INTRODUÇÃO
Qualquer profissional a exercer numa equipa de Saúde Ocupacional já percebeu que a perceção de risco é muito variável entre os diversos trabalhadores, chefias e empregadores, e que tal condição influencia de forma muito intensa todos os comportamentos relativos à valorização e adoção de medidas promotoras de Saúde e Segurança Laborais. Pretendeu-se com esta revisão resumir (tanto quanto possível) os principais dados associados a este tema, de forma a munir os profissionais deste setor com ferramentas mais adequadas e eficazes para o atingimento dos seus objetivos, uma vez que a simples identificação e formação sobre os fatores de risco/ riscos laborais parece não ser suficientemente eficiente para todos os casos.
Esta pesquisa foi inspirada nos comportamentos de Saúde e Segurança demonstrados por Tatuadores, em função da sua perceção de riscos; contudo, os resultados obtidos podem ser transpostos para qualquer setor profissional.
METODOLOGIA
Pergunta protocolar: De que forma a Perceção do Risco influencia a Saúde e Segurança Ocupacionais?
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): elementos envolvidos nas organizações laborais (trabalhadores, chefias, empregadores).
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre de que forma a perceção dos riscos laborais influencia os comportamentos dos trabalhadores, chefias e empregadores, perante diversas temáticas englobadas na Saúde e Segurança Ocupacionais
-C (context): Saúde e Segurança Ocupacionais
Foi realizada uma pesquisa em junho de 2019 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina, Academic Search Ultimate, Science Direct, Web of Science, SCOPUS e RCAAP”.
No quadro 1 pode ser consultado o resumo da metodologia aplicada nesta revisão.
Motor de busca | Palavras- chave | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa e Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|
RECAAP | Gestão de risco | -pesquisa avançada -título |
430 | 1 | Não | (motor de busca sem numeração dos documentos de pesquisa) | |
Gestão + risco + segurança | 16 | 2 | Sim | ||||
Redução de risco | 48 | 3 | Sim | ||||
Perceção de risco | 41 | 4 | Sim | 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 |
7 6 1 2 4 - - - |
||
Comportamento de segurança | 26 | 5 | Sim | 5.1 5.2 |
3 - |
||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | Risk management | -acesso a resumo -texto completo -humano -2009 a 2019 |
3.911 | 6 | Não | ||
Safety management | 1.863 | 7 | Não | ||||
6+7 | 126 | 8 | Sim | 92 (8.1) | - | ||
Behavior risk factor surveillance system | 13 | 9 | Sim | ||||
Risk reduction behavior | 2.871 | 10 | Não | ||||
10 + occupational | 92 | 11 | Sim | ||||
Risk perception | 2.302 | 12 | Não | ||||
12 + attitude | 1.277 | 13 | Não | ||||
13 + behavior | 625 | 14 | Não | ||||
14 + occupational | 61 | 15 | Sim | 2 (15.1) 7 (15.2) |
- 8 |
||
15 + occupational | 38 | 16 | Sim | 3 = 15.1 9=15.2 10 (16.1) 17 (16.2) 20= 16.2 |
- - 9 - - |
||
Safety behavior | 236 | 17 | Não | 1 (17.1) 17=16.1 23=17.2 |
14 - 10 |
||
17 + occupational | 67 | 18 | Sim | ||||
Risk management+ tattoo | 0 | 19 | Não | ||||
Safety management+ tattoo | 2 | 20 | Sim | ||||
Behavior risk factor surveillance system+ tattoo | 0 | 21 | Não | ||||
Risk reduction behavior+ tattoo | 1 | 22 | Sim | ||||
Risk perception+ tattoo | 1 | 23 | Sim | ||||
Risk+ attitude+ tattoo | 13 | 24 | Sim | ||||
Risk+ behavior+ tattoo | 40 | 25 | Sim | ||||
Safety behavior+ tattoo | 0 | 26 | Não | ||||
SCOPUS | Risk management | -2009 a 2019 | 332.973 | 27 | Não | ||
“Risk Management” | 64.558 | 28 | Não | ||||
“Safety management” | 16.494 | 29 | Não | ||||
