INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Os autores tiveram como objetivo recolher e resumir toda a informação que encontraram sobre o tema, sob o formato de uma Scoping Review, como ponto de partida para outros projetos que se afirmem como pertinentes, no contexto da saúde ocupacional destes profissionais.
Os fungos são os microrganismos mais frequentes e os espaços interiores não são exceção. Os objetos restaurados frequentemente apresentam fungos cujo impacto médico nos Conservadores-Restauradores está escassamente avaliado.
Podem causar alergias, infeções e/ou inflamação, por vezes, mesmo mortos, devido aos produtos metabólicos presentes.
METODOLOGIA
A pergunta de investigação considerada foi: O que está descrito na literatura relativamente aos riscos ocupacionais dos Conservadores- Restauradores, associados à exposição a Fungos?
Realizaram-se pesquisas informais prévias sobre o tema e percebeu-se que a literatura é muito escassa para este setor profissional; por isso, os autores optaram por não fazer restrições significativas associadas a ano de publicação, tipo de estudo, robustez metodológica, idioma ou acesso imediato a texto completo.
Como critérios de inclusão consideraram-se:
➢ publicação entre 1980 e 2019
➢ setor da Conservação e Restauro
➢ idade igual ou superior a 18 anos
➢ exposição a fungos
➢ humano.
Como critérios de exclusão foi assumido:
➢ estudos não pertinentes para o objetivo da revisão, ou seja, que não respondam à questão de investigação.
Foram considerados os seguintes motores de busca/ bases de dados: Scopus; PubMed/ MedLine; Web of Science; Science Direct; Academic Search Complete; CINALH; Database of Abstracts and Reviews; Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Nursing and Allied Health Collection; MedicLatina e RCAAP.
Foram também considerados documentos fornecidos por peritos da área e com pertinência para os objetivos estipulados, ou seja, com capacidade para responder à questão de investigação. Após análise da bibliografia dos documentos selecionados, houve a possibilidade de considerar os artigos aí mencionados, caso respondessem à pergunta de investigação. De igual forma, também se procuraram documentos publicados posteriormente, que tenham citado os inicialmente selecionados, de forma a avaliar se estes também poderiam dar algum contributo para elucidar os objetivos considerados.
Nos primeiros sete quadros os autores sintetizaram as estratégias utilizadas para encontrar artigos pertinentes, nas diversas bases de dados/ motores de busca.
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/02/24 | Fungus | Restoration | humano | 572 | 1 | não |
and Conservation | 75 | 2 | sim | |||
Restorer | 8 | 3 | sim | |||
Conservator | 5 | 4 | sim | |||
Cultural heritage | 55 | 5 | sim | |||
Art | 735 | 6 | não |
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/02/24 | Fungos | Restoração | pesquisa avançada; título | 0 | 7 | não |
Conservação | 1 | 8 | sim | |||
Restaurador | 0 | 9 | não | |||
Conservador | 0 | 10 | não | |||
Arte | 868 | 11 | não |
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|
2019/02/25 | Fungus | Restoration | 1722 | 12 | não |
and Conservation | 267 | 13 | não | ||
and Art | 6 | 14 | sim | ||
Restorer | 31 | 15 | sim | ||
Conservator | 25 | 16 | sim | ||
Cultural heritage | 238 | 17 | não | ||
(medicine) | 19 | 18 | sim |
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/02/25 | Fungus | Restoration | humano | 749 | 19 | não |
and Conservation | 201 | 20 | não | |||
and Art | 23 | 21 | sim | |||
Restorer | 18 | 22 | sim | |||
Conservator | 13 | 23 | sim | |||
Cultural heritage | 160 | 24 | não | |||
and Art | 37 | 25 | sim |
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|
2019/02/25 | Fungus | Restoration | 4.143 | 26 | não |
and Conservation | 1.217 | 27 | não | ||
and Cultural Heritage | 137 | 28 | não | ||
and Art | 73 | 29 | sim | ||
Restorer | 185 | 30 | não | ||
and Conservator | 14 | 31 | sim |
Data | Password 1 | Password 2 e seguintes | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada |
---|---|---|---|---|---|
2019/02/25 | Fungus | Restoration | 1.163 | 32 | não |
and Conservation | 200 | 33 | não | ||
