INTRODUÇÃO
O ruído pode ser definido de forma subjetiva como um som indesejável e incómodo que está presente em diversos ambientes. É considerado um problema intrínseco para a sociedade devido ao fato de estar presente em variados setores, como na indústria, construção civil, trânsito e até em outros locais prestadores de serviços, tornando-se, assim, um agente de risco comum em diversos ambientes de trabalho, afetando a qualidade de vida do trabalhador1,2.
Considerando-se que a audição é fundamental no processo de sociabilização e, consequentemente, para a comunicação oral, toda e qualquer alteração da percepção auditiva pode desencadear problemas na interação social com impacto negativo para a vida das pessoas3,4.
Assim, a exposição ao ruído intenso é um dos maiores fatores de risco à saúde e, principalmente, à audição do trabalhador. Além da perda auditiva, destacam-se também as consequências não auditivas causadas pelo ruído, que resultam do estresse provocado pelo mesmo5. O ruído intenso provoca no organismo a liberação das substâncias catecolaminas que o preparam para ações rápidas como formas de sobrevivência e reações de luta, mas também desencadeia outras consequências, como redução do rendimento laboral, dificuldade de atenção, cefaleia, distúrbios gástricos, irritabilidade, fadiga, insónia, estresse, elevação da pressão arterial e da frequência cardíaca5.
A Perda Auditiva Induzida por Ruído - PAIR no trabalho é considerada como geradora de impactos negativos na qualidade de vida do trabalhador, à medida em que a comunicação deste fica prejudicada, o que vem a alterar a qualidade de suas interações sociais. O impacto consequente na qualidade de vida dos trabalhadores acontece frequentemente de forma silenciosa e solitária, sem que o trabalhador relate tais dificuldades à própria família, isto porque a percepção da dificuldade auditiva é geralmente gradual6.
Entre os diversos profissionais que são expostos diariamente a níveis de ruído ocupacional elevados estão os dentistas. Estudos identificaram que estes estão expostos aos ruídos oriundos de seus próprios consultórios, por exemplo as canetas odontológicas, compressor de ar (quando localizado no mesmo ambiente), bomba de aspiração a vácuo, aspirador, amalgamador, turbinas de alta rotação, entre outros7-9. Pesquisas revelaram que os níveis de ruído gerados pelas peças de mão de alta rotação, principalmente durante o preparo cavitário, estão entre 74,4 dBA e 95,7 dBA e, na utilização do ar para secagem da cavidade oral, em 83,7 dBA10,11.
A consequência desses níveis de ruído sobre a audição dos dentistas é relatada na literatura. Um estudo avaliou a audição de 163 profissionais e concluiu que os audiogramas sugestivos de PAIR ocorreram predominantemente no género masculino. Constatou-se também que existe uma dependência significativa entre a idade e o resultado da audiometria; não só porque com mais idade têm mais anos de trabalho e exposição ao ruído profissional e não ocupacional, como também com mais idade o ouvido está mais envelhecido, independentemente da exposição ao ruído. Para além disso, o tempo de serviço como dentista também está associado à jornada de trabalho, que variou de duas a catorze horas. Os dentistas que trabalhavam acima de oito horas diárias apresentaram alterações auditivas sensorioneurais 1,79 vezes mais do que aqueles que trabalharam até sete horas diárias12. Uma segunda pesquisa realizada com cinquenta dentistas identificou outros efeitos da exposição ao ruído intenso e encontrou queixas como acúfeno, tontura, cefaleia e estresse13.
No que diz respeito à satisfação pessoal e profissional, a Odontologia é considerada uma profissão repleta de oportunidades mas, presentemente, tem sido julgada uma atividade estressante, frequentemente associada a problemas de saúde, justamente pelas condições de trabalho14.
