INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a COVID 19 é uma doença causada pelo vírus SARS-CoV 2, pertencente à família dos Coronavírus; este propaga-se essencialmente através de gotículas provenientes da saliva ou secreções do trato respiratório, enquanto a pessoa infetada espirra ou tosse (1). Acredita-se que o novo coronavírus SARS-CoV-2 tenha surgido no ano de 2019, em Wuhan, transmitindo-se para seres humanos e avançando rapidamente a nível mundial, exigindo medidas de proteção da infeção, provocando mudanças nunca antes vistas na sociedade e no exercício da atividade dos Profissionais de Saúde. Naturalmente surgiu a necessidade de uma vacina que fosse eficaz na prevenção da doença e que diminuísse a gravidade dos casos infetados. Com o avanço da ciência e com forte investimento da indústria farmacêutica e comunidade científica, em tempo recorde, conseguiu-se a criação e administração global da vacinação contra a COVID-19.
Sabemos que em termos de resposta imunitária o nosso organismo responde através da imunidade humoral e da imunidade por células. A imunidade humoral está associada aos linfócitos B e é responsável por destruir os patógenos através da produção de anticorpos, enquanto a imunidade mediada por células está associada aos linfócitos T e é responsável por destruir os patógenos ou microrganismos que invadiram as células, mas sem a produção de anticorpos. Ambas se desenvolvem em resposta à vacina (2). Esta promove uma imunização ativa contra a COVID 19; no caso das vacinas que utilizam o mRNA modificado, estas entram nas células e permitem a expressão do antigénio SARS-CoV2 spike (S) e induz a produção de anticorpos neutralizantes, assim como uma resposta imune celular ao antigénio S, contribuindo ambas para a proteção da doença (3).
Até à data, todas as vacinas no mercado afirmam que induzem a produção de anticorpos anti-spike e células T ao fim de um a dois meses, no entanto são ainda necessários mais estudos sobre a proteção a longo prazo, a durabilidade da resposta dos anticorpos e a qualidade da resposta das células T (4) (5). A BNT162b1, BioNTech | FosunPharma | Pfizer, é uma vacina de mRNA. Este é encapsulado em nanopartículas lipídicas que garante a sua entrega eficiente. Os ensaios clínicos revelaram níveis elevados de anticorpos IgG específicos com uma concentração média tão alta quanto 8 a 46 vezes os títulos encontrados em pessoas recuperadas da infeção. Enquanto os títulos médios dos anticorpos neutralizantes SARS-CoV-2 foram encontrados 1,8 a 2,8 vezes superiores ao dos recuperados. O título de anticorpos neutralizantes atinge um pico entre o 7º e o 14º dia após a segunda dose de vacinação (6). No entanto, sabemos também que a produção de anticorpos não é o único mecanismo que protege da infeção, dado que estudos mostram que os indivíduos podem ser seronegativos para anticorpos pós-infeção, mas nos quais se consegue identificar respostas de células T de memória ao SARS-CoV-2 na ausência de anticorpos (7). As principais vantagens são a capacidade de reproduzir a infeção viral natural sem entregar partículas virais e a menor potencialidade de causar imunogenicidade e citotoxicidade de nanopartículas (8) (9).
Até ao momento, vários ensaios de anticorpos SARS-CoV-2 foram desenvolvidos com diferentes alvos de antigénios e formatos de ensaio. A maioria dos testes serológicos são qualitativos e usam a proteína do nucleocapsídeo (N) ou do pico- Spike (S) SARS-CoV-2 como o alvo para a deteção de anticorpos (10). Neste estudo os níveis de anticorpos anti-spike SARS-CoV-2 foram medidos usando imunoensaios quimioluminescentes totalmente automatizados (Abbott).
Os profissionais de saúde, dado o risco elevado de exposição ao vírus, podem não ser só apenas mais propensos a serem expostos ao SARS-CoV-2, mas também podem receber doses infetantes mais altas do que outras pessoas. Alternativamente, em virtude do alto risco reconhecido de exposição, os profissionais de saúde podem ter melhor acesso a estratégias de proteção, como equipamentos de proteção individual, o que reduz a probabilidade de infeção após a exposição (11). Em Portugal foram considerados grupo prioritário para a administração de vacinas, tendo começado a receber as primeiras doses em finais de dezembro de 2020 (12).
