INTRODUÇÃO
A pandemia da doença coronavírus 2019 (COVID-19) tornou-se uma crise de saúde mundial sem precedentes, opressora e desafiadora, tanto para as instituições de saúde, como para os indivíduos. Aos profissionais de saúde de primeira linha gerou ansiedade e medo não só por eles mesmos, como também pelas suas famílias (1). Alguns estudos indicam que os profissionais de saúde já se encontram sob maior risco de efeitos negativos do stress crónico e que os médicos exibem taxas mais elevadas de depressão e ansiedade em relação a outros grupos profissionais. Apesar de uma diminuição na taxa de suicídio em médicos nos últimos trinta anos, as licenciadas em medicina humana continuam a ter maior risco de suicídio do que outras profissionais como professoras, veterinárias, farmacêuticas e/ou dentistas (2).
A Síndrome de Burnout (SB) foi descrita pela primeira vez em 1974 (3) e definida como a resposta a um longo período de stress devido a condições laborais desfavoráveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) na última versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) definiu-a como “uma síndrome que deriva do stress crónico no local de trabalho” que se caracteriza por três dimensões: 1) sentimentos de falta de energia ou esgotamento; 2) maior distanciamento mental do próprio trabalho ou sentimentos de negativismo/cinismo relacionados com o trabalho e 3) eficácia profissional reduzida (4).
As dimensões referidas aos fenómenos relacionados com o contexto profissional apresentam-se em trabalhadores de todos os ramos, sendo os do setor de saúde afetados entre 25 e 75%, em função da área de trabalho, especialidade e país (5), que por sua vez se pode repercutir na qualidade da prestação do atendimento ou do serviço aos pacientes (5) (6).
A pandemia por COVID-19 potenciou as tarefas e o número de indivíduos atendidos nos serviços de saúde, um aumento que mesmo em alguns países desenvolvidos levou ao colapso dos mesmos, devido à falta de recursos humanos e materiais. Esta emergência fez com que o excesso de trabalho do profissional de saúde se tornasse desgastante, por vezes com os dias de trabalho contínuo sem descanso, levando à exaustão física e mental. O regime de trabalho imposto com o surgimento desta pandemia aumentou a carga de serviço nas unidades de saúde, as contínuas demandas físicas e emocionais que os profissionais de saúde são expostos predispõem ao desenvolvimento desta síndrome (7) (8) (9) (10) (11) (12) (13).
Todos os profissionais de saúde, principalmente os da primeira linha de combate contra a pandemia da COVID-19 estão expostos a condições que potencialmente podem afetar a sua saúde mental, devido não só à pressão assistencial e à elevada carga horária devido à demanda, como também a contínua preocupação por adoecer e propagar a infeção para com os seus familiares. A exposição a um ambiente com muitos fatores stressantes, somado ao aumento da carga laboral, mortes/casos críticos e/ou escassez de meios de proteção, podem aumentar o risco de SB (12) (13).
Esta síndrome está presente em muitos países com elevada morbilidade e mortalidade por COVID-19; em Angola, tem-se verificado um crescente aumento do número de casos e de óbitos desde Maio de 2020 (14), apesar de possuir uma infraestrutura de saúde e condições humanas e materiais mais desfavoráveis para enfrentar o evento em caso de aumento descontrolado de casos, quando comparada com outros países.
Deste modo, a relevância de um estudo que permita identificar a vulnerabilidade de profissionais de saúde angolanos que assistem os casos suspeitos e confirmados de COVID-19, estabelecendo a frequência da mesmo e das suas três dimensões, considerando alguns fatores sociodemográficos e de condições de trabalho, permitirá auxiliar na previsão das consequências e contribuir para aumentar a qualidade do trabalho, sem diminuir a qualidade de vida do trabalhador perante um cenário catastrófico da pandemia.
OBJETIVOS
Geral: Determinar a prevalência da SB nos Profissionais de Saúde que assistem os casos suspeitos e confirmados de COVID-19 em Angola, de Maio a Setembro de 2020.