Tendo em conta que existem níveis de ruído elevados presentes em consultórios odontológicos, torna-se importante promover a conscientização preventiva quanto aos riscos a que estão expostos, pois a prevenção da perda auditiva e de outras consequências, assim como sua detecção precoce e intervenção, são primordiais para preservar a qualidade de vida do profissional15.
Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar o impacto do ruído na audição e na qualidade de vida dos dentistas.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo do tipo observacional transversal realizado com quarenta dentistas do Sul do Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa sob o parecer de número 739.215. Todos os dentistas foram convidados a participarem da pesquisa e, aqueles que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), antes de realizar quaisquer procedimentos.
Como critério de inclusão, considerou-se trabalhar nesta área há pelo menos um ano, não apresentar problemas do ouvido médio e não apresentar patologias auditivas prévias. O estudo teve como procedimentos: i ) aplicação de questionário sobre exposição ao ruído, percepção do ruído no trabalho e queixas/ sintomas possivelmente atribuídos à exposição ao ruído intenso; ii ) realização de avaliação audiológica por audiometria tonal liminar e audiometria de altas frequências; iii ) aplicação do questionário SF-36.
A seguir estão descritos os procedimentos do estudo:
1) Os participantes foram submetidos à inspeção do meato acústico externo, para descartar impedimentos que comprometessem a realização da avaliação auditiva. Após a inspeção, realizou-se a audiometria tonal liminar convencional (de 250 a 8.000Hz) e de altas frequências (de 9.000 a 16.000Hz), em cabina acústica, com o equipamento ITERA II, da marca Madsen, com o fone TDH39 para audiometria convencional. O equipamento foi calibrado de acordo com as normas IEC 60645-1:2001 e IEC 60645-2:1997. Para as frequências de 250 a 8000Hz foram considerados limiares auditivos dentro do esperado quando menores ou iguais a 25 dBNA, realizando pesquisa do limiar por via aérea e também via óssea, quando se fez necessário. Na audiometria de altas frequências foram pesquisados os limiares auditivos de 9000, 10000, 11200, 12500, 14000 e 16000Hz, utilizando fones HDA 200.
2) Aplicação do questionário, composto por treze perguntas fechadas e semifechadas, para coletar dados acerca das condições de trabalho, do conhecimento e das percepções referentes à exposição ao ruído. Ressalta-se que tal questionário é utilizado no Núcleo de Estudos Trabalho, Saúde e Sociedade na Instituição onde foi desenvolvido. Os participantes foram orientados a ler e a responder o questionário, registrando suas respostas através de marcação de uma ou mais opções dentre as disponíveis e, quando necessário, por extenso.
3) Aplicação do questionário SF - 36, em versão para língua portuguesa do Brasil, que consta de trinta e seis itens em onze questões e tem o propósito de avaliar oito domínios, divididos em dois grandes componentes: o físico - que envolve capacidade funcional, aspectos físicos, dor e estado geral da saúde; e o mental - que abrange saúde mental, aspectos emocionais, sociais e vitalidade, observando que estado geral da saúde e vitalidade estão indiretamente relacionados aos dois segmentos. A capacidade funcional avalia a presença e a extensão das limitações relacionadas à capacidade física com três níveis de resposta (muita limitação, pouca ou sem limitação); os aspectos físicos são avaliados pelas limitações físicas na realização do trabalho e das atividades diárias. A dor é pesquisada por meio de sua intensidade, extensão e/ ou interferência nas atividades diárias e o estado geral de saúde é avaliado pela autopercepção do participante. Em relação aos componentes mentais, a vitalidade é avaliada pelo nível de energia e fadiga na realização das atividades da vida diária. Os aspectos sociais são avaliados pela integração do indivíduo às atividades sociais; os emocionais, pelas dificuldades emocionais que limitam o trabalho e as atividades rotineiras; a saúde mental pela interferência da ansiedade, depressão, felicidade, alterações de comportamento ou descontrole emocional e bem-estar psicológico nas atividades da vida diária. Os resultados do SF-36 são mostrados em scores de 0 a 100 obtidos a partir de uma relação de quesitos sobre vários aspectos da qualidade de vida. Quanto maior for o score, melhor a qualidade de vida do indivíduo.