A nível mundial começou-se o processo de vacinação e naturalmente começaram a surgir questões sobre a eficácia da vacinação, segurança, durabilidade da proteção oferecida e necessidade de vir a fazer doses de reforço. As vacinas que atualmente temos disponíveis geram uma resposta imune com anticorpos IgG anti-spike com atividade neutralizante e que podem fornecem um potencial marcador substituto de proteção contra a COVID-19 (13) (14) (15). Portanto, surge a necessidade de compreender a sua dinâmica ao longo do tempo, procedendo a medições de anticorpos IgG anti-spike pós-vacinação, como eles diferem entre os indivíduos (no que toca à idade, sexo, etnia e comorbidades) e como esses achados relacionam-se com a proteção.
Num estudo utilizando uma coorte de mais de 4.000 profissionais de saúde, predominantemente adultos saudáveis em idade produtiva, 98,9% desenvolveram um teste de anticorpos IgG anti-spike positivo após 14 dias após a primeira vacinação. Os profissionais de saúde na faixa dos 50 aos 60 anos eram menos propensos a seroconverter, com níveis mais baixos de anticorpos, do que os profissionais de saúde mais jovens, mas as taxas absolutas de seroconversão permaneceram altas em todos os grupos (16). O estudo Pfizer - BioNTech relatou que os títulos neutralizantes e as concentrações de anticorpos foram maiores em participantes mais jovens (18-55 anos) versus mais idosos (56-85 anos) (17). Os títulos de anticorpos IgG anti-spike estão associados à atividade neutralizante, mas o grau com que podem ser usados como substituto para a proteção contra a infeção, ou outros desfechos de interesse, como hospitalização, morte ou transmissão progressiva, permanece obscuro e mais estudos em grande escala são necessários (13)(14)(15).
Num outro estudo que observou profissionais de saúde vacinados, concluiu que o nível de anticorpos em profissionais que tiveram ou não infeção prévia por SARS- Cov2, reduziam gradualmente de nível em profissionais com mais idade (com 60 anos ou mais). Em particular após a primeira vacina de mRNA. Encontraram também diferenças relativamente se já tinham tido ou não infeção prévia, idade e sexo, sendo que os homens responderiam melhor (18). No entanto outros estudos não permitem encontrar esta diferença em termos de sexo, mas vão de encontro à ideia de que pessoas menos jovens e imunocomprometidas desenvolvem menos anticorpos em resposta à vacina (19).
O teste aos anticorpos IgG anti-spike após a vacinação pode também vir a desempenhar outras funções, como por exemplo, podem ser úteis a identificar indivíduos em grupos de alto risco que não seroconvertem (20). Podem também ajudar a identificar indivíduos que permanecem com maior risco de infeção, mesmo após a vacinação e que podem beneficiar de aconselhamento personalizado sobre contato social ou necessidade de novas doses de reforço da vacinação (16).
É necessário algum cuidado com a interpretação dos resultados de anticorpos e qualquer mudança de comportamento subsequente, pois, apesar da boa proteção que a vacinação aparenta ter, a seroconversão com altos níveis de anticorpos ainda não oferece proteção absoluta contra a infeção. São ainda necessários estudos em grande escala para avaliar como a proteção contra a infeção varia de acordo com o título de anticorpos e quais os outros fatores que podem estar relacionados com a capacidade de resposta protetora individual que a vacina proporciona (20).
OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho são avaliar a presença de anticorpos IgG anti-spike SARS-CoV2 em profissionais de saúde vacinados, através do seu doseamento aos três e seis meses após a vacinação completa e compreender como variam de acordo com a idade.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo do tipo prospetivo, observacional e analítico de correlação. Procedeu-se ao doseamento dos anticorpos IgG anti-spike contra o SARS-CoV2 num grupo voluntário de profissionais de Saúde de uma Unidade Local de Saúde (ULS). Esta colheita foi realizada em dois tempos distintos, nomeadamente aos três meses e aos seis meses após a segunda dose da vacina de mRNA - COMIRNATY® (esquema de vacinação completo). Foram analisados um total de 923 participantes, de várias faixas etárias e categorias profissionais, nomeadamente Enfermeiros, Médicos, Assistentes Operacionais, Assistentes Técnicos, Técnicos Superiores de Saúde e Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica.
Os critérios de inclusão usados neste estudo foram: profissionais de saúde com esquema vacinal completo (duas doses de vacina de RNA mensageiro (mRNA) que codifica para a proteína S do vírus SARS-CoV-2 (COMIRNATY®)) e que não tiveram infeção confirmada pelo vírus SARS-CoV-2 antes da vacinação, entre a primeira e a segunda dose ou após esquema vacinal completo. Foram incluídos no estudo todos os casos que colheram amostras aos três e seis meses após a vacinação e que aceitaram participar no estudo.
