INTRODUÇÃO
Os primeiros casos diagnosticados pela doença por Coronavírus 2019 (COVID-19) causada pela síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2) em humanos, foram identificados em dezembro de 2019 na província de Wuhan, China (1). Desde então, tornou-se um grave problema de saúde pública, sendo decretada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020 (1).
A primeira vaga causou um enorme impacto na economia mundial, forçando as empresas a adaptarem a forma como o trabalho é organizado, como os empregos são projetados e como o contexto de trabalho influencia os comportamentos e ações dos trabalhadores, tornando a orientação da Saúde e Segurança dos trabalhadores um desafio para o Departamento de Gestão dos Recursos Humanos (DGRH) (2). Neste ambiente complexo e desafiador, tornou-se necessário encontrar soluções para garantir a continuidade e competitividade das empresas e ajudar a sua “força de trabalho” a lidar com os adversidades sem precedentes da crise originada por esta pandemia (2) (3).
A Segurança e Saúde dos trabalhadores é essencial nas empresas, pois embora a transmissão zoonótica pareça ter sido a fonte original da infeção por SARS-CoV-2, na atualidade esta é predominante de humano para humano (4), que ocorre por contacto direto por via respiratória, quer através de gotículas (saliva ou secreções) ou partículas produzidas essencialmente durante procedimentos geradores de aerossóis, ou indireto através do contacto com uma superfície ou objeto contaminado (4), tornando o SARS-CoV-2 um agente de risco biológico presente nos locais de trabalho.
Salienta-se que o período de incubação da COVID-19 é em média de 5 a 6 dias, mas pode durar até aos 14 dias, tendo como sintomas mais frequentes: a febre (temperatura ≥ 38,0ºC) sem outra causa atribuível; tosse de novo, agravamento do padrão habitual ou associada a cefaleia ou mialgias; a dificuldade respiratória/dispneia, sem outra causa atribuível; anosmia total ou parcial e ageusia ou disgeusia de início súbito (1). O risco de contrair a infeção depende do nível de exposição do indivíduo, sendo que a razão para a rápida disseminação inclui alta transmissibilidade do SARS-CoV-2, especialmente entre portadores assintomáticos ou oligossintomáticos (5).
Assim, com a suspensão/levantamento das medidas restritivas impostas no âmbito da COVID-19 após a primeira vaga, e de acordo com a natureza de negócio das empresas, foi fundamental que o DGRH em conjunto com Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) implementassem medidas preventivas nos locais de trabalho, de forma a que os trabalhadores (con)vivam e trabalhem com Saúde, Segurança e bem-estar (2)(6).
Neste sentido, é necessário que as entidades atrás mencionadas (re)avaliem os riscos e adotem medidas de prevenção e de proteção dos trabalhadores à infeção por SARS-CoV-2, visando garantir o funcionamento da empresa e, simultaneamente, evitar o absentismo ao trabalho, doença, perdas económicas e de produção (6).
Para uma adequada prevenção de infeção por SARS-CoV-2 na empresa, estas entidades, devem implementar um Programa de Prevenção COVID-19 (7), em conformidade com as orientações da Direção Geral da Saúde (6) e definindo como medidas de prevenção e de proteção: higiene das mãos; etiqueta respiratória; distanciamento social; higienização e desinfeção de superfícies; auto monitorização de sintomas; proteção individual e coletiva; e (in)formação, assegurando locais de trabalho seguros e saudáveis.
Indo ao encontro das recomendações da OMS, monitorizar as mudanças de seroprevalência ao longo do tempo é crucial para antecipar a dinâmica da pandemia e planear uma resposta adequada de saúde pública para conter a propagação do SARS-CoV-2 (8), nomeadamente nas empresas.
Neste contexto, pesquisas de seroprevalência são de extrema importância para avaliar a proporção da população trabalhadora que já desenvolveu anticorpos contra o SARS-CoV-2, a qual pode apresentar proteção imunológica contra uma subsequente infeção, assim como rastrear os trabalhadores assintomáticos ou oligossintomáticos, contabilizar a fração da população trabalhadora exposta, produzir informação sobre a estratégia de imunidade de grupo e auxiliar no planeamento e definição das políticas internas de atuação para controlo desta pandemia nas empresas (5).
Os testes serológicos avaliam os anticorpos que são formados pelo sistema imunitário em resposta à infeção por SARS-CoV-2, que podem ser detetados no sangue total, plasma ou soro (9). Os anticorpos são proteínas, denominadas imunoglobulinas (Ig), sendo geralmente avaliados três tipos de anticorpos em resposta à infeção: a imunoglobulina A (IgA), imunoglobulina M (IgM) e imunoglobulina G (IgG) (9). A cinética da resposta humoral na infeção por SARS-CoV-2 inicia-se por volta do quinto a sexto dias e os anticorpos aumentam e diminuem em momentos diferentes após o início dos sintomas, sendo que a IgG é o que persiste por mais tempo e pode refletir a imunidade presumida (9)(10)(11).
O DGRH e o SSO devem ajustar as suas estratégias à medida que novas evidências relacionadas com a COVID-19 se tornam disponíveis (12), assegurando uma permanente atualização do Programa de Prevenção na empresa.