28 + 29 | 1592 | 30 | Não | ||||
30 + occupational | 278 | 31 | Não | ||||
31+ behavior | 171 | 32 | Sim | 31 (32.1) 43 (32.2) |
- 16 |
||
“Behavior risk factor surveillance system” | 2.594 | 33 | Não | ||||
33 + occupational | 72 | 34 | Sim | ||||
“Risk reduction behavior” | 8.650 | 35 | Não | ||||
35 + occupational | 266 | 36 | Não | ||||
36 + safety | 53 | 37 | Sim | ||||
“Risk perception” | 29.260 | 38 | Não | ||||
38 + attitude | 3.429 | 39 | Não | ||||
39 + behavior | 1.719 | 40 | Não | ||||
40 + occupational | 72 | 41 | Sim | 9 (41.1) 21 (41.2) 44 (41.3) |
15 12 - |
||
“Safety behavior” | 1.400 | 42 | Não | ||||
42 + occupational | 349 | 43 | Não | ||||
Risk management+ tattoo | 3 | 44 | Sim | ||||
Safety management+ tattoo | 2 | 45 | Sim | ||||
Behavior risk factor surveillance system+ tattoo | 1 | 46 | Sim | ||||
Risk reduction behavior+ tattoo | 3 | 47 | Sim | ||||
Risk perception+ tattoo | 1 | 48 | Sim | ||||
Safety behavior+ tattoo | 0 | 49 | Não | ||||
Academic Search Ultimate | “Risk Management” | -2009 a 2019 | 21.118 | 50 | Não | ||
“Safety management” | 3.233 | 51 | Não | ||||
50+51 | 248 | 52 | Não | ||||
52 + occupational | 77 | 53 | Sim | 32=32.2 | - | ||
“Behavior risk factor surveillance system” | 1.168 | 54 | Não | ||||
54 + occupational | 66 | 55 | Sim | ||||
“Risk reduction behavior” | 75 | 56 | Sim | ||||
“Risk perception” | 4.465 | 57 | Não | ||||
57+ attitude | 1.508 | 58 | Não | ||||
58+ behavior | 811 | 59 | Não | ||||
59+ safety | 128 | 60 | Sim | 123 (60.1) | 13 | ||
Risk management+ tattoo | 1 | 61 | Sim | ||||
Safety management+ tattoo | 11 | 62 | Sim | ||||
Behavior risk factor surveillance system+ tattoo | 13 | 63 | Sim | ||||
Risk reduction behavior+ tattoo | 34 | 64 | Sim | ||||
Risk perception+ tattoo | 3 | 65 | Sim | ||||
Safety behavior+ tattoo | 4 | 66 | Sim | ||||
Science Direct | “Risk Management” | -2009 a 2019 | 48.563 | 67 | Não | (motor de busca sem numeração dos documentos de pesquisa) | |
67+ “Safety management” | 2.500 | 68 | Não | ||||
68+ occupational | 1.049 | 69 | Não | ||||
69+ “Behavior risk factor surveillance system” | 727 | 70 | Não | ||||
70+ perception | 424 | 71 | Não | ||||
71+ attitude” | 285 | 72 | Não | ||||
72+ reduction | 170 | 73 | Sim | 73.1 73.2 |
11 - |
||
Risk management+ tattoo | 115 | 74 | Sim | ||||
Safety management+ tattoo | 14 | 75 | Sim | ||||
Behavior risk factor surveillance system+ tattoo | 3 | 76 | Sim | ||||
Risk reduction behavior+ tattoo | 2 | 77 | Sim | ||||
Risk perception+ tattoo | 35 | 78 | Sim | ||||
Safety behavior+ tattoo | 2 | 79 | Sim | ||||
Web of Science | “Risk Management” | -2009 a 2019 | 29.218 | 80 | Não | ||
80+ “Safety management” | 434 | 81 | Não | 14 (81.1) 21 (81.2) |
18 - |
||
81+ “Behavior risk factor surveillance system” | 50 | 82 | Sim | ||||
“Risk perception” | 7,145 | 83 | Não | ||||
83+ attitude | 1.632 | 84 | Não | ||||
84+ behavior | 838 | 85 | Não | ||||
85+ safety | 209 | 86 | Não | ||||
86+ occupational | 24 | 87 | Sim | 1 (87.1) 4 (87.2) 11=32.2 |
17 5 - |
||
Risk management+ tattoo | 0 | 88 | Não | ||||
Safety management+ tattoo | 0 | 89 | Não | ||||
Behavior risk factor surveillance system+ tattoo | 0 | 90 | Não | ||||
Risk reduction behavior+ tattoo | 0 | 91 | Não | ||||
Risk perception+ tattoo | 2 | 92 | Sim | ||||
Safety behavior+ tattoo | 0 | 93 | Não |
CONTEÚDO
Algumas Definições
Ainda que por vezes os termos “Fator de Risco” e “Risco” sejam usados como sinónimos, o primeiro refere-se às circunstâncias/ situações com capacidade para causar qualquer dano, enquanto que o segundo será a consequência específica originada.
