INTRODUÇÃO
Segundo o Decreto-Lei n.º 241/2007, Bombeiro é todo o indivíduo que, “integrado de forma profissional ou voluntária num corpo de bombeiros, tem por atividade cumprir as missões deste, nomeadamente a proteção de vidas humanas e bens em perigo, mediante a prevenção e extinção de incêndios, o socorro de feridos, doentes ou náufragos e a prestação de outros serviços previstos nos regulamentos internos e demais legislação aplicável” (1); nesse sentido, os bombeiros, profissionais ou voluntários, enfrentam regularmente diversos perigos durante o trabalho, que diferem conforme o tipo de tarefas que têm de desempenhar.
A bibliografia destaca como principais fatores de risco, o desconforto térmico, ruído, contacto com agentes biológicos e/ ou químicos, esforço físico/ manuseamento de cargas, turnos prolongados e/ou noturnos (por vezes rotativos), bem como a permanência em ambientes promotores de stress, muito propensos à ocorrência de acidentes laborais (2).
Simultaneamente, a atividade não está isenta ao desenvolvimento de doenças, destacando-se a hipoacusia, as doenças infeciosas por contágio direto (HIV, Hepatite B e C e/ ou tuberculose), as doenças pulmonares crónicas obstrutivas (bronquite e enfizema), asma, rinossinusite, patologia oncológica variada; bem como ansiedade, stress pós traumático, burnout e cronodisrupção, subsequentes aos fatores de risco psicossociais (2).
Apesar de vários estudos, afetos a diversas áreas disciplinares, se terem debruçado sobre a realidade portuguesa, a generalidade foca-se em aspetos particulares, não proporcionando um olhar holístico sobre o setor, que explore os fatores de carater organizacional, condições de trabalho e crenças dos profissionais que podem comprometer, de forma interligada, a segurança e saúde dos trabalhadores. Nesse sentido, projetou-se um estudo, de carater exploratório, no sentido de tentar descrever o fenómeno, sob o ponto de vista dos profissionais, esperando acrescentar algum conhecimento que ajude as equipas de saúde e segurança ocupacionais que exerçam neste setor.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de carater transversal.
Inicialmente realizou-se uma revisão integrativa da literatura para descrever os diversos fatores de risco/ doenças profissionais/ medidas de proteção, associados à profissão de bombeiro. Após esse processo, elaborou-se um questionário online que, após um período de pré-teste, foi enviado para instituições que pudessem ter como colaboradores indivíduos deste setor profissional (quarteis de bombeiros, associações) para que voluntaria e anonimamente, respondessem ao questionário.
Considera-se assim que a amostragem foi realizada por conveniência e o valor final da amostra representa o número de bombeiros que se prontificaram a responder ao inquérito. A recolha de dados teve início em setembro de 2017 e, em virtude da fraca adesão dos trabalhadores, prolongou-se até dezembro de 2018.
As perguntas do questionário pretenderam explorar os seguintes domínios: 1-Caraterização demográfica; 2-Experiência profissional; 3-Desempenho físico; 4-Riscos laborais percecionados; 5-Medidas de proteção coletiva/ Equipamentos de proteção individual (EPI); 6-Acidentes de trabalho; 7-Doenças profissionais e 8-Apoio da equipa de saúde ocupacional.
Para o tratamento estatístico, testou-se normalidade da distribuição de cada variável por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Foram utilizadas medidas de tendência central para descrever os achados; para testar a existência de associações entre variáveis nominais usou-se o teste do Qui quadrado ou o teste de Fisher; para variáveis ordinais o teste de Mann-Whitney ou o teste de Kruskal-Wallis; para variáveis numéricas, o teste t para amostras independentes ou o Teste Anova e, para testar correlações, o teste Kendall'sTau_b. Para valores de p<0.05 rejeitou-se a hipótese nula, ou seja, considerou-se que a probabilidade das diferenças registadas na amostra serem devidas ao acaso era muito pequena.
RESULTADOS
Responderam ao inquérito 58 bombeiros, de uma população estimada de 30.872, entre voluntários e profissionais, a exercer em Portugal(3).
1-Caraterização demográfica da amostra
A faixa etária dos 30 aos 40 anos é a mais prevalente (n=27), seguindo-se a dos 20 a 30 anos. No seu global, a amostra é constituída maioritariamente por profissionais do género masculino (n=43), contudo, analisando a distribuição do género feminino, constata-se que mais de metade das mulheres (n=8) se situa na faixa etária dos 20 a 30 anos (tabela 1). No que diz respeito à escolaridade, os indivíduos que concluíram o ensino secundário (n=25), bem como os que terminaram o ensino superior (n=23), são amplamente prevalentes; observa-se, no entanto, que os indivíduos mais jovens (20 a 30 anos) são, na sua maioria licenciados, enquanto que, nos de meia idade (30 a 50 anos), predomina o ensino secundário.
Género | 2º Ciclo Básico | Ensino secundário | Ensino técnico-profissional | Ensino superior | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Idade | Inferior ou igual a 20 anos | Feminino | 0 | 0 | 0 | 0 |
Masculino | 1 | 0 | 0 | 0 | ||
superior a 20 e inferior ou igual a 30 anos | Feminino | 0 | 2 | 0 | 6 | |
Masculino | 0 | 1 | 3 | 4 | ||
Superior a 30 e inferior ou igual a 40 anos | Feminino | 0 | 3 | 0 | 1 | |
Masculino | 3 | 10 | 2 | 8 | ||
Superior a 40 e inferior ou igual a 50 anos | Feminino | 0 | 2 | 0 | 1 | |
Masculino | 0 | 6 | 1 | 3 | ||
Superior a 50 anos | Feminino | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Masculino | 0 | 1 | 0 | 0 | ||
Total | 4 | 24 | 6 | 23 |
2-Experiência profissional dos bombeiros
Há um equilíbrio na distribuição das respostas entre bombeiros voluntários (n=27) e profissionais (n=31); o teste do Qui quadrado revela, no entanto, que há diferenças na idade (X2=5,584; p=0,018) e na escolaridade (X2=8,240; p=0,033) entre os grupos, demonstrando que os bombeiros profissionais são significativamente mais velhos e menos escolarizados que os voluntários; fato que não se verifica relativamente ao género (X2=0,374; p=0,541) ou experiência profissional (X2=1,208; p=0,615). Para além disso, na tabela 2 é possível verificar que, nas mulheres, o voluntariado acontece, predominantemente, nas classes mais jovens (20 a 30 anos), enquanto nos homens, a distribuição do voluntariado se mantem uniforme ao longo dos anos; em relação aos bombeiros profissionais, as posições invertem-se, observando-se uma distribuição uniforme entre faixas etárias, no género feminino e uma concentração de profissionais na meia idade, no sexo masculino.
