INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (1) define a Qualidade de Vida (QV) como a perceção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Segundo a OMS (1), a QV é multidimensional, engloba diversos aspetos do quotidiano do indivíduo numa abordagem biopsicossocial, nomeadamente a nível físico, psicológico e social (1-3). Este conceito é subjetivo e tende a mudar ao longo do tempo. Estas diferenças verificam-se entre géneros, classes etárias, nível educacional, presença ou ausência de fatores adversos, profissões, estilos de vida, entre outros aspetos, que afetam a perceção dos indivíduos sobre o seu estado de saúde (1,4-7).
O conceito de saúde pode ser visto e interpretado numa perspetiva individual, social e cultural (8). De acordo com a OMS (1), a saúde é vista como um recurso para a vida de todos os dias, sendo uma das dimensões da QV (1,7,9). Medir o estado de saúde das populações permite definir níveis de comparação entre grupos acerca das condições de saúde (por diferentes patologias), condições de trabalho (como horas de trabalho, situação de trabalho, funções de chefia), condições sociais, condições económicas ou ainda relativas ao género e à idade (9).
O bem-estar físico, mental, económico e social dos trabalhadores é influenciado pelo contexto de trabalho que, segundo a Direção Geral da Saúde (2), quando seguro e saudável, terá inevitavelmente reflexo positivo na sua saúde e bem-estar bem como das suas famílias, comunidades e sociedade em geral.
Com a crescente afluência à tecnologia, os postos de trabalho implicam a repetição constante de movimentos e a adoção de postura sentada mantida durante grande parte da jornada laboral, promovendo comportamentos sedentários que inerentemente afetam a QV (10,11).
Os trabalhadores de escritório, enquadram-se neste grupo, pois permanecem a maior parte do tempo neste conjunto postural, executando tarefas variadas. Este comportamento, sem pausas de descanso leva a uma utilização excessiva de sistemas, nomeadamente neuromusculoesquelético, o que pode provocar desconforto, fadiga ou trauma (10,12-16).
Existem fatores associados ao trabalho que influenciam a QV dos trabalhadores, como uma alta carga mental, prazos curtos para entrega dos trabalhos, alto grau de responsabilidade e intensa exposição ao computador (12,13,17,19). Segundo a European Agency for Safety and Health at Work (20), a frequência desses fatores está associada a níveis mais elevados de ansiedade, problemas de sono, fadiga geral e diminuição do bem-estar mental dos trabalhadores. Esses fatores de risco associam-se à forma como o trabalho é realizado, organizado e gerido, bem como ao contexto económico e social, originando uma deterioração da saúde mental e física, fatores determinantes para a QV do trabalhador (8,17,18).
A melhoria da QV é um desafio de saúde ocupacional e tal como refere a OMS (1), o contexto de trabalho é fundamental para o desenvolvimento e criação de ações de promoção de saúde no âmbito da prática de trabalho e de estilo de vida saudável (21).
Após verificação da literatura referente à Saúde Ocupacional observou-se que tem vindo a crescer a preocupação com a saúde do trabalhador. Assim, este estudo teve por objetivo avaliar a perceção da QV dos trabalhadores de escritório de uma empresa fabricante de componentes automóveis e verificar se existe relação com as variáveis sociodemográficas, condições de saúde e condições de trabalho.
METODOLOGIA
Amostra
A população alvo do estudo são os trabalhadores de escritório da empresa BorgWarner de Viana do Castelo. A seleção da amostra foi não probabilística, por conveniência.
Como descrito na Figura 1, para a seleção da amostra foram estabelecidos critérios de inclusão, nomeadamente, ter idade compreendida entre 18 e 65 anos. E, como critérios de exclusão serem portadores de patologias genéticas, reumáticas ou neurológicas e terem algum tratamento fora do contexto de trabalho (sessões de fisioterapia ou psicologia, por exemplo). Do total de 424 trabalhadores, 120 participaram voluntariamente. Foi excluído um participante, por ter o diagnóstico de espondilite anquilosante. Sendo a amostra final de 119 participantes, correspondendo a 28,3% da população.