Dentro dos documentos selecionados para esta revisão, Risco definiu-se como resultante entre a combinação de probabilidade de ocorrência de um acontecimento ou exposição perigosa e da gravidade das alterações por ele produzidas [1] ou então como a probabilidade de ocorrência de um efeito específico causador de danos graves, num determinado período e circunstâncias (2) ou contexto (3), com a eventual quantificação do custo. O perigo, por sua vez, segundo os autores consultados, será a fonte, situação ou ato com capacidade para causar dano. Risco real é aquele que é calculado através de peritos; por sua vez, risco percebido assenta na experiência/ intuição de cada indivíduo e/ ou sociedade (2); risco real e percebido são por isso dois conceitos diferentes (4).
Comportamento Seguro ou de Segurança pode ser definido como qualquer atitude que contribua para a não ocorrência de acidentes (como o uso de EPIs- equipamentos de proteção individual e cumprimento de outras normas, por exemplo); ou seja, ações que os indivíduos apresentam em contexto de promoção da saúde e segurança, para identificação e controlo dos riscos profissionais, de forma a que haja diminuição da probabilidade de existirem consequências indesejáveis no futuro (3). Comportamento de risco será, por isso, o oposto (2).
Perceção será o processo mental com a finalidade de dar significado à informação recebida; assim, o comportamento terá como suporte a interpretação que cada um faz da realidade, situação essa dependente do conhecimento e experiências prévias (3); ou seja, a perceção é o processo psicológico no qual há seleção e organização de estímulos, em função de um modelo concetual, sendo associados significados e valores [4].
A perceção de risco, risco percebido ou subjetivo incide na forma como indivíduos não especialistas pensam acerca do risco; engloba crenças, atitudes e valores que dão significado a um evento ameaçador. Logo, engloba componentes com subjetividade relevante. A avaliação implica que o individuo imagine eventuais consequências de eventos que ainda não ocorreram; são então construídos “cenários” para ajudar a lidar com a incerteza [4]. Ou seja, perceção de risco também poderá se descrever como sendo um julgamento subjetivo de um indivíduo perante a probabilidade/ gravidade associadas a determinado dano [5].
A cultura de segurança é o resultado da interação de valores, atitudes, perceções, competências e padrões de comportamento de trabalhadores e/ ou grupos de funcionários, que determinam o estilo de gestão de segurança da instituição [3].
Clima de segurança, por sua vez, pode ser definido como o conjunto de caraterísticas do ambiente de trabalho, sentido pelos trabalhadores e que origina um impacto relevante no comportamento individual e desempenho da organização; ou seja, poderá ser a perceção partilhada sobre os valores, atitudes, crenças, regras e procedimentos da instituição [3].
Algumas Teorias Associadas
Existem duas grandes teorias perante a perceção do risco: a Abordagem Psicométrica (da Psicologia) e a oriunda da Teoria Cultural (da Sociologia e Antropologia) [3].
Na primeira menciona-se que a Perceção do Risco depende de várias questões psicológicas, sociais e institucionais e procede-se a uma quantificação; a avaliação de cada um não deve ser considerada um erro [3].
Na segunda destaca-se que os indivíduos receiam circunstâncias diferentes e assimilam os perigos de acordo com a influência cultural [3]. Aliás, na década de 1980, Douglas e Wildawsky salientaram que a identificação dos Riscos era uma forma de preservação das sociedades e grupos. A teoria cultural da perceção do risco tenta justificar o porquê de os Riscos obterem diferentes valorações, consoante os diversos elementos e comunidade; ou seja, a perceção dependerá das influências e da cultura; contudo, esta abordagem poderá pecar por subvalorizar aspetos individuais na perceção do risco [2].