Específicos:
MATERIAL E MÉTODO
Desenho do estudo e participantes:
Realizou- se uma pesquisa observacional, descritiva e transversal entre os meses de Maio a Setembro de 2020, sendo população do estudo todos os profissionais da saúde que trabalham em instituições dedicadas ao atendimento de casos suspeitos e confirmados de COVID-19 nas províncias de Luanda e Benguela.
Os dados foram colhidos através de um questionário subdividido em duas partes: a primeira incluiu dados sociodemográficos tais como idade sexo, estado civil, número de filhos, nível de escolaridade, categoria profissional e tempo de serviço como profissional de saúde, instituição e o serviço em que desempenha funções, horas de trabalho por semana dedicados à assistência no período da COVID- 19 e número de pacientes que atende em média numa semana. A segunda parte reportou à versão original do Inventário de Burnout de Maslach: Maslach Burnout Inventory Human Services Survey (MBI-HSS) (14). O MBI-HSS está desenhado e validado para medir sentimentos de Burnout entre pessoas que trabalham oferecendo serviços, incluindo-se nestes os médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde. O questionário estava constituído por tem 22 itens, cada um respondido de acordo com uma escala de Likert pontuado entre 0 e 6 (0=nunca a 6=diariamente), dividido em três subescalas:
-Esgotamento ou cansaço emocional (CE), que valoriza a vivência de estar exausto emocionalmente pela demanda do trabalho; é constituída por nove itens e uma pontuação máxima de 54.
-Despersonalização (DP), que valoriza o grau em que cada um reconhece atitudes (frieza) e distanciamento; é composta por cinco itens e tem uma pontuação máxima de 30.
-Realização pessoal (RP) avalia sentimentos de autoeficiência e realização pessoal no trabalho; nela estão inseridos 8 itens e uma pontuação máxima de 48.
As respostas em cada item foram somadas, bem como a pontuação total de cada subescala e classificadas em nível alto, médio e baixo, conforme a descrição da tabela 1.
Subescala | Baixo | Médio | Alto |
---|---|---|---|
Esgotamento ou cansaço emocional | 0 - 18 | 19 - 26 | 27 - 54 |
Despersonalização | 0 - 5 | 6 - 9 | 10 - 30 |
Realização pessoal | 0 - 33 | 34 - 39 | 40 - 56 |
O diagnóstico de SB era realizado quando a pontuação era alta nas duas primeiras subescalas e baixa na terceira.
A análise dos dados foi realizada com a ferramenta Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21. Para a análise univariada no caso de variáveis qualitativas, utilizaram-se frequências absolutas (número de casos) e frequências relativas (proporção) e, para as variáveis quantitativas, empregou-se uma medida de tendência central (média).
A participação da investigação foi voluntária com prévio consentimento informado. O projeto da pesquisa foi aprovado pelo comité de ética do Ministério da Saúde de Angola (MINSA). As instituições envolvidas autorizaram a execução do estudo e a respetiva publicação de dados.
RESULTADOS
Participaram na investigação 250 profissionais; destes, 196 trabalham em quatro instituições de atendimento a casos suspeitos e confirmados de COVID-19 da província de Luanda e os restantes em duas instituições de Benguela.
Nas tabelas 2 to 3 demonstra-se a distribuição das variáveis demográficas por províncias e sexo. Entre os participantes predominou o sexo feminino, com mais de 60℅.
