INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Os autores tiveram como objetivo recolher e resumir toda a informação que encontraram sobre o tema, sob o formato de uma Scoping Review, como ponto de partida para outros projetos que se afirmem como pertinentes, no contexto da saúde ocupacional destes profissionais. Foi elaborada uma outra revisão, relativa aos riscos genéricos que o Cádmio pode acarretar na saúde humana (e, por isso, relevante para qualquer outro setor profissional onde este agente seja utilizado), para se abordar o tema de uma forma mais completa e se realizar uma introdução melhor fundamentada. A diferença na quantidade de dados publicados para os riscos generalistas deste agente versus riscos específicos ao setor Profissional da Conservação e Restauro, reflete-se diretamente na discrepância acentuada da extensão dessas duas partes; ou seja, a primeira monopolizou este documento; ainda que não fosse o objetivo principal deste trabalho, certamente ajudou a fundamentar e compreender melhor o que se pretendia avaliar.
Os principais riscos associados ao Cádmio distribuem-se por vários contextos médicos, ainda que com consensos diferentes, a nível da Neurologia (alterações de memória e cognitivas, polineuropatias ou até Doença de Alzheimer); vertente Cardiovascular (tensão arterial, Aterosclerose, Doença Arterial Periférica, eventos coronários agudos, Insuficiência Cardíaca, Acidente Vascular Cerebral); Reprodução/ Obstetrícia (Pré-eclampsia, alterações da Fertilidade); Pediatria (alterações do neurodesenvolvimento e comportamentais); Nefrologia (Proteinuria, Insuficiência Renal, Glomerulopatias, Litíase); Oncologia (próstata, mama, pâncreas, pulmão, útero, bexiga, rim e pele); Pneumologia (Bronquite, Fibrose); Oftalmologia (degeneração da mácula); Gastroenterologia (alterações hepáticas), Endocrinologia (Diabetes) e Ortopedia/ Reumatologia (Osteomalacia, Osteoporose, fratura).
Foram consideradas consequências médicas pertinentes no contexto da Obstetrícia e Pediatria, uma vez que não é raro os ateliers estarem inseridos no domicílio dos Conservadores- Restauradores e, por vezes, sobretudo no passado, irem para lá crianças brincar (os autores encontraram relatos antigo nesse sentido). Para além disso, a perceção de risco concreto para os filhos pode ser muito mais motivadora para seguir as recomendações para um trabalho seguro e saudável, do que a perceção do seu próprio risco, para a generalidade dos indivíduos.
METODOLOGIA
A pergunta de investigação considerada foi: O que está descrito na literatura relativamente aos riscos ocupacionais dos Conservadores/ Restauradores, associados à exposição ao Cádmio?
Realizaram-se pesquisas informais prévias sobre o tema e percebeu-se que a literatura é muito escassa para este setor profissional; por isso, os autores optaram por não fazer restrições significativas associadas a ano de publicação, tipo de estudo, robustez metodológica, língua ou acesso imediato a texto completo.
Como critérios de inclusão consideraram-se:
Como critérios de exclusão foram assumidos:
-estudos não pertinentes para o objetivo da revisão, ou seja, que não respondam à questão de investigação.
Foram considerados os seguintes motores de busca/ bases de dados: Scopus; PubMed; Web of Science; Science Direct; Academic Search Complete; CINALH; MedLine; Database of Abstracts and Reviews; Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Nursing and Allied Health Collection; MedicLatina e RCAAP.
Foram também considerados documentos fornecidos por peritos da área e com pertinência para os objetivos estipulados, ou seja, com capacidade para responder à questão de investigação. Após análise da bibliografia dos documentos selecionados, houve a possibilidade de considerar os artigos aí mencionados, caso respondessem à pergunta de investigação. De igual forma, também se procuraram documentos publicados posteriormente, que tenham citado os inicialmente selecionados, de forma a avaliar se estes também poderiam dar algum contributo para elucidar os objetivos considerados.
Nos primeiros oito quadros, os autores sintetizaram as estratégias utilizadas para encontrar artigos pertinentes, nas diversas bases de dados/ motores de busca.