A Teoria das Recompensas, por sua vez, defende que o trabalhador se sente menos ameaçado por um Fator de Risco que envolva algum tipo de recompensa [2].
O conceito de locus de controlo é proveniente da teoria da Aprendizagem Social [2]; este será interno quando o indivíduo considera que cabe a si a orientação/ resolução de um problema; por sua vez, será externo quando este considera que nada depende de si, mas de fatores alheios (como sorte/ azar, destino, deus, profissionais especializados, entre outros).
Trabalhadores com locus de controlo interno consideram geralmente que o Risco resulta como consequência das suas atitudes. Contudo, também está descrito que se este for intenso, poderá o funcionário ter um otimismo irrealista e sensação de ser invulnerável. Os outros (locus externo) são geralmente mais pessimistas, agressivos e desconfiados, acreditando que não vale a pena se esforçar, dado não terem controlo sobre os Riscos [2].
Por fim, na perspetiva da Teoria dos Sistemas, a Organização (instituição empregadora) é um sistema aberto que interage com o ambiente, autorregula-se e pode alcançar o mesmo objetivo, por diferentes maneiras e recursos [6].
Perceção de Risco em geral
A necessidade de trabalhar conceitos como saúde e segurança sempre existiu, em qualquer civilização (independentemente da cultura, etnia ou religião) [6].
Um dos principais fatores que impulsiona o indivíduo a adotar medidas de prevenção é a forma como o risco é percecionado. Logo, estudar estas interações será pertinente para o controlo da exposição. Os fatores que influenciam a decisão de aceitar ou rejeitar o risco são variados. A perceção do risco conjuga os conhecimentos e os sentimentos associados. Trata-se de uma questão complexa, que inclui o processo de construção social e cultural, refletindo valores, símbolos, história e ideologia. O risco pode ser percebido como desprezável, aceitável, tolerável ou inaceitável [7].
A Avaliação de Risco é baseada em metodologia científica; por sua vez, a análise da Perceção (Risco percebido ou subjetivo) já é baseada na experiência, intuição, valores e receios de cada trabalhador e, por isso, subjetiva e dependente de questões individuais, psicológicas, coletivas e sociais; ou seja, crenças, atitudes, normas/ regras, hábitos, valores e representações sociais. Logo, trata-se de um conceito mutável, até mesmo considerando um só trabalhador, no tempo e contexto [1]; é a apreciação subjetiva que o indivíduo faz relativamente ao eventual grau de ameaça de um evento/ atividade [2]. A avaliação de risco é mais objetiva, com enfâse numa perspetiva quantitativa e na etiologia do fenómeno. Aliás, os resultados da avaliação de Riscos costumam ser totalmente diferentes dos da perceção de riscos. A avaliação de riscos baseia-se nas ciências naturais, joga com as probabilidades e centra-se na etiologia; por sua vez, a perceção de riscos baseia-se nas ciências sociais; incide no grau de informação, controlabilidade da ameaça e grau de envolvimento pessoal; além de centrar-se nas consequências [4].
A perceção de risco por vezes não é objetiva ou racional e, por isso, varia entre indivíduos. Trata-se da competência para identificar os perigos e reconhecer os riscos, combinando um significado. Por depender da saúde, conhecimento, atenção e estado emocional, a perceção varia ao longo do tempo no mesmo indivíduo [3].
A probabilidade de ter um comportamento de risco e/ ou subvalorizar o mesmo é inversamente proporcional à perceção de risco, à supervisão de uma entidade fiscalizadora e ao acesso à informação. A perceção de risco deve ser sempre levada em conta nos projetos de educação e promoção para a saúde e segurança [8] e modula o reconhecimento dos perigos, decisões e comportamentos [9].
O estudo da perceção dos riscos laborais torna-se assim relevante para entender as influências que tal tem perante comportamentos, atitudes e formas de realizar as tarefas. Logo, uma perceção atenuada dos riscos implicará maior resistência na aceitação e valorização de eventuais medidas preventivas [1]. Ainda que a avaliação de riscos seja mais objetiva, a perceção do risco é mais relevante para a adesão a atitudes preventivas [4]. Quanto mais elevada for a perceção de risco, maior será o cumprimento das regras de segurança [3].
