INTRODUÇÃO
Entre os profissionais da Saúde Ocupacional (sobretudo médicos) poderá ocorrer a confusão de conceitos entre Caso Clínico (usado geralmente para fins didáticos) e a metodologia de Estudo de Caso.
Pretendeu-se com esta revisão informal perceber os princípios básicos desta forma de investigar e se a mesma se poderá adequar para avaliar algumas questões englobadas na Saúde Ocupacional.
METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa em outubro de 2020 na base de dados RCAAP. Colocando a expressão- chave Estudo de Caso, a nível de título, foram obtidos 22.504 documentos; colocando aspas de forma a selecionar apenas os trabalhos onde as duas palavras aparecessem juntas, reduziu-se para 19.654; contudo, apenas usando as aspas e pesquisando simultaneamente em título e assunto é que se conseguiu reduzir para um número mais aceitável, nomeadamente 470; não foram colocadas restrição em função da data de publicação uma vez que tal não constituía uma mais valia para o tema em causa.
À medida que se foram consultando diversos artigos e teses sobre esta temática, em quase todos eles era mencionado o livro de Yin como referência, pelo que o mesmo foi procurado (está disponível em qualquer motor de busca normal da internet).
Dado o número de artigos/ teses que abordavam o Estudo de Caso em si como metodologia de investigação passou a, partir de dada altura, considerar-se apenas os que discutiam o método em si, sem o aplicar a uma situação específica investigada (ainda que alguns destes tenham sido inseridos na seleção, numa fase inicial).
CONTEÚDO
Introdução e Definição
Todos os fenómenos encerram detalhes qualitativos e quantitativos (1). Ao analisar a realidade pode-se considerar a mesma como uma totalidade ou como sendo constituída por uma série de unidades e cada uma pode ter uma estratégia diferente para a recolha de dados (2).
Estudo de caso pode ser definido como sendo uma investigação empírica que analisa um fenómeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenómeno e o contexto não estão claramente definidos (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9). Trata-se de uma estratégia de pesquisa abrangente. É a metodologia preferida quando se colocam questões “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controlo sobre os eventos e/ ou não se podem manipular comportamentos relevantes associados. Pode incidir na Observação direta ou série sistematizada de entrevistas (3).
Os Estudos de Caso podem esclarecer uma decisão ou conjunto de decisões, como foram implementadas e/ ou os seus resultados (6). Trata-se de um meio de organizar dados, preservando o objeto estudado e o seu caráter unitário (7); poderá ser uma descrição detalhada de uma situação- a meta não será representar o mundo, mas sim o caso. Geralmente induz a uma compreensão mais exata das condições em que aconteceu o fenómeno (9).
Segundo Stake, os Estudos de Caso podem permitir pequenas e grandes generalizações. Outros autores, como Patton (1990), substituem o termo generalização por extrapolação para um caso posterior. Contudo, para Yin, para generalizar é necessário uma teoria prévia (2).
Alguns pesquisadores atribuem baixa credibilidade aos Estudos de Caso, uma vez que não o consideram suficientemente científico. Contudo, mesmo alguns destes, ao longo das últimas décadas, foram alterando a sua postura, no sentido de considerar esta abordagem como pragmática e flexível, em diversas disciplinas (9).
As perguntas de pesquisa devem procurar explicações e não questões de incidência; devem englobar o problema essencial, porque o contexto é parte do estudo (9). As principais finalidades do Estudo de Caso serão a exploratória (desenvolver ideias e hipóteses de investigação); bem como construir, testar e/ ou aperfeiçoar a teoria (8). Carateriza-se pelo estudo profundo de um objeto, de maneira a permitir o amplo e detalhado conhecimento sobre o mesmo; o que seria praticamente impossível com outros métodos; a totalidade do objeto poderá ser preservada (10).
A finalidade do Estudo de Caso é permitir a análise pormenorizada de situações particulares, por métodos qualitativos e/ ou quantitativos, possibilitando a recolha de informação diversificada e, consequentemente, a sua triangulação, eventualmente viabilizando algumas generalizações empíricas. Há um carater holístico, ou seja, procura abranger o caso na sua globalidade. Pretende extrair os sentidos das ações e das relações sociais, interpretando a complexidade do objeto de estudo, de forma aprofundada (apoia-se numa variedade de fontes de evidência, a fim de apreender de forma completa a realidade) (11).
