INTRODUÇÃO
Existem algumas normas/ manuais de Boas Práticas, em alguns setores profissionais, que salientam a necessidade do trabalhador evitar ou não usar mesmo determinados adereços estéticos (como anéis, alianças, relógios, pulseiras e/ ou equivalentes), quer ponderando a potenciação do seu contato com agentes biológicos e/ ou químicos, quer de terceiros o fazerem, por seu intermédio. Os estudos dedicados a este tema são escassos e referentes geralmente a profissionais de saúde; contudo, em muitos outros setores esta temática é relevante, nomeadamente na produção alimentar, tatuagem, elaboração de utensílios/ equipamentos que necessitem de estar estéreis e qualquer setor que lide com agentes químicos relevantes, por exemplo.
METODOLOGIA
Pergunta protocolar: o uso de adereços como alianças, anéis, pulseiras e/ou relógios tem capacidade de potenciar o risco biológico e/ ou químico?
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): todos os Trabalhadores com risco biológico e/ ou químico e uso de adereços.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre a potenciação do risco biológico e/ ou químico através do uso de adereços.
-C (context): saúde dos trabalhadores com postos de trabalho com risco biológico e/ ou químico e dos indivíduos que estes contatam.
Foi realizada uma pesquisa em dezembro de 2019 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina, SCOPUS e RCAAP”.
Dado o escasso número de documentos obtidos, excecionalmente, tentou-se encontrar mais bibliografia relevante publicada em Revistas Científicas e de acesso pelos motores de busca generalizada mas, também aqui, o número de artigos encontrados foi muito pequeno.
No quadro 1 podem ser consultadas as expressões/ palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Bases de dados | Nº da pesquisa | Palavras-chave/ expressões | Nº de artigos obtidos | Pesquisa efetivada ou não | Artigos selecionados (nº na pesquisa e codificação inicial) | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal) | 1 | Adornos | 17 | sim | 0 | |
2 | Adereços | 2 | sim | 0 | ||
3 | Anéis | 235 | não | |||
4 | Anéis+ risco biológico | 0 | não | |||
5 | Anéis+ risco químico | 0 | não | |||
6 | Anéis+ infeção | 0 | não | |||
7 | Alianças | 256 | não | |||
8 | Alianças+ risco biológico | 0 | não | |||
9 | Alianças+ risco químico | 0 | não | |||
10 | Alianças+ infeção | 0 | não | |||
11 | Pulseiras | 5 | sim | 0 | ||
12 | Relógios | 24 | sim | 0 | ||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | 13 | Adornments | 40 | sim | 0 | |
14 | Rings | 33.807 | não | |||
15 | Rings+ biological risk | 1 | sim | 0 | ||
16 | Rings+ chemical risk | 1 | sim | 0 | ||
17 | Rings+ infection | 874 | não | |||
18 | Finger rings+ infection | 38 | sim | 16-1 27-2 | 1 2 | |
19 | Bracelets | 294 | não | |||
20 | Bracelets+ biological risk | 0 | não | |||
21 | Bracelets+ chemical risk | 0 | não | |||
22 | Bracelets+ infection | 5 | sim | 0 | ||
23 | Watches | 452 | não | |||
24 | Watches+ biological risk | 0 | não | |||
25 | Watches+ chemical risk | 0 | não | |||
26 | Watches+ infection | 141 | sim | 0 | ||
SCOPUS | 27 | Adornments | 630 | não | ||
28 | Adornments+ biological risk | 0 | não | |||
29 | Adornments+ chemical risk | 0 | não | |||
30 | Rings | 329.889 | não | |||
31 | Rings+ biological risk | 516 | não | |||
32 | Rings+ chemical risk | 701 | não | |||
33 | Rings+ biological risk+ chemical risk | 130 | sim | 0 | ||
34 | Rings+ infection | 5041 | não | |||
35 | Finger rings+ infection | 394 | não | |||
36 | (medicine, microbiology) | 254 | sim | 209=2 246- 3 | - 3 | |
37 | Bracelets | 1.018 | não | |||
38 | Bracelets+ biological risk | 0 | não | |||
39 | Bracelets+ chemical risk | 0 | não | |||
Bracelets+ infection | 22 | sim | 20-4 | 6 | ||
31 | Watches | 16.695 | não | |||
32 | Watches+ biological risk | 61 | sim | 0 | ||
33 | Watches+ chemical risk | 41 | sim | 0 | ||
34 | Watches+ infection | 364 | não | |||
35 | (medicine, pharmacology, nursing) | 300 | sim | 258-5 291-6 | Sem acesso 10 | |
Pesquisa informal (google) | 36 | (todas as anteriores em inglês) | - | sim (primeiras páginas) | Sem numeração | 4 5 7 8 11 |
CONTEÚDO
Anéis
O uso de anéis diminui a eficácia da lavagem das mãos, uma vez que algumas bactérias podem permanecer nas irregularidades microscópicas e/ ou por debaixo1; ou seja, a pele dessa área é mais colonizada do que a que existe nos dedos sem anéis2;3, nomeadamente por bacilos gram negativos, estafilococos aureus e candida4. Percebeu-se então que dedos com anéis continham mais microrganismos, ainda que a capacidade de transmitir a infeção não estivesse aumentada de forma estatisticamente significativa3;5.