O risco pode ser medido quantitativamente, uma vez que resulta do produto entre a perigosidade, vulnerabilidade e valor dos elementos em risco. A quantificação de perigo é o primeiro passo para que se adotem comportamentos de segurança [2].
Para além disso, os indivíduos têm maior probabilidade de sobrestimar a probabilidade de ocorrência de um acontecimento que viveram há pouco tempo e vice-versa. Os trabalhadores também valorizam mais os riscos que não estão familiarizados; ou seja, os riscos novos são considerados mais relevantes [2]. Por sua vez, pode surgir culpabilização dos indivíduos expostos a riscos conhecidos previamente [4].
A existência de uma consequência desagradável, secundária a um estímulo faz com que o trabalhador evite a situação; se a consequência deixar de ocorrer, o condicionamento enfraquece e vice-versa [2].
Quanto maiores forem os danos anteriores e/ ou a exposição ao perigo, mais suave poderá ser a perceção de risco- trata-se de uma adaptação que dificulta depois a adoção de medidas de segurança [2]; contudo, também poderá ocorrer exatamente o oposto [4].
A perceção também depende do eventual número de indivíduos atingidos (de forma diretamente proporcional) e efeito imediato versus tardio (sendo o primeiro mais valorizado). Se o trabalhador sentir que está a controlar a situação, a perceção de risco é inferior. Para além disso, quanto maior a confiança nas instituições que socorrem, menos intensa será a perceção de risco [2].
Quanto maior for o empregador, mais relevante se torna a cultura de segurança e esta deve partir do topo, de forma a motivar os funcionários [2].
Os itens inerentes à personalidade que podem modular de forma relevante a perceção do risco são o voluntarismo, vulnerabilidade à influência de grupo, locus de controlo (interno ou externo), atração ou aversão ao risco, ancoragem e supressão. Em contexto de voluntarismo, alguns investigadores defendem que percecionados como menos relevantes os riscos que escolhemos, versus aqueles que são impostos, ou seja, na primeira situação há uma maior noção de controlo [2]; geralmente os últimos são mais indesejáveis [4]. Indivíduos com mais aversão ao risco obviamente valorizam-no mais, percecionando-o como mais intenso [2]. A perceção dos riscos é inversamente proporcional à aceitabilidade dos mesmos [5]. A ancoragem refere-se à utilização de uma referência (“âncora”) para justificar alguma decisão. A supressão, por sua vez, consiste na desconsideração de perceções que não sejam compatíveis com as que existiam inicialmente; ou seja, uma vez efetuada uma avaliação de risco, esta é difícil de ser alterada; futuramente irão valorizar factos que corroborem a primeira perceção e ignorar os restantes [2].
Quanto mais elevada a motivação, maior será o desempenho; logo, é relevante perceber o que motiva cada trabalhador (ainda que apenas esta identificação não seja suficiente) [2].
A noção de controlo pessoal faz parte da autoestima; contudo, por vezes, há distorção sobre as condições que realmente se consegue ter controlo; ou seja, acontece o trabalhador achar que tem controlo sobre coisas incontroláveis e/ ou que consegue prever o resultado das suas ações- estas distorções podem alterar a perceção do risco [2]. Por sua vez, riscos menos controláveis ou incontroláveis e/ ou mais catastróficos, são aqueles pelos quais geralmente é mais lícito não assumir a responsabilidade da prevenção (atribuindo tal papel às autoridades). Geralmente o indivíduo sente mais medo quanto menor for a sensação de controlo perante o fenómeno. De forma sintetizada, o indivíduo tende a exagerar os riscos que têm maior espetacularidade ou incidem em acontecimentos raros ou inverosímeis; personificados; que se associam a departamentos mais falados pela sociedade; mais próximos e/ ou que afetam o indivíduo de forma mais pessoal; que estão para além do seu controlo ou são expostos externamente; súbitos; desconhecidos e/ ou não dependentes de si. A perceção do risco é consequência do medo que uma determinada situação consequente poderá causar e respetiva falta de controlo [4].
Poderá também acontecer que trabalhadores com alguns problemas médicos possam sobrevalorizar os riscos [2].