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 921 | 1 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 8 | 2 | sim | ||
Conservation | humano+ resumo disponível | 57 | 3 | sim | ||
Restoration | 50 | 4 | sim | |||
Conservator | 0 | 5 | não | |||
Restorer | 0 | 6 | não | |||
Cultural heritage | 0 | 7 | não | |||
Art | 52 | 8 | sim |
Data | Keyword 1 | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cádmio | Pesquisa avançada e título | 27 | 9 | sim |
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 11.324 | 10 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 37 | 11 | sim | ||
Conservation | humano+ resumo disponível | 171 | 12 | não | ||
And Restoration | 12 | 13 | sim | |||
Conservator | 0 | 14 | não | |||
Restorer | 85 | 15 | sim | |||
Cultural heritage | 3 | 16 | sim | |||
Art | 39 | 17 | sim |
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 36.277 | 18 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 2.794 | 19 | não | ||
Review articles | 931 | 20 | não | |||
Conservation | humano+ resumo disponível | 411 | 21 | não | ||
And Restoration | 61 | 22 | sim | |||
Conservator | 4 | 23 | sim | |||
Restorer | 5 | 24 | sim | |||
Cultural heritage | 35 | 25 | sim | |||
Art | 536 | 26 | não |
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 190.425 | 27 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 114 | 28 | não | ||
Medicine | 53 | 29 | sim | |||
Conservation | humano+ resumo disponível | 1.182 | 30 | não | ||
And Restoration | 71 | 31 | sim | |||
Conservator | 7 | 32 | sim | |||
Restorer | 10 | 33 | sim | |||
Cultural heritage | 12 | 34 | sim | |||
Art | 675 | 35 | não | |||
Art (medicine) | 66 | 36 | sim |
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 16.512 | 37 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 26 | 38 | sim | ||
Conservation | humano+ resumo disponível | 407 | 39 | não | ||
And Restoration | 21 | 40 | sim | |||
Conservator | 3 | 41 | sim | |||
Restorer | 0 | 42 | não | |||
Cultural heritage | 14 | 43 | sim | |||
Art | 752 | 44 | não |
Data | Keyword 1 | Keyword 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|---|
2019/01/11 | Cadmium | 124.699 | 45 | não | ||
Systematic Review | desde 2014 | 16 | 46 | sim | ||
Conservation | humano+ resumo disponível | 289 | 47 | não | ||
Restoration | 7 | 48 | sim | |||
Conservator | 6 | 49 | sim | |||
Restorer | 4 | 50 | sim | |||
Cultural heritage | 18 | 51 | sim | |||
Art | 315 | 52 | não | |||
Art (medicine) | 6 | 53 | sim |
Nº das pesquisas efetivadas em que se selecionou pelo menos um artigo | Nº de artigos selecionados após a leitura do título | Nº de artigos selecionados após a leitura do resumo | Justificação de exclusão | Inclusão e codificação inicial |
---|---|---|---|---|
2 | 5,6,8 | 5,6,8 | 2.1,2.2,2.3 | |
8 | 38 | 38 | 8.1 | |
9 | 1,26 | 1,26 | 9.1,9.2 | |
11 | 6,10,12,22,26,27,28,29, 30,34,37 | 6,10,12,22,26,27,28, 30,37 | Repetição 2.1 e 2.2 | 11.1 a 11.10 |
29 | 12,22,24,32,36,39,40 | 32,39 | Repetição 11.2 a 11.6 e 11.9 | 29.1 e 29.2 |
36 | 55 | 55 | 36.1 | |
38 | 1,3,4,5,7,18,24 | 18,24 | Repetição 2.1,2.2, 11.7 a 11.9 | 38.1, 38.2 |
46 | 7,10 | 7,10 | 46.1,46.2 |
CONTEÚDO
Caraterísticas do Cádmio
Este agente é um metal pesado1;2 muito2 tóxico, distribuído pelo meio-ambiente1;3 e crosta terrestre4 (proveniente da atividade vulcânica, rochas5 e solos6) ainda que geralmente resulte da atividade humana4, com semivida de 102;4, 127 ou 30 anos2;4;7; foi descoberto em 1817. Na natureza aparece frequentemente associado ao zinco, cobre e chumbo, nas proporções de 1:100 a 1:10008.
Na lista ATSDR (Agency for Toxic Substances and Disease Registry) de 2011, o arsénio e o chumbo são os dois primeiros itens, ficando o Cádmio em sétimo lugar9.