Após o levantamento dos dados, os resultados dos questionários, bem como das avaliações auditivas, foram analisados e diversos procedimentos estatísticos foram aplicados entre as variáveis. Utilizaram-se procedimentos estatísticos para analisar a correlação entre as médias dos limiares auditivos aéreos agrupadas nas frequências 500, 1000 e 2000Hz (frequências consideradas as mais relevantes para a compreensão da fala e que, quando afetadas, dificultam a compreensão da mesma) e nas frequências 3000, 4000 e 6000Hz (frequências mais afetadas nas perdas auditivas por ruído intenso), dos ouvidos direito e esquerdo e as escalas das dimensões do questionário SF-36. Utilizou-se a Correlação de Spearman, ao nível de significância 0,05 ou 5%.
RESULTADOS
Dos quarenta dentistas participantes, 75% (30) eram do sexo feminino sendo que, em relação à idade, 35% dos profissionais tinham entre 20 e 34 anos, 25% tinham entre 35 e 45 anos e 40% tinham acima de 46 anos. No que diz respeito ao tempo de serviço, 35% dos profissionais entrevistados tinham de um a dez anos, 35% tinham de onze a vinte anos e 30% mais do que isso.
Já em relação às horas diárias trabalhadas, 32,5% trabalhavam até seis horas, enquanto que 67,5% tinham uma jornada acima de sete horas por dia. Quanto ao local de atuação, enquanto 10% trabalhavam no serviço público, 70% atendiam somente em consultório particular e 20% conciliava a atuação pública com o trabalho junto à iniciativa privada.
Constatou-se também que 85% dos dentistas não receberam qualquer informação durante a sua formação académica a respeito dos efeitos nocivos do ruído ocupacional, ainda que 52,5% afirmasse conhecer os efeitos da exposição ao ruído na saúde. Quando questionados sobre a prevenção dos efeitos nocivos do ruído ocupacional, 57,5% dos dentistas afirmaram não saber como fazê-la; enquanto que apenas 5% (2) (do sexo feminino) declararam utilizar protetor auricular durante o exercício da profissão. Somente 17,5% (7) verificam o nível de ruído dos equipamentos de trabalho no catálogo do fabricante, antes de comprá-los. 45% acreditam que o ruído é de média intensidade e apenas 27,5% consideram que esta é alta, sendo que 72,5% acreditam que este nível de ruído existente seja nocivo à saúde.
Os efeitos nocivos do ruído relatados estão descritos na Tabela 1. A irritabilidade e cefaleia foram os efeitos da exposição ao ruído mais citados e a turbina de alta rotação o equipamento mais realçado como fonte de ruído.
Variáveis | Frequência absoluta | Frequência relativa % |
---|---|---|
Efeitos nocivos: | ||
Irritabilidade Cefaleia Dificuldade auditiva Dificuldade em compreender a fala Dificuldade de concentração Acufenos Fontes de ruído Turbina de alta rotação Micromotor Compressor de ar Condicionador de ar Bomba à vácuo |
19 16 14 11 10 10 39 35 27 16 3 |
47,5 40,0 35,0 27,5 25,0 25,0 97,5 87,5 67,5 40,4 7,5 |
Obs: os participantes poderiam relatar mais de uma resposta.
Observaram-se seis (15%) dentistas com alteração auditiva nas frequências convencionais. O perfil auditivo dos profissionais encontra-se na Tabela 2.
