Introdução
As pessoas com doença oncológica são um grupo heterogéneo no qual a prevalência de malnutrição é muito significativa, correspondendo entre 20% a 80%, dependendo da localização do tumor, a idade e o estadio da doença1,2. Contudo, a presença da malnutrição permanece pouco reconhecida e subestimada na prática clínica3.
Quando considerado o estadio da doença, estima-se que 15 a 20% das pessoas com doença oncológica se encontram desnutridos aquando do diagnóstico, comparativamente com 80 a 90% quando em fase avançada4.
Os fatores contributivos para a deterioração do status nutricional das pessoas com doença oncológica são diversos: efeitos dos tratamentos como cirurgia, quimioterapia e radioterapia, alteração funcional mecânica e metabólica relacionada com o processo neoplásico, fatores pessoais como hábitos e aspetos psicológicos; fatores organizacionais como ausência de avaliação nutricional estruturada e atraso no suporte nutricional, assim como, a ausência de uma equipa multidisciplinar1. Há autores que defendem, ainda, que a malnutrição se revelou particularmente relevante nas pessoas com doença oncológica, como resultado da doença maligna e dos seus tratamentos, considerando que ambos deterioram o status nutricional3. As pessoas com doença oncohematológica acresce a particularidade de muito frequentemente se depararem com um diagnóstico inesperado, com necessidade de internamento imediato5.
A deterioração da condição nutricional tem consequências negativas em quase todos os órgãos ou sistemas do corpo humano6. A malnutrição demonstrou aumentar a vulnerabilidade das pessoas doentes, amplificando a sua morbilidade e mortalidade comparativamente com as pessoas doentes bem nutridas. Esta condição influencia negativamente a possibilidade de sobrevivência em virtude de reduzir a resposta imunitária individual, aumentar o risco de infeção intra-hospitalar, atrasar a cicatrização de feridas e aumentar o risco de úlceras de pressão7.
Embora os vocábulos malnutrição, perda ponderal e caquexia tenham sido utilizados como sinónimos ao longo dos anos, o termo Cancer-Related Malnutrition (CRM) é considerado mais adequado nas pessoas com esta patologia8. Estes autores referem-se à CRM como sendo um complexo processo multifatorial que inclui uma série de mecanismos metabólicos e endócrinos intrincados.
Citando a Direção-Geral da Saúde9, estima-se que mais de 30% das pessoas internadas em unidades hospitalares (o estudo não discriminou nenhuma condição ou característica), independentemente da causa de internamento, estão em risco nutricional, uma condição que está fortemente associada ao aumento da mortalidade e morbilidade, declínio funcional, permanência hospitalar prolongada e aumento de custos em saúde. Segundo a mesma fonte, os resultados de um estudo multicêntrico realizado em hospitais portugueses indicavam uma prevalência de desnutrição, avaliada através do Nutritional Risk Screening 2002 (NRS-2002), entre os 28,5% e os 47,3%. Revelou ainda que dois em cada três pessoas internadas tinha menções acerca de cuidados alimentares/nutricionais prestados nos processos clínicos, mas apenas um em cada três tinha o seu peso registado.
As recomendações da European Society for Clinical Nutrition and Metabolism10indicam que a utilização sistemática de um método de rastreio nutricional em todos as pessoas internadas permite a identificação precoce de indivíduos em risco de desnutrição, referenciando-os para uma avaliação mais detalhada e sinalizando aqueles que podem beneficiar de um plano de cuidados nutricionais.
O Despacho nº 6634/2018, de 6 de julho11, determina a implementação de uma avaliação sistemática do risco nutricional a todos as pessoas internadas nos estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde por um período superior a 24h, e reavaliação a cada 7 dias, durante o internamento. Pelo mesmo Despacho, a avaliação do risco nutricional nos adultos internados deve ser efetivada pela equipa multidisciplinar com recurso à NRS-2002, de acordo com as orientações definidas por cada estabelecimento hospitalar. Esta escala foi utilizada uma vez que é a que está disponível no sistema de informação da instituição. Complementarmente, apresenta maior sensibilidade para a população em estudo, comparativamente a outras escalas6.