Realizou-se o cálculo do tamanho da amostra através do software R, de modo a verificar a sua representatividade relativamente à população alvo. A amostra é representativa tendo como pressupostos um nível de significância de 5% a duas caudas (ou seja, um nível de confiança de 95%) e uma precisão de 7,6%.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados neste estudo foram o Questionário de Caraterização da amostra e o Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (SF-36v2) (22).
Questionário de Caraterização da amostra
Este questionário foi adaptado para o presente estudo, pelo que foi dividido em três partes. A primeira, relacionada com caraterísticas sociodemográficas, permite caracterizar a amostra através da recolha de dados como o Género, Idade e Habilitações Literárias (agruparam-se as respostas em possuir ensino superior - Bacharelato, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento-, ou não possuir ensino superior - 2º, 3º ciclo, Ensino secundário e Curso profissional + CET). A segunda, relacionada com as condições de saúde dos indivíduos da amostra, possibilitou recolher informações sobre altura e peso que permitiu o cálculo do IMC (Índice de Massa Corporal) e a categorização (segundo os valores da OMS) da amostra em obesos (≥30 kg/ m²) e não obesos (<29,9 kg/ m²), Doença Crónica (através da pergunta “É portador de alguma doença diagnosticada?”) e Certificado de Incapacidade Temporária (“Baixa Médica”) no último ano. A terceira parte deste questionário está direcionada para questões relacionadas com as condições de trabalho, nomeadamente o número de horas extraordinárias e extralaborais (realizadas no trabalho e em casa), se exerce funções de direção (cargos intermédios de direção, chefia ou coordenação, que exigem maior responsabilidade), e a situação atual de emprego (pertencer ou não ao quadro da empresa).
Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (SF-36v2)
O questionário SF-36v2 tem como finalidade avaliar a perceção da QV relacionada com a saúde de populações e indivíduos com ou sem doença (22). É de autopreenchimento e tem a duração aproximada de dez minutos. Constituído por 36 itens, distribuídos por oito dimensões, cada uma pontuada de 0 a 100 (quanto mais baixa a pontuação, menor a perceção da QV do indivíduo) (22).
As diferentes áreas do questionário permitem avaliar oito dimensões do estado de saúde (22). A Função Física destina-se a avaliar o impacto na QV das limitações físicas. O Desempenho Físico e Emocional mede o impacto das limitações em saúde devido a problemas físicos ou emocionais (22). A Dor avalia a intensidade e o desconforto originados pela dor e de que modo é que esta interfere com o trabalho normal e o Estado de Saúde Geral avalia a perceção holística da saúde (22). A dimensão da Vitalidade, engloba os níveis de energia e de fadiga, enquanto a Saúde Mental inclui conceitos de ansiedade e depressão (22). Por fim, a Função Social, compreende a quantidade e a qualidade das atividades sociais e o impacto dos problemas físicos e emocionais nestas atividades (7,22). Podem agrupar-se em duas dimensões gerais de estado de saúde: física e mental. A dimensão física compreende a Função Física, o Desempenho Físico, a Dor e o Estado de Saúde Geral e a dimensão mental é constituída pelas restantes (22,23).
O SF-36v2 encontra-se traduzido e validado para a população portuguesa e apresenta uma consistência interna muito boa, com valores de alfa de Cronbach compreendidos entre 0,6 na Função Social e 0,9 para Função Física e Estado Saúde Geral (22).
