ER), receptor de progesterona (PR) ou receptor do crescimento epidérmico humano (HER2). A ausência desses receptores torna o tumor triplo negativo (TN) não-responsivo à hormonioterapia, tornando restritas as opções de tratamento que podem ser aplicadas.1
O subgrupo TN corresponde a 10-20% de todos os casos de câncer de mama, é caracterizado por afetar mulheres com idade inferior a 50 anos e por apresentar alto índice de recorrência e menor sobrevida.2 A agressividade do CMTN é devida, principalmente, à sua elevada taxa de multiplicação celular, apresentando também maior probabilidade de se disseminar e causar metástase.3
As atuais formas de tratamento disponíveis incluem: quimioterapia, radioterapia, cirurgia e imunoterapia. Essas opções de tratamento são amplamente utilizadas, levando em consideração a especificidade de cada caso. A imunoterapia ainda está sendo estudada, entretanto, já existem métodos que podem ser aplicados e que apresentam bons resultados.4
A quimioterapia é bastante utilizada, podendo ser realizada antes ou depois do tratamento cirúrgico, o que caracteriza a quimioterapia neoadjuvante e adjuvante, respectivamente. Apesar dos benefícios, a quimioterapia causa muitos efeitos adversos que influenciam de forma negativa a qualidade de vida da paciente.5
Muita informação sobre o câncer de mama é propagada através da mídia e ações sociais, entretanto pouco é falado sobre os tipos de câncer de mama e opções terapêuticas disponíveis. Por não responder à terapia hormonal o tumor triplo negativo é de difícil tratamento, muitas vezes empregando uma quimioterapia antes e após procedimento cirúrgico, caso necessário. Dessa forma, outras metodologias de opções terapêuticas devem ser pesquisadas, para que seja possível melhorar a qualidade de vida dessas pacientes durante o tratamento e aumentar a sobrevida.4
Objetivos
Objetivo Geral:
Descrever as opções de tratamento disponíveis e a expectativa de vida de mulheres diagnosticadas com CMTN.
Objetivos específicos:
. Descrever quais são as atuais opções de tratamento no CMTN;
. Correlacionar as opções de tratamento com a sobrevida de mulheres diagnosticadas com CMTN;
. Estabelecer diferenças diagnósticas entre o CMTN e outros tipos de câncer de mama;
. Comparar a sobrevida de mulheres diagnosticadas com CMTN com a de mulheres diagnosticadas com outros tipos de câncer de mama.
Metodologia
Tratou-se de uma revisão sistemática de literatura em que foram pesquisados estudos publicados de 2015 a 2021 nos idiomas inglês, português e espanhol, nas plataformas de pesquisa BVS, LILACS, SCIELO, PUBMED e Periódicos Capes. Foram aplicadas as palavras-chave “câncer de mama triplo negativo” e “expectativa de vida”, utilizando o operador booleano E (AND). Para fins de pesquisa, as palavras-chave deveriam constar no título e assunto do estudo, respectivamente.
Foram incluídos os artigos publicados e disponíveis na íntegra que, após a leitura do resumo, descreviam as opções de tratamento disponíveis e a expectativa de vida de mulheres diagnosticadas com CMTN. Foram excluídos os estudos do tipo revisão de literatura e as duplicatas, além daqueles que, após leitura, não respondiam a seguinte pergunta: “Como é a sobrevida e quais são as opções de tratamento de pacientes diagnosticadas com CMTN?”
A seguir, um fluxograma que demonstra como foi realizada a triagem dos artigos nas plataformas de pesquisa.
Resultados e discussão
O Quadro 1, a seguir, apresenta as informações obtidas dos artigos que foram selecionados para compor o presente estudo.