Relativamente à experiência profissional, constata-se que a maioria dos que responderam eram já bastante experientes (mais de metade tinha mais de dez anos de profissão), sendo que a experiência profissional está fortemente associada à idade (X2=18,587; p<0,001).Não se verificaram associações estatísticas significativas com o género (p=0,525) ou a escolaridade (p=0,305).
Idade | Género | Vínculo | Experiência profissional | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Voluntário | Profissional | 1 a 5 | 6 a 10 | >10 anos | ||
Inferior ou igual a 20 anos | Feminino | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Masculino | 1 | 0 | 0 | 1 | 0 | |
superior a 20 e inferior ou igual a 30 anos | Feminino | 6 | 2 | 4 | 4 | 0 |
Masculino | 5 | 3 | 4 | 2 | 2 | |
Superior a 30 e inferior ou igual a 40 anos | Feminino | 2 | 2 | 0 | 1 | 3 |
Masculino | 7 | 16 | 3 | 9 | 11 | |
Superior a 40 e inferior ou igual a 50 anos | Feminino | 0 | 3 | 0 | 0 | 3 |
Masculino | 5 | 5 | 0 | 0 | 10 | |
Superior a 50 anos | Feminino | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Masculino | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | |
Total | 27 | 31 | 11 | 17 | 30 |
Analisaram-se, também, as diferentes funções desempenhadas ao longo do exercício como bombeiro (Gráfico 1), não se verificando quaisquer associações estatísticas, quer com o vínculo ou a experiência profissional, o sexo, a idade ou a escolaridade. Na sua grande maioria, os bombeiros elegeram o combate a incêndios e o auxílio a vítimas de acidentes como as suas principais funções.
3-Robustez física e desempenho
Para fazer uma estimativa de robustez física foi calculado o índice de massa corporal (IMC) utilizando os dados biográficos (peso e altura) fornecidos pelos indivíduos. Constata-se que apenas 16 trabalhadores (27,6%) apresentam um IMC dentro dos valores normais, sendo prevalentes as situações de excesso de peso (46,6%); realça-se, no entanto, a existência de trabalhadores com obesidade grau I, grau II e inclusive, uma situação de obesidade mórbida (Gráfico 2).
Analisando o IMC em função do género, vínculo e experiência profissional, o teste t para amostras independentes revela que, em média, o sexo feminino apresenta um IMC inferior (M=24,61+4,89) ao do sexo masculino (M=28,38+4,78), sendo a diferença estatisticamente significativa (t=-2,54; p=0,014)- realça-se que 81,4% dos homens tinha valores de IMC acima do peso normal, contrastando com os 35,8% de mulheres; no que diz respeito ao vínculo profissional, em média, os voluntários têm um IMC superior, mas a diferença não é relevante (t=0,958; p=0,342); por fim, constata-se que, apesar do IMC estar diretamente associado à idade (F=2,794; p=0,035), essa associação não está estatisticamente comprovada para a experiência profissional (F=2,234; p=0,117), embora, em média, o peso aumente progressivamente à medida que aumenta a experiência profissional como bombeiro - é de realçar que, com mais de dez anos de experiência, apenas 16,6% dos bombeiros não tem excesso de peso.
IMC | Género | Vínculo | Anos como bombeiro | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Voluntário | Profissional | 1 a 5 | 6 a 10 | >10 anos | ||
Baixo peso | Feminino | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 |
Masculino | --- | --- | --- | --- | --- | |
Peso normal | Feminino | 3 | 5 | 2 | 3 | 3 |
Masculino | 2 | 6 | 2 | 4 | 2 | |
Excesso de peso | Feminino | 2 | 0 | 0 | 1 | 1 |
Masculino | 12 | 13 | 5 | 5 | 15 | |
Obesidade grau I | Feminino | 2 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Masculino | 2 | 3 | 0 | 1 | 4 | |
Obesidade grau II | Feminino | --- | --- | --- | --- | --- |
Masculino | 3 | 1 | 0 | 1 | 3 | |
Obesidade grau III | Feminino | --- | --- | --- | --- | --- |
Masculino | 0 | 1 | 0 | 1 | 0 | |
Total | 27 | 31 | 11 | 17 | 30 |
Não obstante os resultados do IMC, quando confrontados se o excesso de peso interferia negativamente com o desempenho exigido para o exercício profissional, 86,2% respondeu afirmativamente; no entanto, 18 (31%) indivíduos não praticavam qualquer exercício físico durante a semana e apenas 9 (15%) praticavam mais de três horas semanais (Gráfico 3).
4-Riscos laborais percecionados
Os bombeiros que responderam ao inquérito foram confrontados com um conjunto de vinte fatores de risco profissionais, tendo lhes sido pedido para os classificarem em função da sua presença/ ausência e eventual gravidade. Através da análise do Gráfico 4 é possível constatar que os principais fatores de risco/ riscos percecionados são, por ordem decrescente de gravidade, o stress (65,5%), desconforto térmico (56,9%), transporte manual de cargas (56,9%), queimadura (55,2%), os turnos noturnos (55,2%) ou prolongados (51,7%) e o risco de contacto com material biológico (51,7%), todos eles considerados de risco elevado por mais de 50% da amostra. Em oposição, classificados como de risco elevado, por menos de 20%, surgem a manipulação de máquinas em mau estado (13,8%) ou capazes de infligir lesões (18,9%), a exposição a vibrações (18,9%), manipulação de produtos químicos (18,9%) e o ruído (20,7%). Realça-se que a realização de turnos rotativos é o que concentra o maior número de respostas divergentes.
Analisando a perceção de riscos laborais, em função das caraterísticas sociodemográficas (Tabela 4), constata-se que:
-em relação à idade, o teste de Kruskal-Wallis permite concluir que não existem diferenças estatisticamente significativas, na perceção dos diferentes riscos, entre os grupos etários;
-no que diz respeito ao género, o teste de Mann-Whitney revelou a existência de diferenças estatisticamente relevantes relativamente à manipulação de máquinas danificadas (p=0,015) ou capazes de provocar lesão (p=0,002), ao ruído (p=0,037) e vibração (p=0,048), sendo o género masculino o que os perceciona como mais graves;
-passando ao vínculo profissional, apesar das diferenças não serem estatisticamente relevantes, a perceção de gravidade por parte dos bombeiros voluntários foca-se predominantemente nos riscos diretos associados ao combate aos incêndios (queimaduras, explosão, desconforto térmico, trabalho em alturas, posturas forçadas/ mantidas); enquanto a dos bombeiros profissionais, para além destes fatores, consideram também como riscos a ter em conta o ruído, vibrações, manipulação manual de cargas e máquinas, contato com produtos biológicos, turnos prolongados, rotativos e/ ou com poucas pausas; no entanto, é no stress que a diferença entre grupos é estatisticamente significativa (p=0,017), sendo mais percecionado pelos bombeiros profissionais;
-por fim, a experiência profissional não é um fator diferenciador na enumeração dos riscos laborais.