Verificou-se que 82 e 36% dos anéis dos profissionais de saúde e população em geral continha pelo menos um microrganismo, respetivamente2. Os anéis dos primeiros demonstraram estar contaminados com diversos tipos de microrganismos; daí que alguns recomendem a sua remoção, antes mesmo da lavagem das mãos. O número total de bactérias contabilizadas oscilou entre 3,9x104 e 4,6x106 (o valor aumentou com o tempo de duração das atividades clínicas, sobretudo as que envolveram maior proximidade com os pacientes e/ ou contato com fluidos corporais). Os fungos são menos frequentes a nível de profissionais de saúde (e aqui predominam as cândidas)6.
Para além disso, os anéis podem rasgar as luvas de proteção1;2;5; ainda assim, o uso de luvas atenua a carga microbiana dos anéis6.
Acredita-se ainda que os anéis possam conter resíduos de alérgenos alimentares e agentes químicos (como desinfetantes)2.
Uma vez que a evidência científica que correlaciona a infeção hospitalar ao uso de joias entre profissionais de saúde é reduzida, as normas associadas não são uniformes entre instituições e/ ou existem mais no formato de recomendação7.
Contudo, alguns investigadores defendem que não há evidência estatística robusta de que o uso de anéis altere a taxa de infeção no pós-operatório, por exemplo; no entanto, na realidade, também alertam para o facto de serem necessários mais estudos e mais robustos1;4;7. Ainda assim fará sentido que alguns profissionais retirem os anéis para trabalhar2, sobretudo os que forem rugosos/ com relevos4;7 - quer pela carga microbiana, quer pela capacidade de rasgar a luva e/ ou sujos macroscopicamente4. Os que têm superfícies lisas, como as alianças convencionais, não parecem ser tão problemáticos5;7, sobretudo se não tiverem pedras incrustadas5.
Contudo, se algumas instituições recomendam que se removam os anéis dos dedos antes do trabalho, outros investigadores acreditam que é necessário providenciar a lavagem adequada da pele inferior ao anel, por pelo menos quinze segundos e com água quente e sabão; ainda que a eficácia aumente com o tempo que se coloca a pele em água corrente e se escove- o número de microrganismos só fica equivalente entre dedos/ mãos com e sem anéis após dois minutos de lavagem e escovagem. A remoção parece ser mais difícil da área palmar versus dorso da mão. Se a água for fria poderá ser preferível não usar sabão. O anel em si também deveria ser lavado; as peças que apresentam irregularidades/ relevos têm limpeza dificultada; ou seja, não devem ser mantidos por debaixo das luvas8. Alguns investigadores publicaram de forma direta que os profissionais de saúde devem se abster de usar anéis5;9.