A precisa identificação da malnutrição em pessoas internadas com recurso a uma avaliação estruturada e documentação do seu estado nutricional permitirá uma atenção necessária e uma posterior intervenção a ser implementada12. A observação e avaliação do Enfermeiro são complementares a todas as ferramentas de avaliação disponíveis, a criação de um sistema de alerta nas pessoas com risco nutricional internadas e a criação de uma equipa de “gestão de Risco de Malnutrição” são consideradas boas práticas neste âmbito16.
As pessoas com doença oncológica são a população com maior risco de malnutrição, tendo o seu diagnóstico despertado atenção nos últimos anos13. Relativamente às pessoas com doença oncohematológica, a prevalência de malnutrição não tem sido estudada exaustivamente, embora alguns estudos apontem um risco de aproximadamente 27% nas pessoas submetidas a transplante de medula óssea14. Há autores que também defendem que cerca de 30% das pessoas com doença oncohematológica maligna estejam malnutridos, associando este facto a maior mortalidade e prolongamento do internamento2. Equiparando o risco nutricional em três doenças oncohematológicas, constatou-se que é mais frequente nos doentes com Linfoma (31,7%), seguido dos doentes com Leucemia (29,2%) e afetando 15,7% dos doentes com Mieloma Múltiplo 5.
A prevalência de malnutrição na pessoa com doença oncohematológica é variável de acordo com o instrumento de medida e apresenta um valor de 36,5% quando avaliada com recurso à Malnutrition Universal Screening Tool (MUST) criada em 2003 e regularmente revista pelo Malnutrition Advisory Group, um comité permanente da British Association for Parenteral and Enteral Nutrition (BAPEN)15. Os autores compararam três ferramentas de triagem nutricional nos doentes internados: a MUST, Malnutrition Screening Tool (MST) e a Subjective Global Assessment (SGA), e concluíram que a MUST se revelou mais sensível para detetar o risco de malnutrição nas pessoas com as patologias oncológicas supramencionadas6.
Direcionada especificamente para pessoas com doença oncológica, foi desenvolvida uma medida de rastreio de desnutrição que pudesse ser aplicada por qualquer profissional de saúde, rápida, simples e que possibilitasse a identificação das pessoas internadas com risco nutricional14. Recentemente foi desenvolvida com sucesso uma versão portuguesa desta escala, designada NUTRISCORE, que se revelou de fácil compreensão, rápida aplicação e apresentou validade psicométrica17. Esta escala acrescenta à avaliação da perda ponderal e sua quantificação, uma ponderação em função do diagnóstico oncológico, assim como tem em consideração o tratamento atual.
As orientações da DGS9de apoio à implementação da avaliação do risco nutricional identificam e reforçam os benefícios da sua avaliação sistematizada a todas as pessoas internadas. Outros autores reforçam esta importância ao salientarem que o suporte nutricional precoce deve ser implementado para prevenir, tratar e limitar as consequências negativas da malnutrição18.
Sustentados nestes pressupostos e recomendações, bem como na nossa experiência profissional, formulamos como objetivo geral analisar o risco nutricional das pessoas admitidas para internamento num serviço de oncohematologia e como objetivos específicos: avaliar o risco nutricional das pessoas com doença oncohematológica internadas nas 24/48h após admissão; avaliar o risco nutricional das pessoas com doença oncohematológica ao 7º dia de internamento; descrever o risco nutricional das pessoas internadas com Leucemia, Linfoma e Mieloma Múltiplo.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo inscrito no paradigma quantitativo. A amostra foi constituída por pessoas que cumpriram os seguintes critérios de inclusão: pessoas de ambos os géneros, internados com Leucemia, Linfoma ou Mieloma Múltiplo com capacidade cognitiva para livremente aceitar colaborar no estudo.
Como instrumento de recolha de dados utilizou-se a MUST15, por se considerar uma ferramenta válida para rastreio nutricional da pessoa com doença oncológica. A MUST compõe-se de 3 parâmetros, 2 quantitativos: o índice de massa corporal e a quantificação da perda ponderal nos últimos 3 - 6 meses em percentagem; e 1 parâmetro qualitativo: a previsibilidade de impossibilidade de se alimentar nos 5 dias seguintes. A contabilização destes 3 indicadores permite estratificar o risco em 3 categorias: 0 - Baixo risco, 1 - Médio risco, 2 ou mais - Alto risco, numa escala de valores que oscila entre 0 e 6.
