INTRODUÇÃO
A prevalência/ diagnóstico das Perturbações do Espectro Autista (PEA) têm vindo a aumentar em diversos países. Parte destes indivíduos está já em idade ativa (ou pouco tempo faltará para nela se inserir), pelo que as questões levantadas em relação à Saúde Ocupacional e Orientação/ Formação Vocacional/ Profissional serão cada vez mais relevantes. Para além disso, as caraterísticas em diversos Autistas são muito diversas, pelo que se torna relevante que os profissionais a exercer dentro das Equipas de Saúde Ocupacional tenham alguns conhecimentos nesta área.
METODOLOGIA
Pergunta protocolar: O que deverá ter em conta a Saúde Ocupacional perante empregadores que integrem ou pretendam englobar funcionários com Perturbações do Espectro do Autismo?
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): autistas em idade ativa.
-I (interest): perceber se algumas das caraterísticas desta patologia constituem uma barreira ou uma mais-valia para o desempenho profissional e quais os elementos perturbadores e facilitadores da sua integração profissional
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com indivíduos com o diagnóstico de PEA a exercer ou com condições para tal aconteça.
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2019 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina, Academic Search Ultimate, Science Direct, Web of Science, SCOPUS”. Contudo, como não se encontraram estudos relativos à realidade portuguesa nestas bases de dados indexadas, os autores procuraram trabalhos inseridos no RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal).
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras/ expressões chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Academic Search Ultimate | Autism | Work | 2.180 | 1 | Não | |||
Work capacity | 2 | 2 | Sim | 2 | 2.1 | 10 | ||
Work performance | 46 | 3 | Sim | 1 4 6 7 8 10 14 17 19 33 |
3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 3.9 3.10 |
5 6 11 12 22 24 25 20 21 7 |
||
Science Direct |
Autism | Work | 19.889 | 4 | Não | |||
+ capacity | 6.143 | 5 | Não | |||||
+ performance | 3.438 | 6 | Não | |||||
+ job | 561 | 7 | Não | |||||
+ profession | 126 | 8 | Sim | 1 | 8.1 | 17 | ||
SCOPUS | Autism | Work | 3.147 | 9 | Não | |||
Work capacity |
119 | 10 | Sim | |||||
Work performance | 338 | 11 | Sim | 11 12 39 41 48 61 67 |
=3.6 11.1 11.2 11.3 =3.6 11.4 =11.1 11.5 |
- 13 3 1 - 14 - 15 |
||
Job | 28 | 12 | Sim | 2 6 8 9 10 11 12 14 15 17 18 19 24 |
12.1 12.2 12.3 12.4 =11.2 =11.4 12.5 12.6 12.7 12.8 12.9 =3.3 12.10 |
19 - 8 9 - - 18 - 2 23 4 - 16 |
||
Web of Science |
Autism | Work | 4.667 | 13 | Não | |||
Work capacity |
191 | 14 | Sim | |||||
Work performance | 56 | 15 | Sim | |||||
RCAAP | Autismo | 1.035 | 16 | Não | ||||
Trabalho | 10 | 17 | Sim | Sem número | 17.1 | - | ||
EBSCO | Work | 1.842 | 18 | Não | ||||
Work capacity |
1 | 19 | Sim | 1 | =12.4 | - | ||
Work performance | 17 | 20 | Sim | 2 4 5 8 9 10 17 |
=3.5 =3.3 =12.4 =12.2 =12.2 =12.2 =3.7 |
- - - - - - - |
CONTEÚDO
Perturbações do Espectro Autista
As PEA constituem condições caraterizados por alterações comportamentais. Aqui estão incluídas a perturbação Autista[1][2], Síndroma de Asperger, perturbação Desintegrativa da Infância, Síndroma de Rett[1][2][3] e a Perturbação do Desenvolvimento Pervasiva não especificada de outra forma[1][2].
Principais caraterísticas
A PEA pode ser definida como um distúrbio neurológico caraterizado por alterações na fala e linguagem, bem como diferenças significativas na forma de interagir com pessoas, objetos e eventos[2]; é uma alteração do neurodesenvolvimento que dificulta a vida independente, relações sociais e qualidade de vida[4]. Carateriza-se pela dificuldade existente a nível de interação social[1] [2][3][5][6][7][8][9]/ comunicação[1][3][5][7][9][10][11][12][13][14][15][16] verbal[2][8] e não verbal[8], bem como comportamentos repetitivos[3][5][6][7][8][16] e interesses específicos/ restritos[1][3][5][6][7][16]. O diagnóstico é obtido através de pelo menos dois dos critérios anteriores. Contudo, a gravidade varia bastante [1], ou seja, desde quadros suaves a graves [2] [7].