No fundo, o Estudo de Caso é adequado quando se pretende compreender, explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão envolvidos vários fatores (12).
Alguns autores consideram que o Estudo de Caso poderá ser encarado não como uma metodologia de investigação, mas como forma de organizar a investigação (1).
Objetivo
O objetivo será expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar frequências (como na generalização estatística, dos estudos quantitativos); ou seja, fazer uma análise generalizada e não particular (3). Serve para desenvolver, produzir, contestar e/ ou desafiar uma teoria (5). Pretende capturar o esquema de referência e definição da situação, permitir o exame detalhado e/ ou esclarecer fatores particulares que podem levar a um maior entendimento da causalidade (6). Valoriza-se o como e o porquê em vez de o quê e quantos (7).
Contextualização histórica
Os Casos Clínicos podem ser breves e são usados com intenções didáticas diretas (como na Medicina), sem grandes preocupações metodológicas; logo, não devem ser confundidos com os Estudos de Caso a nível de metodologia de investigação, emergentes no século XX, sobretudo através da Escola de Chicago, para estudar questões associadas à migração, como desemprego e pobreza; ou seja, foram estudos que englobaram a visão dos participantes (1).
Contudo, nessa fase, esta metodologia foi fortemente criticada, sobretudo pela Universidade de Columbia. As preocupações com as limitações das metodologias qualitativas existentes deram espaço ao desenvolvimento da Grounded Theory (de Glaser e Strauss), nas décadas seguintes, que incentivaram novamente a criação de teorias a partir de situações bem circunscritas e particulares (1).
Em Portugal esta metodologia foi mais usada na década de oitenta, sobretudo no setor da Educação. Contudo, a literatura sobre o Estudo de Caso ainda não está muito desenvolvida, sendo considerada por alguns investigadores como pouco clara e/ ou objetiva (1).
Estrutura
Na estruturação de um Estudo de Caso considera-se a definição do Problema, o delineamento da pesquisa, a colheita e análise dos dados, bem como elaboração e apresentação dos resultados. Pode incluir um caso único ou casos múltiplos (3).
Método geral do Estudo de Caso
Inicialmente desenvolve-se a teoria, se adequado, e selecionam-se posteriormente os casos e o protocolo de colheita de dados. Em relação ao primeiro e segundo elementos estudados, dever-se-á escrever um relato de caso individual; para os casos remanescentes, no global, deve-se redigir outro relatório (3). A seleção dos diversos casos pode ser alterada durante o processo, caso a informação obtida assim o justifique; ou seja, há flexibilidade na seleção de casos, mas não dos objetivos do estudo (3) (7) e/ ou metodologia de recolha de dados à medida que se desenvolvem novas hipóteses (7).
Em relação aos Estudos Pilotos deve-se levar em conta de o(s) escolher em função da acessibilidade, local, dados extraordinários, situação mais complicada, conveniência e/ ou proximidade; trata-se de um procedimento que alinhava e elucida o projeto (3).
Quantas mais fontes de evidência forem utilizadas, mais qualidade terá o projeto, em princípio; por vezes até se mistura informação quantitativa e qualitativa. As anteriores podem incidir em documentação, arquivos, entrevistas, observação direta ou participante, entre outras. Nem todas as fontes são importantes para todos os Estudos de Caso e cada um deles não precisa de ficar limitado a uma única fonte de evidência (3).
Por sua vez, segundo Perez, as fases do Estudo de Caso a considerar poderão ser estratificadas em: pré-ativa (preparação, planificação, recursos, calendarização), interativa (recolha de dados por observação direta, entrevistas, questionários ou análise de documentos) e pós-ativa (análise de dados e elaboração de relatório final) (13). Já Gil (1995) considera quatro fases: delimitar a unidade (ou seja, o que será o “caso”); colheita de dados; seleção, análise e interpretação dos dados; bem como a elaboração do relatório (7).
Na categorização das unidades de Registo (segundo Bardin) podem ser consideradas a exclusão mútua (cada subcategoria deve ser única), homogeneidade (categorias organizadas por um único princípio de organização), pertinência (as categorias devem espelhar a intenção do estudo), objetividade (dados devem ser submetidos aos mesmos métodos e critérios), fidelidade (evitar distorções secundárias à subjetividade dos codificadores) e produtividade (ou seja, as categorias devem produzir resultados pertinentes) (13).