and Art | 4 | 34 | sim | ||
Restorer | 30 | 35 | sim | ||
Conservator | 29 | 36 | sim | ||
Cultural heritage | 222 | 37 | não |
Nº das pesquisas efetivadas em que se selecionou pelo menos um artigo | Nº de artigos selecionados após a leitura do título (nº de artigos e nº na pesquisa inicial do artigo selecionado) | Justificação de exclusão | Inclusão e codificação inicial | Títulos |
---|---|---|---|---|
4 | 1 (3) | 4.1 | Fungal Allergy among Art Conservators prevalence, risks factors and clinical symptoms | |
5 | 1 (25) | 5.1 | Exposure to culturable and total microbiota in Cultural Heritage Conservation Laboratories | |
15 | 2 (15 e 26) | 15.1 e 15.2 | Health Effects of exposure to indoor fungi- case study- the Restorers of Mural Paintings e Exogen Allergic Asthma in a Restaurator- a case of mold fungi allergy? | |
16 | 1 (4) | Repetido (4.1) | ||
21 | 1 (3) | Repetido (5.1) | ||
35 | 1 (14) | Repetido (15.1) | ||
36 | 1 (16) | Repetido (4.1) | ||
Fornecido por perito | 1 | Extra | Harmul Biological Agents at museum Workpost |
Contextualização teórica
Talvez a referência mais antiga associada aos problemas relativos a fungos venha na Bíblia. Os fungos são os microrganismos mais frequentes e os espaços interiores não são exceção [1].
Parâmetros que influenciam o crescimento fúngico
Neste contexto destacam-se os seguintes fatores como promotores do crescimento:
Por sua vez, radiação ultravioleta/ luz solar inexistente ou reduzida incentiva o crescimento fúngico [1] [3]
Poderão ser assim prevenidas ou atenuadas contaminações, se se controlarem estes parâmetros, bem como se existir limpeza do local através da aspiração com filtros HEPA, controlo dos visitantes e da entrada de contaminantes do exterior. Os fungos crescem sobretudo se existir humidade mínima de 60 a 85% e temperatura entre 13 e 20ºC [3]. Outros autores mencionam valores muito semelhantes, nomeadamente afirmando que o crescimento fúngico fica inibido ou pelo menos atenuado com humidade relativa inferior a 65% e temperatura inferior a 20ºC [6].
Semiologia e fisiopatologia
Os fungos podem causar alergias, infeções e/ ou inflamação, por vezes, mesmo mortos [1], devido aos produtos metabólicos presentes [5].
A subespécie Alternaria alternata, por exemplo, associa-se a doença respiratória alérgica, como asma, sinusite e rinite; também pode causar lesões cutâneas e até leucopenia. O Cladosporium pode justificar rinite e asma (liberta ácido epicladospórico). O Aspergillus Niger causa alteração nos tecidos pulmonares (aspergilose). Por sua vez, o Penicillium Frequentans causa alergias [1].
Acredita-se que a síndroma do edifício doente, por exemplo, é determinada pela presença de fungos, má ventilação, agentes químicos e outros contaminantes (bactérias, vírus, poléns). A semiologia desta condição pode incluir cefaleia, irritação (ocular, nasal e da orofaringe), tosse sem expetoração, pele seca, tontura, náusea, dificuldades em concentrar, astenia e maior sensibilidade a odores. O prurido e os espirros podem ser os sintomas mais reportados [1].
Alguns fungos libertam substâncias tóxicas para a saúde humana [7] [8] [9] [10]. Acredita-se que existem algumas micotoxinas [11] ainda não identificadas. Parte destas pode ser muito nefro/ neurotóxicas ou até cancerígenas (sobretudo a nível hepático), eventualmente fatais em alguns casos. Componentes microbianos (e/ ou substâncias por eles produzidos) podem ter a capacidade de estimular a produção de histamina, iniciando uma reação alérgica, via IgE (tipo I); situação que justifica a rinite, irritação ocular e/ ou sinusite; a situação é mais frequente após exposições repetidas. Por sua vez, alveolite alérgica extrínseca ou pneumonite por hipersensibilidade baseia-se na reação inflamatória aguda das vias respiratórias inferiores, após a exposição a um agente para o qual o organismo esteja já sensibilizado (tipo IV) e os fungos conseguem-na originar também. A asma [11], por sua vez, carateriza-se por uma obstrução temporária das vias respiratórias, causada por situações muito variadas, nomeadamente alérgenos. A semiologia principal desta condição médica baseia-se na dispneia, sibilos e tosse, intercalada por períodos totalmente assintomáticos [1].