Fica percetível durante a infância[17][18] (geralmente até os três anos)[2] e permanece durante toda a vida[7][8][9][17][18]. Contudo, existem investigadores que consideram que é possível que algumas questões comportamentais e linguísticas possam atenuar-se com o tempo[2][14].
Indivíduos com Síndroma de Asperger geralmente não apresentam limitações a nível da linguagem ou processos cognitivos. Aliás, até existe a designação de “Autistas de Alto Funcionamento ou Desempenho”- HFASD (High Function Autism Spectrum Disorder) para elementos com Quociente de Inteligência na média ou acima dela[1]. O Autism Work Skills Questionaire- AWSQ demonstrou que as capacidades laborais foram muito distintas entre autistas com e sem HFASD[9].
A prevalência de ansiedade nos Autistas é elevada. Os locais de trabalho são cada vez mais dinâmicos, incertos e baseados no trabalho de equipa; logo, poderá ser stressante trabalhar no mundo “neurotípico”[8].
Principais barreiras laborais
As principais dificuldades são a nível cognitivo, comportamental[12][15], comunicacional[1][2][3][4][5][7][9][10][11][12][13][14][15][16] e sensorial[12]. Os principais desafios a nível de mercado de trabalho incidem em:
➢ elaboração de currículo[9]
➢ autopromoção durante a entrevista[3][9], pessoalmente ou por telefone[9]
➢ compreensão de alguns componentes a utilizar em determinadas tarefas laborais[10]
➢ compreensão de conceitos abstratos/ símbolos ou metáforas, ou seja, geralmente a interpretação que fazem é literal[8][9]
➢ comunicação[1][2][3][4][5][7][9][10][11][13][14][16]
sobretudo emoções transmitidas facialmente, pelo tom de voz, indiretas e/ou subtis[5], ou seja, descodificação[9] dos comportamentos não verbais
falar com um tom de voz elevado e comunicar de forma inapropriada (quer com colegas, quer chefias)[5]
distinguir entre os assuntos adequados e desadequados para o ambiente de trabalho[8]; gestão de temas suscetíveis de causar alguma sensibilidade[10]
perceber quando os outros consideram que é lícito pedir ou não ajuda[8]
➢ integração social[4]
➢ limitações em compreender as regras sociais[9]
➢ trabalho em equipa[4]
➢ perceções secundárias a alguns estímulos ambientais [5]/ sensoriais [7] [11],hipo ou hiperreagindo [5]
➢ adaptação aos turnos e às mudanças[7], tarefas[3] ou a novos procedimentos[10]
➢ capacidade de resposta flexível perante situações novas[1][10]
➢ coordenação de múltiplas atividades/ tarefas[3][10] e/ou planificação[1][10]
➢ ansiedade e/ou outros problemas médicos emocionais e/ou físicos[13]
➢ controlo de impulsos[1]
➢ isolamento
➢ comportamentos repetitivos, ritualizados e/ou estereotipados e
➢ atitudes agressivas[9].
Principais vantagens laborais
Existem particularidades no Autismo que poderão potenciar o desempenho no trabalho. Genericamente, parte destes indivíduos destaca-se positivamente a nível de:
➢ ética[1]
➢ eficiência[10]
➢ disciplina[9]
➢ precisão
➢ consistência[10]
➢ desinteresse por assuntos controversos da empresa[10][19] ou questões sociais associadas[12][19]
➢ capacidade intelectual[10] e/ou técnica[3][17]mediana ou até superior
➢ bom raciocínio matemático e/ ou lógico [12] [19]; bom processamento sistemático da informação [3] [4]
➢ memória a longo prazo[1]
➢ aceitabilidade e competência para tarefas repetitivas[3][4][7]
➢ motivação para dar o seu melhor[3].
Para além disso, a existência de um interesse em particular pode potenciar ainda mais o desempenho laboral [8].
Acesso e manutenção do Posto Laboral
Existe muita pesquisa associada à capacidade de adquirir um emprego e mantê-lo (em contexto neurotípico), mas pouco para a situação específica da PEA[5].
Recomenda-se que as experiências laborais comecem precocemente, preferencialmente ainda como estudantes, para que se tomem posteriormente decisões ponderadas e assim consigam a sua independência [15] [20].
