Introdução
O primeiro procedimento que pode ser considerado broncoscopia enquanto método endoscópico de visualização direta da árvore traqueobrônquica foi realizado por Gustav Killian (1860-1921) na Alemanha. Killian é, por esse motivo, considerado o “pai da broncoscopia”.
A associação de sistemas de iluminação aos equipamentos inicialmente desenvolvidos por Thomas Edison em 1878 veio permitir uma melhor exploração por via endoscópica das vias aéreas inferiores e contribuir para a sua progressiva importância na medicina respiratória, conduzindo atualmente, pela complexidade e diferenciação, a uma subespecialidade, a Pneumologia de Intervenção.1
O primeiro broncoscópio de iluminação distal e tubo de aspiração integrados surge em 1904 com Chevalier Jackson depois de vários contributos que introduziram modificações e adaptações aos broncoscópios originais, sendo apresentado na década de sessenta por Shigeto Ikeda o que seria o primeiro broncoscópio flexível constituído por fibras ópticas.2
A broncoscopia flexível, concebida inicialmente por Shigeto Ikeda em 1966 e as suas técnicas subsidiárias, dada a elevada tolerância pelo doente e relativa facilidade de execução, permitiu intervenções nos brônquios dos lobos superiores, brônquios mais periféricos - anteriormente inacessíveis - e constituíram uma revolução e evolução na área da broncoscopia diagnóstica e terapêutica.3
A ultrassonografia endobrônquica é uma técnica minimamente invasiva que associa simultaneamente broncoscopia à ultrassonografia, com a finalidade de visualizar nódulos ou massas pulmonares, paredes das vias aéreas e estruturas ao redor de toda a árvore traqueobrônquica.4
As primeiras endoscopias brônquicas ultrassónicas (EBUS) surgiram em 1992 com Hurter e Hanrath: eram do tipo radial e permitiam a realização de biópsias de nódulos periféricos e ainda a orientação de punções aspirativas de nódulos linfáticos mediastínicos, ainda que não em tempo real.5
O broncoscópio equipado com transdutor de ultrassom convexo na sua extremidade distal surgiu em 2002 no Japão, permitindo obter uma imagem nítida das estruturas adjacentes às vias aréreas principais, o que, associado a uma agulha de biópsia específica, permitiu guiar punções aspirativas transbrônquicas de linfonodos mediastínicos e hilares em tempo real.6
Principais indicações clínicas
No acompanhamento dos doentes com cancro do pulmão, para a definição do plano terapêutico e do prognóstico, é determinante o seu estadiamento, particularmente a avaliação da metastização mediastínica.
Neste processo, a mediastinoscopia, sendo um procedimento invasivo, não isenta de complicações, requerendo anestesia geral e um período de hospitalização, tem permitido a afirmação da EBUS-TBNA (Punção aspirativa por agulha guiada por ecoendoscopia endobrônquico) como modalidade broncoscópica minimamente invasiva, associada a menor morbilidade e menor custo. Permite, desta forma, o acesso a linfonodos acessíveis à mediastinoscopia bem como a linfonodos hilares e interlobares.5,7
As principais indicações para a realização de EBUS-TBNA são o estadiamento linfonodal da neoplasia pulmonar, particulamente no cancro do pulmão de células não pequenas (CPCNP), a investigação diagnóstica de massas e linfonodomegalias mediastinicas ou hilares inferiores, lesões paraesofágicas, paratraqueais e peribrônquicas, emergindo entre as indicações mais recentes desta técnica a identificação de biomarcadores tumorais em amostras neoplásicas.4,8
Entre as patologias não-oncológicas, apesar das várias modalidades broncoscópicas disponíveis para a colheita de amostra de tecidos, a grande maioria das evidências favorece a EBUS-TBNA para o diagnóstico, por exemplo, da sarcoidose nos estádios 1 e 2.9
A EBUS e a ultrassonografia transesofágica (EUS) têm revelado taxas muito favoráveis no diagnóstico de linfonodos mediastínicos, nomeadamente na especificidade (100%) e sensibilidade (88%) em relação às abordagens guiadas por TAC.10
Para além das indicações diagnósticas, a EBUS assume um papel relevante na otimização de opções terapêuticas face a anomalias das estruturas brônquicas e alterações do lúmen das vias aéreas, no tratamento por laser, na colocação de endopróteses em estenoses malignas e na decisão das margens e definição de envolvimento carinal ou traqueal das lesões quando a opção é a resseção cirúrgica.11
O facto das lesões próximas ou em contacto com a árvore traqueobrônquica serem acessíveis por esta técnica e o caráter minimamente invasivo do EBUS-TBNA, com valor diagnóstico comparável aos métodos cirúrgicos convencionais, têm contribuído para que esta técnica tenha ganhado relevância rapidamente e sido integrada nos procedimentos de rotina de investigação em centros médicos de referência.