Procedimentos
Foi realizada uma visita à empresa para observar as condições de trabalho. Os questionários foram inseridos na plataforma Google Forms para serem preenchidos facilmente e rapidamente por todos os trabalhadores de escritório, o link para o preenchimento foi enviado por e-mail pelo departamento dos Recursos Humanos, para garantir o anonimato dos trabalhadores. O questionário esteve disponível para preenchimento entre o dia 5 e 12 de junho de 2019. As respostas aos questionários foram exportadas para o Excel. De forma a facilitar a leitura dos dados, foi realizada uma ponderação de dados de modo a atribuir as devidas pontuações a cada item, após isso foi realizado o cálculo do Raw Scale, convertendo as pontuações obtidas no SF-36v2 para uma escala de 0 (pior) a 100 (melhor) QV (24).
Posteriormente os dados foram importados para o programa IBM SPSS Statistics versão 25.0 (Statistical Package for the Social Sciences®, IBM Lisboa, Portugal) para posterior análise estatística.
Ética
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do CHUP/ICBAS (n° de referência 963), e foi admitido um acordo de confidencialidade com a administração da empresa BorgWarner. Todos os participantes consentiram e foram informados acerca do objetivo e da pertinência do estudo, assim como foi assegurada a proteção dos dados recolhidos e o seu anonimato. Os resultados foram armazenados numa base de dados, à qual apenas os investigadores tiveram acesso, e só foram utilizados para divulgação científica.
Os participantes puderam rejeitar ou suspender a participação no estudo a qualquer instante de acordo com a lei 67/98 de outubro e Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.
Estatística
A análise estatística foi realizada através do programa IBM SPSS Statistics versão 25.0, com o intuito de realizar a estatística descritiva e inferencial, com um nível de significância de 0,05.
A estatística descritiva foi realizada através de medidas de tendência central, (nomeadamente médias), medidas de dispersão (desvio-padrão, máximo e mínimo) e frequências absolutas e relativas, para caracterizar a amostra.
A estatística inferencial foi realizada através de testes de hipóteses, consoante a relação das diferentes variáveis. Os testes Shapiro Wilk (n<50) e Kolmogorov-Smirnov (n>50) indicaram se os dados seguiam uma distribuição normal, ou não. Quando se identificou normalidade dos dados realizou-se o teste paramétrico T para amostras independentes caso contrário foram utilizados testes não paramétricos, nomeadamente Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Para analisar a relação entre as variáveis procedeu-se a cálculos de regressão linear simples e foi utilizado o coeficiente de determinação e de correlação de Spearman, considerando-se uma correlação muito forte quando o valor estava entre 0.9-1, forte entre 0.6-0.9, moderada entre 0.3-0.6, e fraca entre 0-0.3 (25).
RESULTADOS
Caraterização da amostra
A Tabela 1 mostra as características da amostra em estudo. Observou-se que esta é constituída por 119 indivíduos, sendo que 82 são do género masculino. Os trabalhadores de escritório apresentaram uma média de idade de 35,8 ± 6,88 anos e apenas 2,9% têm idade superior a 50 anos. Relativamente às Habilitações literárias, 56,3% concluiu um curso superior, verificando-se uma diferença estatisticamente significativa entre o género feminino e masculino (78,4% vs. 46,3%, respetivamente).
Dentro das variáveis relativas à condição de saúde, descritas na Tabela 1, observou-se que a amostra apresenta uma média de IMC de 25,2 ± 4,21 kg/m², sendo que o género masculino apresenta uma média superior. Verificou-se que 15,1% da amostra encontra-se na categoria obesa, com o género masculino dominante (17,1 vs. 10,8, respetivamente). Relativamente à Doença Crónica, 12,6% do total da amostra referiu ser portadora, sendo esta mais frequente no género feminino (16,2% vs. 11,0%). Estes referiram as seguintes patologias: tumor, asma, psoríase, otosclerose auditiva, hérnia discal, bronquite crónica, hipertensão arterial e hipotiroidismo. Ainda dentro das variáveis relativas às condições de saúde, verificou-se que 6,7% do total da amostra esteve de Baixa Médica no ano anterior a responder ao questionário.