Estes indivíduos apresentam dificuldade na aquisição do emprego[2][11]. Por exemplo, poderão não perceber como se devem comportar na entrevista de acesso ao posto, como vestir e/ ou quais as expetativas das futuras chefias e/ ou colegas[14]; mesmo em indivíduos com a Síndrome de Asperger e outros com HFASD, devido também à falta de apoio especializado neste contexto, mesmo tendo capacidades adequadas às tarefas e motivação[10].
Os Autistas apresentam também dificuldade na manutenção do emprego[2][11]. O apoio e a tolerância das chefias e dos colegas são muito relevantes[20]. A existência de um facilitador conseguirá atenuar parte dos problemas e adequar melhor o posto (por exemplo, a nível do ruido, flexibilidade de horários e educação/ formação dos colegas)[5].
Desempenho Laboral
A generalidade dos supervisores classifica o desempenho destes elementos como dentro ou acima da média[8]; ainda que as competências técnicas sejam muito diversas[9].
Por vezes é necessário clarificar a tarefa, especificando os diversos componentes comportamentais envolvidos e respetiva sequência, para modular o resultado pretendido. Neste processo podem ser utilizadas check-lists, sinais, fluxogramas e/ ou manuais de autoinstrução, globalmente designados por “job aids”, mesmo sem a intervenção de profissionais especializados[21].
Atitude dos Empregadores
Genericamente os empregadores com maior dimensão estão mais recetivos a englobar indivíduos com PEA, bem como aqueles com experiências prévias equivalentes, ou seja, dispondo de mais recursos, atenua-se a preocupação relativa aos eventuais custos extra na supervisão, treino e acomodação; para além disso, estas instituições têm geralmente mais presente a noção de responsabilidade social. A existência de um serviço de apoio vocacional/ ocupacional especializado aumenta a confiança. A inclusão e a diversidade podem beneficiar a organização, potenciando o seu sucesso e competitividade, bem como a retenção global no posto de trabalho[3] e criação de laços com a comunidade[1][3]. A generalidade dos estudos demonstra que estes desafios podem ser superados se as tarefas forem adaptadas e estruturadas de forma adequada, percebendo as necessidades individualizadas de apoio[3]. A disponibilidade e flexibilidade do empregador em adaptar o posto de trabalho potencia a produtividade[1].
Contudo, parte dos empregadores pode não ter grandes conhecimentos relativos à PEA e das adaptações que deverão/ poderão fazer para potenciar o sucesso[14]. A generalidade dos gestores preocupa-se com os eventuais custos na adaptação do posto, supervisão adicional (como já se mencionou), ausências por motivos de saúde e menor produtividade. Contudo, um estudo Australiano avaliou 59 empresas que incluíam entre os seus funcionários elementos com PEA e concluiu que essa atitude trazia benefícios para a instituição e sem custos acrescidos (mas deve-se realçar que foram incluídos apenas elementos sem limitações intelectuais) [3].
Em alguns países há a possibilidade de o empregador receber um subsídio para empregar indivíduos com necessidades especiais de qualquer área, para executar adaptações no posto, monitorização ou compensar eventual menor produtividade[3].
Consequências do Desemprego ou Subemprego versus acesso a Posto de Trabalho adequado
A generalidade dos adultos neurotípicos sente a necessidade de estar empregado de forma competitiva; os indivíduos com necessidades especiais também [22]. A taxa de emprego entre indivíduos com PEA é baixa [20] [23]; ou seja, as oportunidades de emprego competitivo são escassas [1]; alguns (sobretudo com HFASD) conseguem-no; contudo, parte está desempregada ou subempregada (ou seja, em postos que não apreciam e/ ou que não são adequados às habilitações ou capacidades) [14]. O acesso a um posto de trabalho remunerado permite potenciar a autoestima a e independência económica [3] [20], tal como as oportunidades para socializar [3].
Todos estes problemas laborais podem influenciar o nível socioeconómico[4][20], qualidade de vida[4][18][20] e saúde mental[4][10][18], a título individual e, a nível de sociedade, sobrecarregar a Segurança Social/ Estado[1][3][4].
Não permanecendo geralmente muito tempo no posto, tal poderá potenciar a ansiedade, isolamento, depressão e as dificuldades económicas. Para além disso, empregos pontuais implicam menor ou nenhum acompanhamento e/ ou progressão na carreira[10], bem como, geralmente, menor vencimento[5][10][20], o que poderá gerar, por sua vez, mais desconforto/ ansiedade (ainda que a parte do vencimento seja geralmente preterida perante a sensação de ter um trabalho adequado, onde se é produtivo e valorizado)[10]. Globalmente têm menos empregos ao longo da vida e com menor variabilidade entre si, relativamente a áreas profissionais, versus população em geral[5]; ainda que possam simultaneamente ser frequentes as mudanças de posto de trabalho[20]. O desemprego piora a qualidade de vida, bem como eventualmente o desempenho cognitivo e o isolamento[3].