Conforme as orientações da DGS9, foi efetuada avaliação do risco nutricional na admissão e ao 7º dia de internamento (nos casos em que esta circunstância se aplicou). A par dos dados antropométricos foram, também, recolhidos dados sociodemográficos e clínicos para caraterização da amostra, como a idade, género e diagnóstico hematológico. Os enfermeiros envolvidos no processo de recolha de dados, primeiramente participaram num questionário de avaliação de necessidades formativos no âmbito da avaliação nutricional e motivação/compromisso em participar no projeto. Identificada necessidade de formação nesta matéria realizou-se uma ação de formação direcionada ao tema.
A mesma pessoa com doença oncohematológica pode ter sido avaliada em mais do que um episódio de internamento, consequência dos reinternamentos que ocorreram durante o período de colheita de dados, que decorreu entre abril e junho de 2021, sendo a amostra composta por 72 pessoas e 145 episódios de internamento. Os dados foram recolhidos pelos vários elementos da equipa de enfermagem e registados no processo clínico, no sistema de informação da instituição. Posteriormente foram transcritos para uma base dados em formato SPSS®, versão 27 e analisados quanto à distribuição de frequências, medidas de tendência central e de dispersão.
Este estudo seguiu os preceitos éticos subjacentes a trabalhos de pesquisa sendo aprovado pela Comissão de Ética e Comissão de Proteção de Dados da instituição, referência CES. 100/021. Na primeira admissão de cada pessoa no serviço onde foi realizado o estudo, foi entregue um documento próprio de consentimento informado e livre em participar no mesmo. Nesse documento é explícito o objetivo do estudo, assim como a liberdade em participar no mesmo e de deixar de participar a qualquer momento.
Resultados
Caraterizando os participantes, no que se refere ao género, o masculino foi o mais representado (54,2%) comparativamente com o género feminino (45,8%), com idade média de 57 anos, um mínimo de 17 anos e o máximo de 86 anos.
De acordo com o diagnóstico hematológico a disposição é a seguinte: a patologia mais frequente foi o Linfoma (65%), seguida da Leucemia (25,3%) e o Mieloma Múltiplo o menos frequente (6,9%).
Do total de pessoas admitidas no serviço, em primeiro episódio de internamento (72) (independentemente do diagnóstico hematológico), 17 (23,6%) apresentavam baixo risco nutricional, 10 (13,9%) médio risco nutricional e 45 (62,5%) alto risco nutricional. A mesma avaliação realizada ao 7º dia de internamento obteve os seguintes resultados: 21,7% baixo risco nutricional, 8,7% médio risco nutricional e 69,4% alto risco nutricional. De referir que das 72 pessoas admitidas em primeiro internamento, apenas 23 (31,9%) permaneciam internadas ao 7º dia, tendo sido apenas a estas possível realizar o segundo momento de avaliação. Nesta avaliação constatou-se que diminuíram as pessoas que apresentam baixo ou médio risco nutricional e aumentou a percentagem das pessoas com alto risco nutricional, comparativamente ao momento da admissão (Gráfico 1 e 2).
Analisando a pontuação média, no conjunto de todos os participantes, foi de 1,941 e de 2,091 e mediana de 2, respetivamente, no momento de admissão (primeiro episódio de internamento) e ao 7º dia de internamento, traduzindo qualquer um destes valores, alto risco nutricional.
Em relação ao diagnóstico hematológico, as pessoas com diagnóstico hematológico de Linfoma (47), constituíram o maior grupo do total de pessoas admitidas em primeiro episódio de internamento (65%), sendo 42,6% do género feminino e 57,4% do género masculino, com idade média de 56 anos, em que o doente mais jovem tinha 17 anos e o mais velho 86 anos e uma mediana de 61 anos.