Técnicas e equipamentos
A EBUS é um procedimento que usa a gama de ultrassons para visualizar as estruturas interiores ou extraluminais adjacentes à árvore traqueobrônquica, existindo dois tipos de dispositivos, o radial (RP-EBUS) e o convexo (CP-EBUS).
A EBUS com RP-EBUS usa um transdutor delicado e flexível que é inserido pelo canal de trabalho de um broncoscópio convencional, dirigida à lesão pulmonar em investigação. Com esta técnica é possível obter uma visão de 360o da região e permite a identificação do brônquio da lesão, com base nas diferenças de ecogenicidade entre este e o parênquima normal.
Este procedimento deve ser realizado sob fluoroscopia para auxiliar na avaliação da lesão-alvo, sendo possível realizar simultaneamente o exame citopatológico e biópsia transbrônquica, nomeadamente o escovado e a punção aspirativa transbrônquica.4
A realização do CP-EBUS implica a existência de um equipamento de ultrassonografia dedicado, colocado na ponta do broncoscópio flexível, permitindo a captação de imagens das vias aéreas, por contato direto do transdutor com a parede traqueobrônquica. O dispositivo tem função de doppler, o canal de trabalho e agulha dedicada para a realização da punção aspirativa transbrônquica, com imagens de ultrassonografia, em tempo real. Este procedimento é conhecido como punção aspirativa transbrônquica guiada por EBUS (EBUS-TBNA).4
A punção aspirativa transbrônquica guiada por ecoendoscopia brônquica linear (EBUS-TBNA) é atualmente a técnica de eleição para o estadiamento do cancro do pulmão de não-pequenas células (CPCNP). A capacidade diagnóstica nos casos de envolvimento N2 e N3 pode ser potenciada pela combinação de ecoendoscopia brônquica e esofágica.12
O procedimento EBUS pode ser realizado em regime de ambulatório sob anestesia tópica ou com sedação consciente. No caso do EBUS - TBNA, geralmente a via de acesso é oral uma vez que as dimensões da sonda ultrassom limita a via nasal. O calibre da agulha varia entre 19G para análise histológica e 25G no caso de análise citológica.
A broncoscopia flexível com as suas técnicas subsidiárias (biópsia, escovado e/ou lavado brônquico) têm revelado uma elevada rentabilidade diagnóstica nos tumores endoluminais centrais em comparação com as lesões periféricas, e a punção aspirativa transtorácica guiada por Tomografia Computorizada - PATT-TC - tem uma maior sensibilidade quando a lesão se localiza na periferia pulmonar.13
Independentemente da finalidade do procedimento, é essencial um estudo radiológico rigoroso com recurso nomeadamente à Tomografia Computorizada (TC) ou à Tomografia Computadorizada por Emissão de Positrões (PET-CT) que permita uma avaliação sistemátizada das cadeias linfonodais de acordo com o mapa mediastinico definido em 2009 pela International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC) e definição da sequência e cadeias-alvo da punção aspirativa.4
Para minimizar as eventuais complicações da TBNA e permitir a aquisição de material dificilmente acessível por broncoscopia convencional, foram desenvolvidas novas modalidades de navegação broncoscópica, nomeadamente a ecoendoscopia radial (minisonda) e a broncoscopia de navegação virtual com imagens geradas por software 3D com maior rentabilidade diagnóstica.7
A EBUS-TBNA pode ser realizada em doentes sob anestesia naso-oro-faríngea, mas para minimizar o reflexo da tosse, melhor tolerância e maior controlo durante o exame, o procedimento pode ser realizado sob anestesia geral.12
O broncoscópio deve ser introduzido preferencialmente por via oral, sendo geralmente utilizado um tubo endotraqueal (número 8 ou maior), obrigando a que o broncoscópio fique em posição central dentro da via aérea, criando maior dificuldade em colocar a sonda de ultrassom em contacto com as paredes da via aérea, constituindo, nestes casos, a utilização de máscara laríngea uma boa alternativa.14
Diferentemente da broncoscopia convencional, na ecoendoscopia brônquica verifica-se o contacto direto da ponta do broncoscópio com a parede da traqueia ou brônquio, sendo determinante o seu correto posicionamento para evitar danificar o instrumento. Face à configuração convexa da agulha, é visualizada toda a área da punção, sendo a aspiração realizada de forma convencional.
A utilização do modo doppler permite uma avaliação vascular, aumenta a segurança do procedimento e, associado com a elastografia, permite uma melhor discriminação de malignidade dos gânglios suspeitos.
Complicações do Procedimento
As contra-indicações do EBUS são as mesmas da broncoscopia normal, o mesmo se podendo afirmar relativamente às contra-indicações da punção guiada pelo EBUS, sendo as mesmas da punção por agulha às cegas.