Variável | Provincia | p valor | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Luanda | Benguela | |||||||
n | % | n | % | N | % | |||
Sexo | Feminino | 123 | 62,8 | 38 | 70,4 | 0.301 | 161 | 64,4 |
Masculino | 73 | 37,2 | 16 | 29,6 | 89 | 35,6 | ||
Total | 196 | 100,0 | 54 | 100,0 | 250 | 100,0 | ||
Grupos de idade | 19 a 29 | 72 | 37,3 | 17 | 31,5 | 0.509 | 89 | 36,0 |
30 a 39 | 55 | 28,5 | 16 | 29,6 | 71 | 28,7 | ||
40 a 49 | 50 | 25,9 | 13 | 24,1 | 63 | 25,5 | ||
50 a 59 | 16 | 8,3 | 8 | 14,8 | 24 | 9,7 | ||
Total | 193 | 100,0 | 54 | 100,0 | 247* | 100 | ||
Escolaridade | Concluído 2º Ciclo | 79 | 52,3 | 26 | 50,0 | 0.362 | 105 | 43,2 |
Licenciatura | 94 | 62,3 | 25 | 48,1 | 119 | 49 | ||
Mestrado | 5 | 3,3 | 1 | 1,9 | 6 | 2,5 | ||
Especialidade | 11 | 7,3 | 0 | 0,0 | 11 | 4,5 | ||
Doutoramento | 2 | 1,3 | 0 | 0,0 | 2 | 0,8 | ||
Total | 191 | 78,6 | 52 | 21,4 | 243* | 100 | ||
Especialidade | Enfermeiro | 83 | 51,9 | 38 | 76,0 | 0.012 | 121 | 57.7 |
Técnico de Diagnóstico e Terapêutica Médica | 37 | 23,1 | 5 | 10,0 | 42 | 20 | ||
Médico Especialista | 29 | 18,1 | 7 | 14,0 | 36 | 17.1 | ||
Outros | 11 | 6,9 | 0 | 0,0 | 11 | 5.2 | ||
Total | 160 | 76.2 | 50 | 23.8 | 210* | 100 | ||
Estado civil | Casado | 126 | 64.9 | 40 | 75.5 | 0.382 | 166 | 67.2 |
Divorciado | 67 | 34.5 | 13 | 24.5 | 80 | 32.4 | ||
Solteiro | 1 | 0.5 | 0 | 0.0 | 1 | 0.4 | ||
Total | 194 | 78.5 | 53 | 21.5 | 247* | 100 |
*Estes totais diferem do universo de estudo (250) porque correspondem aos sujeitos de estudo que responderam esse item.
Variável | Sexo | p valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Feminino | Masculino | |||||
n | % | n | % | |||
Grupos de idade | 19 a 29 | 49 | 30,8 | 40 | 45,5 | 0,055 |
30 a 39 | 48 | 30,2 | 23 | 26,1 | ||
40 a 49 | 42 | 26,4 | 21 | 23,9 | ||
50 a 59 | 20 | 12,6 | 4 | 4,5 | ||
Total | 159 | 100,0 | 88 | 100,0 | ||
Escolaridade | Concluído 2º Ciclo | 65 | 41,4 | 40 | 46,5 | 0,772 |
Licenciatura | 78 | 49,7 | 41 | 47,7 | ||
Mestrado | 5 | 3,2 | 1 | 1,2 | ||
Especialidade | 8 | 5,1 | 3 | 3,5 | ||
Doutoramento | 1 | 0,6 | 1 | 1,2 | ||
Total | 157 | 64,6 | 86 | 35,4 | ||
Especialidade | Enfermeiro | 84 | 60,0 | 37 | 52,9 | 0,142 |
Técnico de Diagnóstico e Terapêutica Médico | 22 | 15,7 | 20 | 28,6 | ||
Médico Especialista | 27 | 19,3 | 9 | 12,9 | ||
Outros | 7 | 5,0 | 4 | 5,7 | ||
Total | 140 | 66,7 | 70 | 33,3 | ||
Estado civil | Casado | 107 | 66,9 | 59 | 67,8 | 0,382 |
Divorciado | 53 | 33,1 | 27 | 31,0 | ||
Total | 160 | 65,0 | 86 | 35,0 |
A média de idade foi de 34-35 anos, a faixa etária com mais profissionais foi a de 19 a 29 anos e com menos profissionais representados foi a de 50 a 59 anos. O nível de escolaridade mais frequente foi a licenciatura, seguido de segundo ciclo concluído, que em conjunto superam os 80%. Relativamente ao estado civil predominam os casados (superior a 65%). Mais de 50% dos profissionais entrevistados são Enfermeiros, seguido de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica (20%) e Médicos Especialistas (17,1%) com as especialidades de cuidados intensivos, pediatra, pneumologia, anestesiologia, dermatologia, hematologia, medicina interna, medicina geral integral e nefrologia. Não existem diferenças estatisticamente significativas para a especialidade em relação ao sexo, mas sim em relação às províncias (p=0,012), correspondendo a Benguela uma maior percentagem de Enfermeiros e mais baixo de Médicos Especialistas e Técnicos de Diagnóstico, em conformidade com as tabelas 2 to 3.