No momento da admissão e em primeiro episódio de internamento, a distribuição das pessoas com Linfoma pelo Score de Risco Nutricional foi a seguinte: 12 (25,5%) baixo risco nutricional, 8 (17%) médio risco nutricional e 27 (57,5%) alto risco nutricional.
Efetuando a mesma avaliação ao 7º dia de internamento, apenas 8 pessoas (17%) se mantinham internadas apresentando os seguintes valores: 2 (25%) baixo risco nutricional, 1 (12,5%) médio risco nutricional e 5 (62,5%) alto risco nutricional (Gráfico 3 e 4).
Quando comparadas as pontuações médias nestes dois momentos verifica-se que no momento da admissão é de 1,87 e ao 7º dia de 1,88, traduzindo qualquer um destes valores alto risco nutricional, contudo a percentagem de pessoas a quem foi possível realizar a avaliação ao 7º dia de internamento é reduzida pelo que a análise dos valores é limitada.
Quanto às pessoas com diagnóstico hematológico de Leucemia admitidos em primeiro episódio de internamento (18) e relativamente ao género, 55,6% eram do género feminino e 44,4% do género masculino. Quanto à idade tinham em média 55 anos, sendo a pessoa mais jovem de 27 anos e a mais velha com 69 anos. Ao 7º dia, apenas 66% se mantinham internados.
No momento da admissão a distribuição das pessoas pelo Score de Risco Nutricional foi a seguinte: 3 (16,7%) baixo risco nutricional, 2 (11%) médio risco nutricional e 13 (72,3%) alto risco nutricional. A média deste score foi de 2,17, ou seja, alto risco nutricional. Quando realizada a mesma avaliação ao 7º dia de internamento (12 pessoas) verificou-se que 1 (8,3%) apresentava baixo risco nutricional, 1 (8,3%) médio risco nutricional e 10 (83,3%) alto risco nutricional (Gráfico 5 e 6).
Quando comparados os scores médios nestes dois momentos verifica-se que no momento da admissão é de 2,17 e ao 7º dia de 2,58, com agravamento do score de risco nutricional com o prolongar do internamento.
As pessoas com doença oncohematológica são readmitidas no internamento de forma eletiva, para realização de quimioterapia ou para suporte de aplasia terapêutica ou de urgência, de modo que cada participante foi avaliado em mais do que um internamento. No máximo o mesmo participante foi avaliado em 5 internamentos neste período.
Da análise do efeito do reinternamento nas pessoas com Linfoma no momento da admissão, verifica-se a diminuição da frequência dos scores de baixo e médio risco e aumento de alguns scores de alto risco. A mesma análise efetuada ao 7º dia de internamento traduz a ausência de médio risco, diminuição da frequência das pessoas com baixo risco e aumento da frequência dos scores de alto risco (Gráfico 7 e 8). Este facto será analisado na discussão de resultados.
Com o reinternamento verifica-se que relativamente às pessoas com Leucemia, no momento da admissão diminui a frequência do baixo risco nutricional, mas verifica-se um aumento dos scores de médio e alto risco. Comparando com a avaliação ao 7º dia de internamento com o reinternamento, verifica-se a ausência de pessoas com baixo risco nutricional e a manutenção ou aumento da frequência dos restantes scores de risco nutricional à exceção do score 5 da escala (Gráfico 9 e 10).
Discussão dos Resultados
Os resultados obtidos vão ao encontro da literatura, reconhecendo o risco nutricional como problemático e relevante para a pessoa com doença oncohematológica, embora a investigação se concentre sobretudo nas pessoas submetidas a transplante de medula óssea. Por outro lado, a avaliação e intervenção na malnutrição permanecem pouco reconhecidas e subestimadas na prática clínica3. A comparação de resultados deve ser efetuada com alguma moderação, uma vez que os doentes com patologia oncohematológica propostos para transplante de medula óssea, de um modo geral, submeteram-se a uma ou várias linhas de tratamento intensivo de quimioterapia e/ou radioterapia previamente, o que necessariamente se repercute no seu estado nutricional. De salientar que na maioria das investigações por nós elencadas a avaliação nutricional é realizada com um contributo multidisciplinar, e nesta investigação a mesma foi exclusivamente efetuada por enfermeiros, tendo ao longo do estudo possibilitado articulação com o serviço de nutrição, sinalizando os doentes com médio e alto risco nutricional.