Vias de entrada/ contato
O contato com fungos pode ocorrer através das vias inalatória, oral, mucosa (conjuntiva, por exemplo) e cutânea [1]. Os esporos podem ser dispersos por insetos e ácaros [9]. Muitos artrópodes e morcegos servem de vetores para os fungos [12].
Diagnóstico
Os testes utilizados para detetar fungos inserem-se entre os seguintes:
➢ recolha da amostra via cotonete [13] [14] [15] ou fita adesiva [15] que, após passar na peça a analisar, é encerrado num tubo seco e estéril [13]
➢ seguida de análise através da microscopia ótica (MO) [13] [15] [16] [17] [18] [19] [20]
➢ ou SEM (Scanning Electron Microscopy) [13] [16] [20] [21] [22], após cultivo
➢ colheita do ar ambiente, circundante às peças [14]
➢ técnicas imunológicas, nomeadamente reações antigénio- anticorpo (muito específicos e sensíveis) [20].
O DNA (métodos moleculares) pode ser analisado através da:
➢ PCR (Polimerase Chain Reaction) [3] [8] [9] [20] [23] [24] [25] [26] (método mais rápido, sensível e direto) [16]
➢ Eletroforese em gel [20]
➢ ITS (Internal Transcrived Spaces) [12] [20] [24] [26] [27] [28]
➢ DGGE (Denaturating Gradient Gel Electrophoresis) [9] [25] [26] [ 27]
➢ PNA (Peptide Nucleic Acid) [28].
Preferencialmente devem ser conjugados vários métodos, para potenciar os resultados [20]. O ideal, segundo alguns autores, é usar a cultura e a biologia molecular em simultâneo [22].
No método da cultura, avalia-se o crescimento do microrganismo após alguns dias de inoculação [17] [19], em agar [13] [23] e/ ou dextrose [23], através da morfologia, fisiologia, caraterísticas ecológicas [24]; contudo, a cultura exige mais tempo que os outros métodos e pode não se conseguir obter crescimento se não forem proporcionadas as condições que essa estirpe necessita (e que podem ainda ser desconhecidas)- ou seja, uma parte considerável dos microrganismos não é cultivável, ainda que certos esporos consigam sobreviver até vinte anos [16]. Alguns investigadores estimaram mesmo que não seja geralmente possível desenvolver mais do que 1% do total de subespécies de microrganismos presentes [22] ou cerca de 5% dos fungos presentes, segundo outros [26].
Para além disso, a técnica é inviável para microrganismos mortos [20] - a bioluminescência, por sua vez, é muito sensível para detetar a viabilidade microbiana [16] [29]. Esfregaços com cerca de 8 mm de diâmetro, esterilizados em autoclave a 120ºC, fazem a colheita da amostra e são depois inoculados em placas de Petri, em três posições diferentes, sendo que na última é deixada lá a própria estrutura de colheita, a 24ºC e sem luz. As subespécies são depois identificadas por microscopia e técnicas macro morfológicas [29].
Alguns autores também defendem que a recolha da amostra a analisar pode ocorrer por sedimentação passiva gravitacional, também útil na deteção de fungos, aos níveis qualitativo e quantitativo [30].
Foi criado um dispositivo que capta compostos voláteis produzidos pelos fungos, tendo assim capacidade para detetar infestações mesmo numa fase precoce e até identificando espécies específicas [31].
A técnica FTIR (Fourier Transform Infrared spectroscopy), indiretamente, serve para determinar a composição do papel que, por sua vez, se pode associar a determinadas subespécies de fungos [29].