Empregabilidade no geral
A legislação de vários países protege a discriminação em vários contextos, nomeadamente em relação a indivíduos com PEA[2].
Se entrar e manter um posto de trabalho pode ser desafiante para a população em geral, mais será para um Autista, sobretudo devido às interações sociais e apetências comunicacionais. Assim, na maioria dos casos, a tentativa de inserção no mercado laboral geralmente termina de forma rápida[1][15][18]. Os adultos com PEA têm a taxa de empregabilidade mais baixa entre indivíduos com necessidades especiais[20]; mesmo com HFASD[2][10][13][15][18] e/ ou com habilitações acima da média[2][10] apresentam taxas elevadas de desemprego ou subemprego (tempo parcial ou área fora dos interesses do indivíduo, como já se mencionou) [18].
Entre os diversos tipos de necessidades especiais, os com PEA foram aqueles em que se registou maior inatividade, após término dos estudos; ou seja, entre 12 a 24% dos jovens não estavam envolvidos em qualquer atividade, situação essa mais frequente entre elementos com dificuldades comportamentais e/ ou familiares com menor nível económico [18].
O aumento da prevalência e/ ou do diagnóstico faz com que cada vez mais indivíduos identificados atinjam a idade adulta, pelo que os problemas ocupacionais inerentes serão cada vez mais frequentes[5]. O sucesso parece estar dependente da conjugação entre a preparação do indivíduo[24], os seus interesses[1][24], bem como capacidades e caraterísticas do empregador[24]. As expetativas e o nível educacional dos familiares também são relevantes, ainda que a dimensão familiar na PEA seja das áreas menos investigadas[20]- mas o apoio familiar é considerado importante[4].
A generalidade da investigação em PEA faz-se a nível de intervenção precoce na infância e não em adultos em idade ativa e/ ou em contexto laboral [4]. Para além disso, nos estudos efetuados, é mais provável que alguns indivíduos sejam excluídos, como os pertencentes ao sexo feminino, com dificuldades na expressão verbal, pertencentes a classes socioeconómicas mais baixas e/ ou minorias étnicas, bem como a residir em zonas mais rurais [24], pelo que as conclusões obtidas poderão não se generalizar a todos os elementos com PEA.
Para além disso, os estudos publicados são por vezes simplistas e com amostras pequenas[10][13][17] e/ ou técnicas qualitativas[13]. A generalidade das investigações exclui da amostra indivíduos com dificuldades verbais[17]. Para além disso, como a maioria da investigação em contexto de PEA recai sobre crianças e não adultos[1] e não é feita grande pesquisa relativa à qualidade de vida em adulto[18].
A capacidade de entrar e manter um trabalho depende da severidade da patologia, independência funcional, capacidades sociais, idade, sexo, etnia, autodeterminação, motivação e QI (se menor que 70, a capacidade laboral pode ficar comprometida).
A existência de interesses muito restritos, ansiedade, depressão e/ ou epilepsia potenciam os problemas laborais[20]. A generalidade prefere ter uma rotina a nível de tarefas, do que ter de gerir mudanças inesperadas[9]; ou seja, nestas condições os elementos com PEA ficam mais autónomos[16].
No entanto, alguns conseguem boas habilitações, trabalhos adequados por longos períodos e até boas interações sociais ou relações românticas. Na realidade existe uma grande heterogeneidade a nível de QI, linguagem e comorbilidades[4].
Liderança
Existem várias teorias associadas a diversos tipos de liderança, valorizando diferentes aspetos, nomeadamente a capacidade de inspirar os trabalhadores, carisma, estimulação intelectual e/ ou emocional, colocação de desafios, encorajamento, orientação, simpatia, moralização, transparência, partilha da decisão, confiança, esperança, otimismo, resiliência, confiança e honestidade. A liderança é muito influenciadora na satisfação, empenho e desempenho do funcionário[7]. O líder poderá servir como modelo, selecionar as tarefas, coordenar as adaptações e pode proporcionar apoio técnico e emocional, potenciando o sucesso. Acredita-se que uma liderança personalizada possa atenuar a ansiedade e potenciar o desempenho[8]. O tipo de liderança existente influencia o desempenho[7].