Relativamente às condições de trabalho, referidas na Tabela 1, 74,0% da amostra faz Horas extraordinárias, e dentro dessa população, 75,7% é do género feminino; contatou-se que, em média, os trabalhadores de escritório trabalham mais 5,3 ± 5,08 horas. Verificou-se ainda que 40,3% da amostra exerce Funções de direção, sendo que 46,3% do género masculino e 27,0% do género feminino assumem esse cargo. Por fim, na Situação atual de emprego, verificou-se que 83,2% dos participantes pertencem ao quadro da empresa, sendo que o género masculino se apresenta em maioria com uma diferença estatisticamente significativa; o número de trabalhadores de escritório do género masculino que pertence ao quadro é 18,7% superior ao feminino.
Perceção da QV e variáveis sociodemográficas, condições de saúde e condições de trabalho
Pela análise das Tabelas 2 e 3, verificou-se que a amostra total apresentou em todas as dimensões da QV pontuações acima de 50, sendo a Função Física a que apresentou maior pontuação (95,3±7,74), e menor pontuação o Desempenho Emocional (52,1±43,10), seguido de Desempenho Físico (54,8±40,03) e Vitalidade (57,9±24,16). De uma forma global, verificou-se que as dimensões mentais (exceto a Função Social) apresentaram médias de pontuação da QV menores relativamente às dimensões físicas. Importante referir que algumas dimensões da QV apresentaram valores elevados de desvio padrão nomeadamente o Desempenho Emocional e o Desempenho Físico.
Nas variáveis sociodemográficas, observaram-se diferenças significativas entre o género feminino e o masculino e as dimensões Dor e Vitalidade (69,8 vs. 78,8 e 51,4 vs. 60,9 respetivamente). As mulheres apresentaram tendencialmente valores mais baixos em todas as dimensões da QV (exceto no Estado de Saúde Geral). Por sua vez, na variável Habilitações literárias, não se observou nenhuma diferença estatisticamente significativa, no entanto, é de referir que os indivíduos que possuem ensino superior, apresentaram todos pontuações ligeiramente superiores relativamente aos restantes, à exceção da Dor.
Relativamente às condições de saúde, verificou-se que a variável Obesidade apresentou diferenças estatisticamente significativas, nas dimensões Função Física (apesar desta dimensão ser minimamente afetada na perceção de QV pelos trabalhadores de escritório, pois apresentou valores acima de 91,9) e Estado de Saúde Geral, sendo que os trabalhadores de escritório obesos, apresentaram estas dimensões mais afetadas. Para além disso, apesar de não ser estatisticamente significativo, nos indivíduos obesos, as médias da pontuação das dimensões da QV encontraram-se todas inferiores em relação aos não obesos (exceto no Desempenho Emocional), com maior destaque nas dimensões Dor e Vitalidade. Na análise da variável Doença crónica, verificou-se que esta influência significativamente as dimensões Função Física, Estado de Saúde Geral e Vitalidade, sendo que os portadores de doença crónica apresentaram pontuações menores em todas as dimensões (com exceção da dimensão Desempenho Físico). No que diz respeito à variável Baixa médica, verificou-se que esta apresentou diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Função Social (62,5 vs. 81,8) e Saúde Mental (43,0 vs. 71,9), sendo que os que estiveram de Baixa médica apresentaram médias de pontuações da QV menores, o que também se verificou nas restantes dimensões, exceto na dimensão Desempenho Físico.
Relativamente às condições de trabalho, apenas se verificaram diferenças significativas nas variáveis Função de Direção e a dimensão Desempenho Físico, sendo que os trabalhadores de escritório que exercem Funções de Direção apresentaram menores pontuações comparativamente aos que não exercem essas funções (38,5 vs. 65,9, respetivamente); na variável Situação atual de emprego não se verificaram diferenças estatisticamente significativas.
Quanto às variáveis que foram analisadas através de cálculos de regressão linear, mostraram-se estatisticamente significativas a Idade Categorizada com a dimensão Função Social e Horas Extraordinárias com as dimensões Desempenho Físico e Função Social, contudo apresentaram correlação muito fraca, pelo que não foram consideradas relevantes para o presente estudo.