Não confundir, contudo, caso com unidade de análise (1). As unidades de análise podem ser unitárias ou múltiplas (9). Elas estão relacionadas com o próprio problema para definir “o caso” em estudo (que pode ser um indivíduo, um grupo de indivíduos, um evento, entidade, organização, decisão, projeto ou situação equivalente) (11).
Também está publicado que o processo se inicia com (segundo Yin- 2005 e Mohd Noor- 2008) a definição do problema, validade do construto, replicação (essencial para a análise de casos múltiplos), validade, confiabilidade e triangulação dos achados (9).
As generalizações são mais difíceis com casos únicos, logo, dificultam o desenvolvimento de modelos e teorias. Os casos únicos podem ser selecionados devido a serem: decisivos, raros ou extremos, representativos ou típicos, reveladores e/ ou longitudinais (o mesmo caso ao longo do tempo) (9).
A pergunta da pesquisa deve ser clara, enfatizando que não há teoria; a pergunta pode iniciar-se por “como” ou “por que” (9). No desenrolar da construção da teoria, esta deverá ser cruzada com a literatura (e deve-se assinalar semelhanças e diferenças) (8).
Na seleção de Casos deve-se levar em conta que se podem prever resultados semelhantes (replicação literal) ou opostos (replicação teórica) (8).
As proposições delimitam o âmbito da abordagem e devem dirigir a atenção para algo a examinar no estudo, pois as perguntas podem não chegar para focar tal (11).
Tipos de Estudos de Caso
Os Estudos de Caso explanatórios proporcionam dados de causa-efeito (1) (2) (5) (13); ou seja, identificação de fatores que contribuem para a ocorrência de determinado fenómeno (8).
Um Estudo de Caso descritivo é menos exigente que um explanatório, uma vez que as ligações causais não precisam de ser feitas e a análise é menos intensiva; o pesquisador apenas tem de relatar o caso tal como ele é (3); de certa forma procura de padrões para construir uma teoria (1). Trata-se da descrição de um fenómeno e aproxima-se do estudo etnográfico; afunila conhecimentos, ou seja, de mais gerais para mais específicos (13). Respondem ao como e porquê, inserindo o fenómeno no seu contexto (5). Expõe caraterísticas de determinada população ou fenómeno (8).
Nos Estudos de Caso exploratórios devem ser incluídas informações relativas ao que será explorado, o propósito da exploração e quais os critérios através dos quais se considerará a exploração como sendo bem sucedida (3). Definem-se questões ou hipóteses para estudo posterior (1) (2) (5) (13). O investigador faz um estudo aprofundado mas não obtém uma resposta final (5). Procura-se maior familiarização com o fenómeno; estabelecem-se correlações entre variáveis e não tem o compromisso de explicar o fenómeno (8).
Estudos de caso avaliativos são mencionados na classificação de Gil e incluem a descrição, explicação e julgamento (5).
Por sua vez, Merriam (1988) considera as versões descritiva (descrição de eventos com grande pormenor), interpretativa (descrição e categorização para dar suporte a uma teoria) e avaliativa (descrição, explicação e avaliação) (1).
Já segundo Stake (1994 e 1999) também podem ser estruturados em: intrínsecos (fenómeno específico- “o caso”), instrumentais (situação estudada para certificar ou refinar uma teoria; compreender uma problemática mais ampla, a partir de um caso em particular) ou coletivos (estudam-se vários casos para fazer uma análise melhor, com compreensão e teorização) (2) (5) (13).
Tal como já se mencionou, segundo Yin, também podem ser holísticos (uma unidade de análise) ou incorporados (várias unidades de análise) (2) (3). Os casos únicos poderão ser sobre situações raras ou extremas; representativas/ típicas; reveladoras e/ ou longitudinais (ao longo do tempo); os casos múltiplos permitem maiores generalizações, mas também exigem mais recursos e tempos. A enfase incorporada utiliza mais que uma unidade de análise, enquanto que a holística procura a globalidade (8). Yin (1981) considera que o Estudo de Caso parte do holístico para o incorporado; já Ragin (1992) parte do específico para o geral, ainda que se mantenha a mesma estrutura. O projeto holístico é vantajoso quando não se identifica nenhuma subunidade lógica; tem a desvantagem de poder-se tornar abstrato e desprovido de dados ou medidas claras. O projeto incorporado foca a investigação através das subunidades criadas (3).