Risco Químico | Queimadura | Explosão | Trabalho em Altura | Postura | Manipulação de cargas | Lesão máquinas | Máquinas antigas | Ruído | Vibrações | Calor | Radiação solar | Frio | Poeira | Risco biológico | Turnos longos | Turnos noturnos | Turnos rotativos | Ausência de pausas | Stress | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade | ||||||||||||||||||||
H(3)* | 3,247 | 3,540 | 3,395 | 4,590 | 1,720 | 4,877 | 2,028 | 2,610 | 0,974 | 2,611 | 2,799 | 0,463 | 4,644 | 2,428 | 2,479 | 4,194 | 6,339 | 1,812 | 3,746 | 2,318 |
p | 0,355 | 0,316 | 0,335 | 0,204 | 0,632 | 0,181 | 0,567 | 0,456 | 0,807 | 0,456 | 0,424 | 0,927 | 0,200 | 0,488 | 0,479 | 0,241 | 0,096 | 0,612 | 0,290 | 0,509 |
Género | ||||||||||||||||||||
U** | 281,5 | 271,0 | 273,0 | 234,5 | 266,0 | 313,0 | 162,0 | 191,5 | 212,5 | 218,0 | 297,0 | 293,0 | 312,0 | 256,0 | 314,5 | 298,0 | 257,0 | 272,0 | 269,5 | 263,5 |
p | 0,436 | 0,305 | 0,345 | 0,098 | 0,265 | 0,849 | 0,002 | 0,015 | 0,037 | 0,048 | 0,605 | 0,576 | 0,841 | 0,206 | 0,875 | 0,632 | 0,197 | 0,337 | 0,324 | 0,210 |
Vínculo profissional | ||||||||||||||||||||
U** | 353,5 | 376,5 | 410,5 | 393,5 | 410,5 | 349,0 | 347,0 | 350,5 | 412,5 | 402,0 | 324,0 | 347,0 | 401,5 | 383,0 | 323,5 | 334,5 | 415,0 | 347,5 | 347,5 | 290,5 |
p | 0,278 | 0,463 | 0,894 | 0,680 | 0,890 | 0,221 | 0,234 | 0,269 | 0,921 | 0,784 | 0,093 | 0,234 | 0,776 | 0,553 | 0,102 | 0,149 | 0,952 | 0,236 | 0,247 | 0,017 |
Experiência profissional | ||||||||||||||||||||
H(3)* | 0,168 | 0,235 | 0,081 | 0,093 | -0,005 | 0,115 | 0,100 | -0,150 | 0,116 | 0,122 | 0,215 | -0,038 | 0,235 | 0,127 | -0,028 | -0,089 | -0,197 | -0,147 | -0,121 | -0,089 |
p | 0,155 | 0,052 | 0,495 | 0,430 | 0,967 | 0,341 | 0,394 | 0,195 | 0,325 | 0,299 | 0,079 | 0,746 | 0,048 | 0,282 | 0,813 | 0,458 | 0,099 | 0,209 | 0,300 | 0,468 |
* Teste de Kruskal-Wallis; **Teste de Mann-Whitney
4.1- Perceção de stress
O stress foi percecionado pelos indivíduos da amostra como o fator de risco mais prevalente e de maior gravidade. Quando questionados sobre se o exercício da profissão de bombeiro lhes causava ansiedade, apenas uma minoria (n=7) respondeu negativamente. Nesse sentido, tendo por base a revisão bibliográfica prévia(2), pretendeu-se identificar que fatores predispunham o seu aparecimento. Da análise do Gráfico 5 constata-se que existem três principais stressores: o perigo de lesão grave/ morte eminente- em si, nos colegas (n=27) ou nas vítimas que socorrem (n=25); os conflitos nas relações interpessoais- com as chefias (n=26), outros bombeiros (n=21) sinistrados e/ ou seus familiares (n=19) e a valorização profissional, associada à falta de oportunidades para progredir na carreira (n=25). Por outro lado, os fatores inerentes ao exercício do papel, autonomia, funções e tarefas a desempenhar não aparentam ser fatores geradores de stress na maioria dos inquiridos.
Aplicou-se o teste do Qui Quadrado para averiguar a existência de associações estatísticas entre os diferentes stressores referenciados e as caraterísticas sociodemográficas da amostra; constata-se que não há evidência de relações estatisticamente significativas entre a sua presença e a idade, género ou vínculo profissional dos bombeiros. Por outro lado, a associação com a experiência profissional permitiu identificar uma relação estatisticamente relevante, uma vez que os bombeiros menos experientes são os que sofrem mais com o stress originado em conflitos com os restantes colegas (X2=7,224; p=0,033).
4.2-Comportamento face ao desconforto térmico
Sendo o desconforto térmico provocado pelo calor, um dos principais riscos evidenciados na literatura consultada, foi colocada a questão sobre que estratégias de proteção utilizavam os bombeiros para lidar com o problema. No gráfico seguinte é possível consultar as diferentes respostas, destacando-se a ingestão de líquidos (n=53) e a diminuição ou interrupção da atividade (n=24), ou seja, realizando pausas. O teste do Qui Quadrado revela que não existem diferenças significativas na adoção de estratégias para fazer face ao calor entre faixas etárias, género e experiência profissional; apenas no vínculo profissional se encontrou uma associação estatística relevante entre a realização de pausas e o ser bombeiro voluntário (X2=4,185; p=0,041), dando conta que os bombeiros profissionais utilizam menos essa estratégia (tal como todas as outras, embora as diferenças não sejam significativas).
4.3-Perceção face ao risco biológico
Atividades relacionadas com a prestação de primeiros socorros a sinistrados e transporte de pessoas doentes expõem frequentemente os bombeiros ao risco biológico; analisando os resultados do gráfico seguinte, comprova-se que a perceção dos bombeiros desta amostra é congruente, pelo que se pretendeu perceber de que forma estes trabalhadores percecionam o risco de exposição aos diferentes agentes. Pela análise, é possível concluir que o risco de contrair tuberculose é avaliado, pela grande maioria dos bombeiros (82,8%), como um fator importante a ter em conta na sua atividade; seguindo-se o HIV e a Hepatite C e B, todos com percentagens de resposta superiores a 60% da amostra; por último surge a referência a outro tipo de agentes infeciosos que, neste caso, é referenciado por menos de 50% dos indivíduos. Contudo, 5% da amostra não respondeu a esta pergunta.
Analisando a existência de associações estatisticamente significativas com os fatores sociodemográficos constata-se que, apesar de as diferenças não serem estatisticamente relevantes, a análise da tabela de contingência (Tabela 5) permite constatar que os mais jovens têm tendência a percecionar menos o risco de contrair tuberculose (p=0,080) ou outras doenças infeciosas (p=0,090).