Resultado da audiometria convencional | Mulheres n = 30 | Homens n = 10 | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Ouvido direito | ||||
Normal Alterado |
27 3 |
90,0 10,0 |
8 2 |
80,0 20,0 |
Ouvido esquerdo | ||||
Normal Alterado |
26 4 |
86,7 13,3 |
8 2 |
80,0 20,0 |
Obs: n=frequência absoluta; %= frequência relativa
Em relação ao perfil auditivo analisado pela audiometria tonal liminar convencional (de 250 a 8.000Hz), seis dentistas apresentaram perda auditiva sugestiva de PAIR, sendo que cinco bilateralmente e um unilateral. No sexo feminino observaram-se mais alterações auditivas.
As médias e desvio padrões dos limiares tonais aéreos auditivos em altas frequências (Hz) encontram-se na tabela 3.
Resultado da audiometria de altas frequências | Mulheres n = 30 | Homens n = 10 | ||
---|---|---|---|---|
Média | dp* | Média | dp* | |
Ouvido direito | ||||
9000Hz 10000 Hz 11200 Hz 12500 Hz 14000 Hz 16000 Hz |
20,15 22 25,63 24,25 26,13 34,63 |
11,42 13,5 13,59 17,85 17,85 19,68 |
19,70 22,13 25,75 26,75 29,00 34,88 |
11,47 13,76 15,55 19,94 20,75 18,41 |
Ouvido esquerdo | ||||
9000Hz 10000 Hz 11200 Hz 12500 Hz 14000 Hz 16000 Hz |
19,50 21,97 25,00 23,03 26,06 35,30 |
10,18 12,99 12,42 16,40 16,74 18,74 |
19,85 22,27 25,30 26,21 29,39 35,91 |
9,23 13,80 15,90 20,03 20,62 17,19 |
Obs: *dp=Desvio Padrão
As alterações auditivas pela audiometria de altas frequências foram encontradas em seis (15%) dentistas, sendo que em quatro ocorreu de forma bilateral. Observou-se que 16.000Hz é a frequência com pior limiar médio e que há um entalhe acústico em 11.200Hz em ambos os ouvidos.
Na tabela 4 estão descritos os valores encontrados com a aplicação do questionário sobre qualidade de vida, o SF-36.
Pontuações | |||
---|---|---|---|
Domínios | Min. | Méd. | Máx. |
Capacidade funcional Limitação física Limitação emocional Aspectos sociais Dor Vitalidade Saúde mental Estado geral |
25 0 0 25 20 20 24 32 |
83,12 81,25 77,5 78,75 65,30 64 72 62,57 |
100 100 100 100 100 95 96 82 |
A capacidade funcional e limitação física foram os domínios melhor avaliados na média da pontuação, demonstrando pouco comprometimento nessas áreas.
A tabela 5 demonstra os resultados do questionário SF-36 comparados com os resultados dos limiares auditivos aéreos na média tritonal de 500, 1000 e 2000Hz e em 3000, 4000 e 6000Hz.
Média 500, 1000, 2000 | Média 3000, 4000, 6000 | |||
---|---|---|---|---|
Correlação | p-valor | Correlação | p-valor | |
Ouvido Direito | ||||
Capacidade funcional Aspectos físicos Dor Estado Geral de Saúde Vitalidade Aspectos sociais Aspectos emocionais Saúde mental |
0,1087 0,1083 0,1742 0,1475 0,4045 0,1654 0,1055 0,3097 |
0,504 0,505 0,282 0,363 *0,009 0,307 0,517 0,051 |
-0,1070 0,2561 0,1170 0,069 0,3237 -0,0046 0,2807 0,0799 |
0,511 0,119 0,472 0,670 *0,041 0,977 0,079 0,624 |
Ouvido Esquerdo | ||||
Capacidade funcional Aspectos físicos Dor Estado Geral de Saúde Vitalidade Aspectos sociais Aspectos emocionais Saúde mental |
-0,0607 -0,0617 0,1009 0,0245 0,2073 0,1796 -0,0218 0,2393 |
0,709 0,705 0,535 0,880 0,199 0,267 0,893 0,136 |
0,0212 0,0117 0,0296 -0,0566 0,3114 -0,0026 0,2062 0,1346 |
0,896 0,942 0,856 0,728 *0,050 0,987 0,201 0,407 |
* Valor de p obtido através da Correlação de Spearman, ao nível de significância 0,05
Verificou-se a existência de correlação significativa entre a média tritonal (500, 1000, 2000Hz) do ouvido direito e o domínio vitalidade (p=0,009). E também a existência de correlação significativa entre a média tritonal (3000, 4000, 6000Hz) do ouvido direito e o domínio vitalidade (p=0,041). À esquerda houve diferenças entre as médias tritonais (3000, 4000, 6000Hz) e vitalidade (0,050) do SF-36. Conforme a média tritonal dos limiares auditivos piora, também pioram as percepções no domínio vitalidade.