Alguns indivíduos com o Síndroma de Asperger podem, por vezes, ser propostos para cargos de chefia, o que poderá constituir um novo desafio social[24].
Postos de trabalho mais e menos indicados
Alguns tipos de trabalho que exijam respostas rápidas e improvisadas são desadequados à maioria destes indivíduos- como é o caso de postos como caixeiro, cozinheiro, empregado de mesa/ balcão ou rececionista; ambientes com ruido e/ ou movimentados também geralmente não são propícios, como restaurantes e fábricas, por exemplo[10].
Por sua vez, trabalhos geralmente adequados são aqueles que exigem pensamento visual, processamento sistematizado da informação ou capacidades técnicas específicas, como a nível da arquitetura, trabalho em biblioteca e informática[10], para citar alguns.
Contudo, existiram atividades tão diversificadas quanto jardins zoológicos, lojas de animais, carteiros, ajudantes em agências funerárias [18] ou até a nível artístico ou atividades militares[10].
Globalmente, os postos mais adequados para a generalidade dos Autistas são aqueles com interações sociais mínimas e rotinas regulares, com baixa estimulação sensorial[9]. Contudo, não se devem criar estereótipos a nível de capacidades e preferências/ interesses e achar que todos os indivíduos aqui se inserem porque, na realidade, encontram-se, por vezes, exceções[10], como já se mencionou.
Estatísticas associadas à prevalência de Autismo
Estima-se que, nos EUA, por exemplo, cerca de uma em cada 50 [8], 68 [5]ou 88 [2] [7] crianças apresente algum diagnóstico que se consiga inserir na PEA [5]. Acredita-se que exista cerca de 1,5 milhões de indivíduos com esta questão médica nos EUA [7] [8]. De 2002 para 2006 registou-se um aumento na ordem dos 57% [7]. Outros, por sua vez, referem que o número de indivíduos diagnosticados nos EUA tem aumentado anualmente na ordem dos 10 a 17% [1] [2]. Cerca de 2% das crianças norte-americanas apresenta este diagnóstico; contudo, considerando apenas o sexo masculino, esse valor passa para uma em 39, no ano de 2013 [8].
Grande parte destes entraram ou estão prestes a entrar na idade ativa, pelo que as empresas deveriam ir considerando a situação[1].
Por sua vez, no Canadá, esse valor será de 1 para 86, ou seja, trata-se da alteração neurológica mais prevalente na infância[20].
Na Austrália, a prevalência está quantificada em 24,2 a 62,5 por 10.000 habitantes e o Síndroma de Asperger em específico, 12,7 a 15.3 pelo mesmo quociente. Acredita-se que, neste país, entre os 16 e os 64 anos (idade ativa) existam cerca de 153.000 indivíduos inseridos na PEA. Estima-se que, nos dez anos seguintes, esse valor possa passar para 181.000. Parte deste aumento é justificada não só pela alteração nos critérios de diagnóstico, mas também devido à maior atenção dos profissionais de saúde para esta área[1].
Quantifica-se também que, na Irlanda do Norte, existam cerca de 30.000 Autistas, representando 1 em cada 88 adultos e 1 em cada 50 crianças; ou então cerca de 5.000 indivíduos entre os 4 e os 16 anos [18].
Esta questão médica é quatro a cinco vezes mais frequente no sexo masculino, ainda que não se tenham verificado preferências relativas a etnia/ raça ou nível socioeconómico[2].
Comparando com prevalências de outras limitações, estima-se que as alterações da visão e da audição atinjam um em cada 714 respetivamente; a Síndroma de Down 1 para 800 e a paralisia cerebral 1 para 280 [8].
Estatísticas associadas a emprego e desemprego
Indivíduos com PEA apresentam maiores taxas de desemprego, até comparando com outros tipos de necessidades especiais[5][8]. A taxa de emprego competitivo, segundo alguns investigadores[5], oscila entre os 6[5][20] e os 12%[5]. Outros autores mencionam dados parecidos, ou seja, taxa de empregabilidade entre os 4,1 e os 11.8%; a ocorrência de emprego pelo menos uma vez na vida é estimada em 55%, ou seja, inferior à que existe em indivíduos com dificuldades na aprendizagem[12], por exemplo. Outros ainda publicaram que apenas 25% destes adultos estão empregados[20]. Por isso, mesmo com algumas habilitações académicas, acredita-se que 50 a 75% destes indivíduos se manterá desempregado[1][8]; para além disso, a maioria dos que estão empregados é a tempo parcial[8].