Diferentes subtipos de câncer de mama são identificados devido a expressão de marcadores na superfície da célula tumoral, alguns estando associados a um melhor prognóstico. Os tumores TN tendem a ocorrer em mulheres mais jovens e apresentam uma alta taxa de proliferação celular, uma sobrevida mais curta e possuem tendência a metastizar com maior frequência que outros tumores de mama.7
Cerca de 20% das pacientes diagnosticadas com CMTN apresentam uma mutação germinativa no gene BRCA1, essa porcentagem varia de acordo com o histórico familiar e idade da paciente no momento do diagnóstico, mas essa mutação permanece em 10 % mesmo em pacientes sem casos na família de câncer de mama e ovário. O tratamento dessas pacientes é desafiador devido à falta de alvos terapêuticos, sendo aplicada a terapia sistêmica tanto no período neoadjuvante como adjuvante.6
Tumores TN com HER2 (Human Epidermal growth fator Receptor-type 2) com score 0/1 apresentam pior prognóstico quando comparado a pacientes com HER2 score 2 ou 3. Pacientes com recidiva ou metástases apresentam pontuação menores para HER2, o que pode explicar a agressividade do CMTN e, em especial, dos tumores com HER2 score 0/1. Outro fator prognóstico no CMTN é a presença de vimentina (proteína que demonstra perda da diferenciação celular), receptor de andrógeno (associado a gênese e desenvolvimento do câncer de mama) e presença de linfócitos infiltrantes de tumor (relacionados a uma melhor resposta no tratamento).8
Existem cerca de 207 DEGS (differentially expressed genes) relacionados ao desenvolvimento do câncer de mama, uma análise de enriquecimento da função celular (GO) mostrou que os DEGS promovem principalmente a atividade do fator de transcrição, auxiliando na ligação do promotor com a RNA polimerase II. Todos esses genes expressos diferencialmente estão relacionados com algum momento da iniciação, invasão e progressão do CMTN. Um conjunto de genes que chamou a atenção foi o da família SOX (SRY-Related HGM-box), estando o SOX8 (SRY-Box 8) associado a redução significativa da sobrevida de pacientes com CMTN.9 Segundo Dong9, existem cerca de 4 principais DEGS que estão associados com uma melhor sobrevida livre, sendo eles os genes: FABP7 (Fatty Acid Binding Protein 7), ART3 (ADP-Ribosyltransferase 3), CT83 (Cancer/Testis Antigen 83) e TTYH1 (Tweety Family Member 1), quando presentes esses genes atuam positivamente no aumento da expectativa de vida das pacientes com tumor TN. O tumor TN pode, ainda, ser classificado pela sua heterogeneidade molecular e fenotípica, podendo ser dividido de 4 a 6 subtipos moleculares, incluindo receptor andrógeno luminal e subtipos basais e mesenquimais.
A idade da paciente no momento do diagnóstico é importante para a previsão do prognóstico e estratégias terapêuticas. Pacientes jovens são mais propensas a abrigar mutações na linha germinativa BRCA1, estando essas mulheres mais susceptíveis a metástases precoces e recidiva da doença. Por outro lado, pacientes idosas apresentam um nível de expressão da KI-67 (Proteína nuclear do ciclo celular) menor, o que indica uma menor proliferação celular, entretanto, essas pacientes idosas são mais propensas a desenvolver fibrose grave.10
Nesse mesmo contexto, os resultados de Shagisultanova e Mayordomo11 apontam que pacientes idosas com câncer de mama apresentam dificuldade na adesão ao tratamento, pois geralmente essas pacientes possuem algumas comorbidades que dificultam um bom prognóstico devido as limitações causadas pelas mesmas. Mesmo sendo aplicada de forma adjuvante, a quimioterapia é considerada muito tóxica e debilitante para pacientes idosas, entretanto parâmetros individuais devem ser levados em consideração no momento da escolha terapêutica, visto que a função renal e estado funcional da paciente é mais importante que a idade cronológica.
Apesar dos efeitos adversos ocasionados pela quimioterapia, um estudo realizado por Curigliano e Pravettoni12 (2020) forneceu a comparação entre grupos de pacientes idosas com idade entre 70-80 anos e demonstrou que há uma sobrevida global significativamente melhor relacionada a aplicação da quimioterapia em estágio inicial no CMTN de pacientes idosas, podendo apresentar uma sobrevida de até 5 anos em 74,4% das pacientes. Entretanto, a fragilidade apresentada pela população idosa deve ser levada em consideração, visto que a mesma envolve uma diminuição da reserva fisiológica e funcional, o que leva ao aumento da vulnerabilidade a estressores e efeitos adversos.12
Um outro aspecto importante, apontado por Nagata e colaboradores13 (2016) aborda que células tronco pluripotentes induzidas (IPs) estão relacionadas ao prognóstico de pacientes com CMTN, visto que as mesmas ativam genes como o KLF4 e NANOG. A expressão elevado de KLF4 aumenta a sobrevida de pacientes com tumor TN, pois o mesmo promove a expressão de E-caderina (molécula de adesão celular que mantém a integridade do tecido e suprime a invasão de células tumorais), o que indica que o gene em questão pode apresentar a capacidade de inibir a transformação e invasão de células malignas no CMTN, estando associado a uma melhor resposta terapêutica.