Variáveis | HIV | Hepatite B | Hepatite C | Tuberculose | Outras | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | |
Idade ≤ a 30 anos | 73,3% | 26,7% | 62,5% | 37,5% | 62,5% | 37,5% | 75,0% | 25,0% | 31,3% | 68,8% |
Idade > a 30 anos | 71,8% | 28,2% | 64,1% | 35,9% | 69,2% | 30,8% | 92,3% | 7,7% | 56,4% | 43,6% |
A análise da associação entre a perceção de risco face aos diferentes agentes biológicos e as variáveis género, experiência e vínculo profissional, não revelou quaisquer diferenças passíveis de serem realçadas.
5- Utilização de equipamentos de proteção individual
Um dos objetivos deste estudo era perceber qual o acesso e utilização que os bombeiros faziam dos equipamentos de proteção individual (EPI). Nesse sentido, elaborou-se uma lista para que os indivíduos pudessem classificar a realidade vivenciada (Gráfico 8).
Analisando o acesso aos EPI constata-se que só a farda, a máscara e as luvas estão disponíveis para todos os indivíduos; seguem-se o capacete, os óculos e a viseira; em sentido contrário, só 11 indivíduos têm acesso a protetores auriculares, sendo de realçar ainda que 17 trabalhadores não têm calçado de proteção individual e nove não têm equipamento de proteção respiratória.
Passando ao capítulo da adesão, consta-se que a maioria utiliza, ainda que por vezes de forma irregular, os EPI disponíveis, sendo o uso de viseira o caso mais relevante, com quatro indivíduos a dizerem que têm, mas não a utilizam.
Passando às caraterísticas sociodemográficas, na generalidade, não se observam diferenças estatisticamente significativas entre o uso de EPI e a idade, o género ou o vínculo profissional (Tabela 4). No entanto, relativamente à experiência profissional, constata-se que os indivíduos com mais anos de atividade como bombeiro, por norma utilizam com mais frequência a generalidade dos EPI, sendo a diferença relativa aos menos experientes, estatisticamente significativa, na utilização de óculos (p=0,014) e de viseira (p=0,041).
Farda | Máscara/ cogula | Luvas | Óculos | Viseira | Proteção auricular | Calçado de proteção | Capacete | Equip. de proteção respiratória | Outros | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade | ||||||||||
H(3)* | 1,148 | 0,24 | 0,319 | 2,960 | 4,020 | 3,034 | 0,301 | 0,064 | 2,022 | 2,696 |
p | 0,563 | 0,887 | 0,852 | 0,228 | 0,134 | 0,219 | 0,86 | 0,969 | 0,364 | 0,260 |
Género | ||||||||||
U** | 315,0 | 308,5 | 315,5 | 256,5 | 322,5 | 271,5 | 315,5 | 292,5 | 262,5 | 248,5 |
p | 0,555 | 0,638 | 0,798 | 0,150 | 1,000 | 0,185 | 0,886 | 0,225 | 0,206 | 0,162 |
Vínculo profissional | ||||||||||
U** | 403,0 | 384,5 | 371,5 | 364,5 | 322,0 | 394,0 | 361,5 | 386,5 | 380,0 | 394,5 |
p | 0,284 | 0,316 | 0,132 | 0,301 | 0,061 | 0,576 | 0,306 | 0,256 | 0,476 | 0,691 |
Experiência profissional | ||||||||||
H(3)* | 0,933 | 1,083 | 1,597 | 8,608 | 6,381 | 2,203 | 1,468 | 0,068 | 1,726 | 1,310 |
p | 0,627 | 0,582 | 0,450 | 0,014 | 0,041 | 0,332 | 0,480 | 0,966 | 0,422 | 0,519 |
* Teste de Kruskal-Wallis; **Teste de Mann-Whitney
Efetuou-se também a análise estatística para averiguar a existência de correlações entre a perceção de risco e o uso global de EPI por parte dos bombeiros. Após a realização do teste Kendall'stau_b, constatou-se, maioritariamente, a inexistência de correlações estatísticas significativas entre a perceção face aos diferentes riscos e o uso dos vários EPI; excetuam-se, no entanto, duas correlações: a primeira, estatisticamente significativa, entre a perceção do ruído como fator de risco e a utilização de protetores auditivos (ͳb=0,267; p=0,026), ou seja, quem considera que o ruído é um risco laboral a ter em conta, tem maior tendência a utilizar com frequência os protetores auriculares; a outra, estatisticamente não significativa, mas que revela a correlação positiva entre a perceção de risco sobre a manipulação manual de cargas e a utilização de calçado protetor (ͳb=0,227; p=0,064).
6-Perceção acerca dos acidentes de trabalho
Os indivíduos foram questionados sobre se já tinham tido acidentes de trabalho, sendo convidados, em caso afirmativo, a classificar esse(s) evento(s). Os resultados revelam que 52,6% da amostra (n=30) já tinha tido, pelo menos, um acidente laboral (Gráfico 9), de onde se destacam: quedas ao mesmo nível (n=23), entorses (n=19), queimaduras (n=19), cortes (n=17), entrada de corpos estranhos nos olhos (n=16) e na pele (n=9) e quedas em altura (n=7); decorrente destes eventos, oito bombeiros referiram ter ficado com limitações discretas (n=5) ou moderadas (n=3).
Analisando a história de acidentes laborais em função dos diferentes dados sociodemográficos constata-se que, embora não se observem associações estatisticamente significativas entre as variáveis, os indivíduos do género masculino, os bombeiros voluntários e os que exercem a atividade há mais anos, apresentam percentualmente, um maior número de acidentes laborais (Tabela 7).
Variáveis | Antecedentes de acidentes laborais | Teste | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||||
n | % | n | % | |||
Idade | Idade ≤ a 30 anos | 10 | 58,8 | 7 | 41,2 | (X2=0,773; p=0,542) |
Idade > a 30 anos | 20 | 50,0 | 20 | 50,0 | ||
Género | Feminino | 5 | 33,3 | 10 | 66,7 | (X2=3,041; p=0,081) |
Masculino | 25 | 59,5 | 17 | 40,5 | ||
Vínculo | Voluntário | 17 | 65,4 | 9 | 34,6 | (X2=3,119; p=0,077) |
Profissional | 13 | 41,9 | 18 | 58,1 | ||
Experiência profissional | 1 a 5 anos | 5 | 45,5 | 6 | 54,5 | (X2=2,158; p=0,340) |
6 a 10 anos | 7 | 41,2 | 10 | 58,8 | ||
> a 10 anos | 18 | 62,1 | 11 | 37,9 |
O cruzamento dos diferentes tipos de acidentes laborais com os dados sociodemográficos (Tabela 8) revela que ao nível da idade, os acidentes por esmagamento, atracamento, produtos químicos, explosão e queda de objetos, foram todos, exclusivamente, experienciados por indivíduos com mais de 30 anos, sendo que, no caso dos acidentes por queda de objetos, o teste de Fisher revela que a diferença para os mais jovens é estatisticamente significativa (p=0,012). No caso do género, constata-se que os homens, percentualmente, são os que têm um maior número de acidentes, para além de, à semelhança da idade, relatarem, em exclusivo, a ocorrência de acidentes relacionados com esmagamento, atracamento, produtos químicos, explosão e queda de objetos; analisando a existência de associações estatisticamente significativas verifica-se que o género masculino surge associado à ocorrência de acidentes provocados por objetos cortantes (p=0,045) ou por queda de objetos (p=0,025). Analisando o vínculo profissional constata-se que, percentualmente, os bombeiros voluntários relatam um maior número de acidentes do que os profissionais, com exceção dos eventos associados a quedas em altura, derrame de produtos químicos e explosão; as diferenças, apesar de não serem estatisticamente significativas, são mais expressivas nos acidentes por entorse (X2=3,132; p=0,077), nas quedas ao mesmo nível (X2=3,140; p=0,076) e nas queimaduras (X2=1,461; p=0,227), onde o valor percentual de acidentes, nos bombeiros voluntários, se aproxima ou ultrapassa os 50%. Por último, observa-se uma tendência percentual de aumento generalizado nos diversos tipos de acidentes de trabalho, à medida que a experiência profissional também aumenta, sendo essas diferenças estatisticamente significativas apenas para as queimaduras (p=0,017), onde 50% dos indivíduos com mais de dez anos de atividade referem ter antecedentes e para a entrada de corpos estranhos no olho (p=0,025), ou seja, 43,3% dos indivíduos mais experientes relatam ter experienciado o problema.