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou a audição, averiguou a percepção e o conhecimento sobre medidas preventivas com relação ao ruído ocupacional, bem como mensurou a qualidade de vida de quarenta dentistas.
Notou-se uma considerável participação mais efetiva das mulheres, fato também observado em estudos recentes que contavam com a colaboração dos dentistas12,16.
Quando questionados a respeito do conhecimento dos efeitos nocivos do ruído ocupacional recebidos durante sua formação, 85% dos participantes referiram desconhecer o tema. Outro estudo reforça esse achado, no qual 81% dos dentistas afirmaram não ter estudado nada a respeito dos efeitos nocivos do ruído16. Desta forma, percebe-se que a pouca informação recebida durante a graduação referente ao ruído em consultório odontológico pode estar dificultando que esses profissionais se previnam de possíveis alterações auditivas; e provavelmente este seja o principal motivo para que a grande maioria (95%) dos sujeitos da pesquisa não faça uso do equipamento de proteção individual (EPI) - protetor auditivo. Esse achado corrobora outros estudos que também identificaram o baixo índice no uso de protetor auditivo entre os dentistas13,17-19.
No entanto, diferentemente do que foi encontrado no presente estudo, há na literatura uma pesquisa que trata da percepção do ruído ocupacional e perda auditiva em estudantes de Odontologia, na qual foi possível identificar que os alunos já receberam informações sobre perda auditiva (53,2%), sendo que a maioria declarou ter sido na própria Instituição de Ensino Superior (81,8%). Porém, embora tenham a informação sobre as consequências da exposição ao ruído sobre as medidas de prevenção, não as utilizam na prática20.
No que diz respeito aos efeitos nocivos relacionados à exposição ocupacional ao ruído relatados pelos dentistas, a irritabilidade foi a queixa mais mencionada (47,5% dos profissionais). O que difere de outras pesquisas. Um estudo identificou que a queixa mais comum entre os profissionais foi a perda auditiva12. Já em uma segunda pesquisa, os sintomas otológicos mais citados foram dificuldades auditivas e zumbido8. O mesmo pode ser observado em um estudo onde os dentistas referiram o acufeno e a sensação de perda auditiva como principais queixas19.
Ao serem indagados sobre a presença de ruído no local de atuação profissional, 45% percebem o ruído como de média intensidade e apenas 27,5% o consideram de alta intensidade. Outro estudo encontrou valores próximos aos do presente estudo, inclusive com o mesmo número de participantes, no qual 54% dos dentistas acreditam que o ruído é de intensidade média e 24% percebem como de intensidade alta16.
A fonte geradora de ruído mais citada entre os dentistas foi a turbina de alta rotação, o mesmo resultado foi encontrado por outros estudos7-,9,12. O que chama à atenção nesta informação é o fato de que há mais de quarenta anos a turbina de alta rotação vem sendo citada como a maior fonte de ruído e, até o presente momento, os fabricantes não solucionaram por completo esse problema.