Algumas investigações concluíram que o sexo masculino tende a subestimar o risco e que o feminino o aceita menos, talvez por percecionar o risco com maior facilidade e vulnerabilidade; aliás, alguns defendem que as mulheres mais jovens por vezes acreditam que os seus fatores de risco são superiores aos restantes. Por sua vez, os homens mais jovens, por norma, consideram os seus riscos inferiores. Quanto mais inseridos estiverem em comportamentos de risco, menos valorizarão o perigo. Para além disso, mesmo com as mesmas tarefas laborais, os homens apresentam geralmente uma sinistralidade superior [2].
Em relação às habilitações académicas, a situação não é consensual, ou seja, se com mais habilitações podem sentir-se com menos capacidade para lidar com um perigo que lhes parece maior; também poderá ocorrer o oposto [2].
O contexto social pode modular a perceção do risco; neste sentido as caraterísticas dos riscos não seriam absolutas, mas variáveis para cada grupo social, ou seja, é o contexto que influencia a interpretação e valorização. Então, o risco e a resposta ao mesmo são construções sociais e depende das crenças [4].
Pode acontecer que quando mais consciente estiver um indivíduo acerca do risco, mais vulnerável fica e mais se acomoda, ou seja, será a reação negativa ou a não reação [4].
Dentro do contexto do funcionamento de um grupo, uns riscos são valorizados e outros não, de forma a manter e/ ou controlar o conjunto. A divulgação de estatísticas parece não ser suficiente para alterar comportamentos [4].
Globalmente, o risco é considerado mais baixo se a exposição é voluntária; se o risco é familiar, esquecível, cumulativo, controlável, secundário a uma causa; se afeta todos e/ ou se existe alguma forma de prevenção [3].
De forma sintetizada, a perceção do risco dependerá de inúmeras variáveis, nomeadamente:
➢ Idade
➢ Sensibilidade individual [7]
➢ Disposição [1]
➢ Experiência profissional prévia e naquela função [1] [2] [9]
➢ Memória de acidentes prévios (causas, consequências, custos) [1]
➢ Personalidade
➢ Hábitos
➢ Poder, estatuto
➢ Influências primárias (amigos e família) e secundárias (media [1] [4] [7] e figuras públicas [1])
➢ Motivação
➢ Objetivos
➢ Benefícios
➢ Inteligência emocional [2]
➢ Familiaridade das situações
➢ Liberdade de escolha
➢ Grau de exposição (intensidade, dimensão e repetição)
➢ Possibilidade de controlo
➢ Confiança nas instituições
➢ Caraterísticas dos efeitos (gravidade, alcance, duração, reversibilidade)
➢ Capacidade de gestão
➢ Probabilidade real de ocorrência de acidente [4]
➢ Sensação de exposição e controlo sobre os riscos [1]
➢ Conjuntura político-económica [7]
➢ Contextos/ representações sociais [2]
➢ Informação científica divulgada [7]
➢ Avaliação do risco por profissionais [1] [2] e desempenho da segurança na empresa [1]
➢ Cultura e Clima de Segurança
➢ Sinalização de segurança e obrigatoriedade de EPIs [1] [2]
➢ Medo/ ansiedade [2] e sensação de vulnerabilidade socioprofissional [1] e
➢ Relação custo-benefício [1].
Perceção de Risco pelo trabalhador
Com alguma frequência se percebe que o risco é erroneamente interpretado por alguns trabalhadores [6]. A personalidade de cada funcionário influencia os seus comportamentos e atitudes [2] [6]. A forma como os trabalhadores percecionam o risco modula a consciência e gestão dos mesmos, bem como as condições de trabalho. O comportamento em segurança assenta na perceção e interpretação que o funcionário faz da realidade, em interação com as expetativas para futuro, conhecimento e experiências prévias [2]. Entender os pontos de vista individuais relativamente à perceção de risco potenciará a atividade de promoção da segurança e saúde laborais [9].
Alguns investigadores defendem que a entrevista motivacional promove a alteração de comportamentos. Perceber de que forma os trabalhadores mudam o seu comportamento é muito relevante neste contexto- a mera apresentação da informação não costuma ser suficiente [10]; gerir a segurança apenas com identificação dos riscos também não [11]. Entender como o trabalhador perceciona os riscos e como se comporta perante o perigo (atração/ repulsão), potenciará a questão [12]. O comportamento do trabalhador perante os riscos depende da perceção que tem destes e este será tanto mais seguro quanto mais intensa a perceção. Logo, avaliar como é a perceção inicial do trabalhador ajudará a planear a intervenção [5]. A educação do trabalhador relativa aos riscos laborais e de como os minimizar, potencia a saúde e segurança laborais [10].