A taxa de desemprego nos EUA na população geral e nos indivíduos com algum tipo de necessidades especiais foi de 3,9 versus 9,5%[22] ou 9 e 14%, respetivamente[2]; entre elementos com PEA foi de 11%; a taxa de participação na população ativa foi de 68,9 e 20,6, respetivamente, em 2017. Por sua vez, um estudo de 2012, quantificou que 23% dos jovens com Autismo tiveram pelo menos uma experiência laboral paga[22]. Estima-se que, neste país, apenas cerca de 15% dos indivíduos com PEA em idade ativa consiga ter emprego remunerado e, entre estes, apenas 6% de forma competitiva[19]. Outros autores, também a nível dos EUA, mencionam que 58% dos Autistas entre os 18 e os 25 anos tinham trabalho com salário e, destes, 21% a tempo inteiro, ainda que, por vezes, em situação desadequada às suas habilitações e/ ou com salários menores que outros indivíduos neurotípicos, no mesmo posto de trabalho[4].
A taxa de emprego Canadiana para elementos com PEA foi de 14,3 (acima dos quinze anos de idade); em adultos (em 2012) esse valor estimou-se na ordem dos 22,3% (comparados com 73,6% da população geral). Para além disso, parte destes empregos é a tempo parcial (às vezes apenas cinco horas semanais, por exemplo) ou até em regime de voluntariado, mas contabilizado por algumas entidades como “emprego”. Estimou-se que, também em 2012, apenas 10% destes indivíduos com alterações intelectuais trabalhava a tempo inteiro. Um serviço de apoio vocacional estimou que 68% dos indivíduos com PEA com QI superior a 60 (entre os que participam num projeto), mantinham emprego em regime de tempo inteiro. Em 79% dos casos as verbas económicas que os indivíduos tinham disponíveis eram provenientes do Estado e 8% das famílias. Este mesmo artigo mencionou que alguns programas de orientação vocacional são iniciados ainda na fase de estudantes, de forma a proporcionar experiências laborais em setores diferentes, durante um ano. O acompanhamento destes indivíduos permitiu estimar que 87.1% destes mantinham o seu posto (versus 6,25% dos controlos, ou seja, os que não estavam inseridos nestes programas)[24].
Outro estudo do Canadá, referiu que apenas 15% consiga ser independente e que 20% funcionava razoavelmente com algum apoio; outros 15% tinham emprego subsidiário. Aqui quantificou-se que apenas 27% dos indivíduos com PEA apresentavam alguma atividade/ ocupação e que 45% dos adultos jovens Autistas nunca tinham trabalhado[9].
A Austrália apresenta das taxas mais baixas de desemprego entre indivíduos com necessidades especiais, nomeadamente empregabilidade de 53 e 42% para o global dos elementos com limitações e PEA, respetivamente (comparado com 83% da população geral)[3].
No Reino Unido, por exemplo, apenas 2% dos Autistas com mais limitações e 12% dos com menos limitações conseguiam manter um emprego competitivo, a tempo inteiro; destes, 32% não tinha qualquer atividade social fora do ambiente familiar[14]. Outros estudos mencionam globalmente 15% como taxa de desemprego entre todos os inseridos na PEA[3]. Por sua vez, outro documento selecionado estimou que 15% dos Autistas em idade ativa estava empregado a tempo inteiro e apenas 34% conseguiu experimentar pelo menos um trabalho (incluindo postos subsidiados)[4].
A nível de outras estatísticas interessantes, destacou-se que, num estudo australiano, 45% dos elementos com PEA analisados estava em postos de trabalho para os quais tinham demasiadas qualificações[10].
Cerca de 20 a 25% dos Autistas apresenta inteligência na média ou acima e têm capacidades para manter um emprego competitivo[14].
Um estudo estimou que entre indivíduos com PEA com 22 ou mais anos, 73% vivia com os pais; 4% era independente e 13% semi-independente. 90% dos que estavam em idade ativa não conseguiam entrar ou manter um posto de trabalho[14].
O uso da tecnologia
Existem estudos relativos à eventual utilidade dos PDAs em indivíduos com lesões cerebrais, esclerose múltipla, deficits intelectuais e PEA. Estes equipamentos são de dimensão adequada ao transporte fácil, apresentam geralmente boa durabilidade e são de fácil acesso[19][25].Contudo, indivíduos com limitações cognitivas, visuais, auditivas ou de coordenação motora poderão ter dificuldade em interagir com estes aparelhos (ou até não o conseguir fazer)[19].