Subespécies
Uma das classificações de fungos encontrada considerava as seguintes divisões:
➢ Chytridiomycota (fungos aquáticos)
➢ Glomeromycota (fazem simbiose com plantas e não são relevantes no contexto da Conservação e Restauração)
➢ Zygomycota (frequentes em vegetais usados na alimentação, que poderão surgir em obras de arte, como infeções oportunistas)
➢ Basidiomycota (inclui os cogumelos) [9].
Os fungos mais importantes na madeira de interior são Sérpula lacrymans (pertence aos Basidiomycota) [9]. Os mais frequentes no restauro de peças de papel, por sua vez, são os Aspergillus (29%); Penicillium (13%); Chaetomium, Cladosporium e Eurotium (5 a 7%), Alternaria e Trichoderma (5%) [22]. Contudo, a maioria dos fungos relevantes neste setor profissional, genericamente, insere-se nos Ascomycetes [9]. Outros, por sua vez, destacam espécies anamórficas (assexuais)- como o filo Ascomycota e Zygonycota (“moulds”), ou seja, Acremonium, Alternaria, Aspergillus, Chaetomium Cladosporium, Fusarium, Paecilomyces, Penicillium, Stachybotrys e Trichoderma [1].
As substâncias mais frequentemente libertadas pelos fungos (com capacidade de pigmentar as peças) são as azafilonas, antraquinonas, hidroxiantraquinonas e as fnaftoquinonas [22].
No quadro 8 está registada uma listagem de vários tipos de fungos razoavelmente prevalentes neste setor profissional, obtida através da junção de dados provenientes dos diversos artigos consultados à medida que decorreu a pesquisa principal.
Terapêutica
O antifúngico pode ser aplicado peça a peça ou de forma global, por vezes, usam-se produtos também com capacidade de eliminar insetos. As qualidades que se procuram num antifúngico são ter um amplo espectro de atividade, estabilidade química, baixo custo, não ser tóxico para humanos e que não causar danos nas peças [5].
Os antifúngicos químicos atuam através da interação com alvos específicos nas células. Num primeiro grupo podem citar-se como exemplos os álcoois, fenóis, ácidos, salicilanidos, carbanilidos, dibenzamidinas, biguanidas, sais de amónia quaternária e azois. Estes atuam formando um filme à superfície, causando alterações na membrana celular; quando entrar para dentro da membrana citoplasmática conseguirá ser letal. Num segundo grupo estão incluídos os aldeídos e os compostos organometálicos, entre outros; estes são atraídos por zonas da membrana celular do microrganismo com elevada densidade de eletrões, inativando enzimas [5].
Para o tratamento destas contaminações podem ser usados biocidas líquidos ou gasosos [2] [28] (álcoois, aldeídos, fenóis, ácidos, esteres, amidas, carbamatos, dibenzamidinas, piridinas, azois, compostos halogenados e agentes antioxidantes, segundo outros autores). Os mais usados na Conservação e Restauro são os libertadores de formaldeído/ formol, compostos quaternários de amónia, isotiazolinona [2] [9] (sendo esta última também usada a nível de prevenção) [11] e o etanol [2], bem como fenóis (como timol e cimol) [28]. O óxido de etileno via gasosa foi proibido em alguns países, devido à toxicidade (ainda que seja o mais eficaz para tratamentos em massa) [2].
Ainda assim, os fungos são os microrganismos mais resistentes às técnicas biocidas [24].
Alguns documentos também mencionam a possibilidade de se efetuarem tratamentos neste contexto usando EDTA [27], nanopartículas de dióxido de titânio (que incluem prata, cobre, carbono, enxofre) [32] [33] e cloreto de benzalcónio [34]; ainda de forma isolada também o cobre, prata, boro e zinco [33] (aliás, este último até em objetos de vidro se demonstrou útil, mesmo em zonas sem luz) [35].