Principais Fontes de Cádmio
Existem inúmeras fontes deste agente, nomeadamente:
-cereais2;4;5;13 integrais1, batatas1;2;4;7 e outros vegetais1;2;4;5;13;15, que poderão justificar 60 a 70% do cádmio que entra para o organismo de europeus e norte-americanos1; assim, uma alimentação estritamente vegetariana poderá ser, neste contexto, mais perigosa6
-outros autores destacam produtos resultantes dos cereais, como o pão7;13
-bem como o arroz14 (a contaminação deste cereal devido à extração de zinco no Japão, originou a doença de Itai-Itai6)
-ostras6;8, vieiras6 e outros mariscos7;8;14 (às vezes atingindo valores na ordem dos 100 a 1000 µg/Kg)
-carne e o peixe podem ficar entre 1 a 50 µg/ Kg8
-as sementes7 poderão apresentar níveis na ordem dos 10 a 150 µg/ kg8
-órgãos internos de alguns animais (fígado, rim…)7
-espinafres
-alface
-soja e/ ou
-amendoim6
-ingestão de água contaminada6;8;11, não só pelo consumo direto, mas também por ser matéria-prima na produção de bebidas ou até para a preparação de alimentos; ainda que na generalidade da água consumida os valores são baixos (cerca de 1 mg/ L)8
-inalação de ar contaminado11
-poeira das habitações de zonas contaminadas12
-leite materno (níveis são geralmente inferiores a 1 µg/ L, ainda que em diversos locais o valor excedeu o máximo recomendado pela OMS11)
-elaboração de diversos produtos/ setores profissionais
-produção e utilização de tintas (em contexto industrial)
-plásticos
-televisores8
-estabilizadores de plástico5
-combustíveis de automóveis
-produtos resultantes do desgaste de pneus
-revestimentos5
-condutas de água16
-fotografia8
-soldadura
-galvanoplastia8
-fundições12
-refinamento (de zinco, chumbo e cobre)
-atividades de mineração, produção de fertilizantes,
-produção de pigmentos14.
Vias de entrada
O Cádmio tem como principais vias de entrada a inalatória8;11;18;19 (mais importante a nível ocupacional8), oral8;11;12;18;19 e cutânea8;11; vias placentar e láctea também são possíveis11; as duas primeiras são as mais relevantes globalmente18.
Comportamento dentro do organismo
Após absorção gastrointestinal, o Cádmio liga-se a proteínas plasmáticas como a albumina6. A absorção digestiva rondará os 5 a 8%8; fica, contudo, potenciada com uma dieta com pouco cálcio, ferro ou proteína6;8; bem como em grávidas e crianças. Outros investigadores publicaram que o cádmio dos alimentos é absorvido entre 0,1 e 10%6. Entrando por esta via, ele pode ser simplesmente excretado, ligar-se aos eritrócitos ou à metalotioneína (que depois se poderá depositar em alguns órgãos, como o fígado, rim, pâncreas, testículos, tiroide, glândulas salivares e coração), justificando sobretudo toxicidade renal, ainda que o mecanismo exato não esteja totalmente definido8. Ele acumula-se no organismo à medida que a idade avança7. Outros investigadores destacam também o osso e o aparelho respiratório, ainda que salientem que a deposição é mais relevante no rim10.
Acredita-se que as concentrações possam parecer mais elevadas no sexo feminino, devido à absorção ficar potenciada com a diminuição do ferro1;8, como já se mencionou, que é mais prevalente em mulheres de idade fértil. Para além disso, este agente químico apresenta algum efeito estrogénico14.
Vias de excreção
A excreção é lenta e faz-se sobretudo através da urina e fezes; menos relevantes são a saliva, suor8 e o leite11; a excreção aumenta com a idade8. Ainda assim, alguns investigadores realçam que não existem sistemas de excreção muito organizados15, comparativamente com outros agentes químicos.
Consequências Médicas atribuídas à exposição ao Cádmio
-Contexto geral
A toxicidade deste agente associa-se à sua capacidade de se ligar aos grupos SH, OH, carboxilo e fosfato; bem como à competição que pode surgir com o zinco, cobre, ferro e cálcio8. A fisiopatologia global poderá basear-se no stress oxidativo e na inflamação6.
-Alterações em contexto de Stress Oxidativo
A nível fisiopatológico pensa-se que o cádmio potencia as espécies reativas de oxigénio e o stress oxidativo3, nomeadamente através da supressão na reparação de DNA a respetiva metilação, inibição da apoptose e alterações na adesão celular4.
-Alterações Neurológicas
Este agente poderá alterar os órgãos dos sentidos (visão8 e olfato8;19) e até justificar polineuropatias; bem como alterações de memória/ cognitivas8. Outros investigadores publicaram que este agente pode estar associado também a cefaleias19 e a doença de Alzheimer6.