Em virtude da prevalência de malnutrição em doentes com patologia oncohematológica ainda não estar bem estabelecida15, os resultados do presente estudo configuram um contributo novo ao conhecimento sobre esta problemática, pese embora devam ser interpretados circunscritos a um contexto específico.
Do total de pessoas admitidas no serviço, em primeiro episódio de internamento, 23,6% não apresentava risco nutricional e 62,5% apresentava alto risco nutricional. Na mesma avaliação realizada uma semana depois, observou-se uma diminuição do número de pessoas sem risco nutricional e um aumento das pessoas com alto risco nutricional (69,4%), o que configura um ligeiro agravamento na avaliação efetuada ao 7º dia. Comparando com um estudo anterior2, que aponta para que cerca de 30% das pessoas com patologia oncohematológica sofrem de malnutrição, os resultados obtidos neste estudo praticamente se invertem, constituindo um grande desafio para a equipa de saúde multidisciplinar. No entanto, são sobreponíveis a outro estudo19, onde se propuseram a descrever o estado nutricional dos doentes com patologia oncohematológica num hospital universitário brasileiro, concluindo que 70,1% dos doentes apresentava alto risco nutricional quando considerado o score obtido com recurso à NRS-2002. Ressalve-se que estes resultados advêm de uma amostra de doentes admitidos para realização de quimioterapia em que a percentagem de doentes com Leucemia era superior à de doentes com Linfoma, contrariamente ao que se verificou no nosso estudo. O instrumento utilizado foi a NRS-2002 e nós optamos pela MUST. Acresce referir que na avaliação levada a cabo por estes autores, se for considerado como indicador o IMC, apenas 8,7% apresentavam risco nutricional. Um dos parâmetros avaliados pela escala MUST é o IMC e deve-se destacar que no estudo por nós realizado apesar dos resultados expressivos no score final de risco nutricional, os doentes apresentavam o IMC preservado.
O estudo15, com doentes hospitalizados com doença oncohematológica (linfoma, leucemia e mieloma múltiplo), apurou que 82% destes doentes se encontravam em risco nutricional, através da escala NRS-2002. Adicionalmente, concluíram que os doentes com patologia oncohematológica e desnutridos têm maior risco de mortalidade no primeiro ano. O risco apurado no nosso estudo (62,5% na admissão e 69,4% ao 7º dia de internamento) é inferior aos 82% obtidos por estes autores, mas são ambos expressivos da dimensão desta problemática.
A relevância dos resultados atesta a urgência na implementação de uma avaliação nutricional sistemática e sistematizada, essencial para os doentes com cancro18.
Aludindo aos doentes com Leucemia, um estudo20propôs descrever o status nutricional de doentes com Leucemia Mieloide Aguda na admissão e durante a quimioterapia, constatando que 15% de doentes estavam em risco nutricional aquando da admissão e 18% durante a hospitalização. Apontam como fatores a estomatite, diarreia, anorexia e a depressão, efeitos comuns dos tratamentos. Os autores referem a inexistência de dados comparativos aos obtidos, por ausência de estudos com amostra semelhante.
No presente estudo, 72,3% das pessoas com Leucemia em primeiro internamento apresentavam alto risco nutricional na admissão, e 83,3% ao 7º dia de internamento. Estes resultados não são comparáveis aos do autor anterior19, porque apesar de se tratar de doentes com Leucemia em primeiro internamento, não se encontravam todos na mesma fase de tratamento. Alguns com internamentos prévios e com mucosites grau III e IV, com grande impacto no estado nutricional. Há, ainda, outro estudo21que avaliou os efeitos no estado nutricional na qualidade de vida de doentes com Leucemia submetidos a quimioterapia de indução, apurando que 19,4% se encontravam malnutridos previamente ao início do tratamento. Após a indução, 76,1% encontravam-se moderadamente malnutridos e 6,3% severamente malnutridos. Com estes resultados verificaram o efeito da quimioterapia no agravamento do estado nutricional.