Os PDAs podem ser muito úteis para elementos com algumas limitações cognitivas e/ ou comportamentais. Para além disso, parte dos Autistas prefere receber orientações/ instruções de um dispositivo informático, versus monitor/ colega[12][19], por texto ou vídeo; eles também registam a hora, pelo que orientam temporalmente e podem conter listas de tarefas. É ainda possível que estes aparelhos contenham mapas externos e internos (da empresa) e que permitam telefonar para alguém que consiga esclarecer dúvidas[12] ou até proporcionar a possibilidade de jogar um jogo relaxante, se apropriado[12][19]. Poderá também permitir o pagamento informático de alguns serviços e/ ou produtos[12]. Em caso de alterações sensoriais, estes aparelhos poderão ampliar os estímulos menos percetíveis. Na realidade, estes dispositivos têm capacidade para se adaptar e serem programados em função das necessidades específicas de cada indivíduo[12][19]. Para além disso, podem também monitorizar alguns parâmetros de saúde[19].
Os PDAs geralmente possibilitam a gestão de tarefas e outros apoios que podem ser úteis a nível laboral; a existência de câmaras vídeo e softwares específicos podem proporcionar complementos interessantes e pertinentes, potenciando o desempenho e atenuando as dificuldades. O uso de PDAs não serve como orientador vocacional, mas promove a independência do trabalhador [19] e diminui a necessidade de supervisão direta [19] [11].
A tecnologia informática existente consegue potenciar a produtividade, efetividade e o desempenho laboral de adolescentes e adultos com PEA. Contudo, não se investigou a eficácia desses mesmos utensílios no desempenho de chefias de trabalhadores autistas, no sentido de serem colhidas e registadas informações informaticamente, por exemplo, através de vídeo, sempre com o objetivo de fornecer um feed-back positivo e não corretivo. Para além destes indivíduos geralmente preferirem uma interação à distância (como já se mencionou), estes dispositivos também permitem que o supervisor gaste menos horas nessa tarefa e consiga acompanhar locais afastados em simultâneo ou quase, sem perder tempo nas viagens. Para além disso, a própria presença do monitor pode alterar o comportamento [25]. Consegue-se diminuir o número de horas de apoio/ monitorização, sem baixar o desempenho [11] [12], com efeito mantido por pelo menos doze semanas (e de forma estatisticamente significativa) [12], segundo alguns investigadores. Trata-se pois de uma medida custo-efetiva [11].
Programas de apoio Vocacional/ Ocupacional
O posto de trabalho deve ser adequado não só aos interesses do indivíduo, mas também em função das suas capacidades cognitivas e sociais. Com o acesso ao emprego certo, os indivíduos com PEA conseguem manter o trabalho competitivo e potenciar a sua qualidade de vida[14].
O serviço de apoio vocacional deve levar em conta os gostos pessoais, interesses e motivações, avaliando in situ o posto; é também relevante entrevistar os familiares, avaliar as capacidades intelectuais, apresentar as conclusões/ plano perante os pais, reunir com os futuros empregadores e colaborar na entrevista de eventual acesso ao emprego[16].Ou seja, os serviços de apoio vocacional devem auxiliar na fase de recrutamento, entrevista, início de funções e manutenção do posto[4].
Estes serviços associam-se a melhor empregabilidade[15][24] (entrada e manutenção do posto de trabalho), ainda que não existam estudos robustos relativos às melhores técnicas e utilizar, para esta população em específico[14][24]. Os serviços de orientação/ apoio vocacional proporcionados em contexto de PEA são geralmente insuficientes, perante as necessidades[24].
Algumas instituições da área quantificaram um aumento na procura destes serviços por Autistas na ordem do dobro, num período de quatro anos[12]. Tal como aumentou a prevalência do diagnóstico, também aumentaram os serviços de apoio associados, ainda que escassos no global[14].
Para além disso, estes trabalhadores geralmente exigem mais tempo de apoio e têm também menor taxa de participação em atividades de educação vocacional ou técnica, quando comparados com pessoas com outras necessidade especiais. Contudo, os que geralmente participam nestes estudos não costumam ter limitações cognitivas, visuais, auditivas ou a nível de coordenação motora, pelo que as conclusões obtidas não podem ser generalizadas[12][14].