Existe evidência toxicológica de sinergismo na combinação de cádmio, arsénio e chumbo, em contexto de neurodesenvolvimento9.
-Alterações Cardiovasculares
O cádmio associa-se a doença cardiovascular3;4;11;20. Mesmo para exposições de menor intensidade este agente parece estar relacionado com aumento da mortalidade neste contexto1;21 (com realce para a aterosclerose1;15/ doença arterial periférica1;6;21). Poderá ainda ocorrer diminuição da pressão arterial sistólica8, ainda que outros autores tenham publicaram que possa existir uma relação também com a hipertensão arterial, eventos coronários agudos, insuficiência cardíaca6;15 e acidente vascular cerebral21, sobretudo a partir de 10 µg/ d6.
Dentro dos metais pesados, parece que apenas o chumbo e o cádmio apresentam evidência relativa a dano cardiovascular, sobretudo associado à aterosclerose, como já se mencionou; contudo, mais estudos são necessários para aprofundar a situação, ainda que se acredite que a fisiopatologia possa passar pelos danos oxidativos21;22, inflamação, disfunção endotelial e aumento da produção de lípidos21.
-Alterações Obstétricas/ Reprodutivas
Este agente atravessa a barreira placentar e pode ser excretado no leite materno8. Apresenta toxicidade também a nível testicular3; logo, globalmente, alguns investigadores classificaram-no como associado a toxicidade reprodutiva11. Contudo, uma revisão sistemática pretendeu investigar tal no sexo feminino e a evidência encontrada (para a maioria das questões) foi considerada pouco robusta; uma das exceções poderá ser a pré-eclâmpsia e, com menos força estatística, a fertilidade; ainda que estudos mais rigorosos sejam necessários14.
-Alterações Pediátricas
Um dos documentos selecionados referiu que este agente químico se poderia associar a alterações do neurodesenvolvimento e comportamento, em crianças15, tal como já se aqui registou.
-Alterações Renais
O cádmio associa-se a disfunção renal3;4;11;23. Este agente tem a capacidade de alterar a função tubular/ glomerular10, sendo que alguns investigadores destacam especificamente os túbulos proximais6;8 e, secundariamente, os contornados distais e os glomérulos (inflamação e fibrose)8; a proteinúria6;8;19 geralmente demonstra-se como irreversível e surge uma glomerulopatia progressiva8, podendo a situação evoluir para doença renal crónica (embora tal não seja consensual)10;23. Outros defendem ainda que ele também pode associar-se a glicosúria6.
-Alterações Oncológicas
A IARC (International Agency for Research on Cancer) classificou-o como carcinogénico humano12;17, tal como a Organização Mundial de Saúde20, ou seja, agente capaz de induzir a carcinogénese1;3;6;7;12;15;19, sobretudo a partir de 10 µg/ d6, nomeadamente através do stress oxidativo, inibição do reparo do DNA e respetiva metilação, bem como alterações na apoptose1;7;17; fragmentação do DNA, instabilidade celular, aumento da secreção do FNTα e de espécies reativas de oxigénio, contribuindo para alterações na sinalização celular. A sua semivida longa poderá também contribuir para o efeito cancerígeno15. Contudo, alguns investigadores consideram que essa influência oncológica não apresenta resultados consistentes entre estudos1. Outros, por sua vez, especificam caso a caso e consideram que há evidência para os cancros da próstata5;13;15, mama4;7;15, pâncreas4;15, pulmão4;12;15;20;24, útero5, bexiga, rim e pele20; outros ainda, por sua vez, também destacam investigações que concluíram que não há evidência irrefutável para a próstata4;5;8;15, mama5;7;17, útero5, pulmão8, curiosamente, sendo necessários estudos mais rigorosos15.
Está publicado que o efeito estrogénico4;5;7;17 deste agente poderá potenciar o aparecimento do cancro de próstata4;5, bem como mama e útero (cancros hormonalmente influenciáveis)5. Aliás, encontra-se bibliografia a defender que por cada aumento de 0,5 µg/ g de cádmio urinário, ocorre um aumento de 66% no risco de cancro da mama17. Outros estimaram que por cada duplicação da dose de cádmio urinário, o risco de cancro geral e pulmonar aumenta 22 a 68%, respetivamente12.