DISCUSSÃO
Pretendeu-se com este estudo avaliar a perceção da QV dos trabalhadores de escritório. Desse modo, os participantes que constituem a amostra apresentaram globalmente boa perceção da QV sendo as dimensões físicas as que de modo geral mais contribuem para essa qualidade com exceção do Desempenho Físico. As dimensões mentais são as que se apresentaram mais afetadas, nomeadamente o Desempenho Emocional e a Vitalidade, refletindo-se na quantidade de trabalho e ainda dos níveis de energia e de fadiga. Importante referir que algumas dimensões da QV apresentaram valores elevados de desvio padrão, nomeadamente o Desempenho Emocional e o Desempenho Físico. Essa discrepância pode ser explicada pela individualidade de cada trabalhador e pelos fatores extralaborais, que influenciam a perceção da QV dos trabalhadores de escritório, apesar das condições de trabalho serem semelhantes para todos. No entanto, em todas as dimensões da QV, a amostra em estudo obteve médias superiores a 50, pelo que se considera que, no presente estudo, os trabalhadores de escritório apresentaram valores de perceção da QV muito bons (26). Um estudo a 35 funcionários técnico administrativos (média de idade de 42,0 anos ± 13,20) realizado por Vey at al., (27), apresentou resultados semelhantes, no que diz respeito ao domínio da Vitalidade (pontuação média de 61,0). Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) (28), estes resultados, em trabalhadores de escritório, podem estar relacionados com o facto de utilizarem permanentemente (sempre na mesma posição) computadores durante o dia, que provoca uma sobrecarga do sistema neuro-musculoesquelético, e consequentemente fadiga a esse nível.
Relativamente às variáveis sociodemográficas, existem diferenças entre géneros em todas as dimensões da QV, verificando-se que as pontuações do género masculino são superiores, exceto na dimensão Estado de Saúde Geral. No entanto, essas diferenças são estatisticamente significativas apenas nas dimensões Vitalidade e Dor, ou seja, o género masculino apresentou uma melhor perceção da QV. Estes dados vão de encontro a um estudo transversal que pretendia avaliar a perceção da QV em 158 funcionários do Instituto Politécnico do Porto (média de idade 41,7 anos ± 8,80), que referiu valores inferiores no género feminino, justificados pela maior propensão das mulheres para relatar a doença e, consequentemente, referir desconforto/ dor, interferindo negativamente com o seu desempenho no dia-a-dia (29). Também, segundo a literatura, é importante referir que a população do género feminino passa habitualmente um número de horas consideravelmente maior, envolvidas após o horário laboral, em tarefas domésticas e apoio familiar, o que pode justificar menores níveis de energia e maior fadiga, ou seja, menor média de pontuação na dimensão da QV, Vitalidade (28).
No que diz respeito às condições de saúde, ao analisar os dados do IMC agrupados em obesos e não obesos, concluiu-se que a população obesa apresentou pontuações inferiores à não obesa nas diferentes dimensões da QV, exceto no Desempenho Emocional e, assim sendo, tanto as dimensões físicas como mentais se encontraram afetadas. No estudo realizado por Molero et al., (30) com uma amostra de 10033 participantes verificou-se o impacto negativo da obesidade na QV, nomeadamente nas dimensões físicas, o que pode ser explicado pela maior sintomatologia dolorosa e pior performance física na população com IMC mais elevado (30). Por outro lado, a autoestima dos indivíduos obesos encontra-se por vezes diminuída devido à pressão social, o que tal como demonstra o estudo de Molero (30), pode levar a níveis mais elevados de ansiedade e depressão, influenciando negativamente a perceção da QV nas dimensões mentais (31). Contudo, é de salientar que a única dimensão estatisticamente significativa e relevante é o Estado de Saúde Geral, pelo que os trabalhadores de escritório obesos têm uma perceção de saúde e do seu aspeto mais negativo.