Na presente pesquisa observou-se que apenas 17,5% dos dentistas relataram que verificam o nível de ruído dos equipamentos antes de comprá-los. Em semelhante estudo, apenas 11,7% dos profissionais afirmaram verificar essa informação12. Embora mais da metade (52,5%) da população deste estudo tenha referido conhecer os efeitos nocivos do ruído, acredita-se que pelo fato de não terem recebido informação a respeito do tema durante a graduação, os dentistas não tenham o cuidado com relação à compra dos aparelhos e este fato passa despercebido.
No que tange o perfil auditivo apresentado através da audiometria tonal liminar convencional, seis profissionais apresentaram perda auditiva sugestiva de PAIR, sendo que cinco bilateralmente e um unilateral (ouvido esquerdo). Comparado a outros estudos analisados, os achados desta pesquisa apresentaram a menor percentagem de perda auditiva relatada2,12.
Existem na literatura outras pesquisas que identificaram casos de perda de audição em dentistas em diversas percentagens. Uma pesquisa realizada em Recife-Brasil com cinquenta dentistas de ambos os sexos, entre 25 e 54 anos, e com experiência profissional entre 3 e 29 anos, descobriram que 56% (28) tiveram perda de audição21. Num estudo na cidade de João Pessoa-Brasil com quarenta e oito dentistas, a audiometria convencional foi realizada e identificou-se que 52,2% dos profissionais tiveram perda auditiva bilateral, considerando as frequências de 3, 4 e 6 KHz8. Já nos Emirados Árabes, uma pesquisa demonstrou que dos noventa dentistas selecionados, 22,2% (20) sofrem com deficiência auditiva9. E por fim, em um estudo realizado com trinta e nove dentistas, foi possível identificar perda auditiva em 15,8% dos participantes11.
Sabe-se que a audiometria tonal de altas frequências (entre 9.000 e 16.000Hz) é apontada como um instrumento para o diagnóstico precoce de danos auditivos decorrentes da exposição a intensidades elevadas de ruído, o que é o caso dos dentistas avaliados na presente pesquisa9,22. Na análise da audiometria de altas frequências constatou-se que 16.000Hz apresentou como resultados média de 34,63 nas mulheres e 34,88 para os homens no ouvido direito; e 35,30 nas mulheres e 35,91 para os homens no ouvido esquerdo. Outro estudo também encontrou em trabalhadores expostos ao ruído intenso média de limiar tonal pior em 16.000Hz, sugerindo que há associação entre a exposição ao ruído e esses limiares tonais de altas frequências23. Porém, o fator idade contribui para a piora dos limiares de altas frequências e não pode ser descartado. Observou-se alterações nos limiares em altas frequências, considerando-se a idade, em seis (15%) odontólogos, sendo que em quatro deles a alteração foi bilateralmente e em dois deles foi no ouvido esquerdo. Notou-se um caso que não apresentava alteração auditiva nas frequências convencionais, mas apresentou nas altas frequências, possivelmente porque já há alteração na base do ducto coclear, mas que ainda não foi identificada na avaliação audiológica básica24. Todos os demais dentistas que tiveram alteração auditiva em frequências convencionais, também tiveram nas altas frequências.
Há na literatura poucos estudos realizados com audiometria tonal de altas frequências em dentistas. Trabalhos realizados para a investigação da audição em frequências convencionais e altas frequências na área odontológica mostraram uma tendência de predisposição à alteração auditiva mais significativa com o tempo de exposição e idade. Pois, conforme o aumento da frequência, da idade e tempo de exposição houve queda maior da acuidade auditiva. Os autores de ambos estudos observaram maior incidência de perda nas frequências de 6 KHz e 14 KHz25,26.
Já noutro estudo, foi possível verificar que ao comparar as médias das altas frequências (9 a 16 KHz) entre dentistas, protéticos e auxiliares, o grupo dos profissionais auxiliares demostrou piores resultados, mesmo com audição normal nas frequências convencionais, e concluíram, portanto, a importância desse exame para a avaliação audiológica27.