OBJETIVOS
Avaliar a prevalência de anticorpos específicos contra o SARS-CoV-2 e analisar a imunidade presumida ao SARS-CoV-2 numa amostra de trabalhadores de uma empresa da região de Aveiro.
QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO
Qual a prevalência de anticorpos contra SARS-CoV-2 e a imunidade presumida em trabalhadores de uma empresa da região de Aveiro após a primeira vaga da COVID-19?
METODOLOGIA
Desenvolveu-se um estudo observacional, numa população de 400 trabalhadores de uma empresa da região de Aveiro, o qual foi estimada uma amostra de 197 trabalhadores para uma margem de erro de 5% e grau de confiança de 95%.
Foram tidos em consideração os princípios éticos. O estudo foi aprovado pela direção do DGRH da empresa e solicitado o consentimento informado aos trabalhadores que aceitaram participar no estudo, o qual foi realizado de acordo com a Declaração de Helsínquia e a Convenção de Oviedo. Os trabalhadores da amostra foram informados sobre os objetivos e procedimentos do estudo, tendo-lhes sido assegurada a proteção e confidencialidade dos seus dados.
Estes foram incluídos independentemente de terem, ou não, infeção prévia por SARS-CoV-2, convocados aleatoriamente, sendo-lhes colhida uma amostra de sangue total capilar e realizado o teste Tell Me Fast Rapid Diagnostic Test Coronavirus (COVID-19) IgG/IgM Antibody Test (S/P/WB); a avaliação serológica decorreu entre 14 de maio a 28 de junho de 2020.
Este teste serológico é um ensaio imunocromatográfico in vitro rápido, qualitativo de membrana, destinado à deteção e diferenciação de anticorpos IgG e IgM do SARS-CoV-2 em amostra de soro humano, plasma ou sangue total, com uma sensibilidade de 92% e especificidade de 99,5% e um tempo para interpretação de dez a quinze minutos, fornecendo um diagnóstico presumível de rastreio preliminar para infeção por SARS-CoV-2. Para que o teste seja válido podem ser interpretados quatro resultados: IgG Positivo- são visíveis na cassete de teste a linha de controle (C) e a linha de IgG (linha de teste 2), o teste é positivo para anticorpos SARS-CoV-2 IgG; IgM Positivo - são visíveis na cassete de teste a linha de controle (C) e a linha de IgM (linha de teste 1), o teste é positivo para anticorpos SARS-CoV-2 IgM; IgG e IgM Positivo- são visíveis na cassete de teste as linhas de controle (C), IgM (1) e IgG (2), o teste é positivo para anticorpos SARS-CoV-2 IgM e IgG; e Negativo- a linha de controle (C) é a única linha visível na cassete de teste, não foram detetados anticorpos SARS-CoV-2 IgG ou IgM.
Os dados colhidos foram armazenados informaticamente numa folha de cálculo, processados e recodificados numa base de dados e dada a sua natureza foram sujeitos a estatística descritiva com recurso ao IBM SPSS® Software, versão 25,0.
RESULTADOS
Durante o período que decorreu a avaliação serológica foi possível realizar o teste a 181 trabalhadores. Estes trabalhadores tinham uma média de idade de 40 anos e 5 meses ± 12 anos e 1 mês, dos quais 85,1% (n=154) eram do sexo masculino.
Constatou-se que: 96,6% (n=175) dos trabalhadores apresentou IgG/IgM Negativo, indicando que não tiveram contacto com o SARS-CoV-2 ou não desenvolveram anticorpos; 0% apresentou IgG Negativo/IgM Positivo; 1,7% (n=3) apresentou IgG/IgM Positivo, apontando que tiveram contacto recente com SARS-CoV-2 e estavam numa fase aguda da resposta imunitária; 1,7% (n=3) apresentaram IgG Positivo/IgM Negativo, sugerindo uma infeção não recente, estando numa fase mais tardia da resposta imunitária.
Os dados permitiram estimar em 3,4% (n=6) a prevalência da infeção associada ao SARS-CoV-2 nos trabalhadores da empresa, após primeira vaga da pandemia.
DISCUSSÃO
Este foi um estudo de seroprevalência contra SARS-CoV-2 em trabalhadores, no qual se estimou em 3,4% a prevalência da infeção associada ao SARS-CoV-2 nos trabalhadores da empresa, após primeira vaga da pandemia COVID-19, a qual vai de encontro com os outros estudos nacionais (13) e internacionais (14)(15).
Dos 181 trabalhadores avaliados, presumiu-se que a maioria dos trabalhadores (96,6%) não tiveram contacto com o SARS-CoV-2 ou não desenvolveram anticorpos SARS-CoV-2 IgG/IgM, salientando que o tempo de deteção dos anticorpos após infeção por SARS-CoV-2 depende da sensibilidade do imunoensaio e do decurso da infeção (10), assim como da existência de indivíduos que podem demorar mais tempo para seroconverter, dependendo do seu estado imunológico, ou simplesmente podem nunca seroconverter se forem significativamente imunossuprimidos (16).