Em Benguela o número médio de filhos é superior a Luanda (4,04 versus 2,59) (p₌ 0,001). O tempo médio de serviço em Luanda é de 10,95 anos e em Benguela 10,35 anos (p=0,645). Os profissionais de Luanda atendem semanalmente uma média 61 pacientes e em Benguela 12 e trabalham em média nas duas províncias 90 h por semana.
Os valores médios de cada uma das subescalas do MBI- HSS mostram-se na tabela 4.
Subescala de MBI-HSS | Sexo | T | p<0.05 | Provincia | T | p<0.05 | Total | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Feminino n=161 | Masculino n=89 | Luanda n=196 | Benguela n=54 | ||||||
CE | 3,171 | 0,002 | 1,990 | 0,048 | |||||
Média | 30,9 | 25,7 | 29,92 | 26,04 | 29,08 | ||||
Desvio | 12,3 | 12,9 | 12,84 | 12,21 | |||||
Error | 0,97 | 1,3 | 0,92 | 1,66 | |||||
DP | 2,365 | 0,019 | -0,051 | 0,959 | |||||
Promédio | 11,7 | 9,82 | 11,09 | 11,04 | 11,07 | ||||
Desviação típica | 6,51 | 5,708 | 6,45 | 5,75 | |||||
Error | 0,51 | 0,605 | 0,461 | 0,784 | |||||
RP | -0,335 | 0,738 | 4,048 | 0,000 | |||||
Promédio | 41,4 | 41,72 | 42,50 | 37,87 | 41,5 | ||||
Desviação típica | 7,5 | 7,84 | 6,22 | 10,79 | |||||
Error | ,59 | ,832 | 0,445 | 1,46 |
Legenda: Cansaço Emocional (CE) Despersonalização (DP) Realização Profissional (RP)
Uma análise mais detalhada pelo sexo e residência revela valores médios significativamente superiores de cansaço emocional e despersonalização no sexo feminino e maior realização pessoal entre os profissionais de Luanda (p=0,000). Nas tabelas 5 to 6 apresenta-se distribuição por classes das três subscalas de MBI-HSS.
Variáveis | Classes | Sexo | U de Mann-Whitney | p<0.05 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Feminino n=161 | Masculino n=89 | ||||||
n | % | n | % | ||||
Cansaço emocional | Baixo | 32 | 19,9 | 35 | 39,3 | 5.484,5 | 0,000 |
Médio | 30 | 18,6 | 17 | 19,1 | |||
Alto | 99 | 61,5 | 37 | 41,6 | |||
Despersonalização | Baixo | 37 | 23,0 | 30 | 33,7 | 6224 | 0,058 |
Médio | 32 | 19,9 | 18 | 20,2 | |||
Alto | 92 | 57,1 | 41 | 46,1 | |||
Realização pessoal | Baixo | 24 | 14,9 | 12 | 13,5 | 6853,5 | 0,475 |
Médio | 25 | 15,5 | 11 | 12,4 | |||
Alto | 112 | 69,6 | 66 | 74,2 | |||
Diagnóstico | Sem Síndrome Burnout | 151 | 93,8 | 85 | 95,5 | 6174 | 0,017 |
Com Síndrome Burnout | 10 | 6,2 | 4 | 4,5 |
Nas três subescalas predominam os valores altos em ambos sexos e províncias.