Segundo Bodgan e Biklen (1994), entre outros, os Estudos de Caso podem basear-se em casos únicos ou múltiplos (2). O caso único justifica-se quando se trata de um caso decisivo para testar uma teoria bem formulada, quando existe um caso raro ou extremo ou então como caso-piloto de casos múltiplos. Usando casos múltiplos o estudo é considerado mais robusto; contudo, pode exigir mais tempo e recursos (3).
Avaliação da qualidade de um Estudo de Caso
Poucos Estudos de Caso terminarão exatamente como foram planeados (3).
Os Testes para avaliar a qualidade de um Estudo de Caso podem incidir nos seguintes itens: validade do construto (que poderá ficar potenciada se se utilizarem várias fontes de evidência e incentivarem linhas convergentes de investigação); validade interna (se causais ou exploratórios); validade externa (perceber a generalização das descobertas que pode ocorrer) e a confiabilidade (repetibilidade, ou seja, obtenção dos mesmos resultados) (3) (8)- aqui realça-se a importância do protocolo (8).
Aspetos representativos de Estudos de Caso com qualidade mais elevada
A este nível destacam-se o facto de se desenvolverem hipóteses concorrentes exaustivas, se considerarem e interpretarem todas as evidências, existir a realização de uma análise dedicada aos aspetos mais significativos e/ ou utilização do conhecimento previamente adquirido, como especialista na área. Outros investigadores também realçam que o tema deve ser significativo, ter importância nacional, ser completo (ou seja, as informações novas que surgem são de menor importância), ter ausência de artefactos (como, por exemplo, término devido à falta de recursos e/ ou tempo); deve considerar perspetivas alternativas; apresentar evidências suficientes para a interpretação ser considerada válida e/ ou o relatório deve ser redigido de forma atraente (ou seja, com uma escrita clara e cativante) (3).
Menciona-se ainda:
-validade do construto- utilização de múltiplas fontes de evidência; encadeamento de evidências; relatório de estudo de caso revisto pelos entrevistados- chave, menção da colheita de dados e sua seleção
-validade interna- inferências e análise dos dados de diversas categorias, critérios claros de análise
-validade externa- generalização dos achados a situações similares; critérios claros na seleção de casos; utilização de múltiplos casos; casos incorporados; comparação entre resultados de pesquisa e teoria; estratégia de replicação de casos
-confiabilidade- minimizar os erros e vieses de um estudo; menção aos tópicos abordados na entrevista; declaração de objetivos; proposições ou questões de pesquisa; testes dos instrumentos de colheita de dados; gravação das entrevistas; transcrição cuidadosa das mesmas; utilizar a análise cruzada de vários investigadores na codificação dos dados; apresentar extratos das entrevistas nos relatórios (9).
Projeto de pesquisa/ protocolo de estudo
O Projeto de pesquisa pode ser definido como sendo o plano que conduz o pesquisador na colheita, análise e interpretação das observações, também assinalando o domínio da generalização (população maior ou situações diferentes). Deve também fornecer detalhes relativos a questões a estudar, o que se consideram ser dados relevantes, que dados colher e como analisar os resultados (3) (9). Ou seja, incluiu questões de estudo, proposições (se existirem), unidades de análise, lógica que une os dados às proposições e critérios para interpretar as constatações (9).
O Protocolo do Estudo de Caso aumenta a confiabilidade (3) (8) e a definição do problema a estudar; este deve incluir objetivos, procedimentos de campo (como forma de acesso aos locais, carta de apresentação, fontes de informação, advertências de procedimentos, questões específicas a considerar durante a colheita de dados) e guia para o relato do Estudo de Caso (com resumo, referências bibliográficas e outras documentações) (3); serve de orientação na colheita de dados (8).Outros autores também definem que deve incluir a questão principal da pesquisa, objetivo principal, temas de sustentação teórica, definição de unidade de análise, de potenciais entrevistados e múltiplas fontes de evidência, período de realização, local de colheita de dados, validade interna (múltiplas fontes de evidência) e síntese do guião da entrevista (8).