No que diz respeito à qualidade de vida, sabe-se que este conceito, teoricamente, refere-se a uma noção eminentemente humana, que vem sendo relacionada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental. No campo da saúde, quando observado de forma ampliada, o conceito se alicerça na compreensão das necessidades humanas fundamentais, e, quando visto de forma mais focalizada, coloca sua centralidade na capacidade de viver sem doenças ou de superar as condições de morbidade28. Assim, o termo “qualidade de vida” utilizado no presente estudo, considera uma potencial variedade de condições que podem afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e comportamentos relacionados com o seu desempenho diário, entre essas a audição29.
O grupo estudado na presente pesquisa apresentou uma elevada percepção de sua qualidade de vida, sendo que os menores valores médios foram de 62,57 para estado geral de saúde e a maior pontuação (83, 12) no domínio capacidade funcional. Todos os domínios obtiveram média superior a 60 pontos, considerando 100 como pontuação máxima. Recente pesquisa realizada com dentistas, identificaram diferenças significantes entre as médias de pontuação para os seguintes domínios: dor, vitalidade e saúde mental, afetando principalmente os homens. Observaram associação entre o domínio dor com a percepção da intensidade do ruído. No entanto, no trabalho citado não foi avaliada a audição e por isso não foi possível relacionar a qualidade de vida com o perfil auditivo4.
No presente estudo observou-se correlação significativa entre o domínio vitalidade e as médias tritonais dos limiares auditivos em ambos os ouvidos, pois, conforme a média tritonal dos limiares auditivos piora, também pioram as percepções no domínio vitalidade. Na literatura se reconhece que os distúrbios auditivos, especialmente a perda auditiva bilateral, exercem um impacto negativo significativo na qualidade de vida à medida que influenciam nas capacidades, funções e desempenhos das pessoas30,31.
A associação do ruído ocupacional e audição à qualidade de vida dos dentistas, analisada por meio do instrumento SF-36 trata-se de um tema ainda pouco explorado, dificultando a discussão de resultados que poderiam ter sido encontrados através de outros estudos. Posto que, o termo “qualidade de vida” vem adquirindo grande importância na contemporaneidade, principalmente no setor da saúde, registra-se aqui, a relevância de que mais estudos sejam realizados, com a finalidade de aprimorar os conhecimentos e planejar, seguidamente, medidas benéficas sobre o tema.
CONCLUSÃO
Conforme os resultados obtidos na presente pesquisa, pode-se concluir que os dentistas precisam receber informação para a sua conscientização sobre o ruído ocupacional e as medidas de controle do mesmo, bem como sobre as consequências danosas que representa para a sua saúde e qualidade de vida. Acredita-se que o conhecimento sobre o controle e a prevenção dos efeitos nocivos devem começar ainda durante o curso de graduação, período em que o profissional está sendo formado, para que, devidamente instruído, informado e consciente dos riscos a que está exposto, possa preveni-los, ao invés de tentar amenizar ou tratar os problemas decorrentes deles futuramente. Assim, os dentistas terão mais conforto e qualidade de vida.
Acredita-se ainda que o Programa de Preservação Auditiva (PPA) seria uma excelente proposta, efetiva e coerente com a realidade do profissional. Ao aderir o PPA, automaticamente, o dentista seria instruído a fazer uso correto de protetor auditivo durante o manuseio de equipamentos ruidosos na sua atividade, bem como receberia orientações sobre opções de equipamentos mais silenciosos e outras medidas de controle do ruído intenso durante a sua prática profissional. A audiometria tonal liminar periódica também faria parte da rotina dos cuidados aos dentistas, para que o monitoramento da audição do profissional fosse realizado anualmente, facilitando uma intervenção, se necessária. Todas essas ações também favoreceriam um ambiente acústico mais confortável, menos estressante e sem outros efeitos adversos, melhorando a qualidade de vida desse profissional.