Por exemplo, na subescala cansaço emocional predominam valores altos, superior em homens com 30,9 pontos, em relação às mulheres com 25,7 pontos. Na subescala despersonalização, na pontuação geral predominam valores altos, com pontuação superior nos homens em relação às mulheres, isto é 11,7 e 9,8 respetivamente. A realização pessoal teve uma pontuação de forma geral alta com valores superiores em mulheres com 41,7 em relação a 41,3 nos homens.
Variáveis | Classes | Província | U de Mann-Whitney | p<0.05 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Benguela n=54 | Luanda n=196 | ||||||
n | % | n | % | ||||
Avaliação do Cansaço emocional | Baixo | 18 | 33,3 | 49 | 25,0 | 4507,5 | 0,06 |
Médio | 13 | 24,1 | 34 | 17,3 | |||
Alto | 23 | 42,6 | 113 | 57,7 | |||
Avaliação da Despersonalização | Baixo | 12 | 22,2 | 55 | 28,1 | 4848 | 0,30 |
Médio | 10 | 18,5 | 0 | 0,0 | |||
Alto | 32 | 59,3 | 101 | 51,5 | |||
Avaliação Realização pessoal | Baixo | 13 | 24,1 | 23 | 11,7 | 3665 | 0,00 |
Médio | 16 | 29,6 | 20 | 10,2 | |||
Alto | 25 | 46,3 | 153 | 78,1 | |||
Diagnóstico | Sem Síndrome Burnout | 49 | 90,7 | 187 | 95,4 | 5024,5 | 0,45 |
Com Síndrome Burnout | 5 | 9,3 | 9 | 4,6 |
Em relação à comparação entre províncias as pontuações foram altas em toda as subescalas. O cansaço emocional predomina a média de valores altos em Luanda (29,9 pontos sobre Benguela com 26,4 pontos. De igual modo sucedeu com a despersonalização com resultados superiores em Luanda em relação a Benguela com 11,09 e 11,04 pontos, respetivamente. Em relação à realização pessoal foi igualmente superior em Luanda (42,5 pontos) enquanto que em Benguela apresentou-se com 37,8 pontos.
A prevalência de SB foi de 9,3% entre os profissionais de Luanda e 4,6% de Benguela, sem diferenças significativas entre mulheres e homens (6,2 versus 4,5).
Encontraram-se diferenças significativas no cansaço emocional, que é maior entre as mulheres (p=0,000) e na realização pessoal que tem uma pontuação superior em Luanda (p=0,000) (tabelas 5 to 6).
DISCUSSÃO
Embora não tenham sido encontradas investigações sobre o tema em profissionais de saúde angolanos, nem antes, nem depois do início da pandemia da COVID-19 e as revisões sistemáticas em países da África Subsaariana e a nível global, apresentarem prevalências díspares entre 40 a 80% e de 0 a 81 %, respetivamente, antes da pandemia (15,16); entre os profissionais de saúde existem amplas variações de SB e seus componentes (5,17-27). Porém, torna-se difícil a comparação por uma série de fatores, entre elas as características da população do estudo, a heterogeneidade de instrumentos de medição e de critérios diagnósticos utilizados, pois não existe consenso em como medir o SB (15,26,27). O método utilizado nesta pesquisa (MBI-HSS), na sua versão original de 22 itens e empregue com critérios diagnósticos CE ≥ 27, DP ≥ 10 e RP ≤ 33) é o mais amplamente utilizado e com ele obtém-se as mais baixas estimativas de prevalência, que oscilam entre 2,6% e 11,8% (15), encontrando-se os resultados desta pesquisa dentro desse intervalo. Os resultados mostram uma prevalência de SB de 9,3% entre os profissionais que assistem os casos suspeitos e confirmados de COVID-19 em Luanda e 4,6% nos de Benguela, durante a etapa inicial da pandemia.