Relativamente aos portadores de Doença Crónica, a análise estatística revelou que estes apresentaram pontuações significativamente inferiores nas dimensões Estado de Saúde Geral, Vitalidade e Função Física. No entanto, os indivíduos portadores de Doença Crónica apresentaram valores elevados na dimensão Função Física, pelo que não se pode considerar que esta influencia negativamente a QV. O estudo de Marcarine et al., (32), efetuado numa amostra com 579 indivíduos e com uma média de idade de 42,7 anos ± 13,74 evidenciou que os indivíduos com maior número de lesões ou doenças apresentaram resultados significativamente menores em todas as dimensões da QV. Também, Mascarenhas et al., (33) verificou que a dor decorrente de lesões interfere na QV, em específico nas dimensões físicas, pois a sintomatologia dolorosa pode comprometer as atividades da vida diária e consequentemente a vida profissional. Neste estudo verificou-se ainda que a média da pontuação da dimensão Desempenho Emocional se encontrava relativamente baixa e, de facto, a Doença Crónica também resulta em perturbações emocionais que conduzem à alteração do funcionamento e rotina diária, interferindo com a vida profissional, familiar e social, e, inevitavelmente, com a QV (4).
A presença de lesões ou doenças pode originar diversos desconfortos bem como ausências no trabalho. No sentido de perceber como essas ausências interferem com a QV, foi analisada a relação entre a Baixa médica por motivos de doença ou acidente, no último ano, com as dimensões em estudo. Neste estudo, as dimensões mentais destacaram-se como sendo negativamente mais influenciadas pela Baixa Médica, comparativamente com as dimensões físicas. Tal pode ser explicado pelo impacto dos problemas físicos ou mentais na socialização, por problemas como ansiedade, depressão ou sensação de mal-estar psicológico que possam estar associados ao motivo da Baixa. Segundo a Direção Geral da Saúde (2), as limitações funcionais apresentam um elevado custo e impacto na QV de cada trabalhador gerando consequências para as pessoas, para as empresas que sofrem níveis mais elevados de absentismo por doença e quedas na produtividade, e para a sociedade em geral (custos para o sistema de saúde) (18,34).
Em relação às condições de trabalho, quando relacionado o número de Horas extraordinárias com as dimensões da QV, verificou-se que a correlação das variáveis não é válida para o estudo em questão devido às médias das pontuações nas dimensões da perceção da QV serem muito dispersas. Apesar disso, verificou-se que, em todas as dimensões, os trabalhadores de escritório que realizam mais horas de trabalho têm pontuações médias inferiores, pelo que, apesar das diferenças não serem significativas, existe alguma influência desta variável na perceção da QV dos trabalhadores de escritório, principalmente na dimensão Desempenho Emocional. A OIT (28), refere que 36,1% dos trabalhadores mundiais cumprem horários de trabalho excessivos. Essas horas extraordinárias em trabalhadores de escritório, traduzem-se para mais tempo prolongado no conjunto postural de sentado, o que, segundo a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (20), aumenta o risco de desenvolver doenças crónicas e queixas neuromusculoesqueléticas. Decorrente disso, a fadiga e o stress pode interferir com a saúde mental pelo aumento dos níveis de ansiedade, depressões e distúrbios do sono (19,28).
Da análise aos trabalhadores de escritório que exercem Funções de Direção, verificou-se que apresentaram pontuações mais baixas em todas as dimensões, no entanto apenas foram significativas na dimensão Desempenho Físico. De facto, como demonstra Beneli (13), neste setor de trabalho, a alta carga mental, o alto grau de responsabilidade e a intensa exposição ao computador são fatores que influenciam a QV e, mais especificamente, a capacidade em desempenhar as suas funções devido a limitações, tanto físicas como mentais (12,19).