-Alterações Pulmonares
Este agente apresenta toxicidade pulmonar3;11; poderão surgir bronquite crónica, fibrose progressiva e destruição alveolar8, podendo também ocorrer enfizema, dispneia, tosse e toracalgia19. A absorção em contexto respiratório dependerá do tamanho, forma química e solubilidade das partículas; bem como da quantidade global e dos mecanismos de excreção. Estima-se que fumar um maço por dia implicará uma absorção de cerca de 4 mg deste agente (cada cigarro conterá entre 0,8 e 2 µg e considera-se que 25 a 45% deste será absorvido)8.
-Alterações Oftalmológicas
Um dos documentos selecionados considerava que a partir de 10 µg/ d poderá ocorrer degeneração da mácula6.
-Alterações Gastrointestinais
Um dos artigos encontrados referia que o Cádmio apresenta toxicidade hepática3; outra publicação descreveu que o agente poderia justificar náusea, vómito e diarreia19.
-Alterações Hematológicas
Um dos trabalhos inseridos nesta revisão referiu a possibilidade de a anemia se associar ao Cádmio19.
-Alterações Endócrinas
Pensa-se que o cádmio se pode acumular nas células β pancreáticas das ilhas de Langerhans, passando estas a secretar menos insulina3, contribuindo para o aparecimento da diabetes4;6, sobretudo a partir de 10 µg/ d6. Outros consideram que a associação é inconsistente; aliás uma meta-análise consultada concluiu que não parece haver uma relação significativa, ainda que estudos prospetivos de maior dimensão consigam avaliar melhor a situação3.
-Alterações Ortopédicas
O cádmio associa-se a maior risco de osteoporose1;3;4/ fratura1-4;13/ osteomalacia, artralgias e/ ou a doença de Itai-Itai16. O atingimento do osso poderá ser justificado por alterações no metabolismo do cálcio, fósforo, paratormona e vitamina D. Contudo, outros consideram que os resultados de estudos epidemiológicos que pretenderam relacionar o Cádmio e o risco de fratura geraram resultados inconsistentes2.
Diagnóstico
O diagnóstico de intoxicação por Cádmio poderá ser realizado através da análise urinária8.
Tratamento
Como quelantes, podem ser ponderados o DMSA (ácido dimercaptosuccínico)8;18 e o CaEDTA (ácido etilenodiaminotetraacético-cálcio); contudo, estas terapêuticas podem apresentar efeitos secundários relevantes8. O DDC (dietilcarbamato) pode também aumentar a absorção de cádmio. Para este agente recomenda-se genericamente, por isso, o DMSA18.
CONTEÚDO OU RESULTADOS
Exposição ao Cádmio em Conservadores/ Restauradores
Encontrou-se um documento que mencionava que nos séculos XVIII e XIX foram descobertos os pigmentos associados ao cádmio, ainda que tóxicos, mas usados ainda hoje; os mais relevantes são (a nível de frequência de uso e toxicidade) o amarelo e o vermelho de cádmio, usados desde 1820 e 1910, respetivamente19. Outro artigo realçou que durante o século XIX foram criados pigmentos amarelos com sulfureto de cádmio16. As tonalidades de amarelo dependiam da adição de elementos como zinco, selénio e bário19.
Medidas de Proteção Coletiva
Entre os documentos selecionados, não se encontrou qualquer referência direta a eventuais medidas de proteção coletiva.
EPI (equipamentos de proteção individual)
De igual forma, também não foram encontrados dados relativos a este departamento, dentro dos artigos inseridos nesta revisão.
Doenças Profissionais
No quadro 9 estão transcritas as principais doenças profissionais associadas ao Cádmio, em função do Decreto Regulamentar 76/2007, de 17 de julho, ainda que parte delas não tenha sido mencionada na bibliografia selecionada.
DISCUSSÃO
Existindo tão escassa bibliografia relativa aos riscos médicos do Cádmio em Conservadores- Restauradores, os autores optaram por inserir na secção de Discussão alguns dados relativos a outros profissionais que também possam contatar com este agente. Entre estes, os artistas que elaboram (ou sobretudo elaboraram no passado) obras de arte com pigmentos com Cádmio, talvez sejam os mais adequados, ainda que também sobre estes a bibliografia seja muito reduzida.
Acredita-se que pintores famosos, em função dos pigmentos utilizados, estavam muito expostos a pigmentos com cádmio; nomeadamente Rubens, Renoir, Duffy (todos com o diagnóstico pioneiro na época de artrite reumatoide) e Klee (com semiologia que se poderá encaixar no que hoje se designa por esclerodermia)- supõe-se que a exposição a metais pesados possa ter contribuído para algumas patologias reumatológicas apresentadas16.