Se uma máquina apresenta um sistema de segurança e/ ou o trabalhador está a usar algum EPI, pode ocorrer, por exemplo, em alguns casos, desvalorização do risco [2]. O uso ou não dos EPIs depende da personalidade e atitude perante o risco (aceitação ou rejeição) [13].
Muitas tarefas e pouco tempo para as realizar desencadeiam ansiedade no trabalhador; esta também pode estar relacionada com uma gestão de riscos complexa. O stress criado pode alterar a perceção do risco [2]. Alguns investigadores consideram que este pode potenciar a existência de comportamentos inseguros, sobretudo se baseado na ambiguidade e/ ou conflito de papeis e de forma diretamente proporcional [14].
Muitos consideram que apresentar alguma experiência diminuiu a noção de suscetibilidade aos danos, ou seja, os trabalhadores têm mais autoconfiança na tomada de decisão. Se menos experientes, o apoio dos colegas e o exemplo dos mais antigos influencia a sua postura perante a segurança. A postura individual geralmente só se alterará se ocorrer alguma alteração na postura do grupo (cultura). Os funcionários que entraram há pouco tempo têm mais dificuldade em comunicar e expressar dúvidas relativas à segurança; para além disso, aceitam sem contestação a opinião dos trabalhadores mais experientes. Por outro lado, trabalhadores com mais idade, podem simultaneamente sentirem-se mais vulneráveis aos riscos; ou seja, menos invencíveis (situação essa mais frequente nos mais jovens) [9]. Por sua vez, trabalhadores mais antigos podem demonstrar maior resistência perante comportamentos de segurança [15].
Acharem que outros trabalhadores têm um risco superior, poderá ajudar na aceitação do seu próprio risco [9].
A perceção do risco fica potenciada em situações às quais os trabalhadores não estão familiarizados [9]. A perceção do risco é também superior para as situações que o trabalhador não consegue evitar [5].
Ainda que a perceção de risco não difira significativamente entre trabalhadores temporários e não temporários, os primeiros parecem estar mais disponíveis para correr alguns riscos, caso existam benefícios económicos [16].
Um estudo concreto nacional, realizado entre Bombeiros, concluiu que a perceção de risco variava de forma significativa com o vínculo laboral, chefia/ supervisão, acidentes prévios, agregado familiar, antiguidade, estado civil, graduação, habilitações académicas e idade [2].
Influência e interação com colegas e chefias
Quanto à influência do grupo, se existir um líder é provável que a perceção que este tenha dos riscos laborais seja transmitida aos restantes; aliás, se estes não o fizerem, a integração no grupo poderá ficar comprometida. Assim, quanto maior a necessidade de aceitação pelo grupo, menor a resistência à pressão social. Por exemplo, muito frequentemente o trabalhador afirma que não usa EPIs porque os restantes colegas também não o fazem. Os funcionários têm tendência a se compararem com os outros para atenuar inseguranças relativas à conduta, sentimentos e crenças. Em alguns contextos específicos de alto risco, se existir uma forte cultura de segurança, também a perceção do risco será elevada; ou seja, chefias e colegas influenciarão positivamente o trabalhador [2]. Quando a chefia/ supervisor demonstrar atitudes/ comportamentos seguros, há maior probabilidade de os trabalhadores também o fazerem, uma vez que eles são os representantes das organizações e os responsáveis pela comunicação de políticas e normas aos funcionários, ajustando expetativas e recompensas. As crenças e valores das chefias podem influenciar a atitude/ comportamento do trabalhador. Uma chefia que se preocupe com a segurança geralmente deteta precocemente os problemas, tem recursos para resolver a questão e sabe fazer uma boa priorização para intervir. Os empregadores devem por isso construir e promover líderes preocupados com a segurança [17].