O desenvolvimento e a realização cada vez mais frequente do EBUS têm demonstrado que as complicações da punção aspirativa transbrônquica com agulha guiada por ecografia endobrônquica são pouco comuns e não muito diferentes das complicações associadas à broncoscopia convencional com utilização da punção aspirativa transbônquica às cegas.
Não se podendo afirmar que a técnica é isenta de riscos, estes variam de doente para doente e estão principalmente associadas com a utilização eventual de fármacos ou com a realização de procedimentos adicionais.15,16
Quando utilizada uma agulha de baixo calibre, as consequências na eventualidade de punção vascular são mínimas, sendo, no entanto, de referir como principais complicações o pneumotórax, pneumomediastino, hematoma mediastinal e infeção.5
A complicação mais frequente corresponde a danos provocados nos equipamentos durante a manipulação da agulha. Outras complicações como hemorragia e infeções ocorrem muito raramente.4
Papel do enfermeiro
Atualmente, a endoscopia brônquica ecoguiada assume um papel no diagnóstico e tratamento permitindo que técnicas terapêuticas minimamente invasivas substituam intervenções mais agressivas e complexas.
Em Portugal, a bibliografia referente as competências dos enfermeiros na área da Endoscopia Brônquica Ultrassónica (EBUS) é escassa, no entanto é fundamental o conhecimento desta técnica, em que o enfermeiro atua de forma cada vez mais presente.
Os conhecimentos específicos e o desenvolvimento das competências destes profissionais visam estabelecer uma estreita colaboração com a equipa multidisciplinar para minimizar complicações em termos de técnica e procedimentos, reduzir a possível ansiedade do doente submetido ao procedimento e, em última instância, melhorar a aplicabilidade e os resultados do procedimento.
Os profissionais de enfermagem que atuam nestas unidades, além de realizarem o acolhimento do utente, prestam cuidados durante e após o exame.
Não existindo bibliografia específica sobre os cuidados de enfermagem, podemos estruturar as intervenções de enfermagem em três momentos distintos sendo eles: a fase de pré-exame ou acolhimento do utente, de realização do exame e na fase de pós-exame.17,18
Fase de realização do exame
Durante o procedimento, a equipa de enfermagem habitualmente é constituída pelo enfermeiro de anestesia e pelo enfermeiro instrumentista, no entanto, em algumas unidades hospitalares poderá existir um enfermeiro circulante.
Fase de pós-exame
Por forma a garantir a segurança, preparação física e psicológica antes, durante e após o procedimento e prevenir quaisquer incidentes ou complicações, o enfermeiro inserido numa intervenção multidisciplinar assume um cuidar profissional e integrativo com participação ativa na realização de EBUS. Assim, é-lhe exigida uma atualização contínua de conhecimentos e intervenções altamente diferenciadas que se enquadram no perfil de competências do enfermeiro especializado em endoscopia.
Conclusão
O aparecimento e desenvolvimento da EBUS tem sido considerado como a mais relevante evolução tecnológica da atualidade na endoscopia respiratória. O seu desempenho, nomeadamente da TBNA, no diagnóstico e estadiamento mediastínico em doentes com cancro do pulmão de não-pequenas células (CPNPC) tem sido extensivamente descrito com resultados consistentes nos diferentes estudos publicados.
A EBUS-TBNA é um método sensível, preciso, prático e seguro que permite a obtenção de material citológico de gânglios ou massas adjacentes à via principal, em que o número de procedimentos realizados melhora o manuseamento e desempenho da técnica e evita o recurso a procedimentos cirúrgicos mais complexos com o mesmo objetivo diagnóstico.
O conhecimento das estruturas mediastínicas, a sua relação anatómica com as vias aéreas, a capacidade de interpretação das imagens, numa área onde a curva de aprendizagem é longa, a experiência e competência do executante são determinantes para o sucesso do procedimento.
A endoscopia brônquica ultrassónica, sendo um procedimento com menores morbilidade e custos e apresentando alta sensibilidade e elevado valor diagnóstico, reforçam o seu potencial de desenvolvimento, conferindo-lhe atualmente um papel determinante na área da Pneumologia e na Pneumologia de intervenção. Este aspeto foi reforçado e está presente na literatura consultada.
Em todos os momentos e tipos de EBUS, o enfermeiro exerce a sua intervenção com o foco na prevenção, no rastreio, na educação e nos cuidados de suporte à pessoa de forma individual e integral, participa como membro da equipa multiprofissional com investimento em formação contínua e numa prática baseada na evidência. Estes domínios têm sido determinantes para uma intervenção especializada.
Assim, será possível corresponder aos códigos de conduta ética, tendo a qualidade, a segurança do doente e as suas necessidades como alvos principais das suas preocupações, sendo possível constatá-los através da observação e perícia clínica.