Variáveis | Entorse | Corte | Queda ao mesmo nível | Queda em altura | Queimadura | Queda de objetos | Corpo estranho no olho | Corpo estranho na pele | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | Sim | Não | |||
Idade | ≤ 30 | n | 6 | 11 | 2 | 15 | 7 | 10 | 2 | 15 | 4 | 13 | 0 | 17 | 3 | 14 | 2 | 15 |
% | 35,3 | 64,7 | 11,8 | 88,2 | 41,2 | 58,8 | 11,8 | 88,2 | 23,5 | 76,5 | 0,0 | 100, | 17,6 | 82,4 | 11,8 | 88,2 | ||
> 30 | n | 13 | 28 | 15 | 26 | 16 | 25 | 5 | 36 | 15 | 26 | 12 | 29 | 13 | 28 | 7 | 34 | |
% | 31,7 | 68,3 | 36,6 | 63,4 | 39,0 | 61,0 | 12,2 | 87,8 | 36,6 | 63,4 | 29,3 | 70,7 | 31,7 | 68,3 | 17,1 | 82,9 | ||
Género | Feminino | n | 3 | 12 | 1 | 14 | 3 | 12 | 1 | 14 | 2 | 13 | 0 | 15 | 3 | 12 | 1 | 14 |
% | 20,0 | 80,0 | 6,7 | 93,3 | 20,0 | 80,0 | 6,7 | 93,3 | 13,3 | 86,7 | 0,0 | 100, | 20,0 | 80,0 | 6,7 | 93,3 | ||
Masculino | n | 16 | 27 | 16 | 27 | 20 | 23 | 6 | 37 | 17 | 26 | 12 | 31 | 13 | 30 | 8 | 35 | |
% | 37,2 | 62,8 | 37,2 | 62,8 | 46,5 | 53,5 | 14,0 | 86,0 | 39,5 | 60,5 | 27,9 | 72,1 | 30,2 | 69,8 | 18,6 | 81,4 | ||
Vínculo | Profissional | n | 12 | 15 | 9 | 18 | 14 | 13 | 2 | 25 | 11 | 16 | 6 | 21 | 8 | 19 | 6 | 21 |
% | 44,4 | 55,6 | 33,3 | 66,7 | 51,9 | 48,1 | 7,4 | 92,6 | 40,7 | 59,3 | 22,2 | 77,8 | 29,6 | 70,4 | 22,2 | 77,8 | ||
Voluntário | n | 7 | 24 | 8 | 23 | 9 | 22 | 5 | 26 | 8 | 23 | 6 | 25 | 8 | 23 | 3 | 28 | |
% | 22,6 | 77,4 | 25,8 | 74,2 | 29,0 | 71,0 | 16,1 | 83,9 | 25,8 | 74,2 | 19,4 | 80,6 | 25,8 | 74,2 | 9,7 | 90,3 | ||
Experiência laboral | 1 a 5 anos | n | 4 | 7 | 3 | 8 | 3 | 8 | 1 | 10 | 1 | 10 | 1 | 10 | 1 | 10 | 1 | 10 |
% | 36,4 | 63,6 | 27,3 | 72,7 | 27,3 | 72,7 | 9,1 | 90,9 | 9,1 | 90,9 | 9,1 | 90,9 | 9,1 | 90,9 | 9,1% | 90,9 | ||
6 a10 anos | n | 3 | 14 | 2 | 15 | 6 | 11 | 3 | 14 | 3 | 14 | 3 | 14 | 2 | 15 | 2 | 15 | |
% | 17,6 | 82,4 | 11,8 | 88,2 | 35,3 | 64,7 | 17,6 | 82,4 | 17,6 | 82,4 | 17,6 | 82,4 | 11,8 | 88,2 | 11,8 | 88,2 | ||
>10 anos | n | 12 | 18 | 12 | 18 | 14 | 16 | 3 | 27 | 15 | 15 | 8 | 22 | 13 | 17 | 6 | 24 | |
% | 40,0 | 60,0 | 40,0 | 60,0 | 46,7 | 53,3 | 10,0 | 90,0 | 50,0 | 50,0 | 26,7 | 73,3 | 43,3 | 56,7 | 20,0 | 80,0 |
10-Perceção acerca das doenças profissionais
Nesta amostra, embora 37 bombeiros refiram a existência de sintomas que afetam a sua saúde, relacionados com a atividade laboral, de onde se destaca a presença de algias músculo-esqueléticas (referenciadas por 100% dos indivíduos com sintomatologia ativa), apenas 12 consideram que têm pelo menos uma situação patológica decorrente da sua atividade (Tabela 9).
Sim | Não | |||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Tem sintomas que associa ao seu trabalho? | 37 | 63,8 | 21 | 36,2 |
Dores musculares | 37 | 100,0 | 0 | 0 |
Dificuldades respiratórias | 14 | 37,8 | 23 | 62,2 |
Irritabilidade ocular | 11 | 29,7 | 27 | 70,3 |
Outros | 16 | 43,2 | 21 | 56,8 |
Tem alguma doença que considere estar associada ao trabalho? | 12 | 20,7 | 46 | 79,3 |
Analisando as doze patologias autorreferenciadas como profissionais, constata-se que apenas duas foram reconhecidas como doenças profissionais, enquanto uma terceira estava em avaliação; das restantes, sete nunca foram declaradas e duas não foram reconhecidas como doença profissional pela Segurança Social. No gráfico 10 é possível verificar os diversos problemas de saúde associados à atividade de bombeiro relatados pelos indivíduos como doença profissional, ou seja, com alguma frequência eles confundiram os conceitos de sintoma e doença, para além de associações sem nexo fisiopatológico.