Relógios/ pulseiras
Num estudo com uma amostra de cem profissionais de saúde que usavam relógio de pulso, verificou-se que 70% destes apresentavam microrganismos comensais, mas só em 1% se encontraram estirpes patogénicas, como o estafilococos aureus. Logo, eles não parecem contribuir para o aumento da taxa de infeções10. Outro documento também descreveu que se encontraram mais estafilococos aureus nos profissionais de saúde que usavam relógio de pulso11, de forma estatisticamente muito significativa para o pulso (p( 0,001)9;11, mas não para as mãos, exceto se o indivíduo manuseasse o relógio8. Ainda assim alguns investigadores sugerem que se removam pulseiras5;6 e relógios6;7, antes mesmo da lavagem das mãos6 e/ ou, pelo menos, que não se toque no relógio e/ ou se use o mesmo de forma mais proximal5; outros, contudo, recomendam mesmo a sua remoção9.
Subtemas relevantes que surgiram na pesquisa
Ao fazer a revisão para este artigo, surgiram documentos que, para além de falarem do risco biológico associado a anéis, relógios e/ ou pulseiras, também mencionaram o papel que o telemóvel e as unhas (compridas naturais e artificiais) poderão acarretar. Insere-se de seguida um resumo desses dados, ainda que se suponha que a bibliografia associada a estes itens seja mais abundante do que a aqui retratada; talvez se abordem essas questões em específico em próximas Scoping Reviews.
-Telemóveis
Ainda que não fosse objetivo inicial abordar o risco que os telemóveis pudessem ter neste contexto, houve um artigo que os mencionou. Nesse estudo verificou-se que 22 e 18% dos telemóveis dos profissionais de saúde e população em geral continha pelo menos um microrganismo, respetivamente2.
-Unhas compridas, com extensões e/ ou com verniz
Ainda que também não fizesse parte dos objetivos iniciais abordar o risco que unhas compridas, naturais ou com extensões pudessem ter neste contexto, alguma informação surgiu, de seguida resumida nesta subsecção.
O uso de verniz ungueal diminui a eficácia da lavagem das mãos, uma vez que algumas bactérias podem permanecer nas irregularidades microscópicas do verniz. Um estudo realizado com enfermeiras concluiu que, após escovagem adequada das mãos, não surgiram diferenças microbiológicas significativas entre três grupos avaliados (sem verniz, com verniz recente e antigo). Alguns investigadores defendem por isso que não há evidência estatística robusta de que o uso de vernizes altere a taxa de infeção no pós-operatório; contudo, são necessários estudos com mais evidência1. Por sua vez, outro trabalho, concluiu que verniz com mais de quatro dias de duração pode albergar microrganismos que não são removidos pela lavagem, mesmo usando escovas de lavagem pré-cirurgia; estes autores afirmaram também que, para verniz novo e de qualidade, esse risco pareceu não existir5;9.
Unhas compridas apresentam maior carga microbiana, sobretudo se recobertas por verniz irregular (com alguns dias). Para além disso, unhas compridas também podem aumentar a probabilidade de rasgar a luva4, sejam naturais2;6 ou com extensões2;5;7. Logo fará sentido que alguns profissionais usem unhas curtas5;7 e limpas5. Alguns publicaram o ponto de corte de dois milímetros como o máximo considerado seguro9. Outros alegam que os resultados são controversos, pelo que também neste aspeto pode ser relevante efetuar estudos mais rigorosos7.
Extensões de acrílico, por exemplo, possuem geralmente mais microrganismos e são mais difíceis de lavar corretamente (quando comparadas às unhas naturais). Por isso, alguns autores recomendam que estas nunca sejam usadas por profissionais de saúde5.
A colagem de pequenos objetos nas unhas, com fins decorativos, aumenta o risco de infeção (sendo que o estudo em causa salientou algumas pseudomonas e klebsielas)5.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Os estudos são escassos e não aparentam por vezes evidências concordantes ou robustas, pelo que seria útil que uma equipa de Saúde Ocupacional a exercer numa empresa com risco biológico e/ ou químico delineasse e executasse tal projeto e, posteriormente, divulgasse os seus resultados em revista da especialidade. Na dúvida, até surgir evidência clara, objetos como anéis, alianças, relógios e pulseiras deveriam ser removidos (se possível) e o tamanho das unhas/ uso de verniz e/ extensões ungueais deveria ser muito bem ponderado.