O óxido de etileno e o etilenoglicol, usados neste contexto, estão classificados pela IARC (International Agency for Reseach on Cancer) como pertencendo ao grupo I, ou seja, cancerígenos. É por isso necessário potenciar a ventilação para quatro a seis ciclos que renovem totalmente o ar, para que se considere seguro frequentar esse local (aliás estes produtos estão proibidos em alguns países). Também o formaldeído é classificado da mesma forma, pela mesma instituição. Para além disso, este consegue ser ainda irritante a nível ocular, nasal e orofaríngeo, bem como justificar dermatite de contato. O diclorofeno, por sua vez, pode causar irritação cutânea e ocular grave; aliás, está proibido na europa desde 2009, para esta função. O ortofenilfenol está classificado pela IARC como possivelmente cancerígeno em humanos. O pentaclorofenol é considerado carcinogénio por essa instituição e também está proibido na União Europeia. O timol é genotóxico para humanos. Dentro dos métodos químicos, os parabenos parecem ser os melhores, globalmente [5].
Os métodos físicos não necessitam da aplicação de um agente químico [5].
A desidratação consegue limitar o crescimento fúngico; a técnica, de certa forma, era já usada na preservação dos alimentos (desde longa data) e não deixa qualquer resíduo tóxico. Em contexto de Conservação e Restauro ela pode ser concretizada através da desumidificação e/ ou com materiais absorventes [5].
A radiação ionizante pode ser usada para descontaminar em massa; é muito eficiente, com destaque para a gama [36] [2]; esta última é muito eficaz não só com fungos desenvolvidos, mas também esporos (contudo, este método pode também danificar a celulose da peça a restaurar) [2]. A radiação gama consegue matar fungos, mas em doses superiores às usadas para a generalidade das bactérias [28]. Esta apresenta energia elevada e baixo comprimento de onda; o efeito poderá ficar potenciado com o calor. A radiação ultravioleta também não deixa resíduos tóxicos [5].
Em algumas circunstâncias também se pode usar a técnica da congelação seca/ refrigeração, que também não deixa resíduos tóxicos ou o oposto, ou seja, temperaturas muito elevadas, para se obter o mesmo objetivo [5].
Outra técnica ainda é a diminuição do oxigénio, que também não deixa resíduos tóxicos; contudo, na realidade, apenas lentifica o crescimento fúngico, não o impede [5].
Dentro dos métodos físicos, o favoritismo parece recair na desidratação, segundo alguns autores [5].
CONTEÚDO OU RESULTADOS
Os fungos podem colonizar vários materiais usados em peças de arte (pinturas, papeis, pedras) [18]. Eles são os microrganismos mais frequentes em contexto de biodeterioração de pinturas, por exemplo [37] ou mesmo de todo o tipo de obras, em geral, segundo outros autores [2]. Os principais meios para a contaminação das obras de arte são os insetos e a atividade humana. A intensidade da contaminação depende da disponibilidade de nutrientes e de água, composição química dos materiais [9] [38], porosidade [38], temperatura e ventilação; mas a água é o mais importante. As infeções fúngicas nas obras de arte geralmente têm origem aérea, com variações sazonais significativas, com acumulação de grandes quantidades de esporos na poeira [11]. O papel apresenta grande biorecetividade para fungos devido à sua elevada capacidade de absorver a água e pela sua composição (celulose, hemocelulose e lignina), fornecendo carbono a estes microrganismos [5].
A colonização da pedra geralmente começa com algas e cianobactérias, que originam um biofilme. Mais tarde, podem ser encontrados fungos misturados com bactérias. A madeira é colonizada sobretudo por fungos e insetos; o papel por fungos; o couro/ têxteis por bactérias, fungos e insetos e os filmes fotográficos, por exemplo, por bactérias e fungos [36].
Os Conservadores- Restauradores geralmente apresentam contato diário com fungos, ácaros, bactérias, líquenes, algas e insetos [40]. Contudo, o foco na generalidade da literatura, em contexto de dano associado ao risco microbiológico na Conservação e Restauro, incide na peça de arte e não no profissional em si [41]. Contudo, o crescimento de microrganismos nas obras pode constituir um problema de saúde para o Conservador- Restaurador mais relevante do que para a peça em si [7].
Os locais contaminados deverão ser isolados e usufruir de controlo de humidade relativa. Os microrganismos estão por vezes inseridos em bioaerossóis ou agregados a poeiras, fibras ou gotas de líquidos, entrando para o organismo do profissional via inalatória [41].