Por outro lado, a expressão do NANOG demonstra um pior prognóstico quando comparado ao KLF4 mesmo em tumores que apresentam receptores hormonais. Células epiteliais mesenquimais de transição (EMT) induzem a proliferação de células cancerígenas no câncer de mama e o NANOG estimula a proliferação desse tipo celular, sugerindo que células tumorais que expressam esse gene apresentam aumento da emergência de metástases. Assim, pacientes que apresentam baixa expressão de KLF4 com elevação do NANOG apresentam pior prognóstico devido aumento da atividade proliferativa e invasiva de células do tumor TN.13
Outro marcador que pode ser utilizado para avaliar o prognóstico do CMTN é o HSPG2 (Perlecan), proteína que está relacionada com baixa sobrevida quando expressa em célula tumorais, pois a mesma possui expressão contínua em células metastáticas. Uma terapia alvo voltada para a inibição do perlecan por meio da utilização de um anticorpo IgG anti-HSPG2 é uma terapia promissora, visto que o mesmo bloqueia a expressão do perlecan, podendo inibir o crescimento e proliferação do tumor.14
A eritropoetina (EPO) apresenta inúmeras função além do seu papel na eritropoiese, tanto em condições fisiológicas como patológicas. Esse hormônio atua nas células através do seu receptor transmembrana (EPO-R), essas moléculas são induzidas por hipóxia no câncer de mama e contribuem para o aumento da sobrevivência das células tumorais através da neutralização da lesão por hipóxia. O tumor TN apresenta cerca de 37,8% de expressão da EPO.14
A expressão de EPO e EPO-R também ocorre em tecidos mamários saudáveis, entretanto a sua presença tende a ser de leve a moderada. A eritropoetina apresenta-se em maior quantidade em células tumorais adjacentes às áreas de necrose e célula na periferia da lesão. O EPO-R encontra-se de forma mais abundante em tumores altamente diferenciados, como é o caso do TN, sendo assim, a expressão desse hormônio e seu receptor pode ser considerado um marcador de prognóstico adicional.14
Já em relação aos aspectos terapêuticos, Bluem e colaboradores15 (2016) chamam a atenção para a trabectedina, fármaco utilizado no tratamento de câncer sendo bem tolerado em casos de CMTN, o mesmo liga-se ao sulco menor do DNA e alteram as vias de transcrição e vias de reparo que eventualmente resultam na morte da célula tumoral. Esse fármaco apresenta uma segurança administrável e os efeitos adversos estão relacionados a fadiga, náuseas, vômitos, constipação e anorexia. Foram relatados também casos de neutropenia e aumento das transaminases.
Outro fármaco que pode ser aplicado no tratamento de CMTN metastático é o nab-paclitaxel, onde o mesmo pode ser administrado em associação com a cisplatina (AP) ou gencitabina (AG), esses fármacos testados mostraram que o AP é mais tolerado e apresenta um melhor prognóstico em tumores TN, em contrapartida o mesmo possui uma maior toxicidade.16
O anticorpo antiligante de morte celular programada (anti PD-L1) é uma terapia que pode ser utilizada em associação com a quimioterapia, apresentando benefícios na resposta clínica. O atezolizumabe em combinação com nab-paclitaxel é utilizado como tratamento de primeira linha para pacientes com tumores PDL-1 positivos. Essa terapia é uma das primeiras a cruzar o benefício de sobrevida global de 2 anos em tumores triplo-negativo metastáticos.7
Conclusão
Conclui-se que o CMTN é um subtipo de câncer de mama que apresenta elevada proliferação celular com maior probabilidade de se disseminar e causar metástase, estando associado a um pior prognóstico devido à ausência de terapias hormonais eficazes. Entretanto, fármacos estão sendo constantemente estudados para que haja uma terapia direcionada para o tumor, aumentando assim a sobrevida dessas pacientes que, atualmente é de cerca de 5 anos.
As opções terapêuticas disponíveis são limitadas, visto que a quimioterapia, radioterapia e cirurgia são atualmente os principais tratamentos aplicados, devido outros quimioterápicos alternativos ainda estarem sendo desenvolvidos e testados. Entretanto, mesmo em estudos preliminares alguns fármacos demonstram um bom prognóstico, atuando na inibição da progressão do tumor triplo-negativo e aumentando assim a sobrevida das pacientes.