Comparação do Estudo de Caso com métodos quantitativos
Os dados qualitativos são ricos em fenómenos descritivos e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, mas são formuladas com o objetivo de estudar fenómenos com toda a sua complexidade, em contexto natural, que não se conhecem ou controlam (2) (8); a generalidade dos métodos qualitativos não estão tão bem estabelecidos quanto os quantitativos. Algumas das dificuldades dos métodos qualitativos incidem no tempo para transcrever as gravações e falta de clareza na análise; por sua vez, alguns autores também registam como vantagens a profundidade e abrangência e triangulação das evidências por meio de múltiplas fontes (com entrevista, observações, documentos, entre outros) (8).
A investigação quantitativa destaca a explicação e o controlo; a causa-efeito. Para além disso, alguns defendem que a realidade não pode ser descoberta, mas sim interpretada e construída (como é pretensão da investigação quantitativa) (2).
Muitos autores não concordam com a dicotomia quantitativa/ qualitativa, sustentando um contínuo entre ambas. Outros acreditam que se devem usar simultaneamente métodos qualitativos e quantitativos, uma vez que deverá haver complementaridade e não rivalidade; a realidade mistura ambos- Stake (1999) (2)- “Mixed Methodology” (8). Não existem métodos perfeitos, sejam qualitativos ou quantitativos; cada um, em determinados aspetos, é mais ou menos eficaz que os outros; em relação a um problema particular, um deles pode ser melhor que os outros (11).
Alguns conceitos associados
A validade externa consiste em perceber se as descobertas de um estudo podem ser generalizadas; com casos únicos tal fica mais difícil. A criação de uma teoria, por sua vez, ajuda nesse sentido (3).
Em relação à confiabilidade, se outro investigador seguir os mesmos procedimentos, chegará às mesmas conclusões; ela minimiza os erros e as visões tendenciosas. Sem documentar as diversas etapas, nem o investigador inicial conseguirá repetir o processo- daí a importância do Protocolo do Estudo de Caso (3).
A obtenção dos mesmos resultados ou semelhantes designa-se por replicação literal; se os resultados forem contrastantes por razões previsíveis, a replicação é teórica. A teoria deve definir quais as condições em que será provável encontrar um fenómeno e quais as condições em que tal não acontecerá. O tamanho da amostra deverá refletir o número de replicações literais e teóricas que o autor gostaria de ter. A lógica da replicação difere da lógica da amostragem, porque na primeira situação pode-se considerar que os dados de um menor número de indivíduos poderão ser os mesmos que se colheriam do grupo inteiro; na segunda há o esforço para que a amostra seja representativa da população (3).
Caraterísticas desejáveis da parte do Investigador
A este nível considera-se a capacidade de fazer boas perguntas e saber interpretar as respostas; ser bom ouvinte e não se deixar influenciar pelas suas ideologias e preconceitos/ viés; deverá também apresentar adaptabilidade e flexibilidade; considerar algumas situações como oportunidades e não ameaças ao projeto; ter uma noção clara das questões estudadas e noção de imparcialidade, ou seja, sensibilidade perante provas contraditórias (3).
Fontes para recolha de dados
Para a recolha da informação pode ser pertinente o investigador utilizar múltiplas fontes de evidência e triangular os dados/ criar linhas convergentes de investigação (2).
Como instrumentos de recolha de informação podem ser considerados diários do investigador (registo da observação direta, com reflexões), questionários (ainda que mais associado a investigação quantitativa), documentos, entrevista individual ou de grupo (sendo a última ótima para captar as descrições e interpretações que os indivíduos têm da realidade) e registo audio-vídeo, entre outros (2) (7) (13).
Entrevistas
As entrevistas são a técnica qualitativa mais antiga (7). Podem ser orientadas de forma espontânea, por exemplo, pedindo a opinião/ interpretação de um entrevistado sobre determinado evento. Contudo, também podem ser focais, ou seja, as questões são oriundas do Protocolo de Estudo, mais ou menos rígido, mantendo-se a preocupação de não influenciar as respostas (3). As entrevistas semiestruturadas não têm perguntas rígidas ou ordem formal; ou seja, há uma flexibilidade que permite introduzir as perguntas nos momentos mais apropriados, conforme as respostas do entrevistado (2). Gravar ou não a entrevista é decisão pessoal do entrevistador, pois ainda que seja o método de registo mais exato, pode trazer desconforto ao entrevistado (3) (8), distração ou fazer com que o entrevistador não esteja tão atento às respostas (3).