Relativamente à análise dos anticorpos, estes foram obtidos através de colheita de sangue para teste serológico onde se procedeu à determinação quantitativa dos anticorpos IgG anti-spike do vírus SARS-CoV2 através do imunoensaio quimioluminescente totalmente automatizados (Abbott), com o objetivo de quantificar a imunidade humoral. Em seguida usou-se o teste da Correlação de Spearman, para variáveis que não seguem a normalidade, com o objetivo de determinar a relação entre a variável Idade e o Doseamento de Anticorpos aos três e seis meses. Procedeu-se ainda à recolha de dados epidemiológicos da amostra quanto a Idade, Sexo e Categoria Profissional através do preenchimento de uma folha de cálculo. Para melhor caraterização da amostra, efetuou-se uma análise descritiva das variáveis qualitativas, Sexo e Categoria Profissional e, para as quantitativas, realizou-se uma análise descritiva, determinando a média, moda, mediana, desvio padrão, mínimos e máximos para as variáveis Idade, Níveis de anticorpos aos três e aos seis meses.
Foram tidos em consideração os princípios éticos e o estudo foi aprovado pela administração da ULS. Foi obtido o consentimento informado aos trabalhadores que aceitaram participar no estudo, tendo sido informados sobre os objetivos e procedimentos do estudo, foi-lhes também assegurada a proteção e confidencialidade dos seus dados. Para recolha de dados e análises estatística utilizou-se o software IBM SPSS®, versão 25,0. Para recolha de elementos sobre a população da ULS foi utilizado o software de gestão de saúde e segurança no trabalho (UTILSST®).
RESULTADOS
Foram obtidas um total de 923 amostras de sangue de Profissionais de Saúde, sendo que 81.4% eram do sexo feminino. Relativamente à idade, obteve-se uma média 45,51 anos, com um desvio-padrão de 11,27, apresentando um mínimo de 19 e um máximo de 68 anos (Tabela 1): 0.3% tinham menos de 20 anos, 9.2% estava na faixa dos 20-29 anos; 23,6% entre os 30-39 anos, 28,9% entre os 40-49 anos, 24,4% nos 50-59 anos e 13,6% com mais de 60 anos (Gráfico 1). No que concerne à distribuição por categoria profissional, verificou-se que 18% eram Assistentes Operacionais, 25% eram Assistentes Técnicos, 32% eram Enfermeiros, 19% eram Médicos, 3% eram Técnicos Superiores de Saúde e 3% eram Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica.
Idade | M3 | M6 | ||
---|---|---|---|---|
N | Válido | 923 | 923 | 923 |
Omisso | 0 | 0 | 0 | |
Média | 45,51 | 6452,61 | 2011,17 | |
Erro de média padrão | ,371 | 165,093 | 108,271 | |
Mediana | 45,00 | 5256,40 | 1285,00 | |
Modo | 44 | 2005a | 233a | |
Erro Desvio | 11,271 | 5015,673 | 3289,368 | |
Variância | 127,042 | 25156973,929 | 10819941,492 | |
Intervalo | 49 | 39993 | 39997 | |
Mínimo | 19 | 7 | 3 | |
Máximo | 68 | 40000 | 40000 |
Quanto aos títulos de anticorpos, obteve-se uma média de 6452,61 AU/mL aos três meses após a vacinação e 2011,17 AU/mL aos seis meses. Obteve-se um mínimo de 7 e um máximo de 40000 AU/mL (valor máximo obtido pela técnica de laboratório) aos três meses e um mínimo de 3 e um máximo de 40000 AU/mL aos seis meses. Pela análise destes dados obtém-se uma queda de 68,84% nos títulos de anticorpos neste intervalo de tempo.
As variáveis aqui analisadas foram a idade e o valor dos anticorpos nesses períodos, sendo que ambas não seguem a normalidade, pelo que o teste estatístico utilizado foi o do Coeficiente de Correlação de Spearman. Dos valores obtidos pode-se referir que há significância estatística, com valor de p<0.001, pelo que se conclui que os valores dos anticorpos variam de acordo com a idade. Como o coeficiente de correlação é diferente de 0 e negativo (-0,168 aos três meses e-0,176 aos seis meses), podemos concluir que quanto maior a idade menor o número de anticorpos produzidos, no entanto é uma associação fraca dado que encontramos valores relativamente baixos de rô. Podemos também inferir que aos seis meses esta correlação é ligeiramente superior do que aos três meses, pelo que se conclui que ao longo do tempo as pessoas mais idosas perdem mais anticorpos (Gráfico 2) e (Gráfico 3).