Apesar da baixa prevalência de SB no nosso estudo, viram-se afetadas as dimensões correspondentes ao CE e a DP, em ambos sexos e nas províncias estudadas, sendo a primeira mais marcada. Estes resultados são importantes porque o SB tem uma instauração insidiosa sendo o cansaço emocional a manifestação mais evidente reportada. A manifestação da despersonalização e a redução da realização pessoal constituem a qualidade central do SB. Provavelmente uma situação laboral com exigências crónicas e exageradas que conduzem ao CE e à DP deterioram o sentido de eficácia, porque é difícil obter uma sensação de alcance, quando se sente esgotado e indiferente não atendendo corretamente e com a dedicação necessária os seus pacientes (28). A partir deste preceito justifica-se que nos profissionais angolanos, apesar da existência de CE e DP elevadas, se manifeste um sentido de realização pessoal elevado, resultado similar reportado por investigadores de outros países (22,25). Tal achado poderá se justificar (na opinião dos autores) pelo facto de que os profissionais realizavam com satisfação as tarefas que lhes eram incumbidas e ainda não se fazia sentir a sobrecarga da pandemia.
Entre os profissionais estudados predominam as mulheres, com valores mais acentuados de CE e SB. Existem múltiplos fatores que conduzem ao CE, sendo a sobrecarga laboral a mais importante (29) e habitualmente superior nas mulheres, porque sobre elas recai mais o peso e responsabilidades familiares, o que as torna mais suscetíveis a desenvolver SB ou outros transtornos psíquicos (26) (29) (30).
Durante o período de combate da pandemia, estudos em diferentes países desenvolvidos mostram outros elementos contribuintes para o CE, como a carência de recursos materiais (desde camas hospitalares e ventiladores, até equipamentos de proteção pessoal de qualidade e a inexperiência na atenção a pacientes graves e com doenças infeciosas (6) (12) (13). Nos países em desenvolvimento como Angola, estas situações são ainda mais desfavoráveis.
Em virtude dos profissionais de saúde serem mais vulneráveis a problemas de saúde mental que, por sua vez, se repercute na qualidade dos cuidados prestados aos pacientes (31,32) e no contexto da emergência internacional que representa a pandemia da COVID-19, a OMS e investigadores de diferentes países propõem a instauração de medidas organizativas e programas encaminhados à sua prevenção, deteção e tratamento precoce (33-35), que já se realizam em muitos países (36,37) e obviamente seriam mais necessários nos países mais desfavorecidos, onde as condições de trabalho têm maior complexidade.
CONCLUSÃO
Apesar da frequência do SB ser baixa entre os profissionais de saúde que assistem casos suspeitos e confirmados COVID-19 em Angola, o facto de existirem elevados níveis de cansaço emocional e despersonalização no início da pandemia é preditor da possibilidade de se vir a desenvolver a SB ante uma demanda de trabalho maior desencadeada pelo agravamento da situação epidemiológica. Este elemento deve ser tomado em conta pelos gestores do sistema de saúde para salvaguardar o bem-estar dos profissionais e de quem recebe os seus cuidados. As medidas sugeridas vão de encontro a algumas inquietações que os profissionais apresentaram enquanto respondiam ao questionário, nomeadamente: turnos de trabalho com períodos mais reduzidos; integração de mais profissionais em equipas de serviço desfalcadas; incentivo às pausas ao longo do dia, alimentação adequada conforme o horário do dia e rica em nutrientes; criação de programas de apoio social, incentivo à prática de exercícios fisicos e de relaxamento, pagamento mensal dos subsídios de risco epidemiológico da COVID-19; EPIs disponíveis em quantidade e qualidade segundo o risco de contágio; maior disponibilidade de medicamentos e materiais de monitorização clínica dos doentes graves; integração de médico especialista em cuidados intensivos em cada turno de trabalho; bem como apoio e acompanhamento psicológico.