Os artistas atuais estão muito menos expostos, até pelas diferentes condições de trabalho no atelier e cuidados na ingestão de alimentos e bebidas, que na altura não existiam. Entre os hábitos nocivos dos artistas no passado destacam-se o não lavar adequadamente as mãos antes de comer ou de fumar e lamber os pinceis usados; para além disso, os pintores mais pobres por vezes comiam e dormiam no mesmo sítio que servia como atelier. As roupas poderiam ser aquecidas para secarem melhor, evaporando-se quantidades razoáveis de agentes químicos ou até fazendo fogueiras no interior desse espaço multifunções, por vezes queimando objetos contaminados16.
Os artistas de hoje usam pigmentos menos tóxicos, os produtos estão rotulados com avisos de perigo e já sabem que não é boa ideia lamber pinceis ou fazer fogueiras, sobretudo em espaço fechados. Os cigarros mais frequentemente são comprados que feitos e a comida e bebida estão isoladas dos produtos de trabalho, por vezes, dentro de frigoríficos e/ ou até noutra divisão separada16.
Em relação a outros setores profissionais, também se encontrou bibliografia que mencionava que alguns dos produtos libertados na soldadura poderão incluir cádmio25, por exemplo.
Tal como se mencionou atrás, a bibliografia selecionada não forneceu dados sobre Medidas de Proteção Coletiva. Em função da experiência clínica dos autores, poder-se-iam considerar:
-elaboração de protocolos onde se descreveria o procedimento e técnicas a utilizar para perceber se as peças apresentavam ou não Cádmio
-potenciação da ventilação das salas com objetos contaminados com Cádmio e especificação das características mínimas da mesma
-rotação das tarefas mais perigosas entre os diversos Conservadores/ Restauradores da mesma empresa, se possível
-organização do trabalho de forma a alternar projetos com exposição ao Cádmio com outras tarefas sem exposição ao Cádmio, se adequado
-formação sobre os riscos médicos do Cádmio
-vigilância pelo Médico do Trabalho com exames periódicos (e ocasionais, se necessário)
-acesso a doseamentos biológicos associados ao Cádmio, orientados pelo Médico do Trabalho (indicando quais os tipos de amostras possíveis e quais as preferencialmente utilizadas)
-acesso a doseamentos nas superfícies e/ ou atmosfera do ambiente de trabalho, orientados pelo Técnico de Segurança (especificando quais técnicas poderiam ser utilizadas e quais as mais pertinentes)
-acesso a EPIs adequados (em modelo e material), selecionados pelo Técnico de Segurança
-organização de serviço de lavandaria, para que as fardas/ batas/ aventais e/ ou manguitos dos funcionários sejam adequadamente lavados, sem contaminar outras peças de roupa ou locais, no domicílio de cada Conservador- Restaurador.
Quanto a EPIs, os documentos selecionados nada mencionaram, ainda que os autores (em função da sua experiência clínica genérica) destaquem as luvas; macacão, farda, bata ou avental; manguitos; máscara, viseira e/ ou óculos e protetores de calçado (em contexto químico) ou calçado exclusivo para o local de trabalho.
LIMITAÇÕES
Os autores desenvolveram esforços no sentido de tentar que a sua pesquisa fosse exaustiva mas, uma vez concluída, perceberam que não encontraram dados relevantes sobre:
-doseamento do Cádmio nos ambientes de trabalho da Conservação e Restauro em geral; nem indicação de que técnicas podem ser utilizadas e quais as preferenciais
-doseamento biológico do Cádmio numa amostra geral de profissionais do setor, expostos a este agente e/ ou por tipo de amostra biológica; nem referências ao tipo de amostra mais adequado a cada situação
-avaliação do risco associado para os Conservadores- Restauradores, em função dos doseamentos obtidos e restante análise ao posto de trabalho
-descrição de medidas de proteção coletiva
-descrição de EPI adequados (sequer de forma genérica, quanto mais especificando modelos e/ou materiais).
CONCLUSÕES
Desde longa data que são conhecidos malefícios concretos e sérios associados ao Cádmio. Contudo, o setor da Conservação e Restauro é ainda muito pouco estudado em contexto de Saúde Ocupacional e os riscos do eventual contato com Cádmio não são exceção.
Seria muito pertinente que surgissem equipas motivadas para estudar este setor e colmatar parte das limitações encontradas, não desenvolvidas na literatura internacional.