DISCUSSÃO
O doseamento de anticorpos IgG anti-spike não pode ser visto como medida única de eficácia da vacina contra o SARS-CoV2, existe também um componente importante da imunidade humoral que ainda não se sabe ao certo a verdadeira importância do seu papel na prevenção da doença, transmissão e severidade (2). Dados mundiais indicam que as várias vacinas que estão atualmente disponíveis têm níveis elevados de eficácia, principalmente no que concerne à prevenção da doença grave (4)(5). O doseamento de anticorpos pode vir a fornecer informação importante sobre a eficácia, a necessidade de reforço vacinal ou até da identificação de grupos de risco ou nos quais a vacinação não seja tão eficaz.
Pela análise de dados aqui fornecida, podemos concluir que a grande maioria dos participantes no estudo respondeu bem à vacinação, com títulos de anticorpos IgG anti-spike elevados nos primeiros três meses após a vacinação. Aos seis meses é de notar uma queda substancial na quantidade de anticorpos doseados, com uma média que ronda os 68% de queda entre esse período.
Relativamente à relação encontrada entre a idade e o valor de anticorpos IgG anti-spike, podemos considerar que é um resultado esperado, dado que com o avançar desta o sistema imune perde alguma da sua capacidade de resposta. No entanto, segundo este estudo, a relação entre idade e título de anticorpos existe, mas não é substancialmente significativa, sendo que são necessários mais estudos para verificar a magnitude desta relação, nomeadamente que englobem faixas etárias menos jovens, dado que nesta amostra apenas foram incluídas pessoas na faixa ativa dos 19 aos 68 anos. Mesmo assim podemos referir que a classe dos profissionais de saúde encontra-se protegida para o vírus SARS-CoV2, mas que os níveis de anticorpos descem substancialmente dos três para os seis meses. Tal como tem-se vindo a discutir, estes dados vem reforçar a ideia da necessidade de realizar doses de reforço vacinal, nomeadamente com mais interesse na população mais idosa.
Relativamente às limitações deste estudo, podemos afirmar que a amostra não é representativa da população geral, pois apenas abordou um grupo de profissionais de saúde, com uma distribuição de idade e de sexo diferente da população geral. Podemos ainda referir que outra limitação deste estudo foi o facto de só ter sido avaliada a vacina de mRNA que codifica para a proteína S do vírus SARS-CoV-2 (COMIRNATY®), não tendo sido avaliadas outras vacinas. Assim, é necessário continuar a procurar fatores que influenciem a resposta individual à vacinação e compreender quais os mecanismos individuais que provocam variabilidade na eficácia da vacina, para que desta forma seja possível compreender a necessidade de novas doses de reforço ou estratégias de prevenção da infeção mais individualizadas.
CONCLUSÃO
O surgimento do SARS-CoV2 veio revolucionar a forma como a produção de vacinas e sua introdução no mercado se realiza, tendo batido recordes no tempo da sua disponibilização para a população de forma global. É importante começar a compreender a verdadeira eficácia da vacinação e o que provoca a variabilidade na resposta individual. Os profissionais de saúde são uma classe particularmente diferente do resto da população geral, principalmente pelo elevado risco de contato com o vírus e pela necessidade aumentada de meios e medidas de proteção. Além disto, foram ainda um grupo prioritário para receber as primeiras doses de vacina em Portugal, pelo que são pioneiros para demonstrar a longevidade que a vacina traz em termos de eficácia. No âmbito da Saúde Ocupacional a vacinação e a monitorização dos níveis de imunidade nos Profissionais de Saúde, permitirá reduzir o número de ausências ao trabalho, prevenindo a rutura do Sistema Nacional de Saúde, assim como a diminuição da transmissão do vírus entre estes e os doentes. Este estudo permite constatar que profissionais menos jovens apresentam menos títulos de anticorpos e como tal podem ter necessidade de mais doses de reforço vacinal e até medidas de proteção individual personalizadas.
Sabe-se que a resposta imunitária não é só constituída pela resposta humoral, mas também pela resposta celular, este estudo veio permitir compreender melhor quais os níveis de anticorpos IgG anti-spike aos três e seis meses após a vacinação e como variam de acordo com a idade. Podemos assim concluir que em termos da produção de anticorpos, a grande maioria das pessoas responde adequadamente à vacinação, mas que a queda dos três para os seis meses é acentuada, sendo pessoas mais idosas desenvolvem menos anticorpos e que com o aumento da idade a queda dos níveis será maior. Sabemos assim que a idade é um fator que influencia a resposta imunitária, no entanto são precisos mais estudos para compreender se esta tendência se agrava em faixas etárias mais elevadas, não avaliadas neste estudo, e se existem outros fatores que possam também influenciar esta resposta.