Os informantes-chave, por sua vez, são indivíduos que sugerem ao investigador outras fontes de informação (3).
Como principais vantagens desta técnica podem ser citadas a flexibilidade, a capacidade para aprofundar elementos de análise e a fácil adaptação, se necessário (7).
Como principais limitações pode-se referir a possibilidade de intimidar o entrevistado, analisar um número mais restrito de indivíduos (comparando com outros métodos) (7); bem como eventual visão tendenciosa que pode advir de questões mal elaboradas, das imprecisões secundárias à memória do entrevistado ou à reflexibilidade, ou seja, quando o entrevistado diz o que acha que o entrevistador quer ouvir (3).
A Entrevista pode ser individual ou de grupo (8). As segundas são muito ricas em dados, uma vez que estimulam as respostas e recordações; permitindo também algum debate entre os elementos presentes (2).
A transcrição da entrevista logo após o seu término aumenta a qualidade da mesma (8).
À medida que os dados são colhidos, o pesquisador tenta identificar temas e relações, construindo interpretações e gerando novas questões e/ ou aperfeiçoando as iniciais. Posteriormente analisa-se o referencial teórico à procura de convergências ou divergências (8).
Questionário
Este método tem a vantagem de atingir maior número de indivíduos, num período relativamente curto; para além disso pode ser uma forma menos embaraçosa de colher os dados em alguns contextos, havendo também eventualmente menor enviesamento pelo investigador; para além disso a análise pode ser informatizada em alguns casos. Contudo, como principais desvantagens, pode ficar dificultada a capacidade de motivar a responder, não conseguir ajudar a esclarecer alguma dúvida, impossibilidade de acrescentar dados suplementares (sobretudo se for anónimo) e ocorrerem respostas pouco detalhadas (7).
Tipos de Observação
Dentro da observação direta, pode existir a versão participante, na qual o investigador interage com o fenómeno a estudar (3). Alguns autores consideram que a observação participante e não participante é na realidade um contínuo. A versão participante permite que o investigador colha dados na perspetiva de elemento “dentro” do Estudo de Caso e não sob o ponto de vista externo; a qualidade da informação pode ser superior, segundo alguns autores (2).
Triangulação de dados
Consideram-se quatro tipos de triangulação, englobando sobretudo fontes de dados, avaliadores, teorias e métodos (3).
Análise de dados
A análise de dados consiste em examinar, categorizar, classificar e/ ou recombinar evidências. A estratégia analítica geral deverá incidir no estabelecimento de prioridades (ou seja, o que deve ser analisado e porquê) (3).
As principais quatro técnicas analíticas dominantes (para caso único ou múltiplos) são a adequação ao padrão (se os padrões coincidirem, reforça-se a validade interna; o padrão para explicações concorrentes explica o porquê de um resultado diferente do inicialmente esperado); construção da explicação (ou seja, enumerar um conjunto de elos causais, na maioria dos casos de forma narrativa); análise de séries temporais e modelos lógicos de programas (conjuga as anteriores) (3).
Entre as diversas técnicas analíticas possíveis (no global) realçam-se:
-disposição das informações em séries diferentes
-criação uma matriz de categorias com evidências internas
-desenvolvimento de modos de apresentar e examinar os dados, como fluxogramas ou outros
-classificação em tabelas a frequência de eventos diferentes
-exame da complexidade das classificações e a sua relação
-disposição das informações por ordem cronológica ou outra que pareça pertinente (3).
Nos métodos secundários de análise (considerados incompletos, pelo que devem ser combinados com um método de análise principal, podemos também considerar a análise de unidade incorporadas, observações repetidas e/ ou levantamento de dados do caso (consulta dos estudos já existentes) (3).
O objetivo final será tratar as evidências de maneira justa, produzir conclusões analíticas irrefutáveis e eliminar interpretações alternativas (3).
Elaboração do Relatório final do Estudo de Caso
Para se elaborar um relatório associado ao Estudo de Caso devem ser abarcados os seguintes itens: identificar o público-alvo do relatório (aliás, até pode existir uma versão para cada- por exemplo, colegas, participantes do estudo, júris de provas académicas); desenvolver a estrutura de composição; pedir que terceiros revejam o documento (por exemplo, os próprios participantes) e, antes de colher os dados, redigir a metodologia e a bibliografia (3).