A criação de serviços de apoio vocacional/ ocupacional potenciará o sucesso e diminuirá os custos do processo, até porque, dentro dos diversos tipos de necessidades especiais, os Autistas constituem o grupo mais dispendioso mas, se colocados nos postos de trabalho adequados, eles têm grande possibilidade de serem produtivos e de manter o emprego[1].
O apoio vocacional deve ser específico, orientado para a tarefa, com enfase na prática (não teórico) e deverá partir de supervisores experientes[7]. Poderá incluir o ensino das capacidades técnicas necessárias para um posto de trabalho, treino das competências sociais necessárias e orientação da evolução na carreira[14]. Poderá também ser necessário proporcionar gestão da ansiedade[24].
Mesmo elementos inseridos no HFASD geralmente necessitam de algum apoio de terceiros para o quotidiano e atividade laborais, o que poderá comprometer a qualidade de vida; daí a necessidade de apoio vocacional (antes, durante e após entrar para um posto de trabalho)[14].
Em alguns casos o serviço foi iniciado por solicitação do empregador, antes da colocação do trabalhador, para adaptação do posto e formação aos futuros colegas e chefias/ monitores [18].
Uma publicação selecionada descreveu um programa de apoio vocacional Irlandês, que abarca todos os indivíduos com PEA (desde com alto desempenho, até com limitações mais graves). Nos primeiros quatro anos do projeto, 56% dos adultos conseguiram ter acesso a emprego a tempo inteiro em diversos setores. Todos experimentaram pelo menos um posto e 66% mais do que um, pelo tempo mínimo de seis semanas. Globalmente verificou-se uma potenciação das capacidades laborais, nomeadamente comunicacionais e sociais, contribuindo para uma maior independência [18].
Um estudo Israelita avaliou uma amostra de 25 jovens Autistas, antes de lhes ministrar um curso com inspiração militar, após o final do mesmo e seis meses depois. A perceção da qualidade de vida melhorou, mesmo após o fim do curso e início da atividade laboral militar, o que demonstrou que a adequação das tarefas profissionais às necessidades e capacidades dos Autistas potencia o sucesso. No programa militar atrás mencionado foram consideradas quatro profissões: interpretação de fotografia aérea, técnico de avaliação da qualidade de software, processamento da informação e técnicos de instrumentos óticos (como binóculos). Nos seis meses de curso, a primeira metade foi orientada por uma equipa interdisciplinar, constituída por instrutores e oficiais militares, bem como terapeutas ocupacional, da fala e de arte (não foram fornecidas mais explicações). Na segunda metade do projeto foram incluídos parcialmente numa unidade militar, em conjugação parcial com indivíduos sem limitações (o que não gerou ansiedade). Os elementos que participaram neste estudo demonstraram posteriormente maior independência nas atividades de vida diária e maior qualidade de vida, situação essa que se manteve, mesmo quando começaram a trabalhar. A satisfação com o trabalho foi proporcional à qualidade de vida [13].
Prevê-se que o aumento da prevalência de indivíduos com PEA em idade ativa possa pressionar a existência de mais serviços de apoio, para indivíduos, empresas e famílias [18].
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Nos últimos anos observou-se um aumento da prevalência de indivíduos com patologias inseridas na PEA e, ainda que os serviços de orientação/ formação/ apoio vocacional tenham aumentado em alguns países, estes ainda se demonstram insuficientes, por vezes qualitativa e quantitativamente.
Para além disso, a generalidade dos estudos publicados incide em amostras pequenas e/ ou enviesadas, ou seja, na maioria dos casos incluindo apenas os indivíduos com menos limitações, pelo que as conclusões poderão não se generalizar a todos.
De qualquer forma existem postos de trabalho que poderão ser desempenhados por estes indivíduos (mesmo os com algumas limitações específicas), sendo que também existem tarefas laborais em que alguns poderão ter desempenhos excelentes, totalmente acima dos neurotípicos, devido às suas caraterísticas e interesses particulares, sendo uma mais valia para o empregador.
Seria pertinente ter acesso a estatísticas nacionais atualizadas relativas à percentagem de elementos com diagnóstico de PEA que trabalham, quais os postos/ tarefas que executam, qual o seu desempenho, bem como quais as vantagens e desvantagens que os colegas/ chefias e empregadores sentem.
Se as Equipas de Saúde Ocupacional estiverem minimamente familiarizadas com o tema, poderão com maior facilidade abordar esta questão com alguns empregadores e criar mais postos de trabalho para estes indivíduos, com todos os benefícios humanos, sociais e económicos inerentes (para o próprio, familiares e sociedade em geral).