Influência e interação com o empregador
Clima de Segurança é a forma como os funcionários executam as suas tarefas, secundária à perceção que têm dos procedimentos, práticas e políticas organizacionais neste contexto, influenciando as atitudes; este relaciona-se com questões psicológicas, comportamentais e situacionais, que conduzem à perceção dos riscos que os trabalhadores estão expostos. O funcionário insere-se num contexto e este também o influencia; ou seja, trabalhador/ colegas/ chefias/ organização modulam-se mutuamente [6]. Diferentes Perceções podem modular comportamentos, atitudes e técnicas de trabalho [1].
O conceito de Cultura de Segurança surgiu em 1986, após o acidente nuclear de Chernobyl, cuja etiologia foi atribuída à precária cultura de segurança [3]. Esta assenta na interação entre os valores e crenças dos trabalhadores [6].
A primeira atitude das organizações deverá ser avaliar a perceção que os seus funcionários têm do risco, para entender as necessidades reais, para depois se introduzir melhorias adequadas. Se o Risco não é reconhecido, a melhoria da Segurança fica comprometida. Logo, os gastos em Segurança devem ser considerados investimento e não custo [6]. A cultura organizacional fará com que os trabalhadores se identifiquem ou não com a instituição [3].
A Saúde e a Segurança podem ficar penalizadas em situações como subcontratações, postos executados a tempo parcial, prestação de serviços e/ ou vínculos precários. Para além disso, em alguns contextos, poderão ser também relevantes questões associadas a fluxos migratórios e/ ou envelhecimento da população ativa [1].
Há uma relação inversa entre a perceção de riscos e a ocorrência de sinistros laborais. Por sua vez, a ocorrência de um acidente, pode aumentar a visibilidade dos fatores de risco. Caraterísticas da instituição que também podem modular a perceção de risco serão o tempo disponibilizado para a tarefa, carga de trabalho, administração, supervisão e colegas; bem como organização do trabalho, técnicas e tecnologia disponibilizada [2].
Alguns investigadores defendem que mais relevante do que vigiar se as regras de segurança estão ou não a ser cumpridas, poderá ser analisar os comportamentos que se afastam deste patamar, de forma a detetar falhas das normas, aperfeiçoando-as e eliminando aquelas que se demonstrarem inapropriadas (genéricas, incompletas, numerosas, complexas e/ ou pouco pertinentes) [18].
Um estudo nacional estudou a exposição a fármacos antineoplásicos e concluiu que a adesão ao uso de EPIs era substancialmente diferente entre as diversas classes profissionais; ou seja, os Enfermeiros, Auxiliares de Ação Médica/ Assistentes Operacionais cumpriam menos as normas (versus Médicos, Farmacêuticos e Técnicos de Farmácia). Pareceu nesta investigação que o uso de EPIs foi influenciado pela Organização, carga de trabalho, perceção relativa à forma de atuar dos colegas, existência de formações/ atualizações e rotação do pessoal. Assim, em algumas circunstâncias poderá ser necessário individualizar o plano de Segurança, mediante as diversas classes profissionais envolvidas, por exemplo [1].
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
A generalidade dos trabalhos selecionados reportava dados generalistas em relação à perceção de risco ou então estudava setores profissionais específicos, ainda que, por vezes, com amostras pequenas, em contexto de significância estatística. Para além disso, num ou outro aspeto, ficaram registadas conclusões opostas, se bem que, em virtude da complexidade das variáveis envolvidas, ambas possam fazer sentido.
Os documentos publicados sobre o tema não contêm novidades que já não tenham sido intuídas pelos profissionais a exercer em equipas de Saúde Ocupacional, em função da experiência acumulada ao longo dos anos, observando as diferenças a nível de perceção de risco e respetivos comportamentos laborais. Contudo, esta pesquisa permitiu verificar que essas noções empíricas se enquadram em Teorias pré-desenvolvidas por quem já estudou o tema, nas áreas da Psicologia e Sociologia, mas com muitas mais variáveis do que se supunha inicialmente.
Maior Perceção do Risco potencia a valorização e recetividade para as questões da Saúde e Segurança Laborais. Contudo, enquanto que a Avaliação do Risco é baseada em metodologia científica; a Perceção do Risco é baseada na experiência, valores, crenças, personalidade, locus de controlo, cultura e clima de segurança e influência do grupo, por exemplo.
Se os profissionais da Saúde Ocupacional estiverem mais atentos e hábeis nestas questões, o seu desempenho será potenciado.