O texto pode conter tabelas, gráficos e/ ou imagens. Podem existir em alternativa várias partes como capítulos ou secções. Para além disso, em vez da narrativa corrida, pode também escrever-se o texto na base da pergunta- resposta curta (três a quatro parágrafos), com ou sem a introdução de tabelas ou outros elementos equivalentes (3).
A Técnica analítica linear, comparativa ou cronológica pode ser usada para Estudos de Caso descritivos, exploratórios ou explanatórios. A Técnica de construção da teoria para exploratórios e explanatórios. Por sua vez, a Técnica de incerteza poderá ser utilizada em estudos exploratórios e a Técnica das estruturas sequenciais em descritivos (3).
Na técnica analítica linear utiliza-se o tema/ problema, revisão da literatura, métodos, descobertas associadas aos dados colhidos e analisados, conclusões e implicações. Por sua vez, na técnica comparativa coloca-se o mesmo Estudo de Caso com explicações alternativas, ou seja, pontos de vista diferentes. Na versão cronológica, as evidências aparecem nesse âmbito. Na construção da teoria existe um capítulo ou secção para um argumento teórico. Na teoria da “incerteza” explica-se o resultado direto, o que é importante num Estudo de Caso explanatório. Por fim, no item de estruturas sequenciais, a ordem das secções/ capítulos não é relevante; ocorrendo o inverso para os casos descritivos (3).
O relatório final deverá ser revisto por colegas e participantes do estudo, como já se mencionou; se os comentários forem úteis poderão ser inseridos, até porque tal pode suscitar a inserção de dados colhidos e esquecidos; tal aumentará a validade e diminuirá a probabilidade de apresentar dados falsos (3).
Vantagens dos Estudos de Caso
Segundo Merriam estas incidem sobretudo nos resultados poderem ser facilmente compreendidos, na capacidade para captar as características únicas do fenómeno, potência para retratar a realidade e facilitação para perceber outros casos; para além disso, pode ser articulado e construir-se sobre acontecimentos não previstos (1). Outros autores também realçam a capacidade para produzir informação clara, focar pontos únicos que se perderiam num estudo em larga escala, relatar com muito detalhe a situação em estudo (proporcionando uma melhor compreensão da realidade) e o facto de poder ser implementado por um único investigador (7). A sua aplicabilidade a situações e contextos contemporâneos da vida real (Dooley, 2002) também pode aqui ser considerada (2).
Principais críticas aos Estudos de Caso
Alguns autores citam neste sentido a eventual falta de rigor (6) (11), influência do investigador (em função dos seus preconceitos), generalizações difíceis e por poderem ser muito extensos/ morosos (6). Outros também salientam a seleção de casos, colheita e registo de dados, análise e interpretação, bem como planeamento e preparação do pesquisador (10) ou então a aceitação de evidências incorretas ou visões parciais que influenciam a validade interna e a externa (capacidade para fazer generalizações) e a fiabilidade (obtenção de conclusões idênticas se o estudo for efetuado por outro investigador) (11).
Para além disso, pode pecar pela falta de objetividade; pode alongar-se no tempo, o que nem sempre é viável; os resultados nem sempre são generalizáveis; aliás, assegurar a validade interna poderá ser um problema importante. Para além disso, os resultados dependem do poder de integração do investigador (7).
Um trabalho analisou de forma mais sistematizada os principais pontos fracos de várias centenas de artigos de Estudos de Caso e concluiu-se que o que mais se destacava neste contexto era a baixa evidência ao justificar a importância do fenómeno no contexto do estudo, não explicar a escolha do método, ter objetivos pouco esclarecedores, utilizar poucas fontes de evidência, uso modesto da triangulação de dados, ausência ou não perceção de prioridades ao relatar a colheita de dados, não esclarecer se o Estudo de Caso é método ou forma de colher os dados e não enumerar as limitações do estudo (9).
A versatilidade do Estudo de Caso, por sua vez, tanto pode ser considerada um trunfo, como um ponto fraco, sobretudo se conjugada com falta de rigor, influência do investigador, pouca base para generalizações e exigência temporal para a sua execução (10).