O cruzamento da existência de sintomas ativos e perceção de doença profissional (com as diferentes variáveis sociodemográficas) (Tabela 10) revelou apenas a existência de diferenças estatisticamente relevantes quando na presença da variável vínculo profissional, ou seja, os resultados do teste do Qui quadrado demonstraram que os bombeiros profissionais referem mais sintomatologia ativa (p=0,038) e percecionam mais a existência de doenças profissionais (p=0,025) do que os bombeiros voluntários; apesar da inexistência de diferenças estatisticamente significativas quando separadas as respostas por tipologia de sintomas, é ao nível das queixas de dor músculo-esquelética (p=0,077) que essa diferença está mais vincada (afeta 74,2% do profissionais e 51,9% dos voluntários); em sentido inverso, são os voluntários que percentualmente referem mais queixas de dificuldade respiratória (29,5% contra 19,4% dos profissionais) e irritabilidade ocular (22,2% contra 16,1%).
Idade | Género | Experiência profissional | Vínculo profissional | |
---|---|---|---|---|
Doença percecionada | p=0,733 | p=0,487 | p=0,829 | p=0,025 |
Sintomatologia ativa | p=0,860 | p=0,749 | p=0,931 | p=0,038 |
Dificuldade respiratória | p=1,000 | p=1,000 | p=0,922 | p=0,362 |
Dor músculo-esquelética | p=0,560 | p=0,788 | p=0,577 | p=0,077 |
Irritação ocular | p=0,715 | p=0,710 | p=0,749 | p=0,555 |
Outros sintomas | p=0,112 | p=0,522 | p=0,583 | p=0,149 |
11-Perceção sobre o apoio da equipa de saúde ocupacional
Por último investigou-se a perceção dos indivíduos face à atuação da equipa de saúde ocupacional. Como se pode comprovar (Tabela 11), mais de um terço dos indivíduos (36,2%) referiu não ter realizado exames ou tido consulta de saúde ocupacional no último ano ou dois anos, conforme determina a lei. Para além disso, 39,7% refere nunca ter tido formação sobre os riscos laborais e, ainda, de forma mais expressiva, 65,5% nunca se apercebeu da presença ou dos resultados da atuação de um técnico de higiene e segurança.
Sim | Não | |||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Exames com o Médico de Trabalho | 35 | 60,3 | 21 | 36,2 |
Formação sobre riscos laborais | 33 | 56,9 | 23 | 39,7 |
Perceção da atuação do Técnico de Higiene e Segurança | 18 | 31,0 | 38 | 65,5 |
Analisando estes resultados em função das variáveis sociodemográficas (Tabela 12) constata-se que, à semelhança do ponto anterior, apenas se identificou uma relação estatisticamente significativa envolvendo as variáveis vínculo laboral - os bombeiros profissionais frequentam mais regularmente as consultas de medicina do trabalho do que os bombeiros voluntários (X2=4,051; p=0,044).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O estudo retrata uma pequena amostra de bombeiros que representa apenas 0,18% da população total dos efetivos (N=30872) que atualmente exercem em Portugal; embora não possa ser alvo de generalização, admite-se que as inferências resultantes do estudo possam ajudar as equipas de saúde ocupacional a refletir sobre as reais necessidades destes indivíduos, de forma a melhorar as suas intervenções.
O combate a incêndios e o socorro a vítimas de acidentes/ catástrofes naturais foram designados como as tarefas de eleição, sendo atividades muito exigentes a nível físico e psicológico; ou seja, requerem não só uma boa condição individual de saúde, como um conhecimento adequado para saber lidar com os perigos e evitar acidentes laborais e doenças profissionais. Comparando as caraterísticas sociodemográficas da amostra com as estatísticas disponíveis no Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses(3), constata-se que para a idade, os resultados revelam números percentuais sobreponíveis aos da realidade nacional(3), para as faixas etárias dos 18-30 anos (29,3% da amostra contra os 31,7% da população de bombeiros portugueses) e dos 41-50 anos (22,4% contra 23,3%), embora o grupo etário dos 31-40 anos tenha um peso excessivo (46,6% contra 29,9%) e o grupo acima dos 51 anos seja residual (1,7% contra 15,0%), não sendo possível, por isso, traduzir neste estudo, a realidade dos bombeiros mais velhos. Relativamente ao género, uma vez que o número de participantes femininos foi de 25,9% (em Portugal, 21,6% dos bombeiros são do género feminino)(3), poder-se-á considerar que o valor é proporcional à realidade nacional. Os valores relativos à escolaridade, não são, contudo, consensuais, verificando-se que os indivíduos da amostra são, percentualmente, mais escolarizados do que acontece na realidade nacional, onde 58,9% têm apenas um dos ciclos do ensino básico, 32,2% o ensino secundário e 8,9% é detentor de um grau académico do ensino superior(3).
A leitura dos resultados aponta para uma crescente integração das mulheres nas corporações, predominantemente ao nível do voluntariado e centrada nas faixas etárias mais jovens; observa-se também um aumento progressivo da escolaridade, com particular realce para a afluência de indivíduos jovens com formação superior ao nível do voluntariado; assim é possível inferir que a atividade de bombeiro acompanha a evolução socioeconómica da população portuguesa, estando a atravessar uma fase de transição, observando-se uma tendência para absorver indivíduos do género feminino e progressivamente mais instruídos, o que por si só poderá ser facilitador para um aumento da literacia em saúde e, consequentemente, para uma melhoria das condições de saúde e segurança laborais; assim, considerando que a amostra em estudo é mais escolarizada e jovem, do que a população de bombeiros em geral, poder-se-á supor, à semelhança do que acontece na generalidade da população(4)(5), que possui maior literacia em saúde, o que permite suspeitar que a amplitude dos problemas evidenciados pelos resultados poderá ser ainda maior.
Apesar de jovem, a amostra é, também, maioritariamente, bastante experiente (81% exerce há mais de cinco anos), o que por si só poderá atenuar possíveis vieses decorrentes da falta de formação individual para executar estas tarefas e reconhecer os perigos. Simultaneamente, com experiência profissional mais alargada, maior é a probabilidade de ter contatado com as equipas de saúde e segurança do trabalho, estando assim capaz de testemunhar os seus efeitos.
Por último, o equilíbrio existente entre o exercício da atividade como voluntário ou como profissional assalariado, permite comparar os grupos, fazendo sobressair as principais diferenças, sendo de ressalvar que os profissionais, sendo mais velhos e experientes, são também os menos escolarizados, fato que poderá ser importante no planeamento de cuidados e tomada de decisão das equipas de saúde ocupacionais.
Os autores realçam que o facto de o inquérito ser online, por si só, poderá ter diminuído a participação dos indivíduos com mais idade, menor escolaridade e desenvoltura a lidar com computador/ internet.