Os trabalhadores que apresentaram anticorpos SARS-CoV-2 IgG/ IgM Positivo (1,7%), evidenciaram contacto recente com o vírus SARS-CoV-2, pois os anticorpos IgA e IgM são os primeiros anticorpos produzidos em resposta à exposição inicial a este vírus. Os anticorpos IgG aparecem em fase posterior (11). De acordo com o estudo de Guo et al. (10), o anticorpo SARS-CoV-2 IgM é um marcador de infeção recente ou aguda e pode ser detetado entre o terceiro e o sexto dias e o IgG pode ser detetado entre o décimo e décimo oitavo dias após o início dos sintomas, permitindo apontar que estes trabalhadores estariam na fase aguda da resposta humoral para o SARS-CoV-2 (10 a 15 dias após a infeção).
Na evolução da infeção por SARS-CoV-2, o anticorpo SARS-CoV-2 IgM começa a diminuir na terceira semana após a infeção, desaparecendo na décima segunda semana (17). Portanto, os trabalhadores que apresentaram IgG Positivo/IgM Negativo (1,7%) apontaram para uma infeção não recente, indicando a reação imuno humoral de proteção contra o vírus SARS-CoV-2 (18). A produção de anticorpos IgG desempenham um papel importante na neutralização do SARS-CoV-2, servindo como memória imunológica e imunidade potencial (11). De acordo com o estudo de Dan et al. (19), o anticorpo IgG é relativamente estável por mais de seis meses. Contudo, o estudo recente de Turner et al. (20) evidencia que os anticorpos séricos anti-SARS-CoV-2 IgG diminuem rapidamente nos primeiros quatro meses após a infeção, mais gradualmente ao longo dos sete meses seguintes, permanecendo detetáveis pelo menos onze meses após a infeção por SARS-CoV-2.
Embora os testes de Reação em Cadeia de Polimerase em Tempo Real (RT-PCR) sejam mais eficientes e específicos para o diagnóstico agudo de infeção por SARS-CoV-2, é necessário a utilização de testes serológicos para fornecer uma indicação sólida de exposição ao SARS-CoV-2 e avaliar a imunidade individual e potencial de grupo (14). Estes testes podem fornecer uma estimativa mais precisa da prevalência cumulativa da infeção numa população em comparação com o teste RT-PCR, já que os anticorpos contra o SARS-CoV-2, em particular os IgG, tendem a persistir por um longo período de tempo depois da infeção por SARS-CoV-2 ser eliminada, detetando casos diagnosticados e não diagnosticados (14).
Compreender e identificar os riscos ocupacionais inerentes ao SARS-CoV-2 é essencial para a conceção de medidas de prevenção no local de trabalho, pelo que o DGRH conjuntamente com o SSO devem implementar um Programa de Prevenção COVID-19 nas empresas (7), o qual inclua uma combinação de medidas que limitam a disseminação da COVID-19 nos locais de trabalho (6).
O DGRH assume assim a responsabilidade de manter a sua “força de trabalho” e os clientes em segurança, dispondo das seguintes estratégias: adoção do teletrabalho para os trabalhadores dispensáveis de presença física; implementação de horários de trabalho para diferentes grupos de trabalhadores quando em presença física nos locais de trabalho; promoção de medidas de proteção individual rigorosas, como o distanciamento físico, uso de máscaras de proteção e equipamentos de proteção individual adequados à função; melhorar a ventilação e fornecer equipamentos para uma boa higiene, rotina de limpeza e desinfeção das instalações (2)(6)(7). Ao SSO cabe a responsabilidade de identificar os fatores de risco de infeção por SARS-CoV-2 e implementar as medidas de prevenção adequadas, de forma a assegurar locais de trabalho seguros e saudáveis, inclusive para os trabalhadores em teletrabalho; bem como sensibilizar, informar e treinar os trabalhadores para respeitarem as medidas de prevenção implementadas no local de trabalho (2)(6).
A baixa seroprevalência constatada pode também refletir a eficácia das medidas adotadas pela implementação de um Programa de Prevenção COVID-19 na empresa, o qual foi designado por Plano de Contingência da COVID-19.
CONCLUSÃO
Conclui-se uma seroprevalência contra SARS-CoV-2 baixa entre os trabalhadores da empresa (3,4%), em linha com outros estudos realizados a nível nacional e internacional, significando uma baixa imunidade de grupo presumida e um potencial risco de infeção por SARS-CoV-2 na comunidade trabalhadora da empresa.
O DGRH da empresa deve planear e implementar horários de trabalho desfasados das equipas de trabalhadores considerando o seu contexto, de forma a promover o distanciamento social e garantir o respeito das medidas de proteção implementadas, bem como o fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva, para garantir a segurança dos trabalhadores.
A Equipa do SSO deve identificar potenciais riscos de infeção por SARS-CoV-2 nos locais de trabalho, conceber estratégias e implementar medidas adicionais e preventivas, que contribuam para diminuir a taxa de incidência SARS-CoV-2 nos trabalhadores e prevenir um potencial surto na empresa.
Evidencia-se assim a importância de (in)formar os trabalhadores para aderirem ao plano de contingência COVID-19 da empresa.