Recomenda-se que nestes ambientes não se ultrapassem os valores limite de 150 CFU/ m3 (colony forming units) para fungos (Ministero dei Beini della Cultura lite del Turismo). Outros investigadores consideram 100 a 120 ou então 150 para mistura de várias subespécies fúngicas e 50 para uma única espécie. Até 25 CFU/ m3 não são espetáveis problemas médicos. A concentração máxima doseada nestes ambientes laborais foi de 413 CFU/ m3 de fungos [40].
Parte dos fungos tem origem no exterior. O quociente indoor/ outdoor é de 0,4 para fungos [40].
Alguns investigadores propõem que locais de trabalho contaminados possam ser avaliados através de amostras atmosféricas e de diversas superfícies [41].
Um dos artigos inseridos na bibliografia descrevia um estudo efectuado em catorze museus; nestes foram encontrados níveis microbiológicos globais na ordem dos 2,1x102 a 7x103 CFU/ 100 cm2 em amostras atmosféricas e 1,4x102 a 1,7x104 CFU/ 100 cm2 nas amostras provenientes das superfícies analisadas. A maioria destes microrganismos eram fungos (18 a 98 e 23 a 100%, respetivamente). Num dos museus o nível de fungos foi 4,2x102 CFU/ m3, ou seja, superior aos 2x102 CFU/ m3 recomendado como limite máximo. Nesta investigação as principais espécies fúngicas cultivadas foram: Aspergillus (A. Niger a A. Versicolor), Cladosporium (C. herbarum, C. macrocarpum), Penicillium (P. carneum, P. digitatum, P. italicum, P. paneum, P. polinicum) e o Rhizopusnigricans [40].
Os fungos hifomicetos (ainda que outros autores possam dar outra designação, como já se mencionou), também conhecidos por “moulds”, são os microrganismos mais relevantes na biodeterioração das obras de arte; desenvolvem-se bem em ambientes internos, sobretudo mal ventilados, húmidos e com materiais hidroscópicos (ou seja, com capacidade para absorver a água) [9].
O tamanho das partículas, forma, densidade, composição química e reatividade determinam o local de deposição no organismo; bem como a idade e volumes respiratórios. Estruturas com dimensão inferior a 2,5 µm (como actinomicetes pseudoconidia) apresentam o maior risco via inalatória, uma vez que conseguem escapar com mais facilidade às defesas do organismo. Assim, a maioria dos microrganismos consegue atingir a traqueia e brônquios terminais; dai que se desencadeiem reações alérgicas nos trabalhadores [41].
Um estudo quantificou que cerca de 85% dos funcionários com contato com objetos contaminados no Museu Nacional de Varsóvia referia sintomatologia alérgica (pelo menos um sintoma) nas fases de maior proximidade às obras. Para avaliar a reatividade dos funcionários foi usado um questionário de sintomas, bem como uma pesquisa de anticorpos IgE específicos para alérgenos associados a fungos (teste ImmunoCap). Os sintomas destacados foram o lacrimejo, eritema conjuntival, prurido cutâneo e o fluxo nasal. Os anticorpos relativos aos alérgenos foram superiores aos da população geral (24 versus 17%); contudo, noutros museus, quantificaram-se valores na ordem dos 30% [40].
Algumas espécies de fungos podem produzir micotoxinas que justificam cefaleia, prurido ocular, dispneia, febre, tosse sem expetoração, obstrução nasal e asma [40].
Num dos estudos selecionados as espécies fúngicas mais prevalentes neste contexto foram a Candida albicans (10%), Levures melanges (6%), cladosporium (7%), alternaria (6%) e penicillium (6%). Outros estudos também mencionam Trichophyton dominaram, A. alternata, C. herbarum e basidiomycetes (basidiomycota). Contudo, na realidade, existem milhares de subespécies fúngicas [40].
Quanto à eventual necessidade de se trocar de posto de trabalho, na opinião de alguns dos investigadores consultados, a hipersensibilidade por si não deve ser a única justificação para se ponderar tal [40].
Num dos documentos selecionados é descrito o caso de um Conservador- Restaurador exposto a fungos e com asma; esta melhorou quando o mesmo se ausentou do trabalho e realizou medicação broncodilatadora e corticoide, pelo que os autores desse artigo recomendam que se testem os objetos alvo de Restauro e locais de trabalho [42].