Índice de Massa Corporal aumentado
Considerando a elevada exigência de algumas tarefas, a robustez física é vulgarmente utilizada como critério de seleção nos concursos de admissão ao estágio inicial (6); os resultados do estudo podem, por isso, surpreender pela elevada prevalência de excesso de peso na amostra (70,2%) - valor superior se se considerar apenas o grupo dos bombeiros voluntários (80,8%); no entanto, a evidência revela que é um problema que se arrasta há vários anos, não só em Portugal (7), como também em diversas realidades distintas (como no Brasil, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos da América)(8)(9)(10)(11)(12)(13). Assim, se se compararem os resultados com o estudo realizado, em 2014, pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), onde estiveram envolvidos 7500 bombeiros voluntários portugueses (60,0% tinha excesso de peso), constata-se que existe um número superior de indivíduos com pré-obesidade (47,4% contra 37,0% - mas o valor da amostra aumenta para 51,9% se se considerar apenas os bombeiros voluntários) e um número equivalente de obesos (22,8% contra 23% - 25,9% isolando os voluntários). Comprova-se assim, que o excesso de peso/ obesidade é um problema sério que afeta este setor profissional e a bibliografia destaca a sua influência negativa, uma vez que interfere com a capacidade funcional e operacional dos indivíduos(14)(15), facto esse reconhecido por 86,2% da amostra. Para além destas interações laborais, este fenómeno também exacerba o risco de doença cardiovascular(11)(13)(16)(17), não sendo por isso de estranhar que a Direção-Geral da Saúde (DGS), juntamente com a ANPC, tivessem lançado um manual para a promoção da saúde direcionado aos bombeiros portugueses (7); esse documento tem como pilares a promoção da atividade física e o combate ao sedentarismo, tal como está preconizado no Programa Nacional de Saúde Ocupacional (18).
Riscos laborais e comportamentos seguros
O stress emerge como fator de risco/ risco consensual, embora seja percecionado de forma diferente pelos vários indivíduos; o contacto frequente com o perigo de morte, violência ou lesão (sua, dos colegas ou das vítimas) emerge, tal como na bibliografia consultada(2)(19)(20)(21)(22)(23), como um dos principais stressores; no estudo, os voluntários parecem ser menos afetados (X2=0,290; p=0,017), facto que pode ser explicado pelo efeito cumulativo de exposição ao stress, por parte dos profissionais(24) - mais velhos e experientes - e capaz de justificar a maior taxa de ideação suicida, por stress pós-traumático, associada a estes(2)(25). Independentemente, a evidência revela que experiências de stress pós-traumático não só afetam a saúde e a qualidade de vida dos bombeiros, como reduzem a sua capacidade laboral, podendo colocá-los em perigo e à sua corporação(21), pelo que as equipas de saúde ocupacional deverão desenvolver estratégias para diagnosticar, apoiar e reabilitar estes indivíduos(19)(21). Para além disso, o estudo revela alguns achados que poderão ser alvo de mais investigação, como a relação entre o stress sentido pelos menos experientes, na sua interação com os colegas (principalmente os profissionais) ou a relação conflituosa, que mais de 50% dos indivíduos tem com as chefias, situações que a equipa de saúde ocupacional poderia tentar gerir tendo em vista a promoção de ambientes saudáveis no trabalho (18), por si só dinamizadores da segurança em contexto laboral(26); por último, realça-se que, ao contrário de alguns estudos (27), os resultados não evidenciaram qualquer tipo de descriminação face ao género feminino, por vezes ostracizado, em ambientes que requerem elevadas força e resistência muscular e onde predominam os homens.
O estudo demonstrou também que o desconforto térmico e o transporte manual de cargas são fatores de risco percecionados como importantes para estes indivíduos, sendo a exposição a fontes de calor particularmente referenciada pelos bombeiros voluntários menos experientes (H=4,762; p=0,029); estes resultados vão de encontro à evidência científica disponível, pois está comprovado que os bombeiros mais velhos e/ou com mais tempo de serviço, têm menos alterações fisiológicas associadas ao desconforto térmico, devido a uma melhor aclimatização(2). Independentemente, a exposição prolongada a temperaturas elevadas, conjugadas com uso de EPIs pesados, quentes e/ ou oclusivos, podem potenciar o desconforto térmico e a desidratação(2), assim como o excesso de peso, uma vez que diminui a tolerância ao calor(2). Por todos estes fatores, é necessário que os bombeiros saibam como dissipar o calor irradiado pelas chamas, seja de forma passiva ou ativa(2); a bibliografia aconselha uma boa hidratação (2) (tida em conta por 91,4% dos indivíduos), bem como a realização de pausas (2) (adotada por 41,4% e, essencialmente, voluntários), onde se devem remover os EPIs(2) (realizado por menos de 5%);se se considerarem as formas de recuperação ativas (molhar o corpo, colocar gelo, retirar a roupa), constata-se que são poucos aqueles que as enumeram como opção, sendo, ainda assim, os voluntários os que mais as referem - explicado, eventualmente, pela maior tolerância ao calor dos bombeiros profissionais desta amostra (melhor aclimatizados).
A perceção sobre o risco biológico vai de encontro ao que emerge na bibliografia relativamente às principais doenças evidenciadas (HIV, Hepatite B e C)(2); observa-se, no entanto, uma sobrevalorização do risco de contrair tuberculose, referenciada, principalmente, pelos indivíduos mais velhos, facto que poderá ser explicado pela elevada taxa de notificação de doença no país, quando comparada com a realidade da maioria dos restantes 27 países da Comunidade Europeia(28), inferindo-se que os mais velhos já tenham tido a experiência de contatar com indivíduos infetados. Também aqui a promoção da literacia em saúde, o apoio e orientação após situações prováveis de contágio e a adesão às medidas de segurança poderão ser operacionalizadas pelas equipas de saúde ocupacionais.
São também de destacar a manipulação manual de cargas, muitas das vezes em condições difíceis e pouco ergonómicas que, juntamente com o stress térmico, psicológico e cansaço induzido pelos turnos noturnos, rotativos e prolongados trazem frequentemente problemas a nível músculo-esquelético(2)(29), para os quais é necessário desenvolver estratégias no sentido da sua prevenção, tratamento e reabilitação(30), também com o apoio efetivo das equipas de saúde ocupacional.
Relativamente aos restantes riscos referenciados falta ainda destacar as diferenças de género que podem ser explicadas pela menor presença das mulheres em tarefas que exijam maior força muscular, como a manipulação de máquinas, com consequente exposição ao ruído e vibração, prevalecendo, assim, as respostas dadas pelo género masculino.