Por último, na variável Situação atual de emprego não foram encontrados valores estatisticamente significativos, no entanto, um trabalho temporário ou a tempo parcial pode provocar stress constante nos trabalhadores devido a um sentimento de insegurança profissional que por sua vez pode atuar na perceção da QV, apesar desse impacto não ser marcante no presente estudo (28).
A avaliação da QV é fundamental para medir problemas que interferem no bem-estar e na vida dos indivíduos (9). Como forma de aumentar o desempenho geral e a promoção de saúde, as empresas apostam cada vez mais no design ergonómico dos postos de trabalho e na implementação de pausas ativas (2,6,10,12,13,17). Ofertas implementadas, nomeadamente pausas ativas, classes de Pilates e alterações da ergonomia, na empresa de onde provém a amostra, podem ter influenciado positivamente os resultados do estudo e justificar maiores pontuações da QV nas dimensões físicas. Também é de referir que os trabalhadores de escritório do presente estudo trabalham num espaço aberto, com bastante luz natural e sem divisões, o que promove maior interação e menor monotonia entre eles. Tudo isto contribui para repor energias, diminuir o desconforto durante o trabalho, promover a socialização, diminuir o sedentarismo e o stress, influenciando positivamente todas as dimensões da QV avaliadas, o que pode explicar o facto da perceção da QV nos trabalhadores de escritório ser globalmente boa.
Foram encontradas como limitações do estudo o questionário apresentar uma questão relativa ao estado geral de saúde há um ano, e sete questões acerca da perceção de saúde nas várias dimensões há quatro semanas atrás, esta distância temporal pode levar a um viés de memória.
É importante referir que a amostra foi constituída por participantes voluntários, critério de seleção que constitui um viés de participação, dado que, à partida, são os trabalhadores mais proativos e mais interessados na sua QV os respondentes. No entanto, este estudo foi realizado sobre uma amostra representativa da população, com n=119, através do cálculo amostral observou-se que a margem de erro era inferior a 10%, o que é estatisticamente aceitável (35).
Para estudos futuros, recomendamos que no questionário seja feita a questão relativamente ao número de anos de serviço, que é uma questão pertinente a ter em conta, e que influencia muitas vezes a QV dos trabalhadores, como defende Barbosa (29). Também, causas multifatoriais, que não foram questionadas, podem influenciar a perceção da QV, tal como como a qualidade do sono, o consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas ou ainda as relações interpessoais (36).
CONCLUSÃO
Com este estudo concluiu-se que os trabalhadores de escritório apresentaram globalmente uma boa perceção da QV nas diferentes dimensões avaliadas. Os resultados mostraram que as dimensões Desempenho Emocional e Desempenho Físico foram as que apresentaram menores pontuações, portanto diminuíram a perceção de QV dos CW da amostra e, pelo contrário, a dimensão Função Física foi a que apresentou maior pontuação.
Quanto às variáveis sociodemográficas verificou-se que o género feminino apresenta menos perceção de QV nas dimensões Dor e Vitalidade, comparativamente ao género masculino. A variável Obesidade (ser obeso) influenciou negativamente o Estado de Saúde Geral. Nas restantes variáveis associadas às condições de saúde, verificou-se que os portadores de doença crónica e os que estiveram de baixa médica apresentaram médias das pontuações notavelmente inferiores, principalmente nas dimensões mentais. Quanto às variáveis relativas às condições de trabalho, concluiu-se que as altas cargas de trabalho (exercer horas extraordinárias e/ ou funções de direção) são um fator negativo a ter em conta na perceção da QV dos trabalhadores de escritório desta amostra.
Este estudo permitiu entender quais as dimensões mais afetadas na perceção da QV dos trabalhadores de escritório, e assim direcionar a intervenção da equipa de saúde ocupacional no sentido de promover uma melhor perceção de QV na população alvo.
As medidas implementadas na empresa em estudo potenciaram a boa perceção da QV dos seus trabalhadores, pelo que servirão como modelo a propor em empresas semelhantes.