Não foram frequentes as menções ao uso de equipamento de proteção individual; o único documento que o fez, salientou a recomendação que estes profissionais usassem máscara e luvas [1].
Mesmo fungos mortos podem causar dano na saúde do Conservador- Restaurador e a sua identificação fica dificultada pelos métodos convencionais, nomeadamente pela cultura [20], como já se mencionou. A análise da atividade da β-N-acetilhexosaminase proporciona uma ideia da quantificação de fungos presentes na peça [18], por exemplo.
DISCUSSÃO
Ainda que a bibliografia seja bastante restrita em relação aos Conservadores- Restauradores, não é difícil encontrarem-se danos relativos ao contato com fungos em diversos setores profissionais, como é o caso de trabalhadores associados ao manuseamento de cereais e/ ou respetivas farinhas [43] [44], com tarefas em estufas [45], na indústria têxtil [46], agricultura [47] [48] [49], recolha de lixo [50], metalurgia [51], limpeza [52] ou até a nível de profissionais a exercer em museus (para além dos Conservadores- Restauradores) [53] [54]. Na realidade a generalidade dos fungos consegue causar danos em diversos órgãos e sistemas.
Como curiosidade, mencionamos que, por exemplo, alguns arqueólogos morreram após abrir o túmulo de Tutankhamon, devido ao contato com Aspergillus niger e flavus, que levou a micose pulmonar e depois sistémica (aspergilose) [9], sendo possível que o mesmo acontecesse a Conservadores- Restauradores que atuassem no mesmo contexto, em relação a alguma obra de arte.
Tal como se mencionou atrás, a bibliografia selecionada não forneceu dados sobre Medidas de Proteção Coletiva. Em função da experiência clínica dos autores, poder-se-iam considerar:
➢ elaboração de protocolos onde se descreveria o procedimento e técnicas a utilizar para perceber se as peças apresentavam ou não fungos
➢ potenciação da ventilação das salas com objetos contaminados com fungos e especificação das características mínimas da mesma, bem como temperatura e humidade
➢ rotação das tarefas com exposição aos fungos entre os diversos Conservadores- Restauradores da mesma empresa, se possível
➢ organização do trabalho de forma a alternar projetos com exposição a fungos com outras tarefas sem, se concretizável
➢ formação sobre os riscos médicos dos fungos e procedimentos laborais associados
➢ vigilância adequada pelo Médico do Trabalho com exames periódicos (e ocasionais, se necessário)
➢ acesso a doseamentos biológicos associados aos fungos, orientados pelo Médico do Trabalho (indicando quais os tipos de amostras possíveis e quais as preferencialmente utilizadas)
➢ acesso a doseamentos nas superfícies e/ ou atmosfera do ambiente de trabalho, orientados pelo Técnico de Segurança/ Microbiologista (especificando quais técnicas poderiam ser utilizadas e quais as mais pertinentes)
➢ listagem e acesso a EPIs adequados (em modelo e material), selecionados pelo Técnico de Segurança/ Microbiologista
➢ organização de serviço de lavandaria, para que as fardas/ batas/ aventais e/ ou manguitos dos funcionários sejam adequadamente lavados, sem contaminar outras peças de roupa ou locais, no domicílio de cada Conservador- Restaurador.
Quanto a EPIs, a bibliografia selecionada apenas mencionou máscara e luvas; em função da experiência clínica dos autores, poder-se-iam considerar macacão, farda, bata ou avental; manguitos; viseira/ óculos e protetores de calçado ou calçado exclusivo para o local de trabalho.
LIMITAÇÕES
Os autores desenvolveram esforços no sentido de tentar que a sua pesquisa fosse exaustiva mas, uma vez concluída, perceberam que não encontraram dados relevantes sobre:
CONCLUSÕES
Desde longa data que são conhecidos malefícios concretos e sérios associados à exposição a alguns microrganismos. Contudo, o setor da Conservação e Restauro é ainda muito pouco estudado em contexto de Saúde Ocupacional e os riscos do eventual contato com Fungos não são exceção. Seria muito pertinente que surgissem equipas motivadas para estudar este setor e colmatar parte das limitações encontradas, não desenvolvidas na literatura internacional.