Equipamento de proteção individual
Analisando os resultados, fica clara a ausência de alguns EPI, nomeadamente os protetores auriculares; no entanto, os bombeiros trabalham com diversos equipamentos que emitem som superior a 85 dBAs(2), de onde se destacam as serras elétricas (31), os motores para a bomba de água (32), as sirenes das viaturas e os alarmes (33); a falta de adesão aos EPI(31), poderá justificar a perda auditiva superior ao espectável para a idade, encontrada neste indivíduos (33)(34); se se conjugar a evidência trazida pelo estudo de que a consciência sobre os efeitos prejudiciais do ruído é fator facilitador para a utilização dos protetores auriculares, com o conhecimento de que a sua utilização é amplamente influenciada pela opinião dos colegas e chefias (33), poder-se-á inferir que a promoção da literacia e a negociação comportamental, liderada pelos profissionais de saúde ocupacional, poderá ser efetiva na resolução deste problema.
Realçam-se ainda os resultados relativos à não utilização e/ ou ausência (ou falta de perceção da sua existência) de equipamento de proteção respiratória, congruentes com as evidências emergentes noutros estudos(35); estas situações fazem com que os bombeiros se exponham à inalação de substâncias perigosas (2), quer pela sensação subjetiva de segurança (quando o fumo é escasso) (36)(37), como pela permanência prolongada nos locais afetados, que dificulta o uso contínuo do equipamento ou ainda pelo desconforto sentido quando os estão a utilizar (2); por vezes, a necessidade de pernoitar nos locais afetados pelo fogo, aumenta ainda mais a exposição ao fumo (38), pelo que se infere que o apoio da saúde ocupacional poderia trazer benefícios para uma resposta efetiva a todos estes fatores.
Acidentes de trabalho
As diferenças verificadas ao nível dos acidentes laborais podem ser explicadas pelas caraterísticas específicas da atividade; a existência de um maior número de eventos danosos associados ao género masculino pode ser explicada quer pela elevada exigência física das tarefas de maior risco (sendo maioritariamente, realizadas por homens), como pela maior resistência deste género em adotar todas as medidas de proteção, acabando por se expor com maior frequência ao perigo. O facto de serem os mais experientes a terem mais acidentes explica-se pela sua repetida exposição, uma vez que já passaram por mais experiências - o inquérito não limitou temporalmente o relato de acidentes, ou seja, um bombeiro experiente pode ter relatado um acidente que vivenciou durante o seu primeiro ano de trabalho; por último, o facto de serem os voluntários a relatar um maior número de acidentes, e sendo estes maioritariamente associados ao combate ao fogo (entorses, quedas ao mesmo nível e queimaduras), poderá estar associado à sazonalidade do combate aos fogos florestais, onde os voluntários participam massivamente. Independentemente de todas as razões e causas dos acidentes profissionais, uma adequada gestão do risco, aumento da literacia em saúde, capacitação para fazer face aos perigos e negociação para adoção das medidas de proteção são atividades do âmbito da saúde ocupacional que poderiam ser otimizadas nestes indivíduos.
Sintomas e doenças profissionais
Na amostra em estudo, as lesões músculo-esqueléticas (LME) emergem como o principal problema, de onde se destaca a lombalgia; este resultado vai de encontro a muitos estudos, estimando-se que a prevalência de LME esteja entre 9 e 74,4% dos bombeiros(30); alguns autores consideram a combinação entre exposição ao stress, idade e o IMC aumentado como fatores preditores de lombalgia nos bombeiros (39), não sendo de descurar a manipulação de cargas pesadas (como o transporte de vítimas em maca, usar equipamento de proteção pesado, conectar e manipular as mangueiras no combate ao fogo) e/ ou associadas à adoção de posturas corporais pouco ergonómicas(29)(30)(39).
Simultaneamente o stress aparece também com destaque, facto que vai de encontro aos achados relativos à perceção de riscos profissionais já discutidos anteriormente.
Mais uma vez, as diferenças encontradas entre voluntários e profissionais poderá ser atribuída ao efeito da sazonalidade do combate aos fogos, ou seja, os bombeiros voluntários queixam-se mais de sintomas respiratórios e irritação ocular; enquanto a exposição continuada aos riscos, de onde se destaca o stress, poderão justificar o maior número de queixas por parte dos não- voluntários.
Contrariamente ao destaque que é dado na bibliografia consultada, a presença de doença cardíaca, respiratória e/ ou oncológica, não é realçada pelos indivíduos da amostra, facto que poderá ser explicado pela sua progressão inicialmente pouco sintomática, não estando, por isso, ainda muito presente no consciente destes indivíduos.
Suporte da Saúde Ocupacional
Atendendo a que a atividade dos bombeiros é considerada de risco elevado, seria lógico que, tal como está configurado em lei - “ter acesso a um sistema de segurança, higiene e saúde no trabalho organizado”(1) - tivessem o apoio e acompanhamento de uma equipa competente de Saúde Ocupacional que assegurasse a vigilância da sua saúde; os resultados do estudo são, por isso, preocupantes e revelam que a vigilância e acompanhamento dessa equipa nem sempre é efetivo em todos os contextos ou, pelo menos, consciencializado e valorizado, algo também evidenciado por outros estudos anteriores (40). Assim, também a este nível, seria importante um esforço centrado no aumento da consciencialização coletiva (corporações de bombeiros, autoridades nacionais, profissionais de saúde ocupacional), para a importância dos técnicos de saúde e segurança ocupacional, por forma a garantir a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde ocupacional.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A principal limitação do estudo prende-se com a reduzida participação dos bombeiros, o que obriga a que a utilização dos resultados deve ser vista como meramente explicativa face aos respondentes sem, contudo, adquirir propriedades de generalização para a população total de bombeiros.
A ausência da faixa etária que engloba os bombeiros mais velhos e, consequentemente, os menos escolarizados, impediu a representação de um grupo que, na população nacional de bombeiros corresponde a 15% do total; simultaneamente, a elevada escolaridade dos mais novos permite suspeitar que o nível de literacia em saúde possa ser superior, influenciando eventualmente os resultados; estima-se que a fraca participação dos mais velhos possa ser o resultado da dificuldade em aceder e responder ao inquérito online, pelo que de futuro se deverá optar por outros métodos de recolha de dados.
Finalmente, sendo um estudo baseado no autorrelato, pode ter como viés a tendência para os bombeiros darem a resposta socialmente desejável, revelando domínio do conhecimento, atitudes e comportamentos, tidos como positivos, embora não praticados; ou pelo contrário: a opção pela denúncia de uma realidade mais negativa, nos casos em que percecionam que pode ser benéfico para a melhoria das condições laborais.
CONCLUSÕES
Da investigação sobressai a necessidade premente de intervir sobre os estilos de vida, de forma a reduzir o excesso de peso; simultaneamente, parece ser fundamental reforçar o apoio relativo à gestão, da saúde mental e do esforço físico, de forma a prevenir situações de stress pós-traumático ou lesões músculo-esqueléticas. A nível institucional, parece ser necessário, em alguns contextos, desenvolver esforços no sentido de proporcionar e valorizar a existência de serviços de saúde e segurança ocupacionais efetivos, capazes de vigiar e promover a saúde dos bombeiros, prevenir acidentes e evitar o desenvolvimento de doença associada ao trabalho.