Nesta investigação e no que se refere às pessoas com Linfoma, os dados são igualmente expressivos sendo que na primeira avaliação apresentavam alto risco nutricional (57.5%) e ao 7º dia de internamento 62.5%. Em certa medida este diferencial era esperado. Um grupo significativo destes doentes tem internamentos curtos de 4 a 5 dias e não foi possível a avaliação uma semana depois, sendo expectável um risco menor do que na condição de Leucemia, cujos internamentos são em média mais longos. Os doentes com Linfoma, ainda em hospitalização, ao 7º dia são tratados com esquemas de quimioterapia iguais ou similares aos doentes com Leucemia, igualmente mais longos e com maior risco nutricional.
Em síntese, qualquer um destes resultados com maior ou menor expressão evidenciam o risco inerente à condição oncológica destas pessoas e atestam a necessidade de uma intervenção planeada, de um cuidado nutricional diferenciado de enfermagem e interdisciplinar, com repercussões clínicas, nomeadamente na sobrevida e qualidade de vida dos doentes. O reinternamento traduziu-se num agravamento do risco nutricional o que em certa medida é plausível, dada a continuidade da agressão provocada pelos tratamentos e seus efeitos cumulativos.
De referir que em relação ao instrumento de medida utilizado, a MUST, enquanto escala de estratificação de risco nutricional encerra em si algumas limitações, nomeadamente, pelo seu limitado grau de diferenciação, uma vez que o alto risco enquadra um intervalo alargado de valores (2 a 6). As razões pelas quais a escolha recaiu sobre este instrumento já foram previamente explanadas, sendo de salientar que as ferramentas de triagem são o primeiro passo no cuidado nutricional. Independentemente das suas limitações, como do próprio estudo, cujo tempo de recolha de dados não permitiu aumentar o tamanho da amostra, principalmente na segunda avaliação, e deste modo possibilitar outro tipo de análise. Deste modo, os seus resultados devem ser interpretados tendo em conta as circunstâncias em que foi produzido.
Consideramos que este trabalho pode ser um ponto de partida para futuras investigações e constitui um contributo para o conhecimento na área. Por outro lado, como maior contributo, foram dados os primeiros passos para uma avaliação uniforme e sistematizada do risco nutricional às pessoas com patologia oncohematológica, admitidas no serviço.
Conclusão
Os resultados obtidos demonstram que o risco nutricional é uma condição prevalente nas pessoas com patologia oncohematológica e coadunam-se com a evidência disponível, pese embora exista pouca investigação nesta área e se concentre sobretudo nos doentes submetidos a transplante de medula óssea. No entanto, o risco nutricional é reconhecido como uma problemática relevante para a pessoa com doença oncohematológica.
Este projeto teve como finalidade contribuir para o cumprimento da recomendação do Programa Nacional de Rastreio Nutricional, desenvolver competências próprias e da equipa de enfermagem na aplicação e interpretação dos scores obtidos através da MUST, motivando a sua contínua e futura aplicação, promovendo o suporte nutricional apropriado.
Em virtude de a prevalência de malnutrição em pessoas com patologia oncohematológica não estar ainda bem estabelecida, os resultados obtidos configuram algo novo, mas circunscritos ao contexto específico a que dizem respeito. Apesar disto, a expressividade dos resultados obtidos deve preocupar os profissionais que trabalham nestes contextos e sensibilizar para a necessidade de considerar a avaliação do risco nutricional à pessoa com patologia oncohematológica como parte integrante do seu plano de tratamento.
A estratificação das pessoas internadas de acordo com o risco nutricional viabiliza a implementação de intervenções de enfermagem e interdisciplinares ajustadas às necessidades individuais, resultando certamente em ganhos para a saúde das pessoas doentes e seus familiares.
Como nota final, espera-se que este trabalho, e a vivência dos enfermeiros envolvidos na sua implementação, assinale o início da avaliação de risco nutricional a todas as pessoas admitidas no serviço, de modo sistematizado. Poder-se-ão implementar planos de cuidados transdisciplinares e personalizados adequados.